FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UMA REFLEXÃO SOBRE AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE LICENCIANDOS DE BIOLOGIA Ronaldo Gazal Rocha* Faculdades Integradas “Espírita” Resumo Podemos afirmar que o Estágio Supervisionado é um momento crucial do processo de formação de professores, onde é possível reconhecer os conhecimentos apreendidos durante a formação acadêmica, bem como a implementação de experiências diretamente relacionadas ao ciclo docente. Como forma de preparar o futuro profissional, os estágios acabam por possibilitar a aplicação e reflexão de diferentes práticas pedagógicas. O presente artigo pretende discutir determinados aspectos relacionados a essas práticas vigentes, durante o ano de 2001, junto à disciplina de Prática de Ensino das Faculdades Integradas “Espírita”. Através da análise dos relatórios finais de estágio procurou-se caracterizar o processo de formação acadêmica dos licenciandos e, ao mesmo tempo, evidenciar possíveis contradições, especialmente, entre o discurso apresentado pelos professores e a ação dos alunos-professores em sala de aula. Diante de um quadro estruturado a partir de espaços inadequados para o bom desenvolvimento de atividades criativas e desafiadoras, muitos licenciandos são tomados pela desmotivação, desinteresse ou acomodação dos professores que se baseiam em um modelo metodológico passivo de aula expositiva, apoiada na leitura do livro didático e na elaboração de textos meramente descritivos. Sendo assim, as atividades não privilegiam a “construção” do conhecimento e acabam por reforçar a falta de interesse e a indisciplina dos alunos. Contudo, apesar da crítica dos licenciandos a esses diversos aspectos, a prática pedagógica é estabelecida seguindo o modelo aprendido em suas vidas acadêmicas e não a forma como foram ensinados a ensinar. A análise reflexiva das licenciaturas possibilita questionar se não tomamos por referência procedimentos discursivos que se colocam de maneira liberal, enquanto, concretamente, agimos de forma dogmática. Palavras-chaves: Formação de professores; Práticas Pedagógicas; Prática de Ensino; Ensino de Biologia. Introdução Ainda que pouco freqüente as discussões a respeito da Prática de Ensino (PE) nos cursos de Licenciatura em Ciências, o Estágio Supervisionado (ES) poderia _____ * Professor de Prática de Ensino e Coordenador de Estágios. e-mail: [email protected] 1927 ser considerado o momento em que os futuros professores poderão, na realidade, demonstrar os conhecimentos obtidos ao longo de todo o seu processo de formação acadêmica, contemplando seus mais diferentes aspectos e, ao mesmo tempo, em possibilitando a vivência do ciclo docente (planejamento, execução e avaliação) em sua plenitude. Idealizada dessa forma, a PE visa preparar o licenciando para seu futuro desempenho profissional. Com o propósito de aproximação e integração do ensino superior à comunidade local, a disciplina de PE, limitada inicialmente à sala de aula, busca desenvolver atividades pedagógicas que possibilitem o maior número de experiências de ensino. É um momento que deve funcionar como um verdadeiro laboratório de testagem das múltiplas tarefas docente, ao mesmo tempo em que propicie a aplicação de diferentes técnicas de ensino. Ainda que a PE integre juntamente com a Didática, a Metodologia e as demais disciplinas profissionalizantes1, a área de formação específica do professor de Biologia/Ciências recai sobre essa um “peso” maior no processo como um todo, já que se espera do aluno-professor a capacidade de demonstrar suas habilidades, atitudes e conhecimentos acumulados durante toda a sua formação acadêmica. No curso de Licenciatura Plena em Ciências das Faculdades Integradas “Espírita” (FIEs), as disciplinas funcionam em regime anual variando o número de horas-aula das básicas e das profissionalizantes. Em 2001, à época do estudo, a disciplina específica de PE contava com um tempo letivo semanal de 04 horas, e acontecia simultaneamente as outras disciplinas “pedagógicas” como a Didática (03 horas-aula), a Instrumentação para o Ensino de Biologia (01 hora-aula) e a Metodologia do Ensino de Biologia (03 horas-aula). Por inúmeras vezes, tal situação 1928 tornava difícil a utilização de conhecimentos pedagógicos específicos das outras disciplinas concomitante ao desenvolvimento do ES. Inicialmente, as atividades propostas durante a PE procuravam fazer com que a disciplina não se transformasse em uma exposição simples de métodos, técnicas e materiais de ensino, mas que se organizasse como um espaço privilegiado de análise e discussão dos conhecimentos adquiridos pelos alunos-professores ao longo de sua formação. Assim, a aplicação, interligação e reflexão dos métodos, técnicas e materiais associados aos conteúdos de ensino deveriam possibilitar uma resignificação dos conhecimentos