A depressão como fator decisivo no diagnóstico diferencial entre

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Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa
Lato Sensu em Psicopatologia e Psicodiagnóstico
Trabalho de Conclusão de Curso
A DEPRESSÃO COMO DIFERENCIAL NO DIAGNÓSTICO
ENTRE BORDERLINE E BIPOLAR
Autor: Eduardo Ribeiro Vasconcelos
Orientador: Profa. Luciana Santos, Msc.
Brasília - DF
2013
EDUARDO RIBEIRO VASCONCELOS
A DEPRESSÃO COMO DIFERENCIAL NO DIAGNÓSTICO ENTRE BORDERLINE
E BIPOLAR
Artigo apresentado ao curso de PósGraduação Lato Sensu em Psicopatologia
e Psicodiagnóstico da Universidade
Católica de Brasília, como requisito
parcial para obtenção do Título de
Especialista
em
Psicopatologia
e
Psicodiagnóstico.
Orientadora: Profa. Luciana Santos, Msc.
Brasília
2013
FOLHA DE APROVAÇÃO
3
A DEPRESSÃO COMO DIFERENCIAL NO DIAGNÓSTICO ENTRE BORDERLINE
E BIPOLAR
EDUARDO RIBEIRO VASCONCELOS
Resumo:
O diagnóstico da depressão tem se tornado cada vez mais comum e tem chamado
atenção de profissionais e leigos. Contudo, ele pode disfarçar a existência de outros
transtornos nos quais o humor deprimido coincide em seus critérios diagnósticos e,
consequentemente, dificultar a condução do tratamento e o prognóstico dos
transtornos associados. No presente artigo procuramos explicitar como as
características do estado depressivo podem ser fundamentais no diagnóstico
diferencial entre o Transtorno de Personalidade Borderline e o Transtorno Afetivo
Bipolar. Para tanto, apresentamos um estudo de caso de um processo
psicodiagnóstico que tinha como objetivo estabelecer o diagnóstico diferencial entre
Transtorno de Personalidade Borderline, Transtorno Afetivo Bipolar, Depressão e
Transtorno Alimentar do tipo Bulimia. Em tal processo, através de um estudo de
caso, realizamos um psicodiagnóstico por meio da realização de entrevistas clínicas
e da aplicação de uma bateria de testes; análise, interpretação e integração dos
dados e informações; e comunicação dos resultados. Baseados nesses
procedimentos, concluímos que a paciente apresentava Transtorno de
Personalidade Borderline, considerando que os sintomas depressivos seriam
subjacentes e faziam parte do quadro nosológico, e expomos como as
características da depressão foram fundamentais para a escolha diagnóstica.
Palavras-chave: Psicodiagnóstico. Diagnóstico Diferencial. Borderline. Bipolar.
Depressão.
1 INTRODUÇÃO
A depressão tem sido um dos males que mais atingem o estado mental das
pessoas e tem chamado atenção de profissionais e leigos. Não obstante, os
diagnósticos e o aumento do consumo das medicações em função dos sintomas
desse mal transbordarem nos consultórios, muito frequentemente qualquer tristeza
mais duradoura já simboliza e canaliza as atenções médicas para o tratamento da
depressão. Contudo, na mesma medida em que a banalização da depressão infla as
estatísticas de sua ocorrência, ela pode disfarçar outros transtornos, sejam mais
graves, sejam menos, que a têm como um dos critérios diagnósticos e,
consequentemente, a condução do tratamento e do seu prognóstico.
O psicodiagnóstico é parte fundamental de qualquer acompanhamento
psicológico e a busca pelo diagnóstico diferencial em alguns casos pode diminuir as
consequências de uma classificação nosológica equivocada e de uma conduta
psicoterapêutica inócua. No presente artigo procuramos explicitar como as
características do estado depressivo ou do humor deprimido podem ser
fundamentais no diagnóstico diferencial entre o Transtorno de Personalidade
Borderline (TPB) e o Transtorno Afetivo Bipolar.
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Para tanto, usamos uma avaliação psicodiagnóstica como estudo de caso
realizada em atendimento de clínica escola. Tal avaliação se deu a partir da
solicitação do psicólogo que realizava o acompanhamento psicoterapêutico da
paciente e que queria estabelecer o diagnóstico diferencial entre TPB, Transtorno
Afetivo Bipolar, Depressão e Transtorno Alimentar do tipo Bulimia. Concluímos ao
final de tal procedimento que se tratava de TPB, expondo aqui como a depressão se
mostrou importante na diferenciação dos transtornos entre os quais o psicólogo
demandante tinha dúvida e como foi fundamental na elucidação da tipologia clínica
da paciente.
2 MATERIAIS E MÉTODOS
Acreditamos que tão importante quanto apresentarmos os conceitos e as
definições das técnicas, métodos e materiais utilizados tanto para a execução do
procedimentos aqui relatados quanto para a confecção desse artigo, é relatarmos
como esse processo fora construído numa perspectiva contínua de adequação da
realidade prática com a teoria que nos embasa em todos os momentos da nossa
jornada profissional.
Sendo assim, apresentamos aqui um estudo de caso realizado a partir de um
processo psicodiagnóstico com o objetivo de determinar um diagnóstico diferencial
de paciente atendido no Centro de Formação em Psicologia Aplicada – CEFPA, da
Universidade Católica de Brasília. Esta avaliação psicológica se deu a partir da
solicitação do psicólogo que realizava o acompanhamento psicoterapêutico do
referido paciente em consultório particular. Como descrito acima, o psicólogo
demandava o diagnóstico diferencial entre TPB, Transtorno Afetivo Bipolar,
Depressão e Transtorno Alimentar do tipo Bulimia.
