Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Lato Sensu em Psicopatologia e Psicodiagnóstico Trabalho de Conclusão de Curso A DEPRESSÃO COMO DIFERENCIAL NO DIAGNÓSTICO ENTRE BORDERLINE E BIPOLAR Autor: Eduardo Ribeiro Vasconcelos Orientador: Profa. Luciana Santos, Msc. Brasília - DF 2013 EDUARDO RIBEIRO VASCONCELOS A DEPRESSÃO COMO DIFERENCIAL NO DIAGNÓSTICO ENTRE BORDERLINE E BIPOLAR Artigo apresentado ao curso de PósGraduação Lato Sensu em Psicopatologia e Psicodiagnóstico da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Especialista em Psicopatologia e Psicodiagnóstico. Orientadora: Profa. Luciana Santos, Msc. Brasília 2013 FOLHA DE APROVAÇÃO 3 A DEPRESSÃO COMO DIFERENCIAL NO DIAGNÓSTICO ENTRE BORDERLINE E BIPOLAR EDUARDO RIBEIRO VASCONCELOS Resumo: O diagnóstico da depressão tem se tornado cada vez mais comum e tem chamado atenção de profissionais e leigos. Contudo, ele pode disfarçar a existência de outros transtornos nos quais o humor deprimido coincide em seus critérios diagnósticos e, consequentemente, dificultar a condução do tratamento e o prognóstico dos transtornos associados. No presente artigo procuramos explicitar como as características do estado depressivo podem ser fundamentais no diagnóstico diferencial entre o Transtorno de Personalidade Borderline e o Transtorno Afetivo Bipolar. Para tanto, apresentamos um estudo de caso de um processo psicodiagnóstico que tinha como objetivo estabelecer o diagnóstico diferencial entre Transtorno de Personalidade Borderline, Transtorno Afetivo Bipolar, Depressão e Transtorno Alimentar do tipo Bulimia. Em tal processo, através de um estudo de caso, realizamos um psicodiagnóstico por meio da realização de entrevistas clínicas e da aplicação de uma bateria de testes; análise, interpretação e integração dos dados e informações; e comunicação dos resultados. Baseados nesses procedimentos, concluímos que a paciente apresentava Transtorno de Personalidade Borderline, considerando que os sintomas depressivos seriam subjacentes e faziam parte do quadro nosológico, e expomos como as características da depressão foram fundamentais para a escolha diagnóstica. Palavras-chave: Psicodiagnóstico. Diagnóstico Diferencial. Borderline. Bipolar. Depressão. 1 INTRODUÇÃO A depressão tem sido um dos males que mais atingem o estado mental das pessoas e tem chamado atenção de profissionais e leigos. Não obstante, os diagnósticos e o aumento do consumo das medicações em função dos sintomas desse mal transbordarem nos consultórios, muito frequentemente qualquer tristeza mais duradoura já simboliza e canaliza as atenções médicas para o tratamento da depressão. Contudo, na mesma medida em que a banalização da depressão infla as estatísticas de sua ocorrência, ela pode disfarçar outros transtornos, sejam mais graves, sejam menos, que a têm como um dos critérios diagnósticos e, consequentemente, a condução do tratamento e do seu prognóstico. O psicodiagnóstico é parte fundamental de qualquer acompanhamento psicológico e a busca pelo diagnóstico diferencial em alguns casos pode diminuir as consequências de uma classificação nosológica equivocada e de uma conduta psicoterapêutica inócua. No presente artigo procuramos explicitar como as características do estado depressivo ou do humor deprimido podem ser fundamentais no diagnóstico diferencial entre o Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) e o Transtorno Afetivo Bipolar. 4 Para tanto, usamos uma avaliação psicodiagnóstica como estudo de caso realizada em atendimento de clínica escola. Tal avaliação se deu a partir da solicitação do psicólogo que realizava o acompanhamento psicoterapêutico da paciente e que queria estabelecer o diagnóstico diferencial entre TPB, Transtorno Afetivo Bipolar, Depressão e Transtorno Alimentar do tipo Bulimia. Concluímos ao final de tal procedimento que se tratava de TPB, expondo aqui como a depressão se mostrou importante na diferenciação dos transtornos entre os quais o psicólogo demandante tinha dúvida e como foi fundamental na elucidação da tipologia clínica da paciente. 2 MATERIAIS E MÉTODOS Acreditamos que tão importante quanto apresentarmos os conceitos e as definições das técnicas, métodos e materiais utilizados tanto para a execução do procedimentos aqui relatados quanto para a confecção desse artigo, é relatarmos como esse processo fora construído numa perspectiva contínua de adequação da realidade prática com a teoria que nos embasa em todos os momentos da nossa jornada profissional. Sendo assim, apresentamos aqui um estudo de caso realizado a partir de um processo psicodiagnóstico com o objetivo de determinar um diagnóstico diferencial de paciente atendido no Centro de Formação em Psicologia Aplicada – CEFPA, da Universidade Católica de Brasília. Esta avaliação psicológica se deu a partir da solicitação do psicólogo que realizava o acompanhamento psicoterapêutico do referido paciente em consultório particular. Como descrito acima, o psicólogo demandava o diagnóstico diferencial entre TPB, Transtorno Afetivo Bipolar, Depressão e Transtorno Alimentar do tipo Bulimia. A partir disso, começamos nossa retórica conceitual em busca das definições dos procedimentos que fazem parte do processo denominado psicodiagnóstico, bem como o conceito desse processo. Antes de mais nada, ressaltamos que em Psicologia Clínica, o psicodiagnóstico “[...] é um passo anterior à psicoterapia, tendo como objetivo investigar os recursos e dificuldades do indivíduo e indicar a intervenção apropriada.” (BARBIERI, 2010). Nesse sentido, reconhecemos essa etapa como parte fundamental em qualquer acompanhamento psicológico, seja qual for a especificidade do caso, seja qual for a demanda pela avaliação, servindo como um norte que encaminhará as condutas e intervenções a serem realizadas pelo psicólogo. Por definição, o psicodiagnóstico é um [...] processo científico, limitado no tempo, que utiliza técnicas e testes psicológicos (input), em nível individual ou não, seja para entender problemas à luz de pressupostos teóricos, identificar e avaliar aspectos específicos, seja para classificar o caso e prever seu curso possível [...]. (CUNHA, 2000, p. 26). O processo psicodiagnóstico diz respeito a uma avaliação que pode atender a vários objetivos. Nesse sentido, ele demanda a elaboração de um plano de ação, ou seja, um meio pelo qual se estabelece, “[...] com base nas perguntas ou hipóteses iniciais, não só quais os instrumentos necessários, mas como e quando utilizá-los.” (CUNHA, 2000, p. 26). A elaboração do plano de ação e a definição do objetivo do 5 psicodiagnóstico no nosso estudo de caso já fora definida previamente, visto que respondia a um questionamento específico do psicólogo demandante, nesse caso, o Diagnóstico Diferencial. Ou seja, as perguntas e hipóteses já haviam sido levantadas pelo psicólogo e nortearam, consequentemente, as escolhas pelos instrumentos que utilizaríamos no decorrer do processo. Quando o processo psicodiagnóstico se trata de um diagnóstico diferencial, temos como principal objetivo a investigação das “[...] irregularidades e inconsistências do quadro sintomático e/ou dos resultados dos testes para diferenciar categorias nosológicas, níveis de funcionamento, etc.” (CUNHA, 2000, p. 28). Para a consecução de um psicodiagnóstico com tal objetivo é fundamental que escolhamos métodos e técnicas psicológicas que possam nos embasar ao máximo na diferenciação das categorias nosológicas, bem como apurar nossa sensibilidade clínica e nossos conhecimentos sobre psicopatologia. Tendo em vista as especificidades da demanda que recebemos para realização do psicodiagnóstico, elaboramos um plano de ação que procurava responder a uma questão primordial: de qual quadro nosológico se tratava? Para tanto, segundo nos aponta Cunha (2000), decidimos por realizar os seguintes procedimentos: levantamento quantitativo e qualitativo de dados a respeito da paciente e de sua história clínica, por meio da realização de uma entrevista e da aplicação