apreendidos e vivenciados em sala de aula. A PE, mais do que uma disciplina, deve ser compreendida, por sua própria natureza, como uma área integradora em que é exigida dos licenciandos, uma ampla e profunda interligação entre os vários campos do saber. Este é um dos motivos que, contrário ao que muitos imaginam, a PE não se trata – nem poderia ser diferente – de uma disciplina “fácil”, onde se explicita o conhecimento acadêmico acumulado do aluno-professor. O nível de abstração exigido é extremamente elevado e, de maneira intrínseca, a efetivação da disciplina decorre da aprendizagem de múltiplos conceitos, amplos e unificadores, teóricos e práticos, de natureza investigativa ou tácita. Trata-se, de fato, da aplicação dessas concepções aos problemas cotidianos da prática pedagógica. Portanto, não se deve imaginar a resignificação da disciplina apenas em relação às teorias de aprendizagem, às concepções científicas ou outros aspectos teóricos, mas, sobretudo, em relação à problematização de atitudes e hábitos experienciados nas salas de aula. Na prática cotidiana, é através do ES que procuramos demonstrar aos alunos a importância do trabalho desenvolvido nas escolas. Proporcionamos a possibilidade de observação da estrutura pedagógico-administrativa e das atividades docentes de 1929 uma unidade escolar típica. Viabilizamos as condições necessárias para a aplicação de diferentes técnicas de ensino, que em muito contribuirão para desenvolver habilidades específicas fundamentais para o desempenho docente eficiente. Sendo assim, não se pretende com esse artigo desvelar aspectos originais da formação de professores de Biologia, mas sim caracterizar e discutir a prática pedagógica adotada pela disciplina de PE nas escolas, ao mesmo tempo em que se buscará correlacionar a prática dos alunos-professores àquelas apreendidas ao longo de sua formação acadêmica. Metodologia Nossa amostra foi constituída por vinte e sete (27) licenciandos do curso noturno de Licenciatura Plena em Ciências – modalidade Biologia que, em 2001, cursavam seu último ano de estudos nas Faculdades Integradas “Espírita”. Os alunos-professores envolvidos no estudo encontravam-se realizando o Estágio Supervisionado junto à disciplina de Prática de Ensino de Biologia e atuavam em três (3) diferentes escolas públicas, de Ensino Fundamental e Médio, de Curitiba. É importante ressaltar que, durante a execução das atividades relacionadas a PE, os licenciandos são levados a realizar o estágio prático nas escolas onde observam, registram e participam do cotidiano escolar. Nesses locais, os futuros professores permanecem sob a orientação de um professor da escola (orientador pedagógico) e de um professor da instituição de ensino superior, a qual estão vinculados (supervisor de estágio). Com o propósito de alcançar o objetivo desse estudo foram analisados os dezoito (18) relatórios finais de estágio. Primeiramente, se buscou levantar, através 1930 das explicitações das observações realizadas pelos licenciandos em sala de aula, as metodologias e recursos mais utilizados pelos professores orientadores. Em um segundo momento, um aprofundamento na leitura dos textos dos relatórios evidenciou as práticas pedagógicas mais freqüentes adotadas pelos próprios alunosprofessores em suas regências. Tal estratégia de investigação foi significativa na caracterização do perfil dos docentes com os quais os licenciandos interagiam e deles próprios no que diz respeito às práticas pedagógicas que esses aplicavam nos espaços escolares. Resultados A análise dos relatórios finais de estágio permitiu caracterizar diferentes aspectos relacionados à prática pedagógica instituída nas escolas onde os estágios ocorreram. Quanto aos espaços escolares propriamente ditos, foi possível perceber que as salas de aula foram inadequadas para o bom desenvolvimento das atividades pedagógicas, quer em função de seu tamanho considerado, a maior parte das vezes, pequeno, quer por seu aspecto geral, freqüentemente, apresentando problemas de vandalismo, pichações e desgaste do mobiliário. A estrutura física disponível para apoio às atividades pode ser considerada boa, com bibliotecas, laboratórios específicos de Ciências/Biologia e de Informática, além de espaços próprios ou adaptáveis para projeção de vídeos. Contudo, o acervo das bibliotecas mostrou-se pequeno e desatualizado, os laboratórios de Ciências/Biologia apresentavam-se com falta de alguns materiais para a realização de práticas específicas de citologia (faltam microscópios), de fisiologia (são escassos 1931 os reagentes químicos), dentre outras, além do fato de muitas vezes terem que ser utilizados como espaços para outras atividades não relacionadas a sua finalidade. “(...) Outro fator importante a ser abordado é a questão da metodologia empregada, pois apesar de dispor de um laboratório amplo e razoavelmente