Imagem da Semana: Fotografia Fotografia face dorsal da mão esquerda Enunciado Paciente de 12 anos, sexo feminino, atendida no Centro de Informações e Assistência Toxicológica de Belo Horizonte (CIAT-BH) com relato de dor intensa na mão esquerda após apanhar sua bola que havia caído em vegetação de mata fechada, nas proximidades de sua residência, diz não ter visto o agente causador. Relata dor em queimação, irradiando por todo o membro superior esquerdo. Ao exame: FC:118 bpm, FR:30 irpm, SatO2: 98%. Presença de lesão dermatológica na mão esquerda ilustrada pela imagem. Sem outras alterações ao exame físico. Analisando a imagem e os dados do paciente, pode-se concluir que a melhor conduta seria: a) Administrar pelo menos 2 ampolas de soro antiescorpiônico, pois a paciente é de grupo de alto risco para complicações. b) Realizar raspagem do local sob analgesia, fazer controle da dor e aprofundar a anamnese para avaliar a indicação de coagulograma. c) Administrar pelo menos 4 ampolas de soro antibotrópico devido à clínica sugestiva. d) Manter observação clínica por 24 horas, como medida de segurança, pois os acidentes com aranhas geralmente não são letais. Análise da imagem Presença de hiperemia acentuada sobre a face posterior da mão e dos dedos com pontos purpúricos e pele sã de permeio, além de edema 2+/4+. Sua superfície se apresenta lisa e abaulada. Ausência de pontos de inoculação. Diagnóstico A clínica de dor local intensa, presença súbita de hiperemia, edema e pontos purpúricos nas extremidades após contato com vegetação natural sem identificação do ponto de inoculação, levantam forte suspeição de se tratar de erucismo – acidente com lagartas. Recomenda-se raspagem do local uma vez que a magnitude dos sintomas pode estar relacionada à manutenção de cerdas em contato. A intensidade da dor exige a administração de analgésicos potentes, visto que a dor é intensa. Se existir suspeita ou confirmação de se tratar de lagarta do gênero Lonomia, deve ser solicitado um coagulograma. O escorpionismo caracteriza-se pela ausência de ponto de inoculação e ser extremamente doloroso. No entanto, não é usual a presença de edema e hiperemia súbitos. Nos casos duvidosos, a administração do soro antiescorpiônico só está indicada nos pacientes de alto risco para complicações (crianças de até 7 anos, desnutridos e cardiopatas). O acidente botrópico caracteriza-se por dor local intensa, hiperemia local, edema e geralmente associados a visualização dos pontos de inoculação tão logo ocorra o acidente. Visto que a clínica não é evidente e não foi trazido o animal, não se deve administrar o soro antibotrópico. Os acidentes com aranhas do gênero Phoneutria traduzem-se pela presença de ponto de inoculação a dor local intensa e à presença de sinais flogísticos no local do acidente. Já o araneísmo por Loxosceles não apresenta quaisquer manifestações imediatas, somente algumas horas após a picada. Discussão do caso A maioria dos acidentes com lepidópteros (mariposas e borboletas) se dá pelo contato direto com as formas larvárias (lagartas) denominados de erucismo (do latim eruca = larva). São mais comuns nos meses quentes e chuvosos, coincidindo com o desenvolvimento da fase larvária desses insetos. Acometem profissionais que trabalham na poda de árvores e plantas e apresentam baixa letalidade. De acordo com o SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) de 2007 a 2012, dos mais de 20.000 casos notificados, menos de 1 % evoluiu a óbito. O corpo das lagartas é ornamentado dorsolateralmente por estruturas pontiagudas – setas, espículas, cerdas ou pêlos – capazes de secretar toxinas como defesa contra predadores naturais. No caso de contato