de uma bateria de testes; análise, interpretação e integração dos dados e informações para formulação de hipóteses que respondessem ao objetivo do processo; e comunicação dos resultados através de uma entrevista devolutiva para a paciente e confecção de Relatório Psicológico. Contudo, em meio ao processo, decidimos por realizar também uma entrevista com o esposo da paciente para confirmarmos algumas informações obtidas durante a fase de levantamentos de dados. O primeiro contato com o paciente no setting terapêutico recebe variadas denominações no campo da psicologia. Tal contato geralmente é condensado no termo entrevista, mais precisamente no termo entrevista inicial. Apesar de receber alguns adjetivos diferentes, em geral tal termo refere-se técnica e conceitualmente ao mesmo procedimento. Nesse sentido, concordamos com Cunha (2000, p. 45) quando define a entrevista como [...] um conjunto de técnicas de investigação, de tempo delimitado, dirigido por um entrevistador treinado, que utiliza conhecimentos psicológicos, em uma relação profissional, com o objetivo de descrever e avaliar aspectos pessoais, relacionais ou sistêmicos [...], em um processo que visa a fazer recomendações, encaminhamentos ou propor algum tipo de intervenção em benefício das pessoas entrevistadas. Segundo Dalgalarrondo (2008), a entrevista inicial no processo psicodiagnóstico é um momento crucial no diagnóstico e no tratamento em saúde mental. Além disso, consideramos a entrevista como um instrumento e, ao mesmo tempo, um procedimento que se mostra “[...] capaz de adaptar-se à diversidade de situações clínicas relevantes e de fazer explicitar particularidades que escapam a outros procedimentos, principalmente os padronizados.” (CUNHA, 2000, p. 46). Conforme destaca Dalgallarondo (2008), a realização da entrevista, bem como a observação cuidadosa do paciente por parte do psicólogo, é o cerne da avaliação psicopatológica. Além de exaltar a importância da entrevista, ele nos atenta para o quanto ela é fundamental para o conhecimento a respeito da psicopatologia do paciente. Ainda segundo o referido autor, a entrevista é o momento no qual podemos “[...] obter informações valiosas para o diagnóstico 6 clínico, para o conhecimento da dinâmica afetiva do paciente e, o que pragmaticamente é mais importante, para intervenção e planejamento terapêuticos mais adequados.” (ibidem, p. 61). Por fim, dentre as finalidades da entrevista inicial que Zimerman (1999, p. 282) nos aponta, nos interessa a capacidade que tal procedimento demonstra para avaliar “[...] o grau e tipo da psicopatologia, de modo a permitir alguma impressão diagnóstica e prognóstica [...]”. Nesse sentido, tanto pelas características técnicas quanto pelas finalidades desse procedimento, escolhemos a entrevista como passo inicial do levantamento de informações a respeito da história clínica e de vida da paciente, bem como, para confirmar ou não algumas dessas informações com seu esposo, com quem também realizamos tal procedimento. Diante da demanda e dos dados iniciais decidimos pela aplicação de uma bateria de testes, que é a expressão usada para [...] designar um conjunto de testes ou de técnicas, que podem variar entre dois e cinco ou mais instrumentos, que são incluídos no processo psicodiagnóstico para fornecer subsídios que permitam confirmar ou infirmar as hipóteses iniciais, atendendo o objetivo da avaliação. (CUNHA, 2000, p. 109). Ainda segundo Cunha (2000), a bateria de teste tem duas características, que se tornam fundamentais, principalmente no caso de um diagnóstico diferencial, quais sejam: o fato de que um teste isoladamente não consegue proporcionar uma avaliação abrangente do indivíduo testado; e que a série de testes favorece a uma integração dos dados, diminuindo a margem de erro e permitindo melhor fundamentar as inferências a partir dos resultados obtidos. Para tanto, no caso em sito, escolhemos e aplicamos nessa ordem, os seguintes testes psicológicos: Teste das Matrizes Progressivas – Escala Geral: Séries A, B, C, D e E; Escalas Beck; H-TP: casa-árvore-pessoa, técnica projetiva de desenho; Teste de Apercepção Temática; e Inventário de Expressão de Raiva como Estado e Traço. O Teste das Matrizes Progressivas, comumente conhecido como Teste de Raven, visa aferir a capacidade que um indivíduo possui, no momento da aplicação do teste, para apreender figuras sem significado que se submetem a sua observação, descobrir as relações existentes entre elas, imaginar a natureza da figura que completaria o sistema de relações implícito e, ao fazê-lo, desenvolver um método sistemático de raciocínio. Ou seja, é um instrumento clássico para avaliação de aspectos importantes do potencial intelectual (RAVEN, 2003). Escolhemos tal instrumento no intuito de verificarmos a existência de algum indicador cognitivo que pudesse interferir no estado psicológico da paciente, bem como na sua capacidade de prosseguir e realizar o processo psicodiagnóstico. As Escalas Beck são a denominação para quatro medidas escalares, que compreendem o Inventário de Depressão (BDI), o Inventário de Ansiedade (BAI), a Escala de Desesperança (BHS) e a Escala de Ideação Suicida (BSI). Elas se configuram importantes instrumentos para identificação do grau ou da intensidade de alguns sintomas, pois cada subescala ou inventário se destina a aferir um objeto específico. O BDI é um inventário para medida da intensidade da depressão. O BAI é uma escala de autorrelato que mede a intensidade de sintomas da ansiedade. A BHS visa à medida da dimensão do pessimismo ou da extensão das atitudes negativas frente ao futuro imediato e remoto. Por fim, a BSI tem como objetivo investigar a presença de ideação suicida, bem como a gravidade das ideias, planos e desejos de suicídio (CUNHA, 2001). Certamente tal instrumento se tornou 7 necessário para identificarmos a intensidade do humor deprimido, visto que tal estado permeava pelo menos três das quatro categorias nosológicas a serem diferenciadas. Ademais, a subescala BSI poderia identificar os fatores relacionados à ideação suicida tão peculiares ao TPB. O H-T-P: casa-árvore-pessoa (HTP) é uma técnica projetiva de desenho que tem como objetivo compreender aspectos da personalidade do indivíduo bem como a forma que este indivíduo interage com as pessoas e com o ambiente. O teste estimula a projeção de elementos da personalidade e de áreas de conflito dentro da situação terapêutica e proporciona uma compreensão dinâmica das características e do funcionamento do indivíduo (BUCK, 2003). O Teste de Apercepção Temática (TAT) é uma técnica projetiva de investigação dinâmica da personalidade. Consiste em apresentar uma série de pranchas, selecionadas pelo examinador, ao sujeito e este deverá contar uma história sobre cada uma das pranchas. As histórias obtidas com frequência revelam componentes importantes da personalidade, que são decorrentes de duas tendências psicológicas, segundo a teoria de Henry A. Murray, autor do teste. A primeira se refere à tendência de as pessoas interpretar uma situação humana ambígua baseando-se em suas experiências passadas e em seus anseios presentes. A segunda tendência é a inclinação das pessoas para agir de igual maneira às histórias que descrevem, utilizando o acervo de suas experiências e expressando seus sentimentos e necessidades conscientes e inconscientes (MURRAY, 1995). O Inventário de Expressão de Raiva como Estado e Traço (STAXI) é um teste que fornece medidas concisas da experiência e expressão da raiva. Tal instrumento, tanto fornece um método de avaliar os componentes da raiva que pode ser usado para a avaliação detalhada de personalidades normais e anormais, quanto uma maneira de avaliar as influências dos vários componentes da raiva no desenvolvimento de condições médicas (SPIELBERGER, 2003). De posse dos resultados dos testes e das informações e dados obtidos nas entrevistas passamos à fase de análise, interpretação e integração dos dados o que nos possibilitou inferir e