Há uma população marginalizada nos porões de nossa

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ANO 07
IMPRESSO E ON-LINE - BOLETIM Nº 25
ABR/MAI/JUN - 2014
Há uma população marginalizada
nos porões de nossa sociedade
CONFIRA TAMBÉM
Inclusão
Drogas
Intoxicação
Copa da inclusão, novos canais para
a promoção de saúde mental Pág. 3
Debate sobre a liberação da maconha para
uso medicinal Pág. 6
Aumento dos acidentes causados por cigarros eletrônicos Pág. 7
CANAL ABERTO
O GIGANTE
EXPEDIENTE
NÃO ACORDOU
Saúde Mental em Foco é uma
publicação do SINDHOSP
DIRETORIA:
Vivemos num mundo que reverencia os ídolos do futebol, impulsionados pelo
marketing milionário do esporte. Enquanto nossos professores estão em greve por
tempo indeterminado aguardando o anúncio de salários mais dignos. Mas esse fato
não nos importa muito, afinal a aula de nossos filhos está garantida nas escolas
particulares que cobram caro e não fazem greve. Enquanto assistimos aos jogos
da Copa, em nossas televisões full HD, as crianças das escolas públicas estarão
em férias permanentes, afinal tem greve de professor, tem Copa, e ainda é ano de
eleições. Os estádios, que custaram milhões e mais algumas vidas operárias, são
pura pompa e circunstância. Serão alvo de todas as câmeras de TV. E receberão
milhares de pessoas que, antes, se digladiaram nas filas – reais ou virtuais – por
um ingresso do Mundial.
EDITORA:
A situação das pessoas que sofrem de transtornos mentais e que estão internadas em
hospitais de custódia, no Brasil, é um desses episódios que nos envergonha. Mas que
não desperta a atenção de quase ninguém, porque não incomoda a vida cotidiana.
Os usuários de crack que perambulam nas ruas da capital paulista ferem a paisagem
urbana. Apresentam risco à nossa pseudo paz. Então a população se mobiliza, e
exige que os “drogados” saiam do caminho. Mas também não se importa muito
sobre o que será feito deles. Já os internos dos hospitais de custódia não estão no
caminho de ninguém. Não incomodam. Moram lá longe, em Franco da Rocha!
É mais ou menos nesse tipo de círculo vicioso de pensamento que vivemos. Que
inverte os valores do que realmente nos interessa e nos toca. Somos humanos, mas
distanciados de nossa própria humanidade. Confinados aos
nossos interesses individuais.
Torcerei pelo Brasil na Copa, porque acredito
no esporte como agente transformador e
motivador. Mas torcerei mais forte ainda
para que, depois do Mundial, o gigante
realmente acorde.
EFETIVO
Yussif Ali Mere Jr. (presidente)
Ana Paula Barbulho (MTB 22170)
REDAÇÃO E REVISÃO:
Ana Paula Barbulho, Aline Moura,
Fabiane de Sá e Rebeca Salgado
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA:
Carlos Eduardo, Felipe da Fonseca
(Marketing)
COLABORARAM NESTA EDIÇÃO:
Ricardo Mendes, coordenador de Saúde
Mental do SINDHOSP, e Carlos Eduardo
Silva (Marketing)
TIRAGEM:
2.000 exemplares
CIRCULAÇÃO:
Entre diretores e administradores de
hospitais psiquiátricos e clínicas
PERIODICIDADE:
Trimestral
FOTOS MATÉRIA CAPA:
Thinkstock
DEMAIS FOTOS:
* Ricardo Mendes coordena o departamento
de Saúde Mental do SINDHOSP
Vai ter Copa
Esporte, cultura e terapia são temas da Copa promovida pela ONG Sã Consciência
Em pleno 2014, ainda não evoluímos para uma sociedade ideal. Já chegamos à
Lua e estamos a um passo de fazer um paraplégico se movimentar por meio de um
exoesqueleto, mas ainda não aprendemos a inverter a ordem das coisas e priorizar o
que realmente faz sentido. Priorizar as prioridades, para ser redundante e incisivo.