A partir disso, começamos nossa retórica conceitual em busca das definições
dos procedimentos que fazem parte do processo denominado psicodiagnóstico, bem
como o conceito desse processo. Antes de mais nada, ressaltamos que em
Psicologia Clínica, o psicodiagnóstico “[...] é um passo anterior à psicoterapia, tendo
como objetivo investigar os recursos e dificuldades do indivíduo e indicar a
intervenção apropriada.” (BARBIERI, 2010). Nesse sentido, reconhecemos essa
etapa como parte fundamental em qualquer acompanhamento psicológico, seja qual
for a especificidade do caso, seja qual for a demanda pela avaliação, servindo como
um norte que encaminhará as condutas e intervenções a serem realizadas pelo
psicólogo.
Por definição, o psicodiagnóstico é um
[...] processo científico, limitado no tempo, que utiliza técnicas e testes
psicológicos (input), em nível individual ou não, seja para entender
problemas à luz de pressupostos teóricos, identificar e avaliar aspectos
específicos, seja para classificar o caso e prever seu curso possível [...].
(CUNHA, 2000, p. 26).
O processo psicodiagnóstico diz respeito a uma avaliação que pode atender a
vários objetivos. Nesse sentido, ele demanda a elaboração de um plano de ação, ou
seja, um meio pelo qual se estabelece, “[...] com base nas perguntas ou hipóteses
iniciais, não só quais os instrumentos necessários, mas como e quando utilizá-los.”
(CUNHA, 2000, p. 26). A elaboração do plano de ação e a definição do objetivo do
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psicodiagnóstico no nosso estudo de caso já fora definida previamente, visto que
respondia a um questionamento específico do psicólogo demandante, nesse caso, o
Diagnóstico Diferencial. Ou seja, as perguntas e hipóteses já haviam sido levantadas
pelo psicólogo e nortearam, consequentemente, as escolhas pelos instrumentos que
utilizaríamos no decorrer do processo.
Quando o processo psicodiagnóstico se trata de um diagnóstico diferencial,
temos como principal objetivo a investigação das “[...] irregularidades e
inconsistências do quadro sintomático e/ou dos resultados dos testes para
diferenciar categorias nosológicas, níveis de funcionamento, etc.” (CUNHA, 2000, p.
28). Para a consecução de um psicodiagnóstico com tal objetivo é fundamental que
escolhamos métodos e técnicas psicológicas que possam nos embasar ao máximo
na diferenciação das categorias nosológicas, bem como apurar nossa sensibilidade
clínica e nossos conhecimentos sobre psicopatologia.
Tendo em vista as especificidades da demanda que recebemos para
realização do psicodiagnóstico, elaboramos um plano de ação que procurava
responder a uma questão primordial: de qual quadro nosológico se tratava? Para
tanto, segundo nos aponta Cunha (2000), decidimos por realizar os seguintes
procedimentos: levantamento quantitativo e qualitativo de dados a respeito da
paciente e de sua história clínica, por meio da realização de uma entrevista e da
aplicação de uma bateria de testes; análise, interpretação e integração dos dados e
informações para formulação de hipóteses que respondessem ao objetivo do
processo; e comunicação dos resultados através de uma entrevista devolutiva para
a paciente e confecção de Relatório Psicológico. Contudo, em meio ao processo,
decidimos por realizar também uma entrevista com o esposo da paciente para
confirmarmos algumas informações obtidas durante a fase de levantamentos de
dados.
O primeiro contato com o paciente no setting terapêutico recebe variadas
denominações no campo da psicologia. Tal contato geralmente é condensado no
termo entrevista, mais precisamente no termo entrevista inicial. Apesar de receber
alguns adjetivos diferentes, em geral tal termo refere-se técnica e conceitualmente
ao mesmo procedimento. Nesse sentido, concordamos com Cunha (2000, p. 45)
quando define a entrevista como
[...] um conjunto de técnicas de investigação, de tempo delimitado, dirigido
por um entrevistador treinado, que utiliza conhecimentos psicológicos, em
uma relação profissional, com o objetivo de descrever e avaliar aspectos
pessoais, relacionais ou sistêmicos [...], em um processo que visa a fazer
recomendações, encaminhamentos ou propor algum tipo de intervenção em
benefício das pessoas entrevistadas.
Segundo Dalgalarrondo (2008), a entrevista inicial no processo
psicodiagnóstico é um momento crucial no diagnóstico e no tratamento em saúde
mental. Além disso, consideramos a entrevista como um instrumento e, ao mesmo
tempo, um procedimento que se mostra “[...] capaz de adaptar-se à diversidade de
situações clínicas relevantes e de fazer explicitar particularidades que escapam a
outros procedimentos, principalmente os padronizados.” (CUNHA, 2000, p. 46).
Conforme destaca Dalgallarondo (2008), a realização da entrevista, bem
como a observação cuidadosa do paciente por parte do psicólogo, é o cerne da
avaliação psicopatológica. Além de exaltar a importância da entrevista, ele nos
atenta para o quanto ela é fundamental para o conhecimento a respeito da
psicopatologia do paciente. Ainda segundo o referido autor, a entrevista é o
momento no qual podemos “[...] obter informações valiosas para o diagnóstico
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clínico, para o conhecimento da dinâmica afetiva do paciente e, o que
pragmaticamente é mais importante, para intervenção e planejamento terapêuticos
mais adequados.” (ibidem, p. 61).
Por fim, dentre as finalidades da entrevista inicial que Zimerman (1999, p.
