CEFAC CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA MOTRICIDADE ORAL MASTIGAÇÃO X CRESCIMENTO CRANIOFACIAL Uma Abordagem Fonoaudiológica DANIELLE NOELY NADOLNY MAGNANI ITAJAÍ 2001 CEFAC CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA MOTRICIDADE ORAL MASTIGAÇÃO X CRESCIMENTO CRANIOFACIAL Uma Abordagem Fonoaudiológica Monografia de conclusão do curso de especialização em Motricidade Oral Orientadora: Mirian Goldenberg DANIELLE NOELY NADOLNY MAGNANI ITAJAÍ 2001 RESUMO O presente trabalho teve por objetivo verificar a relação existente entre a mastigação e o crescimento craniofacial. Para tanto, foi realizado um levantamento bibliográfico sobre o assunto, enfatizando a anatomia, fisiologia e principais alterações da mastigação; teorias sobre o crescimento craniofacial; e o que pode ser feito para prevenir e tratar as alterações mastigatórias. Com esta pesquisa teórica constatou-se que há uma influência recíproca entre a forma de mastigar e o crescimento da face. Ou seja, uma mastigação alterada pode levar a um crescimento facial desequilibrado, mas uma face desarmônica também pode alterar a mastigação. Sendo assim, se há uma relação entre a forma da face e a função por ela realizada, há momentos em que antes do fonoaudiólogo trabalhar com a função mastigatória alterada, faz-se necessário que o paciente se submeta a outros tratamentos como o ortodôntico ou ortopédico funcional, para primeiramente adequar a forma. Observou-se ainda que estas alterações podem ser evitadas se um trabalho preventivo for realizado. Para isso, pediatras, odontopediatras, fonoaudiólogos e nutricionistas devem orientar os pais quanto à dieta alimentar da crianças. Diante constatações obtidas, através desta pesquisa pretende-se levar ao conhecimento dos vários profissionais envolvidos no tratamento das alterações mastigatórias uma nova maneira de pensar do fonoaudiólogo, bem como e contribuir para que o diagnóstico e a terapêutica destes distúrbios sejam de maior qualidade e efetividade. ABSTRACT The present work had the purpose to verify the existent relation between the mastication and craniofacial growth. For as much, that was realized a bibliographical statistics about this topic, doing the enphasis to anatomy, fisiology and mains mastications changes; theories about the craniofacial growth; and what can be done to prevent and to care the mastications changes. With this theorical investigation, it was verifyed that exist a mutual influence between the masticate way and the facial growth. Therefore, a changed mastication can guide to unbalance facial growth, but a disharmonious face also can to alter the mastication. Consequently, if exist a relation with the facial form and the function that this face do, have moments that, before the fonoaudiologist works with the changed mastication function, is necessary the patient is to go through an anothers treatments likes the orthodontic or orthopedic, for at first to adapt the way. Still it was observed that these alterations can be avoid if a preventive work is to be realized. For this, pediatrists, odonthopediatrists, fonoaudiologists and nutritiniosts should to orient the parents how the nutritive diet is for their children. In front of the obtained informations, the objective for this investigation is to show for several involved professionals in mastications changed treatments, a new way to think for the fonoaudiologist, as well to contribute for the major quality and efectivity of the diagnostic and the therapeutics of these disturbs. Dedico este trabalho aos meus pais, pelo incentivo e confiança que sempre depositaram em mim. AGRADECIMENTOS Agradeço às minha irmãs Dinorah e Deborah e aos meus cunhados Moisés e Gilvan pelo apoio que me deram durante a realização do curso de especialização e conclusão da monografia. Às colegas de turma pela troca de idéias e informações. À Profª Elenir pelo auxílio na revisão do texto. E a todos que direta ou indiretamente colaboraram para que este trabalho se concretizasse. “À mente que se abre a uma nova idéia, jamais voltará ao seu tamanho original”. (Albert Einstein) SUMÁRIO Introdução ............................................................................................................. 01 Discussão Teórica ................................................................................................ 04 Anatomia, fisiologia e alterações da mastigação ...................................... 04 Crescimento craniofacial e mastigação .......................................................12 Prevenção e Tratamento das Alterações Mastigatórias ..............................23 Considerações Finais ............................................................................................32 Referências Bibliográficas ...................................................................................35 INTRODUÇÃO Durante muito tempo na história da fonoaudiologia, acreditava-se que as principais patologias apresentadas pelos pacientes eram decorrentes do posicionamento lingual incorreto durante a deglutição, a chamada deglutição atípica.O trabalho do fonoaudiólogo era voltado para esta função isolada, tentando melhorar ou modificar o posicionamento da língua e tônus muscular na sua realização. Não havia preocupação com os demais componentes da face e nem com as outras funções por eles desempenhadas, dentre as quais estão a sucção, respiração, fala e a mastigação. No entanto, ao longo dos anos a clínica fonoaudiológica passou por mudanças que levaram à observação de que as estruturas faciais agem conjuntamente para a realização destas funções, formando um sistema: o sistema estomatognático. Percebeu-se ainda que se as funções estomatognáticas são realizadas pelas estruturas faciais, da mesma forma que influenciam umas às outras, podem influenciar também o crescimento e desenvolvimento de tais estruturas. Além disso, constatou-se também que muitas das alterações encontradas na deglutição podiam não ser resultado só de um mau posicionamento de língua ou de tônus alterado. Mas sim de uma dificuldade também na mastigação, que embora seja a preparação do bolo alimentar a ser deglutido, pode influenciar não só a deglutição, como as outras funções do sistema estomatognático, seus componentes e também o crescimento harmonioso da face. Sendo assim, o objetivo desta pesquisa teórica é verificar a relação entre a mastigação e o crescimento craniofacial. A idéia deste trabalho surgiu a partir da prática clínica, onde observou-se que a maioria das crianças com alterações mastigatórias apresentavam também assimetrias faciais e que muitas vezes sozinho o fonoaudiólogo não daria conta de resolver. Diante deste quadro, sentiu-se a necessidade de realizar um estudo que pudesse verificar qual a relação entre estas alterações, para que se possa oferecer um trabalho fonoaudiológico mais criterioso e diferenciado para cada