adequado, com muito material, vidraria e um microscópio, de possuir uma sala com 16 computadores e uma sala de vídeo, os professores utilizam somente o quadro-negro, que por sinal é inadequado, devido ao fato de ser muito baixo e já estar desgastado”. (aluno A. F. J.). No que diz respeito ao processo de transmissão-assimilação de conhecimentos, por parte dos licenciandos, é possível dizer que existe uma tendência geral de aprendizagem baseada em modelos mais passivos, repetindo o aprendido no ensino acadêmico ou aquele observado em sala durante o período de observações. De certa forma, a pesquisa permitiu perceber que a “(...) pressuposição da eficiência de um ‘saber’ pedagógico a ser simplesmente incorporado à formação teórica do futuro professor, e de outro lado à crença na figura de um ‘bom professor’ idealizado, para o qual a posse de certos atributos (...) deve ser garantia de êxito na atuação” (CATANI, [198-], p. 161), concretamente, não contribuem para uma prática educativa transformadora. “(...) os professores, em geral, (...), não fazem uso de um planejamento de aula, alegando que, em virtude de já estarem licenciando a algum tempo, não necessitam mais desse recurso, ou seja, não existe uma reciclagem de assuntos e conteúdos, tão pouco inovações nas aulas, que são quase que exclusivamente maçantes, baseadas apenas no livro didático, não possibilitando o desenvolvimento crítico e a aproximação do aluno com a realidade”. (aluno A. F. J.). Os professores orientadores possuem entre 25 e 45 anos, em média, e puderam ser enquadrados conforme o modelo de BIZZO (1991, p. 76) em dois tipos básicos: “(...) de um lado (...) professores experientes, conhecedores de diferentes propostas metodológicas; de outro, (...) profissionais atuando há pouco tempo ou, quando não, ainda completando sua formação de nível superior. Apesar de suas diferenças profissionais, une-os a descrença numa iniciativa metodológica nova”. 1932 Esse quadro pode ser caracterizado, na visão de muitos licenciandos, pela desmotivação, desinteresse ou acomodação dos professores que se baseiam em um modelo metodológico de aula expositiva “dialogada”, apoiada na leitura do livro texto (quando presente) e na “produção” de pequenos textos com ênfase nos aspectos descritivos. A forma comum de fixação do conteúdo se estabelece com a resolução de exercícios, a organização de “quadros comparativos” e/ou os resumos da matéria no quadro negro. As atividades práticas são meramente demonstrativas e não privilegiam a (re)descoberta de conhecimento. Essa situação favorece, de maneira significativa, o desinteresse dos alunos, contribuindo para a evasão, a repetência e a indisciplina. “Durante o Estágio (...) os licenciandos puderam ver a realidade da vida docente nas escolas públicas. Os objetivos das aulas observadas não ficaram muito claros. Aula baseava-se na exposição verbal, sem dialogação. A forma com que os conteúdos expostos aos educandos mostra-se desestimulante, enfadonha e antididática, pois simplesmente é feito, à lousa, um resumo do livro didático (...) e as respostas das questões são expostas à lousa para que eles copiem Gera indisciplina, porque eles não precisam fazer nada, construir nada, tudo é entregue pronto, sobrando muito tempo de aula para pensamentos e atitudes alheias ao conteúdo”. (alunos V. B. e V. J. S.). “O que pude observar em relação aos professores é que há uma insatisfação generalizada enquanto salários (...), condições de aula devido a alta de infra-estrutura e até a falta de tempo para elaborar uma aula melhor. Em conversa com alguns professores quando eu estava marcando minhas regências eles me pediram para que eu levasse para sala de aula ‘coisas’ que eles não têm tempo para arranjar”. (alunos J. J. S. e L. M. S.). Quando informalmente indagados, os professores reagem com alegações de que os alunos apresentam-se cansados, sem “base” e referenciais que permitam a assimilação dos conteúdos. Freqüentemente os professores reforçam, como diria CATANI ([198-], p. 164): “a falta de interesse e a indisciplina dos alunos incluindo, sem distinção, questões bem diversificadas como a não aprendizagem, as conversas, a falta de entrosamento e a falta de ‘utilidade’ do que se ensina”. Apesar da crítica dos licenciandos a esses diversos aspectos, sua própria prática pedagógica é estabelecida com ênfase nas aulas expositivas “dialogadas”, no uso de quadro-negro e nas transparências, seguindo o modelo aprendido na sua 1933 prática de vida acadêmica. O uso de metodologias mais ativas, como aulas práticas, dinâmicas e atividades lúdicas, bem como de recursos mais diversificados, como jogos, modelos, cartazes e exemplares (vivos ou fixados), aparecem com relativa freqüência, mais como imposição da estrutura disciplinar de PE do que como forma alternativa e problematizadora da aprendizagem. Considerações