democracia e cidadania como princípios do código de ética do

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DEMOCRACIA E CIDADANIA COMO PRINCÍPIOS DO CÓDIGO DE ÉTICA DO
SERVIÇO SOCIAL E SUA ANÁLISE ATRAVÉS DA TEORIA SOCIAL CRÍTICA1
Vol. I - Ano 2016 ISSN 2446-5518
Vivian Pilger Santos2
Kelly Cristina de Oliveira Martinelli3
Eixo temático: Serviço Social, Ética e Formação Profissional
Resumo: Este trabalho é resultado das discussões e análises provocadas pela
disciplina de Democracia, Cidadania e Justiça Social do Programa de Pós
Graduação Stricto Sensu em Serviço Social da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná – Unioeste/ Campus de Toledo-PR. Assim, o objetivo desta análise é tratar
das categorias democracia e cidadania, princípios estes contidos no Código de Ética
do Serviço Social de 1993, levando em consideração a teoria social crítica. Sabe-se
que, as discussões destes conceitos geram discordância entre os teóricos e diante
disso, este debate caminhará brevemente pelo pensamento de Mill e Marschall e, de
forma mais aprofundada, pela teoria social crítica de Marx por meio do estudo de
Tonet, tendo em vista que esta última teoria é a base que fundamenta o Projeto
Ético-Político Crítico do Serviço Social - PEP.
Palavras-Chave: Democracia. Cidadania. Serviço Social. Marxismo.
INTRODUÇÃO
As análises aqui sistematizadas tiveram seu aprofundamento com as
disciplinas do Mestrado de Serviço Social na Unioeste/Toledo, mas vale destacar
que as mesmas sempre permearam a formação das autoras de forma mais
incipiente, todavia por se tratarem de dois princípios do Código de Ética do Serviço
1Teoria
Social Crítica compreendida através da análise de Ivo Tonet no artigo “Teoria Crítica: do que
se trata?”. Disponível em:<http://ivotonet.xpg.uol.com.br/arquivos/Teoria_social_critica.pdf> . Acesso
em: 07, jun.2016.
2 Assistente Social graduada pela União Dinâmica de Faculdades Cataratas – UDC Medianeira
(2010); Especialista em “Políticas Públicas e Questão Social” pela União Dinâmica de Faculdades
Cataratas – UDC Medianeira (2012); aluna especial do Programa de Pós Graduação Stricto Sensu
em Serviço Social, área de Concentração Serviço Social, Políticas Sociais e Direitos Humanos da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste/ Campus de Toledo-PR (2016). Atuação
profissional no Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS I – Toledo-PR,
Brasil, e-mail: [email protected]
3Assistente Social graduada pelo Centro Universitário da Grande Dourados – UNIGRAN Dourados –
MS (2010); Especialização em Gestão Pública com ênfase no Sistema Único de Assistência Social
pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (2015); Atuou como Residente Técnica na Secretaria de
Estado Trabalho e Desenvolvimento Social por 24 meses; mestranda do Programa de Pós
Graduação Stricto Sensu em Serviço Social, área de Concentração Serviço Social, Políticas Sociais e
Direitos Humanos da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Campus Toledo-PR,
Brasil, e-mail: [email protected]
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Social de 1993, as discussões sobre democracia e cidadania se fazem necessárias
à realidade contemporânea da categoria profissional.
Deste modo, o referido estudo possibilitou a ampliação dos conhecimentos
referentes a estes dois princípios, tanto no debate dos pensadores liberais como, de
forma mais aprofundada, nas análises de Karl Marx em relação à sociabilidade
burguesa.
Assim, o primeiro momento deste trabalho trará a relação do Serviço Social
com os princípios do Código de Ética Profissional, dando visibilidade para os
princípios de democracia e cidadania. Em seguida, este dois princípios serão
analisados diante da ótica da teoria liberal e da teoria marxista. E por fim, no terceiro
e último momento trará as considerações finais sobre o tema exposto.