paciente, bem como ter claro em que momento e quais profissionais devem atuar. Além disso, com esta pesquisa almeja-se contribuir tanto para a atuação fonoaudiológica como para a dos outros profissionais que atuam com pacientes portadores de alterações mastigatórias, partindo do pressuposto de que quanto mais se conhece da normalidade e das causas do problema que se tem em mãos, melhor será a possibilidade e qualidade do diagnóstico e do planejamento da conduta terapêutica. Para a fonoaudiologia, saber sobre a fisiologia mastigatória, os músculos nela envolvidos e sua ação sobre o crescimento da face, permite saber a quais profissionais recorrer e reconhecer as possibilidades e limitações apresentadas pelos pacientes, que serão a base para o sucesso ou fracasso do tratamento. Aos outros profissionais, o presente trabalho pretende mostrar uma nova maneira de pensar do fonoaudiólogo, que vai além da preocupação com a língua ou tônus alterado. Acredita-se que a partir do momento em que cada profissional tiver conhecimento do problema que o paciente apresenta e clareza do seu papel e dos outros frente a ele, será possível uma melhor integração entre as várias áreas da ciência envolvidas no tratamento e um trabalho multidisciplinar poderá ser realizado, melhorando e aumentando a sua efetividade. Para que o assunto em questão possa ser abordado de maneira didática, este trabalho será dividido em três tópicos: anatomia, fisiologia e alterações da mastigação; crescimento craniofacial e mastigação; e para finalizar, prevenção e tratamento das alterações mastigatórias. DISCUSSÃO TEÓRICA Anatomia, fisiologia e alterações da mastigação Para poder comentar sobre como acontece a mastigação, faz-se necessário primeiro definir esta função, que é considerada como primordial, uma vez que dá início ao processo digestivo. Segundo Marchesan (1994), a mastigação pode ser entendida como a combinação de fenômenos estomatognáticos que levam à decomposição mecânica dos alimentos em minúsculos pedaços. Depois estes pedaços unem-se através da ação misturadora da saliva formando o bolo alimentar, que poderá então ser deglutido. A mastigação é uma função aprendida e só se torna possível após a erupção dos primeiros dentes e da maturação do sistema nervoso central, que vai controlar os movimentos necessários para sua realização. Uma boa mastigação depende do estado de conservação dos dentes e da possibilidade de movimentação da mandíbula. De acordo com Bianchini (1998), no processo de mastigação vários grupos musculares participam propiciando a movimentação mandibular, a distribuição e posteriorização do alimento para iniciar a deglutição. A mastigação normal é dividida em três fases: incisão, trituração e pulverização. Na incisão ou mordida o alimento é preso entre as bordas incisais do dentes incisivos. Para que os dentes fiquem em posição de topo anterior, após a abertura da boca a mandíbula faz movimento protrusivo. Os músculos elevadores se contraem enquanto a mandíbula retorna à posição anterior. Então a língua pega o alimento e o conduz para a superfície oclusal dos dentes posteriores, passando para a fase de trituração. Na trituração ou quebra o alimento é triturado em pedaços menores. É colocado sobre a superfície oclusal dos dentes posteriores (principalmente os prémolares, devido à maior pressão intercuspidiana) pela língua e a ela retorna a cada ciclo mastigatório devido à ação do músculo bucinador de fora para dentro. Na fase de pulverização o alimento é transformado em pedaços ainda menores. É realizada nos dentes molares. A mandíbula se movimenta de forma variada e com pouca amplitude. Durante as três fases a secreção salivar vai se intensificando para a formação do bolo alimentar. A mudança da trituração para a pulverização não é visível, assim como a alternância na utilização de molares e pré-molares. Dependendo do alimento que está sendo mastigado, podem ocorrer deglutições associadas devido ao reflexo desencadeado quando o alimento se posterioriza pela ação da língua e do bucinador, tocando então os pilares das fauces. A mastigação se dá principalmente pela movimentação da mandíbula. Estes movimentos dependem da articulação têmporo-mandibular (ATM), da ação conjunta de vários músculos- os chamados músculos da mastigação- e de um comando neural. A ATM é uma articulação dupla, bilateral que liga a mandíbula ao crânio. É responsável pelos movimentos mandibulares tridimensionais, que segundo Bianchini (1998), envolvem abertura, fechamento, lateralidade, protrusão, retrusão e os movimentos rotatórios próprios da mastigação. Portanto, se houver alguma disfunção na ATM, haverá alteração nos movimentos da mandíbula, que conseqüentemente vai alterar a mastigação. Os músculos envolvidos na mastigação são chamados de músculos mastigatórios ou da mastigação. E de acordo com a distinção feita por Bianchini (1998), músculos mastigatórios são os que atuam apenas no movimento mandibular. Já os músculos da mastigação são os que estão envolvidos em todo o processo mastigatório. Além disso, estes músculos podem ainda ser divididos em levantadores ou depressores da mandíbula, dependendo da sua ação durante a mastigação. Como músculos levantadores da mandíbula temos o temporal, masseter e pterigóideo medial; e como depressores tem-se o pterigóideo lateral e toda a musculatura supra-hioidéa (principalmente o ventre anterior do digástrico, o gêniohióideo e o milo-hióideo). Temporal: origina-se na fossa temporal e insere-se na apófise coronóide da ATM. De acordo com Melo (1999), caracteriza-se por sua forma de leque, dividindo-se em três feixes: anterior, médio e intermediário. Atua na abertura máxima da boca através da contração dos feixes anteriores e na retração da mandíbula quando contrai os feixes posteriores. Agem também no deslocamento contralateral. É responsável pela estabilidade do movimento mandibular. Masseter: tem origem no arco zigomático e inserção no ramo da mandíbula. Melo (1999) afirma que por ser um músculo potente é considerado muito mais como fornecedor de força do que posicionador. Auxilia nos movimentos de protrusão e lateralização. Pterigóideo Medial ou Interno: Origina-se na lâmina pterigóidea externa e insere-se na superfície lateral interna da mandíbula. Tem ação conjunta com o masseter . Pterigóideo Lateral ou Externo: sua origem é na fossa temporal e estendese até a ATM. De acordo com Bianchini (1998), possui dois feixes com comportamentos diferentes: o feixe superior que atua na estabilização do movimento de fechamento da boca e o feixe inferior é responsável pela abertura ao tracionar o côndilo. A autora acrescenta ainda que quando o pterigóideo lateral contrai-se contralateralmente ao movimento mandibular, permite que a mandíbula lateralizese. Para tanto, conta com o auxílio dos músculos pterigóideo medial e feixe anterior do temporal. Marchesan (1994) e Bianchini(1998) consideram também