Não tenho nada contra o futebol. Nem contra a Copa. Muito menos contra as tecnológicas TVs contemporâneas. Mas fico pensando que se tivéssemos o mesmo
interesse grandioso e eloquente por outros assuntos mais prioritários, mudaríamos
o país. E não me refiro a manifestações nas ruas. Não acredito que empunhar
bandeiras tenha mais força do que trabalhar honesta e arduamente por um ideal.
Modificar realidades não é fácil. É preciso muito trabalho e dedicação. Mas também
é preciso querer. Fechar os olhos faz com que sejamos coniventes.
INCLUSÃO
Thinkstock e divulgação
CORRESPONDÊNCIAS PARA:
Assessoria de Imprensa
R. 24 de Maio, 208 - 9º andar
CEP: 01041-000 - São Paulo - SP
Tel. (11) 3331-1555 - Fax: (11) 3222-6914
[email protected]
*Por Rebeca Salgado
No país do futebol, e em ano de Copa do Mundo,
não há outro assunto. A despeito das manifestações,
das greves e da opinião de muitos brasileiros de que
a Copa não deveria acontecer por aqui, o torneio é
irrefutável. E, convenhamos, ajuda-nos a despertar
a solidariedade e a alegria. Afinal, o esporte é assim:
tem o poder da reabilitação. Pois é exatamente este
espírito que traduz a iniciativa da ONG Sã Consciência, que desde 2005 trabalha na criação de projetos
inovadores a fim de promover a reinserção social de
portadores de transtornos mentais. Um deles é a Copa
da Inclusão, evento que busca integração, ressocialização e inclusão de usuários, profissionais e familiares dos serviços de saúde mental nos municípios de
São Paulo, Diadema, Ferraz de Vasconcelos, Barueri,
Santo André, Mauá, Guarulhos e Mogi das Cruzes.
Neste ano, o evento será realizado entre os dias 16, 23
e 30 de agosto e 13, 20 e 27 de setembro, no Sesc Itaquera, já parceiro da ONG. Idealizado por Ed Otsuka,
José Luis Cassandri e Ricardo Santoro – então alunos
de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP) e hoje professores de Psicologia
da faculdade –, a Copa tem a preocupação de expor
à sociedade a demanda de atenção em relação a essa
população que, apesar dos avanços alcançados, ainda
sofre com o descaso e a ignorância acerca do assunto.
“Procuramos mostrar que os pacientes psiquiátricos
podem ser produtivos para a sociedade e devem ser
vistos como tal”, afirma Otsuka. “Trata-se de uma
iniciativa que procura criar novos canais para a
promoção de saúde mental, tal como um espaço de
lazer e expressão aos pacientes.
Pretendemos mostrar que é possível proporcionar
espaços como esses, e assim provocar a realização
de novas iniciativas, além de celebrar os avanços
alcançados pelos profissionais dessa área”, completa.
Apoiado pelo Conselho Regional de Psicologia
(CRP-SP), a iniciativa já é cativa no calendário de
eventos do setor e tem entre suas atividades torneios
de futsal masculino e feminino, com equipes formadas pelos usuários dos serviços de Saúde Mental,
apresentação de oficinas terapêuticas (como dança
cigana, capoeira, samba) trazidas pelas instituições;
e bazar, onde são expostos e vendidos produtos confeccionados pelos usuários. Além disso, acontecem
sessões de cinema e peças de teatro.
O evento conta também
com a participação da rádio
“Sã Consciência”, considerada mais um espaço de
integração e livre expressão. Os usuários narram os
jogos, animam a torcida,
cantam, entrevistam jogadores e torcedores. A rádio
conta com uma programação musical, momentos
para recados e declamação
de poemas.
A primeira edição da Copa
da Inclusão, que ocorreu em
2002, contou com a participação de 13 instituições
da área. Em 2010, com a
crescente adesão de novos
participantes, o encontro reuniu 53 serviços da região metropolitana de São Paulo,
entre CAPS, NAPS, HDs, CECCOs. No ano de 2011, participaram 56 serviços.
Em 2012 foram 65 serviços de saúde mental localizados em diversas regiões da
Grande São Paulo, além de cidades do interior paulista.