282) nos aponta, nos interessa a capacidade que tal procedimento demonstra para
avaliar “[...] o grau e tipo da psicopatologia, de modo a permitir alguma impressão
diagnóstica e prognóstica [...]”. Nesse sentido, tanto pelas características técnicas
quanto pelas finalidades desse procedimento, escolhemos a entrevista como passo
inicial do levantamento de informações a respeito da história clínica e de vida da
paciente, bem como, para confirmar ou não algumas dessas informações com seu
esposo, com quem também realizamos tal procedimento.
Diante da demanda e dos dados iniciais decidimos pela aplicação de uma
bateria de testes, que é a expressão usada para
[...] designar um conjunto de testes ou de técnicas, que podem variar entre
dois e cinco ou mais instrumentos, que são incluídos no processo
psicodiagnóstico para fornecer subsídios que permitam confirmar ou infirmar
as hipóteses iniciais, atendendo o objetivo da avaliação. (CUNHA, 2000, p.
109).
Ainda segundo Cunha (2000), a bateria de teste tem duas características, que
se tornam fundamentais, principalmente no caso de um diagnóstico diferencial, quais
sejam: o fato de que um teste isoladamente não consegue proporcionar uma
avaliação abrangente do indivíduo testado; e que a série de testes favorece a uma
integração dos dados, diminuindo a margem de erro e permitindo melhor
fundamentar as inferências a partir dos resultados obtidos. Para tanto, no caso em
sito, escolhemos e aplicamos nessa ordem, os seguintes testes psicológicos: Teste
das Matrizes Progressivas – Escala Geral: Séries A, B, C, D e E; Escalas Beck; H-TP: casa-árvore-pessoa, técnica projetiva de desenho; Teste de Apercepção
Temática; e Inventário de Expressão de Raiva como Estado e Traço.
O Teste das Matrizes Progressivas, comumente conhecido como Teste de
Raven, visa aferir a capacidade que um indivíduo possui, no momento da aplicação
do teste, para apreender figuras sem significado que se submetem a sua
observação, descobrir as relações existentes entre elas, imaginar a natureza da
figura que completaria o sistema de relações implícito e, ao fazê-lo, desenvolver um
método sistemático de raciocínio. Ou seja, é um instrumento clássico para avaliação
de aspectos importantes do potencial intelectual (RAVEN, 2003). Escolhemos tal
instrumento no intuito de verificarmos a existência de algum indicador cognitivo que
pudesse interferir no estado psicológico da paciente, bem como na sua capacidade
de prosseguir e realizar o processo psicodiagnóstico.
As Escalas Beck são a denominação para quatro medidas escalares, que
compreendem o Inventário de Depressão (BDI), o Inventário de Ansiedade (BAI), a
Escala de Desesperança (BHS) e a Escala de Ideação Suicida (BSI). Elas se
configuram importantes instrumentos para identificação do grau ou da intensidade
de alguns sintomas, pois cada subescala ou inventário se destina a aferir um objeto
específico. O BDI é um inventário para medida da intensidade da depressão. O BAI
é uma escala de autorrelato que mede a intensidade de sintomas da ansiedade. A
BHS visa à medida da dimensão do pessimismo ou da extensão das atitudes
negativas frente ao futuro imediato e remoto. Por fim, a BSI tem como objetivo
investigar a presença de ideação suicida, bem como a gravidade das ideias, planos
e desejos de suicídio (CUNHA, 2001). Certamente tal instrumento se tornou
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necessário para identificarmos a intensidade do humor deprimido, visto que tal
estado permeava pelo menos três das quatro categorias nosológicas a serem
diferenciadas. Ademais, a subescala BSI poderia identificar os fatores relacionados
à ideação suicida tão peculiares ao TPB.
O H-T-P: casa-árvore-pessoa (HTP) é uma técnica projetiva de desenho que
tem como objetivo compreender aspectos da personalidade do indivíduo bem como
a forma que este indivíduo interage com as pessoas e com o ambiente. O teste
estimula a projeção de elementos da personalidade e de áreas de conflito dentro da
situação terapêutica e proporciona uma compreensão dinâmica das características e
do funcionamento do indivíduo (BUCK, 2003).
O Teste de Apercepção Temática (TAT) é uma técnica projetiva de
investigação dinâmica da personalidade. Consiste em apresentar uma série de
pranchas, selecionadas pelo examinador, ao sujeito e este deverá contar uma
história sobre cada uma das pranchas. As histórias obtidas com frequência revelam
componentes importantes da personalidade, que são decorrentes de duas
tendências psicológicas, segundo a teoria de Henry A. Murray, autor do teste. A
primeira se refere à tendência de as pessoas interpretar uma situação humana
ambígua baseando-se em suas experiências passadas e em seus anseios
presentes. A segunda tendência é a inclinação das pessoas para agir de igual
maneira às histórias que descrevem, utilizando o acervo de suas experiências e
expressando seus sentimentos e necessidades conscientes e inconscientes
(MURRAY, 1995).
O Inventário de Expressão de Raiva como Estado e Traço (STAXI) é um teste
que fornece medidas concisas da experiência e expressão da raiva. Tal instrumento,
tanto fornece um método de avaliar os componentes da raiva que pode ser usado
para a avaliação detalhada de personalidades normais e anormais, quanto uma
maneira de avaliar as influências dos vários componentes da raiva no
desenvolvimento de condições médicas (SPIELBERGER, 2003).
De posse dos resultados dos testes e das informações e dados obtidos nas
entrevistas passamos à fase de análise, interpretação e integração dos dados o que
nos possibilitou inferir e chegar a uma hipótese diagnóstica e responder a demanda
inicial do processo psicodiagnóstico. Segundo Cunha (2000), a análise dos dados
obtidos através das diversas técnicas utilizadas deve nos orientar na busca de
coincidências e discordâncias, na hierarquização de indícios e de dados
significativos e no contraste desses com as informações sobre o paciente,
objetivando uma integração que confirme ou não as hipóteses inicialmente
levantadas.