como músculos da mastigação o digástrico, gênio-hióideo e milo-hióideo. Digástrico: divide-se em dois ventres: anterior e posterior. O anterior origina-se na fossa digástrica da mandíbula e o posterior na incisura mastoidéia. Ambos inserem-se no osso hióide. Marchesan (1994) relata que além de ser um músculo depressor também produz a retropulsão da mandíbula. Segue o pterigóideo lateral na abertura bucal. Gênio-hióideo: tem sua origem na fossa milo-hióidea e sua inserção no osso hióide. Segundo Sacoman (1999), quando a boca está fechada puxa o osso hióide para cima, diminuindo o soalho da boca e facilitando com isso a deglutição. Milo-hióideo: tem a mesma origem e inserção do músculo gênio-hióideo. Sacoman (1999) acredita que é um músculo depressor da mandíbula quando o osso hióide está fixo. A autora diz também que além dos músculos supracitados, existem ainda outros músculos que colaboram durante a mastigação, embora também participem de outras funções estomatognáticas. Bianchini (1998) acrescenta que a movimentação da língua, orbiculares de lábios e bucinadores é muito importante durante a mastigação. São eles que atuam para que o alimento direcione-se à superfície oclusal dos dentes posteriores para que o golpe mastigatório se processe efetivamente. O músculo bucinador tem uma função ainda mais importante durante o processo mastigatório. É o responsável pela retirada do alimento da região vestibular da boca e sua condução até a face oclusal dos dentes enquanto o posterioriza. Quando este músculo é incompetente na mastigação, observa-se resíduos de alimentos na região do vestíbulo. Bradley (1980) sintetiza a atividade muscular durante a mastigação e afirma que ela inicia-se no pterigóideo medial durante o fechamento bucal, seguida de atividade no temporal do lado de trabalho. Entre 50 a 100 mseg depois inicia-se a atividade do temporal contralateral e em ambos os masseteres. O pico e o desaparecimento da atividade da musculatura elevadora ocorre ao mesmo tempo. Ao obter-se o contato dentário a atividade elétrica termina dando início ao chamado período de silêncio, que é variável dependendo do tipo de oclusão. Após esse período, a atividade elétrica da musculatura elevadora retorna, mas rapidamente é inibida pela atuação dos músculos depressores. O autor acrescenta ainda que os músculos depressores da mandíbula não começam sua atividade ao mesmo tempo. Seu início observa-se no milo-hióideo, seguida da atividade do digástrico e logo no pterigóideo lateral. Para que a atuação destes músculos seja efetiva, o osso hióide deve estar estabilizado pela ação da musculatura infra-hióidea. De acordo com este mesmo autor, os músculos pterigóideos laterais atuam tanto na abertura bucal como controlam o movimento da cabeça do côndilo. Podem movê-la para frente e lateralmente, sendo ativos durante a abertura, fechamento e protrusão. Estas atividades devem-se à independência dos feixes superior e inferior. A atividade dos músculos bucinador e orbicular também foi relatada por Bradley (1980) como sendo eles responsáveis, juntamente com a língua, por manter o alimento entre as superfícies oclusais dos dentes posteriores e pela formação do bolo alimentar. Quando observa-se os movimentos mandibulares realizados por esta musculatura, faz-se necessário analisar os ciclos mastigatórios. Conforme Bianchini (1998), cada ciclo corresponde a um movimento mandibular completo, iniciando com a abertura da mandíbula, seguido do fechamento até ocorrer o contato e intercuspidação dos dentes, conhecido como golpe mastigatório. Observando o ciclo mastigatório frontalmente, vê-se que se o alimento está de um lado da boca, a mandíbula desce e desloca-se para este lado (lado de trabalho ou ativo), elevando-se novamente até alcançar a máxima intercuspidação. Os ciclos mastigatórios variam no que concerne à duração e freqüência dependendo do tipo e consistência do alimento. Além disso, a variação depende também da qualidade neuromuscular e do tipo facial. De posse de algum conhecimento sobre a anatomia e fisiologia do processo mastigatório normal, já é possível fazer algumas considerações sobre os padrões mastigatórios mais comumente encontrados na clínica fonoaudiológica. O padrão mastigatório considerado por vários autores como ideal é o bilateral alternado. Bianchini (1998) afirma que a mastigação bilateral alternada permite a distribuição da força mastigatória intercalando fases de trabalho e repouso musculares e articulares, levando a sincronismo e equilíbrio muscular e funcional. A pressão exercida nos dentes estimula o periodonto, levando à tração do osso alveolar e atuando no desenvolvimento e/ou manutenção dos arcos dentários e na estabilidade oclusal. Planas (1988) acrescenta que o desenvolvimento ósseo se produz no lado de balanceio (lado em que não há alimento) e o movimento dos dentes no lado de trabalho. Como o plano oclusal tende a levantar-se na sua parte anterior no lado de trabalho e simultaneamente descer no lado de balanceio, vai criando uma situação oclusal equilibrada, muito importante para manter o equilíbrio do sistema estomatognático. Já para Douglas (1994), durante a mastigação apenas as estruturas do lado de trabalho são estimuladas, impedindo o desgaste fisiológico das cúspides dentárias no lado de balanceio. Portanto, se não houver alternância de lados durante o processo mastigatório, haverá interferências oclusais e instalação de placas bacterianas. Molina (1995) afirma também que a mastigação bilateral estimula a membrana periodontal, os músculos mastigatórios e as ATMs. Segundo Ramfiord ( 1984), a mastigação bilateral alternada, multidirecional estimula todas as estruturas de suporte, sendo ideal para a estabilidade da oclusão e limpeza dos dentes. Junqueira (1998) acredita que a mastigação deve ocorrer após o corte do alimento com os incisivos, com lábios ocluídos, sem ruídos e participação exagerada da musculatura perioral, com lateralização e alternância de lados, com movimentos rotatórios de mandíbula e simetria da força muscular. Outro padrão de mastigação encontrado é o unilateral, em que não há alternância entre o lado de trabalho e de balanceio. De acordo com Bianchini (1998), este tipo mastigatório estimula inadequadamente o crescimento ou impede a estabilização das estruturas orofaciais. Para a autora, se a mastigação unilateral acontecer durante o período de crescimento, a mandíbula crescerá mais do lado do balanceio e a maxila do lado de trabalho se desenvolverá mais para fora e para frente. A mesma autora acrescenta que a musculatura apresenta uma maior potência do lado de trabalho, principalmente os músculos bucinador, masseter e temporal. No lado de balanceio a musculatura apresenta-se mais alongada e com tônus rebaixado, com discreta, mas perceptível assimetria muscular. Ramfiord (1984) afirma que o modelo de mastigação unilateral é resultado de adaptação a interferências