“Já são 12 anos de dedicação, parcerias e conquistas. Crescemos, aprendemos
juntos, dividimos alegrias, emoções, enfrentamos dificuldades e seguimos com
nosso objetivo de promover um espaço de integração, ressocialização e inclusão
social”, explica Otsuka. “É comum entre pacientes a queixa em relação ao ócio,
sendo este um importante agravador do sofrimento. Muitos não têm um suporte
familiar ou uma rede social que lhes provenham afetivamente, assim como muitos
têm uma rede social que se limita às relações que são estabelecidas nas instituições. Esse evento consiste numa
grande reunião de instituições de
saúde mental, vindas de toda Grande
São Paulo”, completa.
No primeiro dia da Copa da Inclusão, este ano, será realizada uma
cerimônia de abertura, que contará
com apresentações culturais e o
início dos jogos. No último dia,
ocorrerá uma festa de encerramento,
também com apresentações culturais
e cerimônia de entrega dos prêmios
do torneio e medalhas para todos os
participantes. Tal qual a Copa!
MATÉRIA DE CAPA
MATÉRIA DE CAPA
sentença de desinternação, Medida de Segurança extinta ou internação sem
processo judicial, ou ainda por terem recebido o benefício judicial da alta ou
desinternação progressiva. A esquizofrenia representava a maioria dos diagnósticos (42%).
*Por Aline Moura
social visando à recuperação, e vivem em ambientes fétidos, úmidos, em enfermarias com vidros quebrados e colchonetes no chão”, detalha o prefácio do
livro, dando a ideia do que vem pela frente.
Eles não são super-heróis. Não possuem o poder de ser tornar invisíveis, nem de voar. Não são
feitos de aço, nem lançam teias de aranha pelos
punhos. Alguns deles talvez até delirem sobre esta
possibilidade. Mas tudo fica em sonho. No estado
da inconsciência. Na verdade, são pessoas de verdade. Como eu, você e o vizinho. Feitas de carne, osso
e um bocado de melancolia. Cerca de quatro mil
pessoas que sofrem de transtornos mentais e que,
por um lapso, cometerem um crime, foram descobertas, presas, julgadas incapazes, e colocadas atrás
das grades. No papel, elas têm direito a tratamento médico e psicológico, e a condições dignas de
moradia e alimentação. Mas vivem enclausuradas
como bichos e, muitas vezes, abandonadas por suas
famílias. Esquecidas pelo Estado, incompreendidas
e invisíveis, porque habitam o último degrau da hierarquia social.
Em abril deste ano, o Cremesp
(Conselho Regional de Medicina do Estado de SP) lançou uma
publicação chamada “Hospital de
Custódia: Prisão sem Tratamento”. A leitura é obrigatória para os
interessados em políticas públicas
em saúde mental. Ou na falta delas. Os números apontados pelo
amplo relatório dão conta de que
os 1.050 portadores de transtornos
mentais mantidos nos três hospitais de custódia do Estado de São
Paulo encontram-se em situação
de total desassistência. “Não recebem cuidados médicos essenciais,
não têm acompanhamento psicos-
4
Esta realidade, embora não seja muito debatida pela nossa sociedade, não é
uma novidade. Em 2011, um estudo encomendado pelo Ministério Público da
Justiça (MPJ), realizado em parceria com o Anis (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero) traçou um censo sobre esta população no
país. Foi o primeiro trabalho brasileiro a se debruçar sobre o tema.
“Estamos diante de um grupo de indivíduos cuja precariedade da
vida é acentuada pela loucura e pela pobreza, mas também diante
de vidas precarizadas pela desatenção das políticas públicas às necessidades individuais e aos direitos fundamentais”, afirma Débora
Diniz, professora da Universidade de Brasília, pesquisadora do Anis
e que assina os textos do trabalho de 2011, intitulado “A Custódia e o
Tratamento Psiquiátrico no Brasil”.
Para Mauro Aranha, psiquiatra do Cremesp e um dos coautores do livro, o olhar
sobre esses pacientes é apenas custodial. “A vertente terapêutica e de ressocialização da Medida de Segurança parece passar ao largo dessas pessoas”, afirma.