No psicodiagnóstico com objetivo de diagnóstico diferencial devemos
englobar as informações sobre o quadro sintomático, dados da história clínica, as
observações do comportamento do paciente durante o processo e os resultados de
testagem em função de determinados critérios diagnósticos, podendo considerar
assim várias alternativas. Para fazermos a classificação nosológica devemos nos
valer de manuais formalmente aceitos, através dos quais verificamos a existência de
critérios semelhante a transtornos diferentes e decidirmos pelo diagnóstico
diferencial. Atualmente, os principais e mais difundidos sistemas de classificação
são o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais e a Classificação de
Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10 (CUNHA, 2000).
A devolução dos resultados faz parte do processo psicodiagnóstico e requer
atenção especial por parte do psicólogo, pois permeia questões relacionadas à ética
e a técnica a ser utilizada no fornecimento de informações ao paciente e/ou a
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terceiros envolvidos. Do ponto de vista ético, o sigilo e o respeito à confidencialidade
da intimidade do paciente norteiam nossa prática profissional, sendo assim o
conteúdo dessas devoluções deve evitar expor o paciente ou fornecer informações a
quem não guarda tal sigilo, atendando para seleção do que é ou não do interesse de
outros envolvidos no processo. No que diz respeito à técnica, tal como o conteúdo, o
tipo e a forma da devolução devem ser definidos conforme os objetivos do processo.
Isso implica na escolha dos instrumentos e métodos a serem utilizados e está
também relacionado à identidade do receptor (CUNHA, 2000).
Baseados nisso finalizamos o processo com a realização de uma entrevista
devolutiva com a paciente, na qual expomos nossa resposta ao questionamento do
seu psicólogo e nossas percepções a respeito de todo o processo psicodiagnóstico,
bem como as informações sobre a categoria nosológica escolhida. Nessa mesma
oportunidade entregamos um Relatório Psicológico para a paciente, com cópia a ser
encaminhada ao psicólogo demandante do diagnóstico diferencial.
O relatório psicológico é um documento escrito produzido por psicólogos,
decorrente de um processo de avaliação psicológica como o realizado nesse estudo
de caso. Tal documento “[...] é uma apresentação descritiva acerca de situações
e/ou condições psicológicas e suas determinações históricas, sociais, políticas e
culturais, pesquisadas no processo de avaliação psicológica.” (CONSELHO
FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2003, p. 7). Através do relatório podemos apresentar
os procedimentos e as conclusões geradas através do processo psicodiagnóstico,
relatar encaminhamentos, intervenções realizadas e descrever o diagnóstico, o
prognóstico e a evolução do caso, orientando e dando sugestões acerca do projeto
psicoterapêutico se for o caso.
Enfim, desse modo apresentamos a trajetória prática e teórica que nos
encaminhou nesse processo psicodiagnóstico e agora podemos seguir adiante com
a apresentação dos resultados e a discussão que é o objetivo principal desse artigo.
3 RESULTADOS
Trataremos de agora em diante da exposição dos resultados e da análise dos
dados levantados através das entrevistas e obtidos na aplicação da bateria de
testes. O estudo de caso foi realizado com Leila1, paciente do sexo feminino, com 27
anos de idade, ensino superior completo, funcionária de instituição bancária,
legalmente divorciada, mas que morava e mantinha relacionamento com o exesposo, com quem tinha duas filhas. Leila tem uma irmã mais velha e relatou que
desde que nasceu seus pais já brigavam constantemente e acreditava que isso se
devia ao comportamento alcoolista do pai, mas seus pais se mantiveram casados
até quando ela tinha seis anos. Depois da separação, continuou morando com a
mãe e por dois anos manteve contato com o pai, que a visitava regularmente, mas
não prestava ajuda financeira.
Ao final desse período, sua mãe começou um relacionamento e ao mesmo
tempo seu pai se mudou para outro estado. Leila nos disse que dos oito até os 18
anos de idade, foram os piores anos de sua vida, devido ao abandono sentimental e
à falta de cuidado e atenção que a mãe deixou de dar, tanto a ela quanto a sua irmã,
por conta do envolvimento no referido relacionamento. O relacionamento de sua
1
Nome fictício dado à paciente com o intuito de preservarmos sua identidade.
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mãe acabou justamente quando Leila completou 18 anos. Até então, ela dizia ter
vivido muitas dificuldades nas quais não podia contar com o apoio da mãe, muito
menos do pai. Contou-nos ter sido contra o relacionamento da mãe e acreditava que
tal falta de cuidado e atenção por parte dela se devia à dedicação da mãe ao
companheiro. Conviveu durante esse tempo com brigas e agressões que o
companheiro infligia à mãe.
Por volta de 17 anos, Leila conheceu seu esposo e pouco tempo depois ficou
grávida, passando a morar com ele na casa da mãe. Tal situação a aproximou mais
da mãe que estabeleceu um relacionamento mais próximo com ela. Continuou
nessa situação durante cerca de três anos, quando decidiu ter a segunda filha, o que
aconteceria simultaneamente à mudança do casal para a casa própria recém
adquirida. Aproximadamente, um mês após o nascimento da segunda filha, Leila
começou a sentir sintomas que inicialmente foram diagnosticados como Depressão
pós-parto, mas que perduraram para além do período pós-puerperal, tornando-se
desvinculados ao nascimento da filha. Desde então, faz uso de medicamentos
antidepressivos e para insônia.