oclusais, que levam a uma desarmonia dos movimentos mandibulares. Molina (1995) relata que estas adaptações são uma forma de impedir, ou pelo menos minimizar os traumas para o periodonto, dentes e articulações e que ocorrem com freqüência em pacientes portadores de distúrbios funcionais da ATM e interferências oclusais no lado de balanceio. Entretanto, para que a mastigação mantenha-se como uni ou bilateral, dependerá das condições morfofuncionais do sistema estomatognático: - presença de dentes e saúde dental; - crescimento e desenvolvimento crânio-facial; - equilíbrio oclusal; - ausência de interferências dentais ou contatos prematuros; - estabilidade e saúde da ATM; - maturação neuromuscular. A partir do conhecimento da fisiologia normal da mastigação e suas variações, pode-se tentar compreender como influencia o crescimento craniofacial. Crescimento craniofacial e mastigação Para facilitar a abordagem deste tema gostaria de mencionar algumas definições de crescimento e desenvolvimento encontradas na literatura. Segundo Bianchini (1995), crescimento é um aspecto quantitativo, um aumento de células e de volume harmoniosamente. Acontece em zonas distintas, graus variados, através de surtos e de maneira ritmada. O desenvolvimento refere-se às mudanças estruturais, através das quais os tecidos vão diferenciando-se até atingir as características da espécie. Para Enlow (1993), crescimento e desenvolvimento facial é um processo morfogenético que visa um complexo estado de equilíbrio estrutural e funcional conjunto entre todas as partes de tecidos moles e duros em crescimento e modificação múltipla e regional. Este mesmo processo continua trabalhando por toda a idade adulta e a velhice a fim de manter o equilíbrio em resposta às condições externas e internas sempre em mudanças. O crescimento e o desenvolvimento facial dependem de variáveis. Bianchini (1995) elenca como as principais: hereditariedade, nutrição, doenças, etnia, fatores sócio-econômicos, alterações funcionais e sexo. Vale ressaltar ainda, que o crescimento não é linear durante toda a vida. Há períodos em que torna-se mais intenso, o quê caracteriza os chamados surtos de crescimento. O primeiro surto ocorre nos três primeiros anos de vida, com a erupção da dentição decídua. O segundo acontece na puberdade, sendo mais precoce e curto nas meninas. Conforme Bianchini (1995), o surto de crescimento facial na adolescência é mais tardio nos meninos sendo de maior duração e mais pronunciado do que no sexo feminino. Por ser o crescimento craniofacial um tema bastante complexo, várias teorias foram surgindo ao longo dos anos na tentativa de torná-lo mais simples. No entanto, para que se possa compreendê-las melhor, faz-se necessário que se saiba como se dá a formação do osso. Segundo Bianchini (1995), o osso se forma a partir do tecido conjuntivocartilaginoso e conjuntivo-membranoso, resultando em dois tipos de ossificação: a endocondral (cartilaginosa), que ocorre nas regiões de relativo impacto e que crescem sob pressão, como a epífise dos ossos, côndilo da mandíbula e sincondroses do crânio; e a formação intramembranosa (periósteo e suturas) que ocorre em locais onde o crescimento se dá sob tração, como em quase toda a maxila, mandíbula e crânio. Além disso, o osso pode modificar seu tamanho apenas pela atividade celular nas superfícies. A aposição e reabsorção óssea ocorrem, externamente onde o osso é coberto por periósteo; e internamente na cavidade medular e cavidade dos ossos esponjosos, nas superfícies suturais e na inserção do ligamento periodontal entre os dentes e o osso alveolar. Como as teorias sobre crescimento craniofacial são bastante amplas, neste trabalho serão apenas comentadas de maneira sucinta, conforme a sinopse apresentada por Enlow (1993). Projeto Genético Defende que os genes são os determinantes exclusivos de todos os parâmetros do crescimento, incluindo a quantidade e velocidade. Forças Biomecânicas Representada pela lei de Wolff, esse princípio afirma que a forma se interrelaciona com a função. O osso cresce e se desenvolve dependendo da maneira que as forças fisiológicas que agem sobre ele são acomodadas pelo processo de desenvolvimento ósseo, adaptando desta forma sua estrutura à complexidade das funções. Suturas, Côndilos e Sincondroses De acordo com esta idéia o crescimento, forma e dimensões de um osso eram controlados por um programa intrínseco localizado nas células produtoras de osso do periósteo, suturas e cartilagens relacionadas do próprio osso. Apesar de aceitar a influência dos hormônios e ações musculares na determinação genética, acreditava-se que os ossos como a mandíbula e a maxila fossem produtos autogênicos. O deslocamento dos ossos ao longo do seu crescimento também era atribuído às forças de expansão existentes nas suturas, cartilagens e nos novos tecidos ósseos por eles formados. Septo Nasal Foi difundida por James Scott, que percebeu que os centros e suturas faciais, por serem tecidos adaptáveis à tração e não à pressão, não poderiam direcionar o complexo nasomaxilar para frente e para baixo. Desta forma, considerou que o septo nasal cartilaginoso teria características e posição que possibilitariam deslocar anterior e inferiormente a face média à medida que aumenta de tamanho. E por ser um tecido mais tolerante à tração do que as suturas teria a capacidade de tracionar todo o complexo nasomaxilar para frente e para baixo, desenvolvendo-o. Matriz Funcional Proposta por Moss & Salentijn considera que o tecido ósseo é influenciado durante o crescimento por todos os tecidos moles nos quais está incluído e que já contém as informações genéticas para o crescimento. Sugere também que os componentes funcionais cranianos é que proporcionam o meio por qual as funções serão realizadas. Estes componentes são constituídos de uma matriz funcional (que executa a função) e uma unidade esquelética (que protege e suporta a matriz funcional). Explicações Compostas Van Limborgh fez uma combinação de várias teorias de controle do crescimento na tentativa de confrontar e considerar as muitas complexidades envolvidas na regulação do crescimento. Formulou um modelo que distingue o conjunto de fatores que influencia o crescimento e desenvolvimento craniofacial condrocraniano versus desmocraniano (intramembranoso). Tomando o condrocrânio como início, propôs que a capacidade de multiplicação genética intrínseca, a influência epigenética geral e os fatores ambientais sejam agentes responsáveis por um esquema de interação para a parte endocondral do controle de desenvolvimento da base do crânio. Descreve o desenvolvimento desmocraniano separadamente como resposta morfogenética de equilíbrio entre estes fatores e fatores epigenéticos e ambientais. Mensageiros de Controle Tenta explicar o controle de crescimento através da atividade celular nos chamados campos de crescimento, que diferem em direção, velocidade