No Brasil, indivíduos que cometem um crime e que são julgados inimputáveis
ou semi-inimputáveis são absolvidos pela Justiça, mas submetidos à Medida de
Segurança, convertida em tratamento, que pode ou não incluir a reclusão. Ser
considerado inimputável significa, basicamente, que a pessoa não tinha consciência de seu ato quando cometeu o crime. Daí a proposição de uma internação
acompanhada de tratamento.
Além da ausência de tratamento efetivo, esses presos permanecem anos a fio
nesta condição de internação, porque pela lei a Medida de Segurança só termina
quando cessa a “periculosidade” do infrator. Quer dizer que um psiquiatra perito precisa atestar, em laudo médico, que o paciente não apresenta mais riscos
para a sociedade para que ele possa ser “liberado”. Segundo o jurista Carlos
Eduardo Neves, analista de Promotoria no Ministério Público de São Paulo, é
de entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que a Medida de Segurança, embora dependa da cessação de
periculosidade, não pode ser perpétua
e nem ultrapassar 30 anos de enclausuramento, já que nossa Constituição não
permite penas que ultrapassem este limite.
O censo realizado a pedido do MPJ, no
entanto, flagrou 0,5% da população dos
hospitais de custódia vivendo há mais
de 30 anos em reclusão. Três por cento estavam entre 16 e 20 anos; 14,6%
de 6 a 10 anos e 54,7% de 1 a 5 anos.
Pelo menos 25% (741) dos indivíduos
em Medida de Segurança não deveriam
estar internados por terem tido atestada a periculosidade cessada, por terem
Segundo a psicóloga Laura Araújo Geszti, pesquisadora da Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro, a cada três anos a periculosidade do
paciente é verificada por um perito. “Agora, você imagina como é complicado
um perito que não está acompanhando o tratamento dessa pessoa atestar uma
responsabilidade de que ela não vai mais cometer o delito. Ninguém assina.
Houve um caso de um paciente que entrou com 18 anos e saiu com 60 porque
tinha furtado mantimentos”, revela.
No estudo do Cremesp, que retrata a realidade do Estado de São Paulo, a lógica
é mais ou menos a mesma. Nas três unidades visitadas, nenhuma das comissões
obrigatórias pela legislação estava constituída, entre elas as comissões de Ética
Médica, a de Revisão de Óbitos, de Revisão de Prontuário e a de Controle de
Infecção Hospitalar. Em duas das três instituições, não existia farmacêutico
responsável. Os medicamentos eram dispensados por um agente de segurança
penitenciário e administrados aos pacientes pelos auxiliares de enfermagem. A
ausência do farmacêutico facilita a prescrição de polimedicação – polifarmácia – ou mesmo o uso de drogas para contenção química. “A partir do final da
tarde, e até a manhã seguinte, os pacientes ficam trancados em suas celas ou
pavilhões, permanecendo sem assistência médica ou possibilidade de socorro
em caso de emergência. Não há um esquema de vistoria noturna dessas celas
ou pavilhões, especialmente nos períodos em que não dispõe de médicos nestes
horários”, detalha o relatório. Em um dos hospitais vistoriados, dos 72 profissionais de saúde esperados para o porte da unidade, trabalhavam 28. Dos sete
psiquiatras previstos, havia três. Entre clínicos, diaristas e plantonistas, dos 17
esperados foram encontrados seis. Entre os 26 auxiliares de enfermagem necessários, havia apenas oito. E não havia nenhum terapeuta ocupacional, dos cinco
necessários. “A falta de equipe reduz o atendimento aos casos de emergência e
impede a prática de um projeto terapêutico individualizado, como previsto na
legislação, o que compromete o tratamento, a recuperação e reabilitação dos pacientes”, alerta Mauro Aranha.