Nesse ínterim, o relacionamento do casal já não estava muito bem e eles já
tinham decidido se divorciar. Após o divórcio, Leila piorou em seu estado depressivo,
cometendo a primeira tentativa de suicídio, e acabou sendo internada. Durante a
internação conheceu e começou um relacionamento com um dos internos, que se
tratava do uso abusivo de substância psicoativa. Quando ambos saíram da
internação, passaram a morar juntos, mas, após um ano de relacionamento, ele saiu
de casa sem nenhum aviso, fato que levou Leila a mais uma tentativa de suicídio e
outra internação. Dessa vez, após a internação ela retomou o relacionamento com o
esposo, com quem vive desde então. Ainda assim, continuou sentindo sintomas de
depressão e se seguiram mais algumas tentativas de suicídio e internações. Ela
relatou ter sofrido sintomas e feito um tratamento voltado para Bulimia nesse mesmo
período. Recentemente havia começado o acompanhamento psicológico com o
profissional que demandou o diagnóstico diferencial.
Durante as sessões destinadas a realização da entrevista inicial, Leila
mostrava-se bastante resistente a relatar os fatos e as histórias relacionadas ao seu
passado e sobre a relação com as figuras parentais, demonstrando certo
distanciamento afetivo dessas figuras. E declarou sentir um grande ressentimento
pelo abandono sentimental infligido pelas figuras materna e paterna. Aparentemente
Leila mantinha bom relacionamento com suas filhas, apesar de referir pouca
paciência no cuidado com elas. Ela acreditava que falhava no relacionamento com o
esposo, deixando a desejar em alguns aspectos da relação.
Durante o processo de avaliação, a rotina de Leila era regrada pelo esposo,
visto que este temia novas tentativas de suicídio, o que gerava algumas desavenças
entre o casal, inclusive comportamentos agressivos por parte dela. Ela não
trabalhava, pois se encontrava em licença médica, mas mantinha como rotina social
frequentar a igreja e participar dos eventos a ela vinculados. Dormia durante quase
toda manhã, acordava e passava boa parte da tarde com as filhas, depois ficava
assistindo televisão até de madrugada. Não se alimentava bem e referia sentir que
os sintomas da Bulimia estariam voltando, por conta de enjoos e vômitos posteriores
às refeições.
No que se refere à bateria de testes, conforme dito anteriormente, o primeiro
instrumento que aplicamos foi o Teste Raven. Leila não conseguiu responder todo o
teste, primeiramente porque não conseguiu resolver algumas questões e, por ter um
compromisso após à sessão, precisamos encerrar a sessão antes do tempo
10
previsto. O fato de a paciente ter desistido de terminar o teste pela dificuldade das
questões nos indica que, no momento da aplicação, ela não conseguiu demonstrar a
capacidade que o teste media, ou seja, pensar claramente e realizar um trabalho
intelectual preciso. Contudo, considerando as respostas dadas, o resultado dela
encontrava-se dentro da média para o gênero e para seu nível escolar. Nesse
sentido, entendemos que o fracasso na realização do teste se deveu tanto a fatores
internos e de suas capacidades quanto pela interferência de fatores ambientais e
não interferia nos sintomas relatados, nem tampouco atrapalharia o restante do
processo psicodiagnóstico.
Na aplicação das Escalas Beck verificamos que a paciente encontrava-se em
nível grave nas escalas BDI, escore 37; BAI, escore 54; e BHS, escore 19. Tais
dados implicavam no reconhecimento de um forte estado depressivo instalado.
Concomitantemente, apresentou grau de desesperança elevado e o mesmo
acontecendo com a ansiedade. As respostas a escala BSI confirmava as tentativas
de suicídio e o escore 32 indicava um alto nível de ideação suicida, com grande
disposição para cometer tais tentativas.
Através da interpretação e análise dos desenhos realizados no HTP,
percebemos que Leila sentia-se sofrendo pressões de um ambiente restritivo e com
pouco afeto, motivo pelo qual usava de mecanismos de compensação. Diante desse
ambiente ela demonstrava-se uma pessoa insegura, introvertida, bem como
sentimentos de rejeição, de retraimento, de inferioridade e de inadequação.
Apresentava falha nos mecanismos de superar essas dificuldades, utilizando-se de
impulsividade, ansiedade, agressão e hostilidade na maioria das situações. O teste
também indicou sinais de depressão e, além disso, que Leila demonstrava pouco e
pobre contato com a realidade, imaturidade e dependência e, em consequência
disso, apresentava necessidades de apoio e de gratificação imediata.
A análise interpretativa do TAT nos sugeriu que Leila apresentava senso de
identidade fracamente estabelecido, falhando no reconhecimento dos limites entre si
e os outros e com senso de realidade não muito bem constituído. No momento da
aplicação, ela caracterizava-se por um alto sentimento de filiação grupal, contudo,
com grau elevado de sentimento de solidão e conflitualidade interpessoal. Nesse
sentido, apresentava alta necessidade de afago, intragressão e proteção. Ao mesmo
tempo, constatava-se um estado emocional interior caracterizado por elevado grau
de abatimento e presença de conflitos internos. O psiquismo da paciente orientavase mais pelo superego, com baixa participação do ideal de ego. Tal configuração
não parecia prejudicar o bom funcionamento do ego, mas estabelecia um estado de
conformação e de incapacidade. Com relação aos interesses e sentimentos,
observamos que havia muita ambivalência, por mostrar investimento positivo e
negativo tanto em figuras parentais, fraternas, materna, de mesmo sexo e de sexo
oposto. Consequentemente, os sentimentos e interesses voltados a essas figuras
eram também ambíguos, mas se caracterizavam mais pelos de caráter depressivo,
de rejeição, de conteúdo mórbido, de medo e de angústia.