e ritmo. As populações celulares nestes campos respondem ativando os sinais intra ou extracelulares. Os mensageiros primários são ativadores extracelulares aos quais os receptores específicos da superfície celular são sensíveis. A recepção aciona uma cascata de mensageiros secundários num determinado tipo de célula, resultando na função dessa célula e suas organelas. Sinais Bioelétricos O fator piezo prometia explicar como a ação muscular pode ser traduzida em respostas de remodelamento ósseo precisamente reguladas. Sua idéia era de que as distorções dos cristais de colágeno no osso, causadas por diminutas deformações ósseas, bioelétricas devia-se à tensões mecânicas, que gerariam mudanças na área de deformação (isto é, o efeito piezo). Esses potenciais elétricos alterados parecem relacionar-se, direta ou indiretamente, com o desencadeamento das respostas osteoblásticas ou osteoclásticas. Princípio do V Proposto por Enlow, acredita que a maioria dos ossos da face têm forma de V e que com a deposição óssea na parte interna do V e a reabsorção na parte externa o V se moverá na direção de sua face mais larga, aumentando em todas as suas dimensões. O processo de crescimento esquelético tem como funções posicionar, estruturar e constituir cada osso e todas as suas partes regionais, de modo que elas possam desempenhar as várias funções inerentes ao osso. As informações funcionais enviadas ao osso pelos tecidos moles faz com que ele se desenvolva até sua estrutura morfológica definitiva e ocupe o local que deve. Lei Planas de Desenvolvimento Pedro Planas formulou três leis do desenvolvimento. A primeira é a do desenvolvimento sagital e transversal, e diz que o movimento condilar no lado de balanceio produz excitação neural que promove o crescimento da hemimandíbula do mesmo lado. E que no lado de trabalho a excitação neural provocada pelo contato das faces oclusais estimula o desenvolvimento da hemiarcada superior desse lado. A segunda lei é a de desenvolvimento vertical, que afirma que a excitação neural de uma peça dentária de um grupo dá resposta ao grupo inteiro. E que na mandíbula há dois grupos de dentes: os da hemimandíbula direita e os da hemimandíbula esquerda. No maxilar há três grupos: caninos, pré-molares direito e esquerdo, e o grupo incisivo. A terceira lei é a da mínima dimensão vertical, que diz que quando a mandíbula exerce movimentos para atingir máxima intercuspidação dentária, será sempre às custas da maior aproximação entre os maxilares. Após esta revisão das teorias que tentam explicar o crescimento craniofacial pode-se dizer que, apesar de controversas em alguns pontos, a maioria delas parece concordar que a atividade muscular bem como as funções estomatognáticas influenciam o crescimento, e que se este acontecer de maneira alterada também vai influenciá-las. Conforme Bianchini (1995), o sistema estomatognático é composto de ossos maxilares e mandíbula, ATMs, vários músculos, espaços orgânicos, nervos e vasos sangüíneos, que através do controle do sistema nervoso central desempenham as funções de respiração, sucção, mordida, mastigação, deglutição e fala. Todas estas estruturas agem de forma conjunta, de maneira que se houver uma desordem em qualquer uma delas ocorrerá um desequilíbrio generalizado. Com relação à função mastigatória, Bianchini (1998) afirma que tem papel significativo no crescimento e desenvolvimento craniofacial, uma vez que atua como estímulo de erupção dentária e aumento das dimensões dos arcos osteodentários. Uma mastigação equilibrada produz estímulos alternados nas várias estruturas componentes do sistema estomatognático. Junqueira (1999) comenta que a criança precisa mastigar para manter um bom desenvolvimento das suas estruturas orais. Simões (1998) acrescenta que a morfologia do osso adulto do conjunto esquelético dentofacial é uma conseqüência da carga biomecânica da mastigação e do impacto oclusal, durante o crescimento; de acordo com sua intensidade, direção, período e duração dependendo do mecanismo de adaptação muscular à estas forças. O uso correto através dos movimentos látero-protrusivos estimula os músculos, a ATM, as estruturas neurovasculares e os tecidos circundantes. Esta mesma autora relata que quando os padrões mastigatórios são prejudicados por certos problemas sistêmicos, os mecanismos de adaptação compensatórios e patológicos podem levar a diferentes formas de desenvolvimento. E ainda, que a adaptação da atividade muscular assimétrica realizada na tentativa de evitar interferências cuspídicas faz uma pressão ou estiramento na ATM conduzindo a um remodelamento assimétrico, e às vezes a uma assimetria craniofacial. Proffit & Fields Jr (1986) sugerem duas situações em que a influência da mastigação no desenvolvimento dentofacial é mais significativa: um maior uso dos maxilares, com força mastigatória maior e/ou mais prolongada poderia aumentar as dimensões dos maxilares e arcos dentários; e a força da mastigação poderia influenciar na quantidade de erupção dentária, afetando desta forma a altura facial inferior às relações de sobremordida e sobressaliência. Para Tanigute (1998), mastigar é uma função essencial na prevenção dos distúrbios miofuncionais, e é responsável pelo desenvolvimento dos ossos maxilares, manutenção dos arcos, estabilidade da oclusão e pelo equilíbrio muscular e funcional, propiciando desta forma, movimentos precisos e coordenados necessários para a deglutição normal e produção de fala. De acordo com Moyers (1991), as atividades normais da mastigação, deglutição, respiração promovem mudanças contínuas e variadas nas forças que afetam ossos e dentes. Grande parte da energia de tais forças é decorrente da contração dos músculos da mastigação. Molina (1995) menciona que a mastigação tem a função de proporcionar a força e é indispensável para o desenvolvimento normal dos ossos maxilares. O ato de mastigar seria responsável ainda por promover a manutenção dos arcos dentários, a estabilidade da oclusão e estímulo funcional, principalmente sobre o periodonto, músculos e articulação. Alguns estudos têm demonstrado que certas alterações da mastigação responsáveis por um desenvolvimento craniofacial assimétrico podem ser decorrentes do tipo de alimentação utilizada. Simões (1998) acredita que um alimento consistente provoca um desgaste e movimento dos dentes que produzem uma oclusão dinamicamente equilibrada. E que as propriedades mecânicas do alimento são um referencial importante para a diferença quantitativa da atividade muscular entre o lado de balanceio e o lado de trabalho. Gomes (1999) realizou uma pesquisa e constatou que a alimentação civilizada está se tornando cada vez mais mole, e que este tipo de alimento solicita apenas movimentos de abertura e fechamento da mandíbula, deixando de excitar as partes deslizantes das ATMs, bem como inibe os movimentos de lateralidade, trabalho e balanceio, e com