Mauro Aranha
Para o presidente do Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo, João Rinaldo
Machado, o sistema prisional começa a ficar visível
para a sociedade, pois um número cada vez maior de
pesquisadores e entidades renomadas volta-se para o
tema. “O problema do sistema prisional é muito sério e grave. Denunciamos há muitos anos as mazelas
como a superlotação carcerária e o déficit de pessoal, e
finalmente esse assunto vira pauta social. Até agora não
vimos resultados concretos a partir desses estudos, mas
temos certeza de que essa visibilidade será muito útil para
as reivindicações e denúncias da categoria”.
Segundo o advogado Marcus Vinicius Furtado Coelho, presidente do Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a entidade batalha pela
transferência da gestão dos hospitais de tratamento para as secretarias de saúde.
“Entendemos que a questão foge da competência da Justiça Criminal. Por meio
de sua Coordenação de Acompanhamento do Sistema Carcerário, a OAB tem
estabelecido contato direto com membros dos governos de todo o país para que
se sensibilizem para a questão. Serão encaminhadas proposições às secretarias
de saúde e aos governadores para que as pessoas que estão em cumprimento
de medida de segurança passem a ser responsabilidade do sistema de saúde”.
A despeito da política antimanicomial, que travou uma luta contra a institucionalização do paciente com transtorno mental, os hospitais de custódia andam na
contramão deste discurso. “Falta à política antimanicomial ter mais efetividade no tratamento dessas
pessoas e admitir que o transtorno mental não é apenas devido às mazelas sociais de que estes indivíduos emergem. Falta também à Psiquiatria tradicional
o reconhecimento de que estes indivíduos não são
apenas portadores de transtornos mentais: são pessoas que necessitam de condutas ativas em prol de
sua ressocialização e resgate de seus direitos civis
e de sua dignidade” , considera o psiquiatra Mauro
Aranha.
Alternativas Brasil afora tem mostrado um possível
caminho para que a situação dessas pessoas melhore. Uma experiência pioneira, em Belo Horizonte, é o Programa de Atenção Integral ao Paciente
Judiciário Portador de Sofrimento Mental Infrator
(PAI-PJ). Por lá, não existem mais hospitais de custódia. Existe uma equipe volante ligada ao Tribunal de Justiça que vai até as unidades prisionais e
atende aos pacientes que lá estão. “É notório que há
uma alternativa”, reforça a psicóloga Laura Araújo. O PAI conta com equipes multidisciplinares que
propõem projetos terapêuticos individualizados que
objetivam a ressocialização dos pacientes, inclusive junto às suas famílias. Quando sai da reclusão,
em determinados casos, o paciente que ainda não
se sente seguro para viver sozinho é acompanhado
por um estagiário de psicologia, até que sua recuperação seja plena.
Para o desembargador aposentado Sérgio Antonio
de Resende, que presidiu o Tribunal de Justiça de
Minas Gerais de 2008 a 2010, é preciso lembrar que,
antes do ato criminoso, existe uma longa trajetória
de sofrimento mental. “O crime é uma consequência dessa história. No entanto, mesmo diante de um
ato trágico, é possível apostar que essa pessoa é capaz de outras respostas em sua convivência social.
Pode-se dizer que não existe reincidência nos casos
assistidos pelo PAI-PJ, em funcionamento há dez
anos. Isso demonstra a eficácia do programa, desenvolvido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais,
em parceria com o Executivo, pela rede pública de
saúde, com o imprescindível apoio dos operadores
do direito. O envolvimento da família e de toda a
sociedade é fundamental.”
DROGAS
DEU NA IMPRENSA
Uso de maconha medicinal ainda
é visto com receio no Brasil
Anvisa adiou discussão sobre liberação de canabidiol e pedidos emperram na justiça brasileira
*Por Rebeca Salgado
O debate sobre a liberação da maconha para uso
medicinal não é novo. Nem exclusivo do Brasil.
Mas ganhou ares de primeira página de jornal no
começo de 2014, quando a família da menina Anny
Fischer solicitou à Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa), por meio da Justiça, que fosse
considerada legal a importação de um medicamento
contendo canabidiol (CBD), substância extraída da
maconha. O objetivo era tratar a pequena Anny, que
sofre da rara síndrome CDKL5, doença genética
que provoca deficiência neurológica grave e grande
quantidade de convulsões.