1. SERVIÇO SOCIAL E OS PRÍNCIPIOS DO CÓDIGO DE ÉTICA DE 1993.
No que se refere à profissão do Serviço Social é importante enfatizar o
compromisso ético-político da/o Assistente Social com a defesa intransigente dos
direitos humanos, contra todo tipo de arbítrio e autoritarismo, bem como da
ampliação e consolidação da cidadania e radicalização da democracia. (CRESS,
2015, p.01).
Neste sentido, é valido afirmar que o Código de Ética de 1993 é o referencial
dos encaminhamentos práticos e do posicionamento político dos assistentes sociais
frente à política neoliberal. Por isso, deve-se ressaltar que este Código
[...] contribuiu para o processo contraditório de construção de uma
nova moralidade profissional direcionada socialmente para a ruptura
com o conservadorismo e para a construção de uma nova cultura
profissional democrática que colide com a hegemonia política do
capital [...]. (BARROCO, 2003, p. 206).
Diante disso, é necessário destacar os onze princípios que norteiam o Código
de Ética Profissional de 1993. O primeiro é a liberdade: reconhecimento da liberdade
como valor ético central e das demandas políticas e elas inerentes – autonomia,
emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; o segundo são os direitos
humanos: defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio do
autoritarismo; o terceiro é a cidadania: ampliação e consolidação da cidadania,
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considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos
civis, sociais e políticos das classes trabalhadoras; o quarto princípio é a
democracia: defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da
participação política e da riqueza socialmente produzida; o quinto é a justiça social:
posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade
de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem
como sua gestão democrática; o sexto é a diversidade: empenho na eliminação de
todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à
participação de grupos socialmente discriminados e a discussão das diferenças; o
sétimo é o pluralismo: garantia do pluralismo, através do respeito às correntes
profissionais democráticas existentes e suas expressões teóricas, e compromisso
com o constante aprimoramento intelectual; o oitavo princípio é o projeto societário:
opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova
ordem societária, sem dominação – exploração de classe, etnia e gênero; o nono é
articulação: articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que
partilhem dos princípios deste Código e com a luta geral dos trabalhadores; o
décimo é a qualidade: compromisso com a qualidade dos serviços prestados à
população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência
profissional; e o décimo primeiro principio é não discriminar: exercício do Serviço
Social sem ser discriminado, nem discriminar, por questões de inserção de classe
social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade e condição física.
Estes princípios do Código de Ética constituem direitos e deveres dos
assistentes sociais, sendo um guia para o exercício profissional. Assim, vale
ressaltar que, dentro desta ótica
O desafio para os assistentes sociais é o de uma tomada de posição
ética e política que se insurja contra os processos de alienação
vinculados à lógica contemporânea, impulsionando-nos a
dimensionar nosso processo de trabalho na busca de romper com a
dependência, subordinação, despolitização, construção de apatias
que se institucionalizam e se expressam em nosso cotidiano de
trabalho. O desafio maior [...] é o de avançarmos na consolidação e
implementação do projeto profissional, inscrevendo seus princípios
em nosso cotidiano de trabalho. Apesar do contexto adverso, [...]
este mesmo contexto impulsiona a mantém vivas as forças sociais
portadoras da esperança e da capacidade de lutas na arena social e
profissional. (ABEPSS, 2004, p. 79).
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Ainda vale destacar que, a democracia e a cidadania estão atreladas a uma
perspectiva de emancipação política, todavia, é necessário afirmar novamente sobre
o princípio oitavo do Código de Ética da profissão (1993), o qual trata da opção por
um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem
societária, sem dominação – exploração de classe, etnia e gênero, ou seja, uma
sociedade emancipada humanamente. Diante disso, se faz necessário o pensar
destas categorias no viés da teoria social critica, compreendendo-as na
sociabilidade burguesa.
2. CIDADANIA E DEMOCRACIA: DO LIBERALISMO AO MARXISMO.
A teoria social burguesa/ liberal discute categorias como cidadania e
democracia numa ótica diferenciada da teoria social crítica. Estas são estudadas
para efetivação da sociabilidade burguesa, bem como fazem parte dos pilares do
liberalismo. Diante disso, destacam-se dois autores da teoria burguesa: John Stuart
Mill e Thomas Humprey Marshall, os quais trazem uma análise dessas categorias
através da ótica da sociedade dominante e são considerados clássicos desta teoria.