chegar a uma hipótese diagnóstica e responder a demanda inicial do processo psicodiagnóstico. Segundo Cunha (2000), a análise dos dados obtidos através das diversas técnicas utilizadas deve nos orientar na busca de coincidências e discordâncias, na hierarquização de indícios e de dados significativos e no contraste desses com as informações sobre o paciente, objetivando uma integração que confirme ou não as hipóteses inicialmente levantadas. No psicodiagnóstico com objetivo de diagnóstico diferencial devemos englobar as informações sobre o quadro sintomático, dados da história clínica, as observações do comportamento do paciente durante o processo e os resultados de testagem em função de determinados critérios diagnósticos, podendo considerar assim várias alternativas. Para fazermos a classificação nosológica devemos nos valer de manuais formalmente aceitos, através dos quais verificamos a existência de critérios semelhante a transtornos diferentes e decidirmos pelo diagnóstico diferencial. Atualmente, os principais e mais difundidos sistemas de classificação são o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais e a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10 (CUNHA, 2000). A devolução dos resultados faz parte do processo psicodiagnóstico e requer atenção especial por parte do psicólogo, pois permeia questões relacionadas à ética e a técnica a ser utilizada no fornecimento de informações ao paciente e/ou a 8 terceiros envolvidos. Do ponto de vista ético, o sigilo e o respeito à confidencialidade da intimidade do paciente norteiam nossa prática profissional, sendo assim o conteúdo dessas devoluções deve evitar expor o paciente ou fornecer informações a quem não guarda tal sigilo, atendando para seleção do que é ou não do interesse de outros envolvidos no processo. No que diz respeito à técnica, tal como o conteúdo, o tipo e a forma da devolução devem ser definidos conforme os objetivos do processo. Isso implica na escolha dos instrumentos e métodos a serem utilizados e está também relacionado à identidade do receptor (CUNHA, 2000). Baseados nisso finalizamos o processo com a realização de uma entrevista devolutiva com a paciente, na qual expomos nossa resposta ao questionamento do seu psicólogo e nossas percepções a respeito de todo o processo psicodiagnóstico, bem como as informações sobre a categoria nosológica escolhida. Nessa mesma oportunidade entregamos um Relatório Psicológico para a paciente, com cópia a ser encaminhada ao psicólogo demandante do diagnóstico diferencial. O relatório psicológico é um documento escrito produzido por psicólogos, decorrente de um processo de avaliação psicológica como o realizado nesse estudo de caso. Tal documento “[...] é uma apresentação descritiva acerca de situações e/ou condições psicológicas e suas determinações históricas, sociais, políticas e culturais, pesquisadas no processo de avaliação psicológica.” (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2003, p. 7). Através do relatório podemos apresentar os procedimentos e as conclusões geradas através do processo psicodiagnóstico, relatar encaminhamentos, intervenções realizadas e descrever o diagnóstico, o prognóstico e a evolução do caso, orientando e dando sugestões acerca do projeto psicoterapêutico se for o caso. Enfim, desse modo apresentamos a trajetória prática e teórica que nos encaminhou nesse processo psicodiagnóstico e agora podemos seguir adiante com a apresentação dos resultados e a discussão que é o objetivo principal desse artigo. 3 RESULTADOS Trataremos de agora em diante da exposição dos resultados e da análise dos dados levantados através das entrevistas e obtidos na aplicação da bateria de testes. O estudo de caso foi realizado com Leila1, paciente do sexo feminino, com 27 anos de idade, ensino superior completo, funcionária de instituição bancária, legalmente divorciada, mas que morava e mantinha relacionamento com o exesposo, com quem tinha duas filhas. Leila tem uma irmã mais velha e relatou que desde que nasceu seus pais já brigavam constantemente e acreditava que isso se devia ao comportamento alcoolista do pai, mas seus pais se mantiveram casados até quando ela tinha seis anos. Depois da separação, continuou morando com a mãe e por dois anos manteve contato com o pai, que a visitava regularmente, mas não prestava ajuda financeira. Ao final desse período, sua mãe começou um relacionamento e ao mesmo tempo seu pai se mudou para outro estado. Leila nos disse que dos oito até os 18 anos de idade, foram os piores anos de sua vida, devido ao abandono sentimental e à falta de cuidado e atenção que a mãe deixou de dar, tanto a ela quanto a sua irmã, por conta do envolvimento no referido relacionamento. O relacionamento de sua 1 Nome fictício dado à paciente com o intuito de preservarmos sua identidade. 9 mãe acabou justamente quando Leila completou 18 anos. Até então, ela dizia ter vivido muitas dificuldades nas quais não podia contar com o apoio da mãe, muito menos do pai. Contou-nos ter sido contra o relacionamento da mãe e acreditava que tal falta de cuidado e atenção por parte dela se devia à dedicação da mãe ao companheiro. Conviveu durante esse tempo com brigas e agressões que o companheiro infligia à mãe. Por volta de 17 anos, Leila conheceu seu esposo e pouco tempo depois ficou grávida, passando a morar com ele na casa da mãe. Tal situação a aproximou mais da mãe que estabeleceu um relacionamento mais próximo com ela. Continuou nessa situação durante cerca de três anos, quando decidiu ter a segunda filha, o que aconteceria simultaneamente à mudança do casal para a casa própria recém adquirida. Aproximadamente, um mês após o nascimento da segunda filha, Leila começou a sentir sintomas que inicialmente foram diagnosticados como Depressão pós-parto, mas que perduraram para além do período pós-puerperal, tornando-se desvinculados ao nascimento da filha. Desde então, faz uso de medicamentos antidepressivos e para insônia. Nesse ínterim, o relacionamento do casal já não estava muito bem e eles já tinham decidido se divorciar. Após o divórcio, Leila piorou em seu estado depressivo, cometendo a primeira tentativa de suicídio, e acabou sendo internada. Durante a internação conheceu e começou um relacionamento com um dos internos, que se tratava do uso abusivo de substância psicoativa. Quando ambos saíram da internação, passaram a morar juntos, mas, após um ano de relacionamento, ele saiu de casa sem nenhum aviso, fato que levou Leila a mais uma tentativa de suicídio e outra internação. Dessa vez, após a internação ela retomou o relacionamento com o esposo, com quem vive desde então. Ainda assim, continuou sentindo sintomas de depressão e se seguiram mais algumas tentativas de suicídio e internações. Ela relatou ter sofrido sintomas e feito um tratamento voltado para Bulimia nesse mesmo período. Recentemente havia começado o acompanhamento psicológico com o profissional que demandou o diagnóstico diferencial. Durante as sessões destinadas a realização da entrevista inicial, Leila mostrava-se bastante resistente a relatar os fatos e as histórias relacionadas ao seu passado e sobre a relação com as figuras parentais, demonstrando certo distanciamento afetivo dessas figuras. E declarou sentir um grande ressentimento pelo abandono sentimental infligido pelas figuras materna e paterna. Aparentemente Leila mantinha bom relacionamento com suas filhas, apesar de referir pouca paciência no cuidado com elas. Ela acreditava que falhava no relacionamento com o esposo, deixando a desejar em alguns aspectos da relação. Durante o processo de avaliação, a rotina de Leila era regrada pelo esposo, visto que este temia novas tentativas de suicídio, o que gerava algumas desavenças entre o casal, inclusive comportamentos agressivos por parte dela. Ela não trabalhava, pois se encontrava em licença médica, mas mantinha como rotina social frequentar a igreja e participar dos eventos a ela vinculados. Dormia durante quase toda manhã, acordava