Em 29 de maio, uma audiência foi realizada na Anvisa, justamente para decidir se
o canabidiol poderia ou não sair da lista de controle especial. A decisão favorável
permitiria que pacientes com indicação médica importassem o medicamento
sem a necessidade de autorização. Um pedido de vista de um dos conselheiros,
no entanto, adiou a decisão, que ainda não tem previsão para sair. Até lá, a
importação direta de canabidiol continua proibida no Brasil.
Os pais de Anny não têm dúvidas quanto à eficácia em seu tratamento. O casal
Katiely e Norberto Fisher conta que a filha, de cinco anos, tinha cerca de oitenta
convulsões por semana, com crises que começaram aos 45 dias de vida. Em 2013,
quando iniciaram o tratamento com CBD, na época importado clandestinamente
e comprado pela internet, as crises da menina diminuíram, chegando a quase
zero em algumas semanas. A batalha com a Anvisa começou após a agência
reter a importação do medicamento. Eles entraram na Justiça para continuar o
tratamento e conseguiram liminar favorável. Com a análise de laudos médicos,
o juiz reconheceu que “a medicação trouxe uma sensível melhora na qualidade
de vida da paciente, sendo desumano negar o pedido à criança”.
“A única forma de se estudar um composto é seguir as normas já estabelecidas,
que sabemos que são boas”, afirmou Livia Cunha Elkis, neurologista membro
do departamento científico de Neurologia da Sociedade de Pediatria de São
Paulo (SPSP). “Em primeiro lugar vamos estudar em adultos que podem nos
informar melhor os efeitos colaterais. Não podemos expor nossas crianças ao
empirismo, vamos tentar fazer um esforço global e estudar esse composto de
forma mais acelerada. A preocupação da SPSP referente ao caso de Anny é que
muitos pais recorram a este tratamento sem orientações específicas e acabem
por prejudicar ainda mais a situação de seus filhos”, explica.
Katiely e a filha Anny Fisher, de cinco anos
A liberação, conquistada em março, trouxe felicidade
à família de Anny, mas não chegou a contento para
o menino Gustavo Guedes, de 1 ano e 4 meses. Ele
tinha uma forma grave de epilepsia e sua família
também recebeu autorização da Anvisa para importar
a pasta natural de CBD. A criança sofria da síndrome
de Dravet, entrou num quadro grave no fim de maio,
e faleceu, dias após a autorização da agência.
Embora a comercialização de medicamentos com
esta substância ainda seja proibida no Brasil, os
pacientes que tenham a prescrição para utilizar esse
remédio podem abrir um pedido junto à Anvisa para
importá-lo. O problema é que o trâmite é lento e
nem sempre o paciente tem tempo para aguardar.
De acordo com a agência, isso é necessário porque
medicamentos sem registro no país não contam com
dados de eficácia e segurança registrados na Anvisa.
Por isso, cabe ao profissional médico a responsabilidade pela indicação do produto, juntamente com
sua dosagem e forma de uso.
6
Mario Roberto Hirschheimer, presidente da SPSP, também é contra o uso da
substância em crianças. “O que devemos nos perguntar é: será válido os pais
exporem seus filhos a fármacos ainda não aprovados?”, questiona. “O maior
problema se refere à percepção do efeito colateral em crianças pequenas, que
pode estar associado ao atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, complicando a percepção da família ou do médico. Uma criança de 7, 8 anos pode
informar uma cefaleia, mas não descreve precisamente suas características como
dor em queimação ou dor pulsátil. Será que uma criança de 1 ou 2 anos pode
informar uma ansiedade discreta ou moderada, e nós médicos ou os seus pais
vamos entender esse sintoma subjetivo, e então avaliar a retirada da medicação?”
O Conselho Federal de Medicina (CFM) também
se posicionou a respeito do tema, em 6 de
junho, em nota oficial. A entidade ressaltou
que defende a pesquisa com quaisquer
substâncias ou procedimentos para
combater doenças, desde que regidos
pelas regras definidas pelo sistema
CEP/CONEP e aplicados em centros
acadêmicos de pesquisa. Ainda afirmou que “não se deve confundir o uso
médico de canabinoides com o produto
in natura para uso fumado ou ingerido,
o qual não apresenta valores científico
ou terapêutico”.