Diante disso, Tonet faz um contraponto sobre a teoria crítica e a teoria social
burguesa e afirma que
[...] a partir da revolução Industrial e da Revolução Francesa que a
realidade social pode ser compreendida como resultado da atividade
dos próprios homens e não de forças externas ao mundo humano.
No entanto, a forma específica sob a qual o ser social atinge a sua
maturidade marcará, decisiva e contraditoriamente, o processo de
compreensão dessa realidade. O nascimento da teoria social
propriamente dita é marcado por uma profunda contradição. A
sociedade burguesa, pela sua própria natureza, de um lado
possibilita e, de outro, põe obstáculos, à compreensão da realidade
social como plenamente social, isto é, como resultado exclusivo dos
atos humanos. Deste modo, a sociedade burguesa põe a
possibilidade de serem trilhados dois caminhos na produção do
conhecimento científico. O primeiro, que leva a uma compreensão,
de alguma forma, manipulatória da realidade social. O segundo, que
leva a uma compreensão radicalmente crítica dessa mesma
realidade. (TONET, 2013. p. 02-03).
Este primeiro caminho que trata da compreensão manipulada da realidade
social é o fundamento da teoria social burguesa, o qual se ergue sobre o
pressuposto de que esta forma de sociabilidade está construída sobre o fundamento
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mais sólido possível, ou seja, sobre a verdadeira natureza humana. Diante disso,
esta teoria assume o caminho de produção de conhecimento que contribui para a
reprodução da sociedade burguesa, ainda que faça críticas, aponte deficiências,
imperfeições e proponha melhorias. (TONET, 2013. p. 04).
Ainda neste sentido o autor afirma que a teoria social burguesa tem um
caráter essencialmente conservador, no sentido de pensar todos os fenômenos
sociais no interior desta ordem social, como democracia e cidadania, sem visualizar
a possibilidade de superação dessa sociabilidade. Suas críticas foram intensas
quando se referiam à ordem social feudal, pois, neste caso, o objetivo era eliminá-la.
Ao contrário, essas críticas se tornam menos intensas quando se referem à própria
ordem social burguesa, pois, neste caso se trata de aperfeiçoar e não de destruir.
(TONET, 2013. p. 04).
Neste sentido, Mill, ao tratar de democracia e cidadania em seu livro Governo
Representativo (obra de 1861), afirma que as instituições e as formas de governo
são uma questão de escolha. E que a democracia pura é o único governo possível.
Neste sentido ele coloca que politicamente, uma grande parte do poder consiste na
vontade. A opinião em si é uma das maiores forças sociais ativas. Afirma: “uma
pessoa com uma crença política é um poder social igual a 99 outras pessoas que
possuem apenas interesses”. Em suma, o poder meramente físico e econômico esta
longe de ser o todo do poder social. (MILL, 1980).
O autor ainda trata da verdadeira e da falsa democracia. Ele afirma que a
democracia em uma nação na qual a maioria numérica é composta de uma só
classe, está sempre acompanhada de certos males; mas estes males se resumem
em ser sistematicamente desiguais em favor da classe dominante. Relata que a
idéia pura de democracia, de acordo com a sua definição, é o governo do povo
inteiro pelo povo inteiro, representado de maneira igual. Já a democracia, de
maneira como é comumente concebida e até agora praticada é o governo do povo
inteiro por uma mera maioria, exclusivamente representada. (MILL, 1980).
Em contra ponto, é valido ampliar a discussão com outros pensadores e
também analisar separadamente, mas não isoladamente, os conceitos de
democracia e cidadania, lembrando que os dois fazem parte da sociabilidade
burguesa.
Cidadania é entendida como
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[...] relação legal entre um indivíduo e o país de sua nacionalidade,
geralmente adquirida por nascimento ou por naturalização. Neste
sentido, a cidadania pode ser natural, quando decorre do
nascimento, e legal, quando o indivíduo estrangeiro fixa residência
em um território e a cidadania lhe é outorgada por declaração que o
naturaliza. É uma expressão que deve identificar aquele que está de
plena posse de seus direitos políticos; aos cidadãos devem ser
dados um passaporte, proteção do governo e direitos constitucionais
(DICIONÁRIO TUDO, 1977, p. 335).