isso, propicia condições para o estabelecimento de maloclusões. Molina (1995) sugere que os alimentos duros têm um papel importante no desenvolvimento dos maxilares, nas dimensões dos ossos, tanto em espessura, altura quanto em largura. Já uma alimentação baseada em dieta mole pode ocasionar uma falta de estímulo para os ossos do complexo craniofacial, levando à falta de espaço para os terceiros molares em erupção, apinhamento anterior e falta de espaço para os caninos, principalmente os superiores. Na realização deste trabalho constatou-se que a grande maioria dos autores concorda que o crescimento craniofacial é influenciado pela mastigação. No entanto, a mastigação também é influenciada pelo tipo facial. Segundo Bianchini (1995), tipologia facial é a variação da forma do esqueleto craniofacial, dentro da normalidade, da qual se originam vários tipos faciais - longo, médio ou curto – cujas características musculares e funcionais são peculiares. Maciel (1996) afirma que os padrões de crescimento influenciam a formação harmoniosa do aparelho mastigatório. Para Bianchini (1995), como padrões faciais verticais temos o mesofacial, o braquifacial e o dolicofacial. No padrão mesofacial os terços da face estão em equilíbrio, bem como a relação entre maxila e mandíbula. O arco dentário normalmente é oval ou médio. Este tipo facial permite um bom desempenho mastigatório, com alternância de lados e movimentos rotatórios de mandíbula. O padrão braquifacial é caracterizado por crescimento de face mais horizontalizado, altura facial inferior diminuída, ângulo mandibular fechado e arco dentário alargado. Neste tipo de face a musculatura é forte, principalmente os músculos masseteres e por isso a mastigação é realizada com maior força. Já o padrão dolicofacial caracteriza-se por crescimento vertical, altura facial inferior aumentada, ângulo mandibular aberto e arco dentário longo e estreito. A musculatura deste tipo facial é débil e estirada. Na maioria das vezes o lábio superior é hipofuncionante, o inferior é hipotônico e há hipertonia do músculo mentalis, na tentativa de auxiliar no vedamento labial dificultado pelo aumento do terço facial inferior . Nestes casos a mastigação encontra-se alterada, com movimentos mandibulares mais verticais e sem muita amplitude. Conforme Bianchini (1995), a mastigação é ineficiente com pouca ação dos músculos bucinadores e comissura labial, assim como tonicidade diminuída da musculatura elevadora da mandíbula. Visto que há relação entre alterações da mastigação e crescimento/ desenvolvimento craniofacial, será exposto agora quem e o quê pode ser feito para prevenir e/ou melhorá-las. Prevenção e Tratamento das Alterações Mastigatórias Como se sabe, a mastigação é uma função que surge por volta dos sete meses de vida e que precisa de treino para ser aprendida. Este treino se inicia quando começa a se introduzir alimentos na dieta do bebê. De acordo com Costa (2000), o treino da mastigação leva a um aperfeiçoamento e aos três anos de idade, a criança já terá condições de realizar a mastigação com um padrão semelhante ao adulto. O pediatra, por ser quem fará a prescrição da dieta, deve ser o primeiro profissional a orientar quanto à necessidade de se oferecer sabores e consistências variadas ao bebê, com o objetivo de treinar a mastigação e melhorar o desenvolvimento dos músculos, ossos e dentes. Tomé, Marchiori, Pimentel (2000) afirmam que o condicionamento da mastigação pode ser prejudicado se não houver experienciação por parte da criança de diferentes texturas alimentares. Para Enlow & Hans (1998), um dos fatores mais importantes no desenvolvimento da mastigação é o aspecto sensorial dos dentes recémerupcionados. Morales (1999) relata que a partir da erupção dos incisivos inferiores e superiores ocorrem contatos de oclusão, que passam informações proprioceptivas ao sistema nervos central, permitindo a coordenação dos movimentos da mastigação. Junqueira (1999) acrescenta que é fundamental que a criança tenha um bom estado de conservação dos dentes e que não exista alterações quanto ao encaixe dos dentes superiores e inferiores para que consiga mastigar adequadamente. Canongia (2000) alerta que para uma boa mastigação faz-se necessário uma higiene bucal diária cuidadosa e aplicação sistemática de flúor, para evitar cáries e perdas dentárias. Entraria aqui a colaboração do odontopediatra, orientando quanto aos cuidados com a higiene bucal, a importância da conservação dos dentes decíduos e aplicação do flúor. Ao fonoaudiólogo caberia mostrar como se desenvolve uma mastigação normal, do que ela depende e o quê os pais podem fazer para que uma alteração não se instale. Para Canongia (2000), os pais devem perceber o modo como a criança alimenta-se, se mastiga bilateralmente ou não, para prevenir um desequilíbrio em sua face , em sua ATM. No entanto, o que mais se observa na prática clínica são crianças e até mesmo adultos que já apresentam alterações mastigatórias e oclusais. Nestes casos, a atuação fonoaudiológica na maioria das vezes precisa ser conjunta com o ortodontista ou ortopedista funcional dos maxilares. De acordo com Marchesan (1994), a ortodontia é ramo da odontologia que se preocupa com o alinhamento correto dos dentes em suas respectivas bases ósseas, e tem como objetivo fazer o adulto atingir o melhor em forma, função e estética dentofacial. Para a mesma autora, a ortopedia funcional está preocupada com as bases ósseas (maxila e mandíbula), sob três aspectos: tamanho das bases ósseas, relacionamento ântero-posterior e relacionamento de lateralidade. Seu objetivo é equilibrar as estruturas faciais dos dentes relacionados para alcançar o equilíbrio do aparelho mastigatório. Os aparelhos ortopédicos devem ser usados por pacientes ainda em idade de crescimento. Sobre o trabalho fonoaudiológico com alterações da mastigação pode-se afirmar que várias modificações ocorreram ao longo dos anos. Nas propostas mais antigas, a mastigação não era trabalhada enquanto função, mas como uma etapa dentro da terapia de deglutição atípica, na tentativa de se conseguir um melhor tônus muscular e posicionamento lingual adequado, que eram as principais metas do tratamento fonoaudiológico. Ferraz (1998) afirma que a língua exerce um papel preponderante no estabelecimento da oclusão dentária. E que a postura defeituosa da língua, tanto no repouso quanto na realização das funções, desequilibra os dentes produzindo certas más oclusões. A proposta terapêutica era rígida, com treino de todas as funções e dividida em etapas que deveriam ser seguidas por todos os pacientes, independentemente da queixa apresentada. Conforme Padovan (1976), exercícios eram realizados para cada função, independente de haver ou não patologias evidentes. O certo é que todas as funções correlatas estarão afetadas, umas mais que as outras, mas todas estarão. Ferraz (1998) acrescenta que a terapia