HOSPITAIS DE SÃO PAULO TESTAM
ESTIMULAÇÃO ELÉTRICA
CONTRA DEPRESSÃO
Dois grandes hospitais de São Paulo estão testando a estimulação elétrica de um
nervo localizado no rosto para o tratamento da depressão, da fibromialgia e da
dependência de crack. O procedimento experimental é indolor e não invasivo.
Na técnica, dois eletrodos conectados a um marca-passo
são colocados na testa do paciente, região do nervo
trigêmeo, que passa pela mandíbula, pelo maxilar
e pela região próxima aos olhos.
depressão, a fibromialgia, doença caracterizada por
dores em todo o corpo e a dependência do crack.
Lá, a técnica foi aplicada em dez pacientes com
depressão severa que não respondiam mais a
medicamentos. Foi o caso da funcionária
pública Ivone Pereira Lopes, 55.
"Esse estímulo altera o fluxo sanguíneo e os impulsos
neuronais com benefícios visíveis", diz Antônio De Salles,
coordenador do Núcleo de Neurociência e Neurocirurgia do HCor.
Após o tratamento experimental com
eletroestimulação durante duas semanas, parou de usar remédios, não
sente mais dores pelo corpo nem
sinais da depressão.
A fase de manutenção da terapia, a
partir deste mês, será mais inovadora:
após receber orientações, os pacientes
farão em casa a eletroestimulação com
aparelhos portáteis cedidos pelo hospital.
Segundo Pedro Shiozawa, coordenador
do Laboratório de Neuroestimulação Clínica,
ligado à Santa Casa, todos os pacientes do estudo
se recuperaram da depressão após o tratamento.
Já na Santa Casa, os testes com a estimulação do nervo trigêmeo incluem, além da
Fonte: Folha de S. Paulo
Os eletrodos, então, enviam ondas elétricas até
as áreas do sistema nervoso central que regulam
o comportamento. Os neurônios reagem ao estímulo e voltam a funcionar em níveis normais.
No HCor (Hospital do Coração), o procedimento está sendo testado em 14 pacientes com
depressão moderada e nos próximos meses mais
70 serão recrutados.
Aumentam casos de intoxicação
por cigarro eletrônico nos EUA
Centros de toxicologia dos Estados Unidos detectaram um forte aumento dos
acidentes causados por cigarros eletrônicos. Os casos envolvem, principalmente,
crianças que manipularam o líquido que contém nicotina inalada pelos usuários
dos "e-cigarettes".
O número de chamadas recebidas pelos centros de atendimento para atender a
este tipo de intoxicação aumentou de um por mês em setembro de 2010 para
2014 casos mensais em fevereiro de 2014 – segundo informações das autoridades
norte-americanas.
Ao todo, os cigarros eletrônicos provocaram 2.405 ligações para os centros de
toxicologia. Os cigarros convencionais contabilizam 16.248 acidentes, como a
ingestão de tabaco por crianças.
Mais da metade das chamadas recebidas por causa dos cigarros eletrônicos envolviam menores de cinco anos que haviam ingerido, inalado ou derrabado o
líquido na pele ou nos olhos. A maioria apresentava sintomas como náuseas,
vômitos ou irritação da pele.
Uma pessoa se matou ao injetar o líquido à base de nicotina na corrente sanguínea, segundo os Centros para Prevenção e Controle
de Doenças (CDC).
O cigarro eletrônico funciona como um vaporizador
pelo qual se inala uma solução com nicotina misturada a sabores frutados ou doces.
"Este estudo é outro alerta vermelho sobre os novos
cigarros eletrônicos. O líquido que contém nicotina
pode ser perigoso", afirmou o diretor do CDC, Tom
Frieden. "À medida que o uso destes produtos aumenta, as intoxicações aumentam também", disse.