Importante salientar que a definição de cidadania utilizada na sociedade
contemporânea se encontra no ensaio clássico de Marshall: “Cidadania e classe
social”. O autor afirma que cidadania é a participação integral do indivíduo na
comunidade política; tal participação se manifestando, por exemplo, como lealdade
ao padrão de civilização aí vigente e à sua herança social, e como acesso ao bemestar e à segurança material aí alcançados. (SAES, 2000, p.02).
Neste sentido é valido discorrer sobre a democracia, a qual é tida como um
[...] regime de governo que reconhece o direito de todos os membros
da sociedade de participarem das decisões políticas, direta ou
indiretamente. A democracia direta, na qual as decisões políticas
são tomadas pelo conjunto de todos os cidadãos, somente é possível
onde a população é pequena, como ocorria em algumas cidadesEstados da Grécia Antiga. Na democracia representativa, as
decisões políticas são tomadas por representantes eleitos pelo povo.
A democracia representativa começou a se desenvolver durante os
séc. XVIII e XIX, na Inglaterra, França e EUA. Sua instituição central
é o Parlamento representativo, no qual se tomam decisões por
maioria de votos. Instituições intrínsecas à democracia representativa
são: eleições regulares, com livre escolha de candidatos; sufrágio
universal; liberdade de organização de partidos políticos;
independência dos poderes executivo, legislativo e judiciário;
liberdade de expressão e de imprensa; preservação das liberdades
civis e dos direitos das minorias. (DICIONÁRIO TUDO, 1977, p. 414).
Neste sentido, Machado (2015, p. 01) afirma que atualmente no Brasil, a
cidadania e a democracia têm se apresentado como paradigmas na construção de
um novo direito das relações sociais, tendo uma concepção de Estado de Direito.
Este Estado, em seus marcos legais, estabelece a democracia como sistema político
e a cidadania como padrão de aperfeiçoamento, aprofundamento e garantia da
democracia. Neste sentido é válido lembrar que a política brasileira insere-se nos
marcos do neoliberalismo, marcos estes que não se associam com o avanço da
cidadania.
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Ainda parafraseando Machado, como a perspectiva da cidadania vincula-se,
estreitamente, à questão da democracia, ressalte-se que Marx e Engels
apresentavam a democracia como contraditória em si mesma: se, por um lado, a
classe dominante cria mecanismos que visam oferecer à população uma ilusão de
participação, por exemplo, as eleições; por outro, ela viabiliza a organização da
população para ampliar as formas democráticas, adentrando na luta por direitos de
uma participação efetiva. (2015, p. 03)
No que se refere à discussão marxista sobre a cidadania e a democracia,
considera-se a análise realizada por Tonet pertinente ao momento. Em sua análise o
autor destaca que o fim da sociabilidade burguesa causará não apenas a superação
da sua base material, mas ao mesmo tempo, o conjunto das objetivações que se
originavam dela. Assim, o conjunto de instituições, direitos e liberdades que
compunham a democracia e a cidadania também deveria ser eliminado por ser
constitutivo da ordem burguesa. A superação era de que, eliminando a totalidade da
sociabilidade burguesa, se estaria construindo uma forma de sociabilidade
inteiramente nova e superior. Mas, não o que aconteceu com a revolução soviética
de 1917. Neste sentido, ao invés de uma forma de sociabilidade mais livre e
superior, o que emergiu desse processo foi à brutal ditadura na qual nem as
objetivações democrático-cidadãs burguesas tiveram a possibilidade de florescer.
(TONET, 2009, p. 02).
Infelizmente, todas as tentativas de revolução que se pretendiam
socialistas não foram além da quebra do poder político da burguesia.
Esta, porém, é uma condição necessária, mas de modo nenhum
suficiente. A condição fundamental para a superação do capital e,
portanto, de toda exploração do homem pelo homem, é a entrada em
cena da “alma” do socialismo, vale dizer, do trabalho associado.
