Educação através da prática esportiva: missão impossível? Mestranda pela Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicologia do Esporte - GEPPE-USP Psicóloga do equipe campeã paulista de futebol série A 1 - 2002 - Ituano Ana Maria Capitanio [email protected] (Brasil) Resumo Os objetivos deste artigo foram de levar o professor de educação física a refletir sobre sua prática e sobre a relação educação física e esporte. O professor está consciente da importância de seu papel enquanto educador? Ele pode imaginar sobre as conseqüências que possam ter para a vida de seus alunos quando estes são excluídos dos times em competições por não apresentarem um “desempenho” que leve a equipe à vitória? Ele estaria contribuindo para uma vida adulta voltada a prática de atividades físicas ou a adultos sedentários? A educação não se limita àquele ano escolar. Ela se prolonga pela vida de toda pessoa, deixando marcas boas ou ruins, somáticas ou psicológicas. A somáticas são visíveis, porém as psicológicas não. Estas questões devem estar presentes durante a leitura deste a fim se iniciar tais reflexões e meio que possam levar a transformação da educação física escolar. Unitermos: Reflexão. Educação. Educação física. Esporte. Desenvolvimento humano. http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 58 - Marzo de 2003 1/1 Introdução Gadotti (1997), diz que educação é muito mais do que instrução, do que treinamento ou a simples repetição. A educação é eminentemente transformadora, deve se enraizar na cultura dos povos. A modernidade se caracteriza pela superficialidade das relações e pelo consumo imediato. Mas, a educação é um processo em longo prazo e precisa combater o imediatismo, o consumismo, se quiser contribuir para a transformação de uma sociedade. A educação para ser transformadora e libertadora, precisa construir entre educadores e educando uma verdadeira consciência histórica. E isso demanda tempo. Os objetivos deste artigo são levar o professor de Educação Física a refletir sobre o seu papel enquanto Educador e a relação entre Educação Física e Esporte. As questões a seguir ajudarão a nortear este artigo: 1. 2. 3. 4. É possível educar através de práticas esportivas? O Professor de Educação Física tem definido com clareza sua prática? E Qual é essa Prática? Seus objetivos estão claros e de acordo com sua metodologia. Está claro para o professor o que há de comum e de incomum entre Educação Física e o Esporte? Revisão bibliográfica Borges (1992), relembra que a Educação Física Escolar esteve em diferentes momentos históricos respondendo a problemática e às necessidades impostas pelas sociedades em determinados momentos. Como exemplo, essa autora cita que no final do século XIX e no início do XX, a importância da Educação Física era pelo seu caráter higiênico. Posteriormente, o ideal escolanovista e o novo perfil econômico brasileiro a Educação Física era importante para formar um futuro cidadão trabalhador, criando novos hábitos e tornando o corpo disciplinado, atitudes indispensáveis para a vida em sociedade urbano-industrial. Durante os anos 50/60 a expansão da rede pública, bem como a expansão da Educação Física sistematizada a uma parcela da população brasileira que começava, então, a freqüentar os bancos escolares, justificava-se em uma Educação Física voltada para o atendimento do aluno das classes populares, de forma que o discurso pedagogicista do desenvolvimento da saúde e das habilidades fundamentais para a vida e formação de caráter do bom cidadão e pai de família, no aproveitamento sadio das suas horas de lazer ganhou corpo em nossa área, Guiraldelli (1988 cit. por Borges, 1992). Durante o período da didatura militar a Educação Física era justificada pela sua capacidade de ‘canalizar energias’, traçando novos padrões de comportamentos na conduta do aluno. Como educadores, se faz necessário à reflexão crítica da prática pedagógica. Como professores de Educação Física muito mais1, pois dentre as outras disciplinas envolvidas no processo da escolarização, é a Educação Física aquela que tem como objeto de estudo e como prática profissional o Movimento Humano. As outras estâncias que perfazem o comportamento humano serão aqui estimadas e valorizadas, porém o foco da Educação Física será o Desenvolvimento Motor. Para Tani, Manoel, Kokubun & Proença (1988), o movimento humano faz parte do domínio motor (ou psicomotor devido ao grande envolvimento do aspecto cognitivo nos movimentos), entretanto no comportamento humano estão