e passava boa parte da tarde com as filhas, depois ficava assistindo televisão até de madrugada. Não se alimentava bem e referia sentir que os sintomas da Bulimia estariam voltando, por conta de enjoos e vômitos posteriores às refeições. No que se refere à bateria de testes, conforme dito anteriormente, o primeiro instrumento que aplicamos foi o Teste Raven. Leila não conseguiu responder todo o teste, primeiramente porque não conseguiu resolver algumas questões e, por ter um compromisso após à sessão, precisamos encerrar a sessão antes do tempo 10 previsto. O fato de a paciente ter desistido de terminar o teste pela dificuldade das questões nos indica que, no momento da aplicação, ela não conseguiu demonstrar a capacidade que o teste media, ou seja, pensar claramente e realizar um trabalho intelectual preciso. Contudo, considerando as respostas dadas, o resultado dela encontrava-se dentro da média para o gênero e para seu nível escolar. Nesse sentido, entendemos que o fracasso na realização do teste se deveu tanto a fatores internos e de suas capacidades quanto pela interferência de fatores ambientais e não interferia nos sintomas relatados, nem tampouco atrapalharia o restante do processo psicodiagnóstico. Na aplicação das Escalas Beck verificamos que a paciente encontrava-se em nível grave nas escalas BDI, escore 37; BAI, escore 54; e BHS, escore 19. Tais dados implicavam no reconhecimento de um forte estado depressivo instalado. Concomitantemente, apresentou grau de desesperança elevado e o mesmo acontecendo com a ansiedade. As respostas a escala BSI confirmava as tentativas de suicídio e o escore 32 indicava um alto nível de ideação suicida, com grande disposição para cometer tais tentativas. Através da interpretação e análise dos desenhos realizados no HTP, percebemos que Leila sentia-se sofrendo pressões de um ambiente restritivo e com pouco afeto, motivo pelo qual usava de mecanismos de compensação. Diante desse ambiente ela demonstrava-se uma pessoa insegura, introvertida, bem como sentimentos de rejeição, de retraimento, de inferioridade e de inadequação. Apresentava falha nos mecanismos de superar essas dificuldades, utilizando-se de impulsividade, ansiedade, agressão e hostilidade na maioria das situações. O teste também indicou sinais de depressão e, além disso, que Leila demonstrava pouco e pobre contato com a realidade, imaturidade e dependência e, em consequência disso, apresentava necessidades de apoio e de gratificação imediata. A análise interpretativa do TAT nos sugeriu que Leila apresentava senso de identidade fracamente estabelecido, falhando no reconhecimento dos limites entre si e os outros e com senso de realidade não muito bem constituído. No momento da aplicação, ela caracterizava-se por um alto sentimento de filiação grupal, contudo, com grau elevado de sentimento de solidão e conflitualidade interpessoal. Nesse sentido, apresentava alta necessidade de afago, intragressão e proteção. Ao mesmo tempo, constatava-se um estado emocional interior caracterizado por elevado grau de abatimento e presença de conflitos internos. O psiquismo da paciente orientavase mais pelo superego, com baixa participação do ideal de ego. Tal configuração não parecia prejudicar o bom funcionamento do ego, mas estabelecia um estado de conformação e de incapacidade. Com relação aos interesses e sentimentos, observamos que havia muita ambivalência, por mostrar investimento positivo e negativo tanto em figuras parentais, fraternas, materna, de mesmo sexo e de sexo oposto. Consequentemente, os sentimentos e interesses voltados a essas figuras eram também ambíguos, mas se caracterizavam mais pelos de caráter depressivo, de rejeição, de conteúdo mórbido, de medo e de angústia. Por fim, das características, das necessidades e dos estados emocionais apresentados por Leila por ocasião da aplicação do TAT, verificamos que ela tinha pouco senso de identidade, indicando um funcionamento psicodinâmico muito pouco individualizado das figuras parentais, principalmente da figura materna. Do ideal de ego rebaixado e de um superego muito rígido surgiam sentimentos de incapacidade e o quadro depressivo tornava-se consequência dessa dinâmica, bem como a existência de temas voltados ao suicídio e morte. Marcadamente, a ambivalência dos sentimentos caracterizava o modo de funcionamento nas relações, 11 apresentando sentimentos que se opunham em extremos direcionados às mesmas figuras. Na análise do STAXI verificamos alto escore em Traço de Raiva (TR=99%), indicando que tinha frequentemente sentimentos de raiva e seguidamente sentia-se injustiçada pelos outros, tendendo também a vivenciar um grande número de frustrações. Os altos escores na subescala Temperamento (T=99%) significavam a presença de “temperamento explosivo” e que expressava prontamente seus sentimentos de raiva com pouca provocação, podendo ser frequentemente impulsiva, faltando-lhe controle da raiva, mas não sendo necessariamente rancorosa e vingativa em relação aos outros. Os elevados escores em Raiva para dentro (RD=95%), indicavam que frequentemente tinha intensos sentimentos de raiva, mas que tendia a reprimi-los em vez de expressá-los tanto no comportamento físico quanto no verbal. Entretanto, devemos salientar que alguns indivíduos com altos escores em Raiva para fora (85%) tendem a expressar a raiva em algumas situações e reprimi-las em outras. Na subescala Raiva para fora apresentava escore alto (RF=85%), tal dado frequentemente mostra que experiencia raiva e que a expressa em comportamento agressivo dirigido a outras pessoas ou objetos do meio. A Raiva para fora talvez seja expressada por meio de atos físicos, tal como agredir uma pessoa ou bater portas, ou talvez seja expressada na forma verbal por meio de críticas, sarcasmos, insultos, ameaças ou uso extremo de palavrões. Ainda por meio da análise do STAXI, percebemos que Leila apresentava acentuado rebaixamento do escore de Controle (C=5%), o que apontava para um comportamento impulsivo e rebaixamento do controle racional sobre o afeto. Pessoas com altos escores em expressão de raiva experienciam intensos sentimentos de raiva, que talvez sejam reprimidos, expressos em comportamentos agressivos ou então em ambos. Tais indivíduos são inclinados e ter extrema dificuldade em relações interpessoais e também correm o risco desenvolver distúrbios médicos. Pela análise e integração dos dados e resultados obtidos em tais procedimentos, concluímos que a paciente apresentava condições cognitivas preservadas e que estas não afetavam diretamente nos sintomas relatados. No que se refere aos estados emocionais e afetivos, Leila caracterizava-se por sentimentos de rejeição, retraimento, insegurança, introversão, inferioridade e inadequação, indicando certa perturbação da identidade. Além disso, demonstrava ansiedade, impulsividade, agressão e hostilidade, apresentando temperamento explosivo, expressado em sentimentos de raiva, sendo frequentemente impulsiva mesmo com pouca provocação, sem consideração sobre as consequências e com rebaixamento do controle racional sobre o afeto. Leila apresentava instalado um forte estado depressivo, que podia ser traduzido em um sentimento crônico de vazio. Bem como um alto nível de ideação suicida, com grande disposição para cometer tentativas, essas muitas vezes associados a esforços para evitar sentimentos de abandono. Ela demonstrava em suas relações interpessoais ressentimento pelo abandono sentimental sofrido na infância bem como pouco e pobre contato com a realidade, em consequência apresentava imaturidade e dependência, bem como necessidades de apoio, de proteção e de gratificação imediata. Da mesma forma, falhava no reconhecimento dos limites entre si e os outros, apresentando funcionamento psicodinâmico muito pouco individualizado das figuras parentais, principalmente da figura materna e expressando sentimentos e interesses voltados a essas figuras de forma ambígua. 