Por fim, das características, das necessidades e dos estados emocionais
apresentados por Leila por ocasião da aplicação do TAT, verificamos que ela tinha
pouco senso de identidade, indicando um funcionamento psicodinâmico muito pouco
individualizado das figuras parentais, principalmente da figura materna. Do ideal de
ego rebaixado e de um superego muito rígido surgiam sentimentos de incapacidade
e o quadro depressivo tornava-se consequência dessa dinâmica, bem como a
existência de temas voltados ao suicídio e morte. Marcadamente, a ambivalência
dos sentimentos caracterizava o modo de funcionamento nas relações,
11
apresentando sentimentos que se opunham em extremos direcionados às mesmas
figuras.
Na análise do STAXI verificamos alto escore em Traço de Raiva (TR=99%),
indicando que tinha frequentemente sentimentos de raiva e seguidamente sentia-se
injustiçada pelos outros, tendendo também a vivenciar um grande número de
frustrações. Os altos escores na subescala Temperamento (T=99%) significavam a
presença de “temperamento explosivo” e que expressava prontamente seus
sentimentos de raiva com pouca provocação, podendo ser frequentemente
impulsiva, faltando-lhe controle da raiva, mas não sendo necessariamente rancorosa
e vingativa em relação aos outros.
Os elevados escores em Raiva para dentro (RD=95%), indicavam que
frequentemente tinha intensos sentimentos de raiva, mas que tendia a reprimi-los
em vez de expressá-los tanto no comportamento físico quanto no verbal. Entretanto,
devemos salientar que alguns indivíduos com altos escores em Raiva para fora
(85%) tendem a expressar a raiva em algumas situações e reprimi-las em outras.
Na subescala Raiva para fora apresentava escore alto (RF=85%), tal dado
frequentemente mostra que experiencia raiva e que a expressa em comportamento
agressivo dirigido a outras pessoas ou objetos do meio. A Raiva para fora talvez seja
expressada por meio de atos físicos, tal como agredir uma pessoa ou bater portas,
ou talvez seja expressada na forma verbal por meio de críticas, sarcasmos, insultos,
ameaças ou uso extremo de palavrões.
Ainda por meio da análise do STAXI, percebemos que Leila apresentava
acentuado rebaixamento do escore de Controle (C=5%), o que apontava para um
comportamento impulsivo e rebaixamento do controle racional sobre o afeto.
Pessoas com altos escores em expressão de raiva experienciam intensos
sentimentos de raiva, que talvez sejam reprimidos, expressos em comportamentos
agressivos ou então em ambos. Tais indivíduos são inclinados e ter extrema
dificuldade em relações interpessoais e também correm o risco desenvolver
distúrbios médicos.
Pela análise e integração dos dados e resultados obtidos em tais
procedimentos, concluímos que a paciente apresentava condições cognitivas
preservadas e que estas não afetavam diretamente nos sintomas relatados. No que
se refere aos estados emocionais e afetivos, Leila caracterizava-se por sentimentos
de rejeição, retraimento, insegurança, introversão, inferioridade e inadequação,
indicando certa perturbação da identidade. Além disso, demonstrava ansiedade,
impulsividade, agressão e hostilidade, apresentando temperamento explosivo,
expressado em sentimentos de raiva, sendo frequentemente impulsiva mesmo com
pouca provocação, sem consideração sobre as consequências e com rebaixamento
do controle racional sobre o afeto.
Leila apresentava instalado um forte estado depressivo, que podia ser
traduzido em um sentimento crônico de vazio. Bem como um alto nível de ideação
suicida, com grande disposição para cometer tentativas, essas muitas vezes
associados a esforços para evitar sentimentos de abandono. Ela demonstrava em
suas relações interpessoais ressentimento pelo abandono sentimental sofrido na
infância bem como pouco e pobre contato com a realidade, em consequência
apresentava imaturidade e dependência, bem como necessidades de apoio, de
proteção e de gratificação imediata. Da mesma forma, falhava no reconhecimento
dos limites entre si e os outros, apresentando funcionamento psicodinâmico muito
pouco individualizado das figuras parentais, principalmente da figura materna e
expressando sentimentos e interesses voltados a essas figuras de forma ambígua.
12
Baseados nesses dados, concluímos que a paciente apresentava Transtorno
de Personalidade emocionalmente instável – Tipo Borderline, considerando que os
sintomas depressivos e os associados à alimentação seriam subjacentes ao referido
transtorno, fazendo parte do quadro nosológico. Tal diagnóstico nos pareceu a
melhor escolha entre aquelas que suscitavam dúvida no psicólogo que nos
demandou tal procedimento. No próximo tópico justificamos de modo mais detalhado
a caracterização do quadro nosológico e apresentamos a discussão a respeito da
depressão como fator diferencial nessa escolha diagnóstica.
4 DISCUSSÃO
A partir da classificação nosológica construída e definida com base nos
procedimentos descritos acima, iniciaremos a discussão da depressão como fator
diferencial no diagnóstico entre o TPB e o Transtorno Bipolar. Contudo, em primeiro
lugar, acreditamos ser importante a conceituação do transtorno escolhido como
classificação nosológica nesse processo psicodiagnóstico, ao mesmo tempo que
justificamos nossa escolha, comparando os dados obtidos e o quadro apresentado
pela paciente com o que consta na bibliografia especializada. Posteriormente,
veremos como as outras categorias se diferenciam do quadro da paciente,
principalmente no que se refere ao estado depressivo, também mantendo nossa
premissa inicial de comparação constante entre teoria e prática.