miofuncional abrange todas as funções de ordem global e que esta terapia constitui-se de fases, comuns a todos os pacientes. Na avaliação específica da mastigação observava-se a velocidade mastigatória, se o paciente mastigava com a boca aberta, se realizava os movimentos adequadamente, ou se apenas embolava a comida na boca. Hábitos parafuncionais como onicofagia, bruxismo também eram investigados para que pudessem ser eliminados pela reeducação miofuncional. Padovan (1976) relata que os hábitos bucais são considerados como causadores de deformações dentofaciais e estão relacionadas com as funções primárias, reflexovegetativas de respiração, sucção, mastigação, deglutição e que por isso devem ser eliminados. O treino da mastigação era realizado com um mordedor de borracha para bebê, composto de uma argola maior e outra menor. Sua ênfase principal era o fortalecimento da musculatura elevadora da mandíbula. Na utilização deste mordedor preocupava-se com a projeção anterior e lateralização mandibular, que eram considerados como movimentos viciosos. Para inibi-los, o terapeuta deveria segurar firmemente e direcionar os movimentos do paciente, enquanto este realizava o exercício. Esta prática deveria ser realizada até que a movimentação mandibular correta fosse estabelecida. Padovan (1976) afirma que ao mastigar o mordedor, a língua, num movimento espontâneo, vai empurrando a argola menor, exercitando-se de maneira semelhante à mastigação natural. Com isso, não só os músculos elevadores da mandíbula são exercitados, mas a língua como um todo. A reeducação da mastigação era dividida em duas etapas: Na primeira, o paciente deveria mastigar a argola maior do mordedor com movimentos amplos e lábios entreabertos para melhor visualização da movimentação lingual. Na segunda, a mastigação da argola maior do mordedor era realizada com movimentos amplos e lábios fechados, o que permitia trabalhar a hipotonia dos lábios e encurtamento do lábio superior. Atualmente, a terapia fonoaudiológica visa adequar e estabilizar a função mastigatória, tendo início já na entrevista realizada com o paciente, quando serão obtidas informações sobre a sua alimentação. Saber o quê, como e que tipo de sensação se tem ao comer são dados importantes para a investigação das possíveis causas do quadro atual. Para Marchesan (1998), na entrevista pretende-se conhecer a história do paciente e verificar possíveis causas que permitam compreender a queixa atual. Muitas vezes, os fatores causais podem estar presentes, e nestes casos, precisam ser eliminados o mais breve possível. Além disso, ao chamar o paciente na sala de espera já podemos ter dados de sua postura cervical e global. Durante a avaliação deve-se ter em mente que o objetivo é muito maior que constatar a queixa do paciente. É preciso buscar a causa que levou a atual alteração, para poder se chegar a uma conclusão diagnóstica e indicação terapêutica específica para cada caso. Segundo Junqueira (1998), a avaliação deve possibilitar a visualização dos limites do trabalho fonoaudiológico e a necessidade do tratamento multidisciplinar. Deve permitir ainda que o fonoaudiólogo possa traçar um plano terapêutico personificado e objetivo, de acordo com as características de cada paciente. Costa (2000) acrescenta que na avaliação é imprescindível ao profissional analisar de maneira minuciosa as características dos indivíduos quanto ao sistema estomatognático, objetivando uma maior coerência nos procedimentos. Para a avaliação da mastigação deve-se usar um alimento que favoreça a visualização desta função e não cause atipias inexistentes. Junqueira (1998) sugere o pão francês, que possui estas características, é de baixo custo e tem boa aceitação por parte dos pacientes. Antes de pedir para que o paciente mastigue, deve-se observar a presença de falhas e maloclusões dentárias, próteses, cáries, troca de dentes, hipotonia da musculatura, respiração bucal e disfunções da ATM, pois são fatores que podem alterar a mastigação. Pede-se então que o paciente coma da maneira que está acostumado e observa-se: como foi o corte do alimento; com quais dentes ocorreu e qual o tamanho do alimento introduzido na boca; se a mastigação ocorre com lábios fechados ou abertos; com ou sem ruídos; se há participação exagerada da musculatura perioral; lateralização do alimento, predomínio de movimentos rotatórios ou verticais de mandíbula; interposição do lábio inferior; se mastiga uni ou bilateralmente; e o tempo de mastigação. Realiza-se a palpação dos músculos masseter e temporal para verificar a contração, simetria e força. Verificam-se ainda as estruturas faciais, a musculatura, os movimentos mandibulares, analisa-se as demais funções estomatognáticas, descreve-se o tipo facial e a oclusão. Após a avaliação dá-se início a terapia propriamente dita. O objetivo principal do fonoaudiólogo é promover a estabilidade funcional. Para tanto, dois aspectos são importantes: o primeiro está relacionados com as condições morfológicas apresentadas pelo paciente. Vale lembrar aqui que as disfunções de ATM merecem atenção especial. Berretin, Genaro e Trindade Jr. (2000) ressaltam que na presença de dor ou desconforto a regularidade dos movimentos mandibulares durante a mastigação encontra-se alterada, resultando em alterações do comportamento mastigatório. Além disso, a dor ou fadiga muscular decorrentes da disfunção impedem a atividade dos músculos em sua capacidade total, o que pode levar a uma mastigação unilateral. Há pacientes que evitam o lado disfuncional, mastigando contralateralmente. Há outros que mastigam do lado lesado como um mecanismo para preservar as estruturas comprometidas de danos adicionais. Por este motivo muitas vezes o tratamento ortodôntico e/ou ortopédico precedem o fonoaudiológico. Outro aspecto é de que será o próprio paciente que definirá as suas possibilidades de mudanças, ao fonoaudiólogo cabe apenas orientá-lo quanto a estas modificações. O trabalho terapêutico inicia-se pela propriocepção. Como a mastigação é uma função automática, faz-se necessário torná-la consciente. Para isso pede-se ao paciente que passe a observar sua mastigação, contando o número de ciclos e associando-os ao alimento, depois que observe de que lado mastiga, movimentação da língua, utilização do bucinador, força empregada, número de deglutições enquanto mastiga, entre outras observações. O objetivo principal é que o paciente reconheça as tensões compensatórias que utiliza, as modificações funcionais existentes, seja por atipia ou adaptação. E é a partir da sua percepção e relato que se vai fazendo marcações do que pode ser modificado. Tomé, Marchiori, Pimentel (2000) enfatizam que para reeducar é preciso modificar padrões já estabelecidos, e que dessa forma há que se levar ao entendimento do paciente por que ocorreu a alteração e quais os padrões a serem modificados. Para o treino funcional, melhora da