12 Baseados nesses dados, concluímos que a paciente apresentava Transtorno de Personalidade emocionalmente instável – Tipo Borderline, considerando que os sintomas depressivos e os associados à alimentação seriam subjacentes ao referido transtorno, fazendo parte do quadro nosológico. Tal diagnóstico nos pareceu a melhor escolha entre aquelas que suscitavam dúvida no psicólogo que nos demandou tal procedimento. No próximo tópico justificamos de modo mais detalhado a caracterização do quadro nosológico e apresentamos a discussão a respeito da depressão como fator diferencial nessa escolha diagnóstica. 4 DISCUSSÃO A partir da classificação nosológica construída e definida com base nos procedimentos descritos acima, iniciaremos a discussão da depressão como fator diferencial no diagnóstico entre o TPB e o Transtorno Bipolar. Contudo, em primeiro lugar, acreditamos ser importante a conceituação do transtorno escolhido como classificação nosológica nesse processo psicodiagnóstico, ao mesmo tempo que justificamos nossa escolha, comparando os dados obtidos e o quadro apresentado pela paciente com o que consta na bibliografia especializada. Posteriormente, veremos como as outras categorias se diferenciam do quadro da paciente, principalmente no que se refere ao estado depressivo, também mantendo nossa premissa inicial de comparação constante entre teoria e prática. Começaremos então pela conceituação do Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) nas bibliografias que não tratam diretamente da classificação nosológica, seguindo principalmente o embasamento psicanalítico acerca do tema. De acordo com Zimerman (1999), até pouco tempo os quadros ditos Borderline2, eram classificados como um estado psíquico que se encontrava na fronteira entre a neurose e a psicose, mas os estudiosos recentes entendem o TPB como uma estrutura com características específicas e peculiares. Corroborando essa posição, Hegenberg (2013, p. 27) afirma que o paciente com TPB “[...] não é um histérico, nem neurótico, [...] também não é um psicótico nem está no limite entre a neurose e a psicose, mas é um quadro clínico específico, com suas características próprias.” Percebemos assim que o TPB, enquanto um quadro clínico ou uma estrutura de personalidade com características singulares e específicas que o distingue das clássicas estruturas teorizadas na Psicanálise, quais sejam: a neurose, a perversão e a psicose; passa a ser definido por suas características peculiares, não apenas no que diz respeito aos sinais e sintomas típicos do quadro, mas também naquilo que se refere à sua constituição e ao desenvolvimento ao longo da formação do psiquismo do pessoa. De forma abreviada, Zimerman (1999) elenca algumas características dos paciente com TPB. Para o autor, todos os quadros ditos Borderline apresentam de algum modo, variando em grau ou em forma, aspectos inerentes a uma parte psicótica da personalidade, apesar de preservarem o juízo crítico e o senso de realidade. Eles têm presente permanentemente uma ansiedade difusa e uma sensação de vazio crônico, que se refletem em intensas angústias depressivas e persecutórias. Nos casos mais avançados, podemos nos deparar com estados prépsicóticos, neuroses impulsivas, transtornos alimentares, drogadicção ou 2 Usaremos os termos Borderline ou Border ao nos referimos ao paciente ou indivíduo diagnosticado com TPB ou ao quadro geral que caracteriza tal transtorno, visto que são termos usados nas referências bibliográficas citadas nesse artigo. 13 psicopatias. O border tem a denominada “síndrome da difusão da identidade”, caracterizando-se pela dificuldade de transmitir a outras pessoas uma imagem integrada, coerente e consistente de si mesmo, deixando-as confusas com relação a ele. Tal dificuldade decorre do uso excessivo que ele faz da dissociação, mecanismo de defesa pelo qual distintos aspectos de seu psiquismo permanecem contraditórios ou em oposição entre si. Assim, o border se organiza como uma pessoa ambígua, instável e exageradamente compartimentada. Para Hegenberg (2013, p. 57), do ponto de vista psicanalítico as características mais comuns e recorrentes nas obras dos autores que estudam o TPB são “a angústia de separação, o dilema com a identidade, a clivagem, a questão do narcisismo, a agressividade, a impulsividade e o suicídio [...].” A descrição que o autor nos traz sobre alguns desses conceitos ao mesmo tempo que vão delineando as características típicas do TPB, nos mostram também uma concepção que descreve a forma como elas constituem e constroem a estrutura Borderline ao longo da vida. Retomaremos alguns desses conceitos logo a frente, quando associados aos sinais, sintomas e características da nossa paciente. Contudo, por agora precisamos esclarecê-los de modo genérico para conceituarmos o TPB. A angústia de separação no TPB vai caracterizar o borderline pelo constante esforço para evitar o abandono real ou imaginário. Em consequência, ele estabelece uma relação de apoio anaclítica com as pessoas. Essa relação corresponde a necessidade de alguém presente constantemente ao seu lado, pois o outro é quem o ajuda a constituir sua própria subjetividade. Claramente, isso também vai refletir indubitavelmente no dilema de identidade do border. Como ele não tem uma subjetividade constituída a tendência é que não veja sentido na vida, sendo uma pessoa sem objetivos definidos, sentindo-se geralmente entediado, sem rumo e com uma horrível sensação de vazio constante. (HEGENBERG, 2013). A clivagem é um mecanismo de defesa que impede o border de entender que uma mesma pessoa pode concentrar aspectos bons e maus. Com efeito, ele “[...] constrói um objeto apenas bom, que será capaz de auxiliá-lo na condução do estabelecimento de sua subjetividade.” (HEGENBERG, 2013, p. 66). O narcisismo no border é extremamente acentuado, tornando-o uma pessoa com pouca capacidade de perceber o lado do outro, visualizando apenas suas próprias necessidades. O borderline possui uma constituição psíquica muito frágil, falhando nas funções de ego, de ideal do ego e de superego. Sabemos que ele “[...] encontra-se aturdido em face da sua violência intrínseca, com muita dificuldade para administrar sua raiva e seus temores, tornando-se vítima de seus impulsos [...].” (HEGENBERG, 2013, p. 76). Consequentemente, a impulsividade e a agressividade são marcas frequente do comportamento do border. As consequências desse comportamento incluem atos agressivos direcionados às pessoas de seu convívio ou não; atos impulsivos tais como ingestão descontrolada de alimentos, direção perigosa ou abuso de substancias; e atos de autoagressão como automutilação, ameaças e tentativas de suicídio. Como citado anteriormente, tais definições que diferenciam a localização do transtorno entre estados neuróticos ou psicóticos partem de princípios teóricos erigidos no campo da Psicanálise. Apesar de termos a Psicanálise como arcabouço teórico e prático desse processo psicodiagnóstico, precisamos também usar uma linguagem comum ao campo da psicologia. Nesse sentido, os manuais e classificações internacionais precisam ser usados como referência de classificação 14 nosológica, visto que quando se trata de um caso em que se faz necessário preencher “[...] critérios de uma categoria diagnóstica, o psicólogo pode e, consequentemente, deve utilizar algum sistema oficial de classificação de transtornos mentais.” (CUNHA, 2000, p. 120). Para tanto, além dos referenciais bibliográficos acerca do tema, usaremos as diretrizes e critérios diagnósticos dos principais instrumentos utilizados para tal classificação. Como frisamos anteriormente, usaremos o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) e a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10 (CID-10). Concomitantemente, sendo esses os dois principiais instrumentos para a classificação nosológica dos transtornos mentais, faremos uma aproximação dos critérios diagnósticos de ambos à presença deles no comportamento e nas características da paciente, a partir da percepção que construímos