presentes também o domínio cognitivo e o domínio afetivo-social. Um determinado comportamento pode ser classificado num desses domínios, sabendo, embora que existirá a participação de todos os três domínios. Daí, a importância para dois princípios: o da totalidade e o da especificidade. O primeiro propõe que, em qualquer comportamento, há sempre a participação de todos os domínios que atuam de forma integrada. O segundo propõe que cada domínio necessita ser analisado especificamente, dado à predominância sobre os outros. Segundo Gadotti (1997) a educação não pode ser orientada pelo paradigma empresarial que simplesmente dá ênfase apenas à eficiência. Este paradigma ignora o ser humano sendo este, também, conceituado apenas como um puro agente econômico. Mas, ao que parece este paradigma está vem de encontro ao conceito atual de esporte, divulgado pela mídia e pela sociedade capitalista: o esporte como uma mercadoria de consumo, Ghiraldelli, (1993) diz que esta abordagem esportiva atual acaba encobrindo uma estrutura social injusta e excludente, pois ele, o esporte, aparece como sendo a salvação para a marginalidade e a pobreza, praticando-o, a criança, adolescente ou o adulto estaria a caminho da ascensão social. Ao se ampliar à visão e descobri o outro lado do esporte, e aceitar que ele também pode tornar-se um excelente meio que, através de uma abordagem educativa, possa contribuir para a formação integral e crítica do ser humano indo muito além da fundamentação técnico e tática priorizando outros aspectos como cooperação, participação, solidariedade, criatividade dos alunos que devem ser sujeitos desse processo educativo, e não como meros reprodutores dessa ou àquela modalidade esportiva. Porém, esse tipo de abordagem, deve ser encarado com muita reflexão crítica do Educador, pois o esporte, como um legado deixado para a humanidade através dos tempos, envolve outras variáveis como competitividade, vitória, derrota, glória etc, que se não visto com um olhar crítico e amplo dentro de uma prática educativa, pode ser muito prejudicial ao desenvolvimento de crianças e jovens. Como exemplo o uso excessivo de competições tomam um caráter seletivo e restritivo ao invés de se tornar um meio de motivação, estimulante para a superação de si mesmo, como diz Cratty, (1989, cit. por Machado e Presoto, 2001). Machado e Presoto (2001) defendem a iniciação esportiva, como parte de um Programa de Educação Física deve ser abordada como aprendizagem e desenvolvimento motor, com táticas e regras básicas e sem muita exigência técnica, física ou tática, tendo como objetivo cooperar para a formação integral do aluno (físico, cognitivo e afetivo-social), podendo, a partir daí ser uma preparação técnica para os esportes escolares. Entretanto, segundo esses mesmos autores, o que acontece na realidade é o uso da competição esportiva, envolvendo classes, turmas e até outras escolas, sem uma preparação adequada dos educandos. Para Simões e De Rose Jr (1999) o “esporte tem um sentido amplo incluindo modalidades individuais/coletivas e que escapam ao controle dos que dele participam(...) onde a participação individual, em grupo e institucional envolve na realidade, um julgamento de valor em relação aos comportamentos, formas de agir e de reagir dentro dos diferentes tipos de Esportes” (pág. 88). Logo, é muito comum na prática esportiva destinada a crianças, a utilização de modelos não adequados, tanto nas competições como nos programas de formação e treinamento, onde são exigidas performances não compatíveis com o momento ontogénetico dos indivíduos. Erickson (1963), descreve que entre os seis e doze anos, existe o período de produtividade versus o período de inferioridade. Neste período, segundo o pesquisador, a criança necessita de aprovação das figuras afetivas como: pais, professores, treinadores, nas suas tarefas (ler, escrever, calcular, nas habilidades sociais e esportivas, etc). Caso não consiga a produção esperada, pode desenvolver um sentimento de inferioridade. Portanto, como já mencionado acima, a iniciação da criança nas atividades esportivas dentro da escola, deve ser observada com muito critério e cuidado, para que não seja repetida nas aulas de Educação Física uma prática esportiva onde se valorizam somente os resultados atléticos, desconsiderando os valores educacionais possíveis através da prática esportiva. Tani et alii (1988) considera de relevante importância que os objetivos da Educação Física acompanhe as necessidades demandadas do próprio