Começaremos então pela conceituação do Transtorno de Personalidade
Borderline (TPB) nas bibliografias que não tratam diretamente da classificação
nosológica, seguindo principalmente o embasamento psicanalítico acerca do tema.
De acordo com Zimerman (1999), até pouco tempo os quadros ditos Borderline2,
eram classificados como um estado psíquico que se encontrava na fronteira entre a
neurose e a psicose, mas os estudiosos recentes entendem o TPB como uma
estrutura com características específicas e peculiares. Corroborando essa posição,
Hegenberg (2013, p. 27) afirma que o paciente com TPB “[...] não é um histérico,
nem neurótico, [...] também não é um psicótico nem está no limite entre a neurose e
a psicose, mas é um quadro clínico específico, com suas características próprias.”
Percebemos assim que o TPB, enquanto um quadro clínico ou uma estrutura
de personalidade com características singulares e específicas que o distingue das
clássicas estruturas teorizadas na Psicanálise, quais sejam: a neurose, a perversão
e a psicose; passa a ser definido por suas características peculiares, não apenas no
que diz respeito aos sinais e sintomas típicos do quadro, mas também naquilo que
se refere à sua constituição e ao desenvolvimento ao longo da formação do
psiquismo do pessoa.
De forma abreviada, Zimerman (1999) elenca algumas características dos
paciente com TPB. Para o autor, todos os quadros ditos Borderline apresentam de
algum modo, variando em grau ou em forma, aspectos inerentes a uma parte
psicótica da personalidade, apesar de preservarem o juízo crítico e o senso de
realidade. Eles têm presente permanentemente uma ansiedade difusa e uma
sensação de vazio crônico, que se refletem em intensas angústias depressivas e
persecutórias. Nos casos mais avançados, podemos nos deparar com estados prépsicóticos, neuroses impulsivas, transtornos alimentares, drogadicção ou
2
Usaremos os termos Borderline ou Border ao nos referimos ao paciente ou indivíduo diagnosticado
com TPB ou ao quadro geral que caracteriza tal transtorno, visto que são termos usados nas
referências bibliográficas citadas nesse artigo.
13
psicopatias. O border tem a denominada “síndrome da difusão da identidade”,
caracterizando-se pela dificuldade de transmitir a outras pessoas uma imagem
integrada, coerente e consistente de si mesmo, deixando-as confusas com relação a
ele. Tal dificuldade decorre do uso excessivo que ele faz da dissociação, mecanismo
de defesa pelo qual distintos aspectos de seu psiquismo permanecem contraditórios
ou em oposição entre si. Assim, o border se organiza como uma pessoa ambígua,
instável e exageradamente compartimentada.
Para Hegenberg (2013, p. 57), do ponto de vista psicanalítico as
características mais comuns e recorrentes nas obras dos autores que estudam o
TPB são “a angústia de separação, o dilema com a identidade, a clivagem, a
questão do narcisismo, a agressividade, a impulsividade e o suicídio [...].” A
descrição que o autor nos traz sobre alguns desses conceitos ao mesmo tempo que
vão delineando as características típicas do TPB, nos mostram também uma
concepção que descreve a forma como elas constituem e constroem a estrutura
Borderline ao longo da vida. Retomaremos alguns desses conceitos logo a frente,
quando associados aos sinais, sintomas e características da nossa paciente.
Contudo, por agora precisamos esclarecê-los de modo genérico para conceituarmos
o TPB.
A angústia de separação no TPB vai caracterizar o borderline pelo constante
esforço para evitar o abandono real ou imaginário. Em consequência, ele estabelece
uma relação de apoio anaclítica com as pessoas. Essa relação corresponde a
necessidade de alguém presente constantemente ao seu lado, pois o outro é quem
o ajuda a constituir sua própria subjetividade. Claramente, isso também vai refletir
indubitavelmente no dilema de identidade do border. Como ele não tem uma
subjetividade constituída a tendência é que não veja sentido na vida, sendo uma
pessoa sem objetivos definidos, sentindo-se geralmente entediado, sem rumo e com
uma horrível sensação de vazio constante. (HEGENBERG, 2013).
A clivagem é um mecanismo de defesa que impede o border de entender que
uma mesma pessoa pode concentrar aspectos bons e maus. Com efeito, ele “[...]
constrói um objeto apenas bom, que será capaz de auxiliá-lo na condução do
estabelecimento de sua subjetividade.” (HEGENBERG, 2013, p. 66). O narcisismo
no border é extremamente acentuado, tornando-o uma pessoa com pouca
capacidade de perceber o lado do outro, visualizando apenas suas próprias
necessidades.
O borderline possui uma constituição psíquica muito frágil, falhando nas
funções de ego, de ideal do ego e de superego. Sabemos que ele “[...] encontra-se
aturdido em face da sua violência intrínseca, com muita dificuldade para administrar
sua raiva e seus temores, tornando-se vítima de seus impulsos [...].” (HEGENBERG,
2013, p. 76). Consequentemente, a impulsividade e a agressividade são marcas
frequente do comportamento do border. As consequências desse comportamento
incluem atos agressivos direcionados às pessoas de seu convívio ou não; atos
impulsivos tais como ingestão descontrolada de alimentos, direção perigosa ou
abuso de substancias; e atos de autoagressão como automutilação, ameaças e
tentativas de suicídio.