durante o processo e através dos instrumentos utilizados. No que se refere ao conceito geral, de acordo com o DSM-IV (2002, p. 660), a característica essencial do Transtorno de Personalidade Borderline é um padrão global de instabilidade dos relacionamentos interpessoais, da autoimagem e dos afetos, e acentuada impulsividade que começa no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos. Para a confirmação do diagnóstico, o paciente deve apresentar pelo menos cinco de uma lista com nove critérios diagnósticos característicos do transtorno. Na CID-10 (1993), temos uma nomenclatura diferente para o TPB, na qual ele é chamado de Transtorno de personalidade emocionalmente instável e dividido em dois tipos, sendo um deles o Tipo Borderline (limítrofe). O transtorno em suas duas variantes tem em comum a impulsividade e a falta de autocontrole e, de modo geral, descreve um quadro [...] no qual há uma tendência marcante a agir impulsivamente sem consideração das conseqüências, junto com instabilidade afetiva. A capacidade de planejar pode ser mínima e acessos de raiva intensa podem com freqüência levar à violência ou a “explosões comportamentais”; estas são facilmente precipitadas quando atos impulsivos são criticados ou impedidos por outros. (CID-10, 1993, p. 200). Doravante, baseado nos critérios listados no DSM-IV, conjugado com as descrições constantes na CID-10, construiremos o diagnóstico de Leila, não escapando da nossa apreciação aquelas descrições psicanalíticas acima citadas que traduzem tais critérios. Sendo assim, segundo o DSM-IV (2002, p. 664), um dos critérios diagnósticos é “um padrão de relacionamentos instáveis e intensos, caracterizado pela alternância entre extremos de idealização e desvalorização.” Em consonância com esse critério, a CID-10 (1993) descreve uma propensão ao envolvimento nesses tipos de relacionamentos. Notadamente, acreditamos que o relacionamento da paciente com o interno na clínica dava mostras do que é descrito nesse critério. Através da escuta clínica, realizada durante os procedimentos, identificamos que a dedicação e o envolvimento de Leila a esse relacionamento fora tão intenso que a fez assumir posturas, sem se preocupar com as consequências, idealizando-o sobremaneira. Da mesma, forma ao término do relacionamento, ele assumira o papel de causador de todo o mal que acontecera em sua vida. Tal comportamento também podia ser notado no que se refere à relação que Leila mantinha com as figuras parentais e com seu esposo. Essas atitudes deixaram evidente a presença da alternância entre idealização e desvalorização na maioria 15 dos relacionamentos que ela mantinha. Segundo descreve Hegenberg (2013, p. 68), “o ideal de ego remete o borderline a ter uma relação de idealização com o outro, ora o idolatrando, ora o odiando.” Tanto os pais, quanto o esposo e o interno da clínica sofreram dessa ambiguidade, que variava tão rapidamente, não só perpassando o discurso no setting terapêutico, como no relato dos fatos de sua história de vida. Nos testes projetivos e de personalidade realizados por Leila, verificamos certas características relativas à constituição da sua identidade que conseguimos associar à “perturbação da identidade: instabilidade acentuada e resistente da autoimagem ou do sentimento do self.” (DSM-IV, 2002 p. 664). Assim como a presença de objetivos e preferências internas frequentemente pouco claras ou perturbadoras (CID-10, 1993). Conforme dito acima, essa característica se aproxima dos conceitos de síndrome da difusão da identidade ou do dilema de identidade, e constitui um problema constante na vida do border. Leila não apresentava uma subjetividade bem constituída, o que se refletiu na realização desses testes, nos quais projetaria suas características. Ao mesmo tempo, o discurso do esposo nos mostrou como ela se apegava rapidamente a qualquer diagnóstico que recebera durante as internações e avaliações médicas ou psicológicas, tornando-se exatamente aquilo que era descrito como sinais e sintomas característicos dos quadros. Nos referidos testes também percebíamos uma grande confusão entre aquilo que era características e vivências próprias da paciente, com o que seriam características das figuras parentais e das demais pessoas com quem se relacionava. É interessante destacarmos que apesar de apresentar um self mal constituído, o borderline possui “[...] suficiente diferenciação entre representações do self e representações do objeto para permitir a manutenção de fronteiras do ego, delimitação entre o self e os outros, o que não ocorre no psicótico.” (HEGENBERG, 2013, p. 61). Por isso mesmo, tais testes, que têm entre outras perspectivas e possibilidades, a indicação de transtornos psicóticos graves, não nos apontaram sinais de psicose, contudo, as perturbações e irregularidades na constituição da sua identidade ficaram patentes. Segundo o DSM-IV (2002, p. 664), outro critério é a “impulsividade em pelo menos duas áreas potencialmente prejudiciais à própria pessoa (p. ex., gastos financeiros, sexo, abuso de substâncias, direção imprudente, comer compulsivo).” A impulsividade era umas das características mais latentes no comportamento da paciente e certamente lhe causavam prejuízo. Como por exemplo, o abuso de substâncias, que no caso de Leila, já constituía um uso abusivo de cigarro e de bebida alcoólica. Nesse mesmo sentido, o controle que o esposo exercia na rotina de Leila era no sentido de evitar atos que viessem a prejudica-la e pôr em risco a própria vida, como a direção imprudente. Como já citamos anteriormente a impulsividade reflete geralmente em “esforços frenéticos no sentido de evitar um abandono real ou imaginário [ou na] recorrência de comportamento, gestos ou ameaças suicidas ou de comportamento automutilante.” (DSM-IV, 2002, p. 664). Temos então dois critérios combinados identificados no comportamento de Leila, ao que somamos a noção de “[...] esforços excessivos para evitar o abandono e uma série de ameaças de suicídios ou atos de autolesão [...]” (CID-10, 1993, p. 201). Tais características apareciam frequentemente no comportamento da paciente, sendo repetitivos em variadas situações e com diversos desencadeantes, mas principalmente em atitudes que reprovavam seus comportamentos. 16 Acreditamos que, especificamente o comportamento de ameaças suicidas e autolesão, foi precipitado quando da ocasião do nascimento da segunda filha de Leila, isso porque, ao mesmo tempo, esse fato marcou a saída de Leila da casa de sua mãe. Tal fato ocorrera justamente quando Leila havia alcançado uma maior aproximação na relação com sua mãe, iniciando a partir de então as crises ditas depressivas que foram associadas na ocasião à depressão pós-parto. Isso nos fez acreditar que o sentimento de Leila nesse momento tão crucial, se referia a um abandono sentimental, ainda que imaginário, que sua mãe ou os acontecimentos da vida lhe impuseram. De outro modo, as ameaças suicidas e comportamentos automutilante também ocorreram quando das separações com o marido. E o mesmo se repetiu com relação à separação no relacionamento que teve com o interno da clínica. Esses fatos corroboram a noção de que tais atitudes seriam tentativas de evitar o abandono sofrido, tal como o conceito de angústia de separação nos descreve. Não podíamos esperar percepção diferente do que a associação à depressão ou à bipolaridade, por parte dos profissionais e pessoas com quem Leila convivia, em vistas dos sinais e sintomas que ela apresentava. Até mesmo porque uma das características diagnósticas do TPB é a instabilidade afetiva devido a uma acentuada reatividade do humor (p. ex., episódios de intensa disforia, irritabilidade ou ansiedade geralmente durando algumas horas e apenas raramente mais de alguns dias). (DSM-IV, 2002, p. 664). Provavelmente quem convivia com Leila concentrou seus esforços na busca pela resolução dos sintomas depressivos. Não obstante, a oscilação do humor que Leila deveras apresentou entre essas situações, assim