Maria João Silveirinha e Carlos Camponez Intelectualidade, autonomia e desprofissionalização: regresso a questões cadentes do jornalismo A entrada no novo século foi marcada por um fortíssimo crescimento da quantidade de informações que, pelo menos em teoria, podemos processar individualmente, no nosso quotidiano. O seu significado é produzido e posto a circular por profissionais que trabalham dentro de um jogo institucionalizado de relações de trabalho e de poder. Tais pessoas podem ser denominadas intelectuais, na medida em que criam e fazem circular ideias. No entanto, de forma aparentemente contraditória, à medida que tal aumento exponencial de significados se deu, desenvolveu-se também a ideia de que os intelectuais têm desaparecido da arena pública. Em algumas versões desta ideia, terá havido um esvaziamento ou um enfraquecimento da intelectualidade causado, por exemplo, pela profissionalização e especialização das Universidades (argumento do historiador americano Russell Jacoby) ou por diversos fatores que incluem o trabalho dos jornalistas (tese de Stefan Collini, em Inglaterra) ou ainda pela emergência de uma “nova “configuração cultural” que inclui jornalistas e intelectuais (nos termos de Rieffel Rémy). Esta discussão, no entanto, tem raízes na história, nomeadamente aquando da própria profissionalização dos jornalistas; a discussão americana entre John Dewey e Walter Lippmann em alguns aspetos toca também este tema. Na Europa, autores como Gramsci e Bourdieu forneceram-nos um quadro de pensamento que nos permite reatualizar esta discussão, num momento em que também a identidade do jornalista e o seu estatuto intelectual, resultante da sua autonomia profissional, estão a ser profundamente postos em causa pelos modelos de racionalização da produção da informação e da economia dos media. Bibliografia: Bourdieu, Pierre (1979), La Distinction, Paris, Minuit. Bourdieu, Pierre (1996), «Champ intellectuel et project créateur», Les Temps Modernes, 246 pp. 869-906. Collini, Stefan (2006). Absent Minds: Intellectuals in Britain, Oxford, Oxford U. Press Dewey, J. (1927). The Public and its Problems. New York, H. Holt and Company Gramsci, Antonio (1976). A Formação dos Intelectuais, Amadora, Fronteira. Jacoby, Russell (1987). The last intellectuals: American culture in the age of academe , Nova York, Basic Books Lippmann, Walter ([1922] 1965). Public Opinion, New York, Free Press. Rieffel, Rémy (1995), “Journalists and Intellectuals: a New Cultural Configuration?“, Réseaux 3(1): pp. 31-44 Rieffel, Rémy (1984). L’Élite des Journalistes: Les hérauts de l’information, Paris, Puf. Schudson, Michael (2008). The “Lippmann-Dewey Debate” and the invention of Walter Lippmann as an anti-democrat 1986-1996, International Journal of Communication, 2, 1-20