Fonte: Revista Exame
CRÍTICA DE CINEMA
MELHOR É IMPOSSÍVEL
Afinal, qual a melhor forma de tratar e lidar com uma pessoa que sofre de
problemas psíquicos? Dependendo do grau, há quem defenda que a melhor
solução seja a internação. Há quem a condene, afirmando que humanidade,
afeto e delicadeza são suficientes para a cura. Fazendo um paralelo com o
mundo cinematográfico, há quem defenda que o tom mais dramático e direto
consegue transmitir a mensagem de forma mais clara. Outros acreditam que
buscar a leveza e a sutilidade – e quem sabe até um pouco de humor - possa
sensibilizar o público de forma definitiva.
implicava. Depois vem o despertar do amor pela
garçonete, e o desejo de se transformar em uma
pessoa melhor. Em busca desse objetivo, Melvin
resolve retomar seu tratamento com o psiquiatra
e volta a tomar seus medicamentos. Um recado
explícito de que a terapêutica do transtorno depende muito do engajamento do próprio paciente
para que dê certo.
Uma mescla disso tudo é o que faz o filme Melhor é Impossível, do diretor
James L. Brooks (Laços de Ternura). Embora tenha optado pela delicadeza
na construção do longa, o Transtorno Obssessivo-Compulsivo (TOC) do
personagem Melvin (Jack Nicholson) não tem nada de sutil e é um tapa da
cara do público em alguns momentos. O resultado é tocante e poderoso.
Embora o longa destaque o TOC engraçado de
Nicholson, o roteiro consegue mostrar pequenos
transtornos e falhas em todos os personagens,
deixando a mensagem de que somos, afinal,
anormais quando olhados de perto.
Além da grande atuação do elenco, merece destaque a direção de James L. Brooks, que opta por rodar praticamente todo o filme em plano americano
(quando enquadra a personagem dos joelhos para
cima). Isso ressalta ainda mais a atuação individual, a grande força do filme. O diretor também
utiliza bastante o recurso do zoom em momentos
de emoção, ao som da trilha precisa e sensível de
Hans Zimmer (O Rei Leão e Missão Impossível),
tudo para despertar no público a empatia.
Narrativa essa que teve um auxílio para lá de fundamental com o montador Richard Marks (O Poderoso Chefão II), que conseguiu equilibrar drama
e humor, tornando a história leve e envolvente.
Melvin é um sujeito que não mede esforços para despejar a quem se aproxima toda a sua ira sarcástica. Um dos seus principais alvos é o vizinho
homossexual Simon (Greg Kinnear) e seu cãozinho. Melvin vive só em seu
apartamento, onde escreve romances feministas. Só sai de casa para almoçar,
no mesmo restaurante todos os dias, sem pisar nesse trajeto em nenhuma
listra. No restaurante ele faz questão de se sentar na mesma mesa todos os
dias e só admite ser atendido pela mesma garçonete, Carol, interpretada
pela atriz Helen Hunt - uma mulher sofrida que vive para cuidar do filho,
vítima de uma rara doença respiratória.
O excelente roteiro desenvolve com maestria a personalidade de cada um
dos personagens, ajudado por um elenco inspiradíssimo que expõe as fragilidades de todos nós. A humanidade transpira na tela, conseguindo a rápida
identificação com o espectador.
Jack Nicholson não poderia ser melhor escalado. Ao encarnar Melvin, o
ator soma este a um histórico de personagens loucos e divertidos da carreira. O mix de experiência, aliado ao talento de Nicholson, transformam
o protagonista em um personagem complexo: embora grosseiro, sarcástico
e maníaco, Melvin encanta o público, que se sensibiliza pelo seu drama.
Ao longo do filme, Melvin se revela uma alma bondosa, impulsionada a
princípio pela sua aproximação com o cão do vizinho, com quem ele tanto
8
Há quem diga que a trama é previsível. De fato é.
Mas Brooks se mostra eficiente no que pretendia
e pouco preocupado sobre isso. A ponto de, no
final do filme, você ter a certeza de que o título,
“Melhor é Impossível”, nunca soou tão perfeito.
*Carlos Eduardo Silva é coordenador do departamento de Marketing do SINDHOSP e desenvolve,
paralelamente, o site CCnine10, de críticas de
cinema: www.ccine10.com.br
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