como ouvimos de seu esposo: “Às vezes ela é uma pessoa normal, alegre e com iniciativa” (sic), fizeram com que outros profissionais entendessem seu caso como sendo Transtorno Bipolar. Um critério identificado por meio da bateria de teste, mas especificamente verificado pela aplicação do STAXI, foi a existência de “raiva inadequada ou dificuldade em controlar a raiva (p. ex., demonstrações frequentes de irritação, raiva constante, lutas corporais recorrentes.” (DSM-IV, 2002, p. 664). Não obstante essas características terem sido demonstradas em variadas situações pelas quais Leila passava e constatadas no relato dela e de seu esposo durante as entrevistas, o teste confirmou nossa percepção enquanto medida quantitativa, reforçando-nos na convicção do diagnóstico. Por fim, ao prosseguirmos na análise dos resultados dos testes, verificamos que os dados obtidos por meio das Escalas Beck foram fundamentais para identificar um estado depressivo marcante. Esses sinais depressivos também foram confirmados pelo HTP e pelo TAT. Não apenas tais testes psicológicos, mas também o relato da paciente sobre seu estado emocional e sua tristeza profunda, formaram nossa convicção da mais clara demonstração do que os referidos manuais descrevem como sentimentos crônicos de vazio. (CID-10, 1993; DSM-IV, 2002). Tendo em vista a descrição acima, concluímos que a paciente apresentava as características que definem o TPB em ambas as referências, visto que encontramos oito dos nove critérios descritos no DSM-IV, no qual como dito anteriormente, são necessários pelo menos cinco, e uma descrição extremamente condizente com a referida pela CID-10. Além disso, as tipologias descritas conceitualmente pelas referências que estudam o TPB condizem com as características apresentadas pela paciente. Dessa forma, podemos passar à discussão de como os sinais e sintomas 17 dos outros transtornos, fundamentalmente no que se refere a depressão, constituíram uma referência para o diagnóstico diferencial. Entre os transtornos que compunham esse processo psicodiagnóstico com objetivo de diagnóstico diferencial, nos deparamos com três categorias nosológicas, quais sejam: o TPB, a Depressão e o Transtorno Bipolar; nas quais tínhamos um sintoma comum, relacionado ao humor deprimido. A quarta categoria nosológica, relacionada ao transtorno alimentar, fora associada, como já referido, ao diagnóstico principal e não apresentava relação com variações de humor. Contudo, a ocorrência desse sintoma em comum, que pode facilmente ser nomeado como depressão, mas que conceitualmente e tecnicamente seria definido e classificado como Episódio Depressivo nos chamou a atenção. De acordo com a bibliografia, seja a CID-10 (1993), seja o DSM-IV (2002), o Episódio Depressivo constitui-se como uma categoria nosológica distinta. Por sua vez, o Transtorno Bipolar se caracteriza pela repetição e alternação entre episódios depressivos e episódios maníacos. Ou seja, no Transtorno Bipolar, o humor e os níveis de atividade ficam significativamente perturbados, caracterizando-se por “[...] algumas ocasiões de uma elevação do humor e aumento de energia e atividade (mania ou hipomania) e em outras de um rebaixamento do humor e diminuição de energia e atividade (depressão).” (CID-10, 1993, p. 114). Sendo assim, o Episódio Depressivo ao mesmo tempo que se constitui com uma categoria distinta, faz parte do Transtorno Afetivo Bipolar, se tornando um fator sem o qual este último não pode ser diagnosticado. Por isso mesmo, uma apreciação apurada dos critérios diagnósticos do Episódio depressivo se tornou preponderante para a diferenciação dos transtornos. Vejamos então como esse critério, mais especificamente a variação de humor, ou o humor deprimido, consta nas definições de Episódio Depressivo nos manuais de referências. De acordo com o DSM-IV (2002, p. 354), temos como um dos critérios diagnósticos do Episódio Depressivo o “humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, indicado por relato subjetivo (p. ex., sente-se triste ou vazio) ou observação feita por terceiros (p. ex., chora muito).” De acordo com a CID10 (1993, p. 117), o Episódio Depressivo seja qual for sua gravidade, pode ser definido por um “[...] humor deprimido, perda de interesse e prazer e energia reduzida levando a uma fatigabilidade aumentada e atividade diminuída”. Sendo então essa a referência conceitual, precisaríamos encontrá-la nas características apresentadas pela paciente. Ainda assim, no que se refere ao diagnóstico diferencial do TPB, o DSM-IV (2002) menciona que frequentemente algum Transtorno do Humor pode co-ocorrer e que ambos podem ser diagnosticados, mas o diagnóstico concomitante depende de um curso mais duradouro do quadro de TPB. Todavia, conforme justificaremos a seguir, os sintomas da paciente não satisfizeram os critérios para diagnóstico de Episodio Depressivo e, consequentemente, para o Transtorno Bipolar. Isso porque o episódio depressivo, as descrições de variação de humor nos transtornos de humor e bipolar e o conceito de sentimento crônico de vazio, bem como a instabilidade afetiva verificáveis no TPB, são muito próximos e podem confundir qualquer profissional que não se atenha a uma investigação mais aprofundada do caso. Justamente por essa investigação mais aprofundada, propiciada pelo processo de psicodiagnóstico, que podemos perceber essa nuance e levantamos a questão discutida nesse artigo. Segundo Hegenberg (2013, p. 91), os sintomas depressivos em outros transtornos estão presentes todos os dias e independem de variações ambientais sutis, mas no TPB 18 [...] eles estarão ligados a circunstâncias ambientais evidentes (ao olhar experimentado) e não se prolongam no tempo (meses, como no bipolar) – pelo contrário, suavizam ou se acentuam na dependência das reações de seus objetos de apoio. Ao olharmos atentamente a história de Leila, percebemos que em todas as crises, internações, abandonos, separações e tentativas de suicídio, se tomarmos como referência o início da idade adulta, ela sempre pode contar com a presença de alguém para lhe dar um suporte, revertendo e diminuindo a duração dos sintomas depressivos. Quando fora abandonada pela sua mãe na adolescência, conhecera aquele que seria seu companheiro e pai de suas filhas e que, excetuando-se algumas ocasiões específicas, sempre esteve ao seu lado. Afora isso, durante a gestação e o nascimento da primeira filha se reaproximou e pode contar com a presença da mãe, mas por ocasião do nascimento da segunda filha, Leila foi morar na sua casa própria e se viu privada do suporte da mãe. Pouco tempo depois, seu esposo também a abandou em função da separação e uma forte crise depressiva se instalou, resultando numa tentativa de suicídio e na primeira internação. Se fitarmos esse cenário de maneira descontextualizada, não conseguimos perceber nesses fatos o início do quadro que caracterizaria o TPB. Nos deparamos apenas com o forte estado depressivo em uma mulher que acabara de ter um filho. Seguindo nessa diferenciação, podemos destacar que o paciente com TPB “[...] necessita de um objeto de apoio que lhe minimize o sofrimento diante do vazio de sentido da vida, permanecendo tranquilo enquanto este objeto está presente e não ameaça abandoná-la.” (HEGENBERG, 2013, p. 92). Nesse sentido, precisamos ser bastante sutis no que diz respeito a quem representa esse objeto na vida da paciente. Acreditamos que para cada situação ela elegia uma pessoa que passaria a ser essa referência, esse objeto. Como por exemplo, o fato de Leila encontrar na clínica, durante sua primeira internação alguém que pode lhe dar o suporte que precisava para a remissão do estado depressivo. Mas novamente ela se viu solapada pelo abandono, nessa vez mais que real, mas principalmente pelo caráter de idealização que concedeu ao interno. Consequentemente, ao se sentir abandonada por esse objeto, o sentimento de vazio e o sofrimento, nomeado e classificado como depressão por alguns profissionais por quem passou, se