coordenação muscular e aumento do tônus utiliza-se a mastigação de diferentes alimentos. Bianchini (1998) alerta quanto ao uso de materiais de borracha, látex ou silicone, pois não trabalham a mastigação em sua fisiologia normal. Além disso, quando se trabalha a mastigação com alimentos de várias consistências, facilita-se o controle da função garantindo o aprendizado e conseqüente modificação funcional. Ramfiord (1984) acrescenta que a falta de abrasividade na dieta moderna conduz ao desenvolvimento de movimentos mastigatórios restritos e que alimentos duros como as frutas, vegetais e carne fibrosa são eficientes na eliminação da influência que as interferências oclusais têm no guia oclusal total. A musculatura deve ser trabalhada de maneira intensa durante os treinos da mastigação. Deve-se iniciar com a mastigação unilateral alternada, pois o paciente pode perceber melhor a musculatura e os movimentos utilizados. Depois passa-se para o outro lado. Quando já consegue controlar a mastigação, o paciente vai alternando o lado de acordo com a necessidade solicitada pela textura do alimento. Desta forma estará definindo seu próprio controle da função mastigatória dependendo das suas potencialidades. O treino da mastigação funciona também para aumentar ou manter a tonicidade da musculatura mastigatória. Para Tomé, Marchiori, Pimentel (2000), se a mastigação é uma função aprendida, condicionada e automática, há meios de reeducá-la, e para tanto,é preciso tonificar musculatura, treinar a função correta. Mas acima de tudo, o trabalho miofuncional não deve visar apenas uma automatização, mas o uso progressivo de novas formas de ser e agir quando estas são percebidas como mais interessantes. Segundo Marchesan (1998), a terapia deveria acompanhar o que acontece no dia a dia da família atendida. Deveria ser algo que fosse interessante e fizesse parte do contexto do paciente. A terapia não pode ser um conjunto de regras sem sentido para o paciente e sua família. CONSIDERAÇÕES FINAIS Desde o primeiro contato com a fonoaudiologia, antes mesmo de me tornar fonoaudióloga, sempre ouvi falar no tratamento da deglutição atípica, na melhora do tônus muscular e posicionamento de língua na papila. No entanto, na prática clínica comecei a observar que as alterações apresentadas pelos pacientes iam além dos problemas na deglutição e na língua. Passei a perceber que os demais componentes faciais e as funções por eles desempenhadas, como a sucção, respiração, fala e mastigação também se encontravam alteradas, influenciando uns aos outros. E mais especificamente, percebi que o crescimento facial também parecia ser influenciado por estas alterações, da mesma forma que diferentes tipos de face apresentavam dificuldades variadas. Observei atípica, ainda, que os pacientes cujo diagnóstico era de deglutição apresentavam alteração não apenas na deglutição em si, mas na preparação do bolo alimentar a ser deglutido e no crescimento craniofacial, que encontrava-se desarmônico. A partir dessas observações comecei mastigatórios pudessem estar ocorrendo e a pensar que problemas senti a necessidade de buscar respostas para as dúvidas que foram surgindo. Portanto, com este trabalho buscou-se fazer um levantamento na literatura para verificar a relação entre a mastigação e o crescimento da face. Entre os vários autores pesquisados percebeu-se uma concordância no que diz respeito à influência da mastigação no crescimento craniofacial. Relata-se que uma atividade mastigatória alterada pode, por exemplo, não estimular o desenvolvimento dos ossos maxilares, ou estimular apenas parte destes ossos. Há ainda autores que afirmam que a tipologia facial pode ser determinante da maneira de mastigar. Pessoas com face longa, que apresentam uma musculatura mais estirada, podem ter maiores dificuldades na mastigação do que as que têm face mais curta, com musculatura mais potente. Encontrou-se também publicações sobre a influência do tipo de alimentação na mastigação e por conseqüência, no crescimento craniofacial. Afirma-se que alimentos mais moles não desenvolvem um padrão mastigatório adequado e por isso, não estimulam adequadamente o crescimento dos ossos da face. No que concerne à atuação fonoaudiológica, muitos autores ainda acreditam que só o trabalho com a deglutição é suficiente para solucionar as alterações miofuncionais que os pacientes apresentam. Em contrapartida, publicações mais recentes já demonstram que as alterações de língua e deglutição podem ser conseqüência de problemas mastigatórios. Não descartam o trabalho com tônus muscular, mas alertam que estes devem ser realizados em conjunto com as funções por eles desempenhadas ou para a viabilização de sua realização. Esta nova proposta, que tem sido difundida por Marchesan e Bianchini, considera também que a forma da face pode influenciar as funções, bem como o inverso. No entanto, no atendimento de meus pacientes o que tenho constatado é que nem sempre há possibilidade de detectar se foi a forma que alterou a função, ou se foi esta que levou à desarmonia da face. Dentre os autores pesquisados, alguns julgam que é a função a causadora das deformidades, outros afirmam que é a forma que leva a um desequilíbrio na função. O fato é que a partir do momento que o problema já está instalado, um bom diagnóstico precisa ser feito para que se possa constatar o que pode tratado, corrigido ou reeducado e quais são os limites do tratamento. No decorrer desta pesquisa pude perceber que ainda muito pouco se sabe da e sobre a atuação fonoaudiológica. Em comparação com outras áreas da ciência, as produções científicas no campo da fonoaudiologia são reduzidas e há muitas questões à serem pesquisadas. Para os fonoaudiólogos, reconhecer que as alterações miofuncionais vão além de uma língua mal posicionada ou de uma hipotonia muscular implica em estudar cada vez mais. Pois é só a partir do conhecimento da normalidade que se torna possível compreender o distúrbio que está à frente, para então, fazer um diagnóstico mais criterioso e planejar uma terapia respeitando as características de cada paciente. E acredito que a partir do momento em que os fonoaudiólogos passarem a ter esta consciência, terão também maiores condições de mostrar a outros profissionais que seu trabalho vai além da preocupação com a língua e alteração de tônus. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERRETIN, G.; GENARO, K. F.; TRINDADE JR., A. S. – Características Clínicas do Sistema Mastigatório em Indivíduos com Disfunção Craniomandibular. Jornal Brasileiro de Fonoaudiologia. 5: 33-43, 2000. BIANCHINI, E. M. G.- A Cefalometria nas Alterações Miofuncionais Orais- Diagnóstico e Tratamento Fonoaudiológico. São Paulo, Pró Fono, 1995. 79 p. __________________- Mastigação e ATM. In: MARCHESAN, I. Q.Fundamentos em Fonoaudiologia- Aspectos Clínicos da Motricidade Oral. 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