humano com a lagarta, essas estruturas se quebram e penetram na pele. Das lagartas de importância médica no Brasil, destacam-se as famílias Saturniidae (que apresentam “espinhos” ramificados e pontiagudos de aspecto arbóreo, com glândulas de veneno nos ápices) e Megalopygidae (que apresentam dois tipos de cerdas: as verdadeiras, pontiagudas contendo as glândulas basais de veneno, e cerdas mais longas, coloridas e inofensivas. (Imagem 2). Imagem 2: Exemplares das famílias Saturniidae (acima) e Megalopygidae (abaixo) Logo após o contato da pele com os espinhos da lagarta, inicia-se quadro de dor intensa, em queimação, irradiando para a raiz do membro, podendo ou não associar-se a presença de prurido. São comuns eritema e edema locais, bem como lesões puntiformes decorrentes da compressão das cerdas da lagarta na pele. Nas primeiras 24 horas, podem surgir vesículas e, raramente, bolhas e necrose. É frequente o infartamento ganglionar regional. O habitat natural das lagartas é comumente dividido com aranhas, escorpiões e cobras. Os sinais e sintomas, juntamente com a história e o exame físico, são essenciais para diferenciar a etiologia do quadro clínico, como ilustrado na tabela 1. Tabela 1: Alterações presentes nas primeiras horas após o acidente com animais peçonhentos. Na abordagem inicial do paciente deve-se lavar o local acometido com água fria e abundante ou utilizar compressas frias. O tratamento médico inclui a raspagem do local com o auxílio de um bisturi ou espátula utilizando-se gel inerte (lidocaína), seguida da retirada das cerdas da lagarta. A dor pode ser manejada com analgésicos sistêmicos e, eventualmente, corticosteróides tópicos e anti-histamínicos. Existe tratamento específico para acidente com Lonomia (soro antilonômico), utilizado conforme o fluxograma abaixo. Fluxograma 1: Diagnóstico e tratamento de acidentes com lagartas. Aspectos relevantes Os acidentes com lagartas são frequentes e causam muita dor embora, raramente letais. O diagnóstico diferencial com escorpionismo, araneísmo e ofidismo requer minuciosa anamnese e exame físico, quando não é possível identificar o animal. As lagartas do gênero Lonomia são as causadoras dos quadros mais graves devido ao seu veneno prócoagulante, podendo causar hemorragia pelo consumo dos fatores de coagulação. A hemorragia é uma complicação do acidente com Lonomia, e não uma manifestação direta. A identificação da espécie causadora do acidente pode auxiliar na condução do caso, direcionando as condutas propedêutica e terapêutica. O tratamento precoce é fundamental para um melhor prognóstico. Referências Filho AdA, Campolina D, Dias MB. Toxicologia na Prática Clínica. 1ª ed. Belo Horizonte: Folium; 2001. 351 p. Filho AdA, Campolina D, Dias MB. Toxicologia na Prática Clínica. 2ª ed. Belo Horizonte: Folium; 2013. 675 p. Sistema de Informação de Agravos e Notificação- SINAN: Ministério da Saúde; 2014 [acesso em abril de 2014]. Disponível em: dtr2004.saude.gov.br/sinanweb. Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos Brasília: Ministério da Saúde. Fundação Nacional da Saúde.; 2001 [acesso em abril de 2014] 2ª Ed. Disponível em ftp.cve.saude.sp.gov.br/doc_tec/zoo/manu_peco01.pdf. Responsável Hercules Hermes Riani Martins Silva, acadêmico do 9º período de Medicina da FM-UFMG E-mail: herculesriani(arroba)gmail.com Orientador Profa. Cecília Maria de Sousa Lagares Dabien Haddad, médica plantonista do CIAT-BH, professora de Toxicologia da FM-UFMG E-mail: emailhaddad(arroba)gmail.com Agradecimentos Leonardo Antunes Mesquita, monitor de Toxicologia da FM-UFMG Revisores Lucas Vieira, Fábio Satake, Marina Leão, Cinthia Barra, Letícia Guimarães, Profa. Viviane Parisotto