faziam presentes e tornavam-se o destaque entre os sintomas que sentia, talvez mascarando o pano de fundo que indicavam a presença do TPB. “Muitas vezes, a depressão no borderline vem acompanhada de ansiedade, com desespero e agitação.” (HEGENBERG, 2013, p. 92). A frase do autor nos parece uma descrição e, ao mesmo ao tempo, a própria fala da paciente ao relatar seu estado psíquico. Principalmente em vista da aplicação do TAT, na qual as pranchas mobilizavam muitos temas voltados à tristeza e à depressão, o relato de Leila era permeado por uma angustia extremada. As situações relatadas nos traziam a percepção de que quanto mais seu humor variava, mais ela sentia-se angustiada. Do mesmo modo, no fim da noite, quando se encontrava diante da sensação de vazio e ócio, suas iniciativas voltavam-se a tentativas desesperadas de sair de casa no intuito de fazer algo, tal como ir a bares ou simplesmente andar pelas ruas do bairro, marcando também a característica de impulsividade tão típica do borderline. Ao mesmo tempo, essas tentativas de deixar a casa implicavam num confronto com seu esposo, que geralmente somente conseguia controlá-la com o uso de remédios, o qual enfrentava outra marcante característica do border, a agressividade. Essa 19 depressão mais recorrente à noite e permeada pela ansiedade e agitação, também nos atenta para mais uma diferenciação citada por Hegenberg (2013), a de que o quadro depressivo no paciente com TPB deve ser diferenciado do paciente com Transtorno Bipolar, pois, no primeiro, o humor deprime geralmente na parte da noite, quando se vê sozinho, ao contrário do bipolar que se sente pior pela parte da manhã. Até mesmo o efeito da medicação antidepressiva nesses pacientes deve permear a escuta do profissional que o atende. Enquanto nos casos do Transtorno Bipolar [...] o efeito (após algumas semanas) é evidente, no “border” o medicamento tem pouco efeito. Atualmente, para o TPB se preconiza o uso de antidepressivos para controle da impulsividade, e não para a depressão. (HEGENBERG, 2013, p. 93). Leila encontrava-se medicada com antidepressivos a pelo menos três anos e seu relato, em todas as sessões, não nos informava de nenhuma melhora ou variação considerável no humor em função do uso dos medicamentos. A tristeza profunda ou o referido sentimento crônico de vazio estava presente e, em certa medida, já fazia parte da própria característica da paciente. Ela fez uso de vários antidepressivos e a sensação que nos passou sempre fora a da constante presença dessa tristeza. A guisa de conclusão, salientamos que a diferenciação desse humor deprimido entre o TPB e o Transtorno Bipolar, reside novamente no que destacamos acima como sendo o dilema da identidade e nas suas consequências no sentimento crônico de vazio. Segundo Hegenberg (2013, p. 100), a perturbação de identidade no borderline é constante e não sofre variação, por isso “[...] sua depressão é permeada pelo tédio e pelo vazio durante a maior parte do tempo, não apenas em episódios circunscritos.” Ou seja, tal como Leila, o border predominantemente se mostra deprimido, não caracterizando um intervalo sem variação de humor, como pode ocorrer no bipolar entre a alternância de episódios maníacos e depressivos. Sendo assim, as peculiaridades descritas acima nos permitiram diferenciar as características intrínsecas ao sentimento crônico de vazio do borderline que o distingue das categorias nosológicas semelhantes, cumprindo o intuito de responder nossas hipóteses levantadas no início do processo. Juntamente com os demais critérios do TPB elas foram essenciais para fecharmos um diagnóstico mais preciso, podendo fazer uma melhor indicação para condução psicoterapêutica a ser adotada pelo psicólogo demandante do psicodiagnóstico. 5 CONCLUSÃO Como aventado inicialmente, a depressão se tornou um mal psicológico muito comum em todos os sentidos. Tal banalização ocorre por motivos que nos escapam a compreensão, mas interfere sobremaneira na prática clínica dos diversos campos da psicologia. Para tanto, o psicólogo deve se valer de métodos e técnicas que minimizem os efeitos dessa banalização, utilizando-se de instrumentos e procedimentos que permitam avaliar de maneira segura, clara e objetiva o estado psíquico de seus pacientes em prol de um melhor encaminhamento e atendimento das demandas que eles trazem. 20 Nesse sentido reiteramos a importância do processo psicodiagnóstico como parte fundamental no início do acompanhamento psicológico e na busca pelo diagnóstico, independentemente das especificidade do caso ou da demanda pela avaliação. Pois é essa avaliação que servirá de base e encaminhará as condutas e intervenções do psicólogo, diminuindo a probabilidade de uma conduta psicoterapêutica inócua. Certamente, a forma como expomos os procedimentos e as análises feitas em função desse processo psicodiagnóstico no decorrer do artigo pode encaminhar o leitor a uma noção de obviedade na conclusão pelo diagnóstico do TPB. Contudo, não fosse o aprofundamento nessa diferenciação do estado depressivo, que realmente marcava e caracterizava de modo mais explícito as atitudes, os comportamentos e a história clínica da paciente, facilmente poderíamos supor um outro diagnóstico. Ressaltamos assim a necessidade de constante aprimoramento técnico e teórico e da sensibilidade clínica para estarmos preparados diante das nuances tão sutis que se apresentam a nossa prática cotidiana. Depression as differential in the diagnosis between Borderline and Bipolar Abstract: The diagnosis of the depression has become increasingly common and has drawn attention of professionals and laymen. However, it can disguise the existence of other disorders in which depressed mood coincides with diagnostic criteria and, therefore, be difficult the conduction treatment and prognosis of disorders associated. In this article we explain how the characteristics of the depressive state can be crucial in the differential diagnosis between the Borderline Personality Disorder and the Bipolar Disorder. Therefore, we present a case study of a psychodiagnostic process that aimed to establish the differential diagnosis between Borderline Personality Disorder, Bipolar Disorder, Depression and Eating Disorder Bulimia type. In such a process, through a case study, we conducted a psychodiagnostic survey through interviews clinical, application of a battery of tests, analysis, interpretation and integration of data and information, and communication of results. Based on these procedures, we concluded that the patient had Borderline Personality Disorder, considering that depressive symptoms would be underlying and were part of the nosological and we expose how the characteristics of depression were central to the diagnostic choice. Keywords: Psychodiagnostic. Differential Diagnosis. Borderline. Bipolar. Depression. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBIERI, V. Psicodiagnóstico tradicional e interventivo: confronto de paradigmas?. Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, v. 26, n. 3, set. 2010 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010237722010000300013&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 30 set. 2013. BUCK, J. N. H-T-P: casa-árvore-pessoa, técnica projetiva de desenho: manual e guia de interpretação. 1. ed. São Paulo: Vetor, 2003. 21 CID-10. Classificação de Transtornos mentais e de Comportamento da CID-10: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas. Porto Alegre: Artmed, 1993. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução CFP nº 007/2003. Disponível em: <http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2003/06/resolucao2003_7.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2013. CUNHA, J. A. Psicodiagnóstico-V. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. ______. Manual da versão em português das Escalas Beck. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001. DALGALARRONDO, P. 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