processo de mudanças no comportamento humano, ao longo do seu desenvolvimento. As habilidades esportivas como, marcar gols, encestar, dribles e passes precisos, não podem sobrepujar o desenvolvimento e a necessidade do educando em adquirir e reter um amplo repertório de habilidades básicas que antecedem aquelas exigências citadas. A primazia da iniciação esportiva escolar, não está nas habilidades específicas e sim na amplitude de possibilidades de estímulos para o desenvolvimento e crescimento físico, fisiológico, desenvolvimento motor, aprendizagem motora, desenvolvimento cognitivo e afetivo-social. Esporte Escolar é contemplar o ser humano criança às mais amplas possibilidades de vivências que respeitam as características afetivo-emocionais. Singer (1977) descreve que vivências esportivas em uma fase precoce do desenvolvimento podem trazer benefícios, porém realça que existem períodos maturacionais ideais para determinadas experiências onde o indivíduo estará mais preparado, permitindo, desta forma, com que as vivências tragam maiores e melhores benefícios. Considerações finais O professor de Educação Física precisará respeitar as etapas de desenvolvimento humano e seus programas de aula deverão corresponder e se adequar a estas etapas, sempre focando o domínio motor. É comum observar em competições promovidas pelas escolas, o professor-educador, mesmo sabendo da responsabilidade de seu papel torna-se impotente frente à demanda da direção e dos pais, sim, pois os pais, desinformados da importância que os jogos competitivos tem na formação de seus filhos, quando bem orientados, preocupa-se com que a criança seja “o melhor” ou “o campeão”. Por sua vez a direção, preocupada em manter os pais satisfeitos e a atrair novos alunos, mesmo consciente do papel da educação física e do esporte escolar, promove competições onde, por exemplo, geralmente um pai é escolhido como técnico da equipe de seu filho colocando-se, na maioria das vezes a gritar no canto da quadra como se falasse com atletas adultos, quando todos poderiam jogar pelo mesmo período de tempo, uns são excluídos e substituídos por não ser tão hábeis, mesmo se tratando de crianças que ainda não possuam habilidades motoras “maduras”, pois o único objetivo naquele momento é vencer. Realmente, é um momento e tudo passa, não passando somente para aquele que foi o preterido é muitas vezes constrangido. E, pode ser, quem sabe, esse o dia que esta criança torne-se um futuro adulto sedentário. Assim, a instituição educacional - pedagógica falhou e continuará a falhar, se não assumir uma postura ética e de coragem a dizer “não” para a sedução que o esporte exerce sobre todos nós, criando ao grande ilusão: “importante é vencer, a qualquer custo”. Nota 1. Tani et. al. (1988), enfatiza a importância da relação entre movimento e cognição, pois as primeiras respostas de uma criança recém nascida são motoras. O seu desenvolvimento e medido através dos movimentos. A criança adquire suas primeiras experiências sensoriais através de explorações que, por sua vez dependem do movimento. As experiências motoras que se iniciam na infância são de fundamental importância para o desenvolvimento cognitivo: a integração das sensações provenientes de movimentos resulta na percepção, e toda aprendizagem simbólica posterior depende da organização destas percepções em forma de estruturas cognitivas. Referências bibliográficas Borges, C. M. F. Educação física na vida das crianças: significados, Revista da Educação Física/UEM 3(1), Belo Horizonte, 1992. Erickson, E. H. Childhood and society, Norton, New York,1963. Gadotti, M. Lições de Freire, Ver. Faculdade de Educação v. 23, n. 1-2 Jan. /Dez., São Paulo, 1997. Ghiraldelli, P. Notas para uma teoria dos conteúdos de educação física, mimeo. São Paulo, 1993. Graham, G., Teaching children physical education, becoming a master teacher, observing and analyzing, Human Kinectics, Champaign, Illinois, 1992. Machado, A. A., Presoto, D. Iniciação esportiva: seu redimensionamento psicológico psicologia do esporte, Marcelo de Almeida Buriti (org.), Alínea, Campinas, 2001. Simões, A. C., De Rose Júnior, D., Psicossociologia aplicada ao esporte: contribuição para a sua compreensão, Revista Paulista de Educação Física, v.13, 1999, pág 88. Singer, R. N. Psicologia dos esportes: mitos e verdades, ed. Happer & Row do Brasil, SP, 1977. Tani, G., Kokubun, E., Manoel, E.J., Proença. J. E. Educação física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista, EPU, São Paulo, 1988.