finais Podemos considerar que o estágio supervisionado é uma das etapas fundamentais no processo de formação profissional de futuros professores. Sendo assim, a PE congrega as condições necessárias para ser um importante elemento transformador do processo de ensino-aprendizagem. Com o transcorrer das atividades propostas pela disciplina o aluno-professor deve ser levado a integrar conhecimentos, tanto específicos como pedagógicos e, desta forma, aplicar tais conteúdos a uma clientela de ensino (Fundamental e Médio) com a qual não está acostumado a lidar. Justamente por esse motivo, a disciplina exige permanentemente atividades de planejamento, aplicação e avaliação de saberes teórico-práticos transmitidos durante toda a graduação. Sob a orientação de seus professores (orientadores e de supervisão), o licenciando deve ser estimulado a testar estratégias pedagógicas inovadoras e a vivenciar experiências educacionais que possam contribuir para uma nova organização do trabalho pedagógico. Evidentemente que o conhecimento das “engrenagens” de funcionamento dos espaços escolares onde os alunos-professores atuam não pode ser encarado como algo pronto e acabado, definido exclusivamente e, a priori, pela estrutura 1934 hierarquizada do sistema educaciona,l onde se inserem e que encara a dinâmica pedagógica como algo diretamente aplicável. Em outras palavras, isso significa dizer que a posse de determinados saberes e de certas metodologias não é, de fato, suficiente para assegurar um bom desempenho docente se não houver uma análise reflexiva capaz de instigar nos futuros professores o desenvolvimento de procedimentos criativos que os possibilitem formas relacionais coerentes com os espaços onde atuam. A análise dos relatórios possibilitou compreender o alcance e, ao mesmo tempo, o desempenho dos próprios docentes (orientadores/supervisores) envolvidos no estágio vinculado a PE. A leitura crítica dos posicionamentos dos licenciandos se volta para a crítica da própria prática pedagógica institucionalizada nos cursos superiores de formação de professores. Aponta para a necessidade de aprofundar os estudos sobre formação docente e o desempenho dos futuros professores de Biologia, repensando desde a organização dos cursos até os procedimentos didáticos dos professores que “ensinam” seus alunos. A análise reflexiva das licenciaturas deve possibilitar questionar se não tomamos por referência procedimentos discursivos que se colocam de maneira crítico-liberal, enquanto, concretamente, agimos de forma dogmática e acrítica (CARVALHO, 1989, p. 432). De maneira geral, múltiplos fatores apontam para a necessidade de alterações do modelo de professor “tradicional” amplamente encontrado nos sistemas escolares, nos níveis de educação básica – Ensino Fundamental e Médio – e superior, que se compromete mais com o ensino de conteúdo do que propriamente com o processo de aprendizagem. 1935 O futuro professor deve ser capaz de atuar sob a relutância de certos docentes em relação às sugestões metodológicas novas (BIZZO,1991, p.76) e sempre discutir criticamente em sala alicerçado na análise reflexiva do conhecimento e das vivências apreendidas ao longo de seu processo de formação (CARVALHO, 1989, p.433). Sendo assim, quem sabe nossos licenciandos poderão se contrapor à prática enunciada de que “os professores ensinam como foram ensinados e não como foram ensinados a ensinar” (MORAIS, 2001, p.17). Referências BIZZO, Nélio Marco V. Metodologia e Prática de ensino de Ciências: aproximação do estudante de magistério das aulas de ciências no 1º grau. In: FAZENDA, Ivani et al; PICONEZ, Stela C.B. (coord.). A prática de ensino ao estágio supervisionado. Campinas, SP: Papirus, 1991. CARVALHO, Anna Maria Pessoa de. A influência das mudanças da legislação na formação dos professores: as 300 horas de estágio supervisionado. Ciência & Educação, São Paulo, v.7, n.1, p.113-122, 2001. _____. Formação de professores: o discurso crítico-liberal em oposição ao agir dogmático repressivo. Ciência & Cultura, São Paulo, v.41, n.5, p.432-434, 1989. CATANI, Denice Bárbara. A formação de professores e o desempenho pedagógico. 198-. p. 161-167. MORAIS, Ana Maria. Práticas pedagógicas na formação inicial e prática dos professores. Comunicação apresentada no seminário Modelos e Práticas de Formação Inicial dos Professores. Lisboa, maio, 2001. _____ 1 - De acordo com CARVALHO (2001, p. 117): as disciplinas profissionalizantes são aquelas relacionadas com o ensino dos conteúdos específicos, sendo provenientes das pesquisas realizadas tanto na escola, de uma maneira ampla, como nas diversas áreas de ensino. Nestas disciplinas, a relação entre teoria e prática se dá na escola, na sala de aula durante os estágios dos cursos de graduação, quando os professores vão procurar estabelecer um vínculo bastante forte entre o saber e o saber fazer.