Trabalho decente e responsabilidade social empresarial Segundo o Fórum Econômico Mundial, de Davos, o Brasil é a oitava economia do mundo e pode vir a ser a quinta até 2025. Se é um dos maiores países do ponto de vista econômico, certamente não é dos melhores no que tange aos direitos de seus cidadãos. No Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), nosso país ocupa a 75ª. colocação. Por que o Brasil cresce na economia e não avança em questões que garantam dignidade para todos os brasileiros? Um dos exemplos mais contundentes desse descompasso entre pujança econômica e debilidade nos direitos humanos é a ocorrência de trabalho degradante e de trabalho análogo à escravidão. Trabalho degradante é aquele realizado em condições precárias de higiene e segurança e sem carteira assinada. É, enfim, é aquele cuja relação jurídica não garante ao trabalhador os direitos fundamentais da pessoa humana relacionados à prestação laboral. Trabalho forçado análogo à escravidão é o trabalho degradante somado à privação da liberdade, por dívida, por retenção de documentos ou por ser realizado em local geograficamente isolado, com a presença de seguranças armados impedindo o direito de ir e vir do trabalhador. De 1995 até agosto de 2009, 35 mil trabalhadores foram resgatados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) de condições análogas à escravidão, a quase totalidade no meio rural. A maior parte das ocorrências foi registrada no chamado “arco do desmatamento”, que vai do Mato Grosso ao Maranhão. Mas, desde 2005, quando as fiscalizações aumentaram, houve flagrantes também nos Estados de São Paulo, Paraná e Minas Gerais. Já as ocorrências de trabalho degradante são muito maiores e mais disseminadas. Os registros do MTE apontam que, até 19 de outubro deste ano, foram lavrados 2.363 autos de infração sobre condições humilhantes de trabalho na atividade rural. A mais comum é o não fornecimento de água potável, seguido de más condições de alojamento, falta de instalações sanitárias e ausência de equipamentos de segurança, bem como transporte coletivo inadequado. Segundo o MTE, essas violações são comuns a todas as atividades do campo brasileiro. As ocorrências registradas pelos fiscais do trabalho não tiveram lugar em pequenos sítios, cujas lavouras são para subsistência. O trabalho degradante e o análogo à escravidão ocorrem em grandes empreendimentos, que produzem com alta tecnologia para o mercado interno e para a exportação. Por que, num país que se destaca como grande produtor e exportador de commodities, ainda existem trabalho degradante e trabalho forçado? A justificativa mais usada pelos produtores rurais autuados é que esse tipo de relação de trabalho faz parte da cultura da região. Outro argumento apresentado é de que a Norma Regulamentadora 31 (NR 31), de 2005, que rege a segurança e a saúde no trabalho no campo, é difícil de ser cumprida por exigir altos investimentos e também por haver diferenças de interpretação de fiscal para fiscal. Por que as empresas não têm dificuldades em adotar inovação tecnológica como estratégia, por maior que sejam os custos da mudança, e não fazem o mesmo com o trabalho decente? As empresas responsáveis deveriam ter esse tema – do trabalho decente – como prioridade número um no planejamento estratégico. O Estado brasileiro tem combatido tanto o trabalho degradante quanto o análogo à escravidão e sua atuação vem merecendo elogios internacionais, como os de Gulnara Shahinian, relatora da Organização das Nações Unidas (ONU) para formas contemporâneas de escravidão. Além das ações encetadas pelo governo, como a “lista suja”, um cadastro negativo do MTE para relacionar as empresas autuadas por flagrantes de trabalho forçado, a relatora também citou o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo como uma forma exemplar de enfrentamento a esse crime. Articulado pelo Instituto Ethos, pela ong Repórter Brasil, pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Instituto Observatório Social, esse pacto reúne 130 signatários, entre empresas, entidades associativas e organizações da sociedade civil. Um dos compromissos voluntários assumidos é o de cortar relações comerciais com fazendas e empresas que tenham sido autuadas em flagrante utilização das modalidades contemporâneas de trabalho forçado e que por isso estejam relacionadas na “lista suja” do MTE. E esse compromisso é levado a sério pelos signatários. A Vale, por exemplo, suspendeu compras de fornecedores que apareceram na “lista suja” e só retomou o relacionamento comercial depois que as empresas regularizaram sua situação. As grandes redes de supermercado estabeleceram sistemas de monitoramento da carne que vendem em suas lojas para evitar a comercialização de produto originário de fazendas autuadas por desmatamento ilegal e por trabalho degradante ou forçado. E as siderúrgicas instaladas no norte do País criaram, em 2006, o Instituto Carvão Cidadão, para erradicar o trabalho análogo à escravidão na cadeia do ferro-gusa, principalmente nas carvoarias. Aliás, um setor que poderia e deveria atuar com mais ímpeto na eliminação desse problema é o das empresas participantes da cadeia do aço, em especial as montadoras de veículos. Outro setor em que já há grandes empresas se movimentando é o de têxteis, no qual foram registrados vários casos de trabalho escravo nas grandes metrópoles, especialmente em São Paulo. Por Cristina Spera (Instituto Ethos)