Porém, o trabalho associado só pode comparecer se as forças
produtivas estiverem de tal modo desenvolvidas que possam permitir
a produção abundante de riqueza, de modo a atender as
necessidades de todos . Este não era, de modo algum, o caso de
todos os países onde se tentou levar a revolução socialista. (2009, p.
11).
Diante disso Tonet ainda cita Marx, o qual afirma que
[...] esse desenvolvimento das forças produtivas (...) é um
pressuposto prático, absolutamente, necessário, porque, sem ele,
apenas generalizar-se-ia a escassez e, portanto, com a carência,
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recomeçaria novamente a luta pelo necessário e toda a imundice
anterior seria reestabelecida [...]. (MARX apud TONET, 2009, p. 12)
Deste modo, para Marx, não é o Estado que funda a sociedade como
sociedade, mas sim o trabalho. Independente de qual seja a forma de sociedade. O
trabalho é a necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio material entre o
homem e a natureza e, portanto, de manter a vida humana. (TONET, 2009, p. 0405).
Entretanto, o fato de ser o trabalho o fundamento ontológico do ser social, de
modo nenhum se suprime as outras categorias. Muitas delas, inclusive, são
necessárias para a reprodução do ser social. Independente da sua importância,
porém, nenhuma delas assume aquele caráter de fundamento ontológico. Isto
porque o trabalho é a única categoria cuja função social consiste na transformação
da natureza para a criação dos bens materiais necessários á existência humana.
(2009, p. 05).
Tonet afirma que o ser social se caracteriza por ser uma totalidade e uma
processualidade, ou seja, um conjunto articulado de partes, em processo e em
determinação recíproca. Conjunto esse, permeado pela negatividade vale dizer, por
carregar em seu interior, elementos contraditórios, que se opõem entre si e se
negam mutuamente. Lembrando que este conjunto de partes possui como matriz
ontológica, o trabalho. Por isso, nenhuma das partes pode ser compreendida
efetivamente sem a sua remissão à totalidade da qual é um elemento. E é a partir
desses fundamentos onto-metodológicos que se busca a concepção de Marx acerca
do Estado e da democracia. (2009, p. 06).
Para Marx, o Estado tem sua origem na existência da propriedade privada e
das classes sociais e é do antagonismo existente entre as classes que brota a
necessidade do Estado, porém com a clara finalidade de defender os interesses das
classes dominantes. (2009, p. 06).
O exame de todas as formas democráticas de Estado indica que a
democracia é sempre uma forma política e como forma política deve
ser existência a uma determinada forma de trabalho sempre marcada
pela exploração do homem pelo homem. Por isso mesmo, sua
existência pode ser desconectada do capital, argumento esgrimido
pelos defensores da democracia como valor universal para sustentar
a sua existência para além da sociabilidade capitalista, mas de modo
nenhum da propriedade privada. No entanto, o que não se pode ser
desconectado do capital é a democracia na sua forma moderna, não
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obstante todas as contradições que existem ente essas duas
categorias. Certamente há contradições entre o capital e a
democracia. Mas, estas são apenas a demonstração da autonomia
relativa que ela tem face àquele, sem negar, de modo nenhum, a sua
dependência ontológica dele. (TONET, 2009, p. 06).
Analisando o contrato original de trabalho (capitalista), o qual exige para sua
efetivação, dois sujeitos que tenham, no mínimo, três qualidades básicas: serem
livres, iguais e proprietários. Livres, porque o fazem sem serem a isso jurídica nem
politicamente obrigados; iguais, porque trocam entre si equivalentes; proprietários,
porque cada um deles detém a propriedade da algum bem; força de trabalho, o
trabalhador; capital, o capitalista. Estas qualidades básicas serão o fundamento a
partir do qual se configurará o conjunto das objetivações democrático- cidadãs. A
luta concreta das classes dirá da sua ampliação ou da sua restrição e da sua
concretude. (TONET, 2009, p. 07-08).
Neste sentido, o capital não acha interessante a ampliação dos espaços
democráticos-cidadãos para os trabalhadores, ele só cederá se for forçado pela luta
dos trabalhadores e/ ou quando isso lhe for conveniente. Ainda, mesmo com perdas
momentâneas, o capital saberá dar a volta por cima e garantir em nível superior a
sua produção. Entretanto, ele também não pode suprimir completamente aqueles
espaços, sob pena de matar a galinha dos ovos de ouro, ou seja, sem compra-evenda de força de trabalho, que é de onde brota o valor e de onde nasce o capital,
não existe capitalismo. (TONET, 2009, p. 08).
Por tanto Marx afirma que a
[...] democracia – ai incluindo a cidadania – é forma política. Ela é a
expressão forma (igualitária) do conteúdo real (desigualitário) gerado
pela relação capital-trabalho. Por isso mesmo, a democracia é, ao
mesmo tempo, expressão da desigualdade social e condição da sua
reprodução. Mas, [...] em nenhum momento, um desprezo ou
desqualificação dessa categoria. Significa, simplesmente, a
compreensão da sua origem, da sua natureza, da sua função social e
dos seus limites intrínsecos. (apud TONET, 2009, p. 08-09).
Válido afirmar que a democracia também é uma forma de liberdade
necessária limitada, a qual não importa o quanto aperfeiçoada seja e também não
importa o quão ela possa diminuir a desigualdade social, a democracia jamais
poderá arrancar a raiz dessa desigualdade, que é a propriedade privada, uma vez
que a mesma repousa sobre essa própria raiz. Assim, a existência da propriedade
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privada significa a existência da exploração e da dominação do homem pelo homem.
Sendo que a conseqüência necessária disso é a impossibilidade de os homens
serem efetivamente livres. E neste sentido Tonet afirma que para Marx, nada disso
diminui o valor destas objetivações democráticas. (TONET, 2009, p. 09).
Para reforçar a afirmação acima, o autor novamente cita Marx,
Não há dúvidas que a emancipação política representa um grande
progresso. Embora não seja a última etapa da emancipação humana
em geral, ele se caracteriza como a derradeira etapa da
emancipação humana dentro do contexto do mundo atual. É obvio
que nos referimos à emancipação real, à emancipação prática. (1991
apud TONET, 2009, p. 09-10).
No Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels afirmam que o primeiro
passo na revolução operária é a passagem do proletariado à classe dominante,
através da conquista da democracia pela luta. Este é um momento superior da
democracia, a qual é diferente da anterior – domínio da maioria sobre a minoria.
Contudo, ela não deixa de ser uma forma limitada de liberdade, isto é, trata-se de
uma liberdade mais ampla para a maioria, mas ainda assim é uma liberdade na qual
inexistem os pressupostos fundamentais para a liberdade verdadeiramente plena,
vale dizer, para o domínio livre, consciente, coletivo e universal sobre o processo de
produção e, a partir dele, sobre o conjunto do processo social. (TONET, 2009, p.
10).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em suma, o objetivo é a eliminação da exploração do homem pelo homem. O
que realmente interessa é pensar uma forma de sociabilidade em que os homens
possam ser plenamente livres e não apenas mais livres. Diante disso, observa-se
que Marx não tem interesse em menosprezar ou desqualificar a democracia, mas
em compreender a sua origem histórico-ontológica, a sua natureza, a sua função
social e também seus limites. (TONET, 2009, p. 10).
Por fim, pode-se dizer que Marx não é contra a democracia, apenas é a favor
da emancipação humana, da plena liberdade dos homens, coisas que a democracia
não pode proporcionar na sociabilidade burguesa.
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Diante disso, o Serviço Social é uma profissão que trabalha com as
categorias referentes à emancipação política, até porque está inserida na sociedade
capitalista e faz parte da divisão social, é técnica do trabalho. Todavia é preciso ter
em vista que, estas categorias como democracia, cidadania, política, etc. são
mecanismos de luta dentro da sociabilidade burguesa para um objetivo principal que
é a eliminação da propriedade privada, logo a buscar por uma nova ordem
societária, sem dominação – exploração de classe, etnia e gênero.
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