Como citado anteriormente, tais definições que diferenciam a localização do
transtorno entre estados neuróticos ou psicóticos partem de princípios teóricos
erigidos no campo da Psicanálise. Apesar de termos a Psicanálise como arcabouço
teórico e prático desse processo psicodiagnóstico, precisamos também usar uma
linguagem comum ao campo da psicologia. Nesse sentido, os manuais e
classificações internacionais precisam ser usados como referência de classificação
14
nosológica, visto que quando se trata de um caso em que se faz necessário
preencher “[...] critérios de uma categoria diagnóstica, o psicólogo pode e,
consequentemente, deve utilizar algum sistema oficial de classificação de
transtornos mentais.” (CUNHA, 2000, p. 120).
Para tanto, além dos referenciais bibliográficos acerca do tema, usaremos as
diretrizes e critérios diagnósticos dos principais instrumentos utilizados para tal
classificação. Como frisamos anteriormente, usaremos o Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) e a Classificação de Transtornos
Mentais e de Comportamento da CID-10 (CID-10). Concomitantemente, sendo esses
os dois principiais instrumentos para a classificação nosológica dos transtornos
mentais, faremos uma aproximação dos critérios diagnósticos de ambos à presença
deles no comportamento e nas características da paciente, a partir da percepção
que construímos durante o processo e através dos instrumentos utilizados.
No que se refere ao conceito geral, de acordo com o DSM-IV (2002, p. 660),
a característica essencial do Transtorno de Personalidade Borderline é um
padrão global de instabilidade dos relacionamentos interpessoais, da autoimagem e dos afetos, e acentuada impulsividade que começa no início da
idade adulta e está presente em uma variedade de contextos.
Para a confirmação do diagnóstico, o paciente deve apresentar pelo menos cinco de
uma lista com nove critérios diagnósticos característicos do transtorno.
Na CID-10 (1993), temos uma nomenclatura diferente para o TPB, na qual ele
é chamado de Transtorno de personalidade emocionalmente instável e dividido em
dois tipos, sendo um deles o Tipo Borderline (limítrofe). O transtorno em suas duas
variantes tem em comum a impulsividade e a falta de autocontrole e, de modo geral,
descreve um quadro
[...] no qual há uma tendência marcante a agir impulsivamente sem
consideração das conseqüências, junto com instabilidade afetiva. A
capacidade de planejar pode ser mínima e acessos de raiva intensa podem
com freqüência levar à violência ou a “explosões comportamentais”; estas
são facilmente precipitadas quando atos impulsivos são criticados ou
impedidos por outros. (CID-10, 1993, p. 200).
Doravante, baseado nos critérios listados no DSM-IV, conjugado com as descrições
constantes na CID-10, construiremos o diagnóstico de Leila, não escapando da
nossa apreciação aquelas descrições psicanalíticas acima citadas que traduzem tais
critérios.
Sendo assim, segundo o DSM-IV (2002, p. 664), um dos critérios diagnósticos
é “um padrão de relacionamentos instáveis e intensos, caracterizado pela
alternância entre extremos de idealização e desvalorização.” Em consonância com
esse critério, a CID-10 (1993) descreve uma propensão ao envolvimento nesses
tipos de relacionamentos. Notadamente, acreditamos que o relacionamento da
paciente com o interno na clínica dava mostras do que é descrito nesse critério.
Através da escuta clínica, realizada durante os procedimentos, identificamos que a
dedicação e o envolvimento de Leila a esse relacionamento fora tão intenso que a
fez assumir posturas, sem se preocupar com as consequências, idealizando-o
sobremaneira. Da mesma, forma ao término do relacionamento, ele assumira o
papel de causador de todo o mal que acontecera em sua vida.
Tal comportamento também podia ser notado no que se refere à relação que
Leila mantinha com as figuras parentais e com seu esposo. Essas atitudes deixaram
evidente a presença da alternância entre idealização e desvalorização na maioria
15
dos relacionamentos que ela mantinha. Segundo descreve Hegenberg (2013, p. 68),
“o ideal de ego remete o borderline a ter uma relação de idealização com o outro,
ora o idolatrando, ora o odiando.” Tanto os pais, quanto o esposo e o interno da
clínica sofreram dessa ambiguidade, que variava tão rapidamente, não só
perpassando o discurso no setting terapêutico, como no relato dos fatos de sua
história de vida.
Nos testes projetivos e de personalidade realizados por Leila, verificamos
certas características relativas à constituição da sua identidade que conseguimos
associar à “perturbação da identidade: instabilidade acentuada e resistente da autoimagem ou do sentimento do self.” (DSM-IV, 2002 p. 664). Assim como a presença
de objetivos e preferências internas frequentemente pouco claras ou perturbadoras
(CID-10, 1993). Conforme dito acima, essa característica se aproxima dos conceitos
de síndrome da difusão da identidade ou do dilema de identidade, e constitui um
problema constante na vida do border. Leila não apresentava uma subjetividade
bem constituída, o que se refletiu na realização desses testes, nos quais projetaria
suas características. Ao mesmo tempo, o discurso do esposo nos mostrou como ela
se apegava rapidamente a qualquer diagnóstico que recebera durante as
internações e avaliações médicas ou psicológicas, tornando-se exatamente aquilo
que era descrito como sinais e sintomas característicos dos quadros.
Nos referidos testes também percebíamos uma grande confusão entre aquilo
que era características e vivências próprias da paciente, com o que seriam
características das figuras parentais e das demais pessoas com quem se
relacionava. É interessante destacarmos que apesar de apresentar um self mal
constituído, o borderline possui “[...] suficiente diferenciação entre representações do
self e representações do objeto para permitir a manutenção de fronteiras do ego,
delimitação entre o self e os outros, o que não ocorre no psicótico.” (HEGENBERG,
2013, p. 61). Por isso mesmo, tais testes, que têm entre outras perspectivas e
possibilidades, a indicação de transtornos psicóticos graves, não nos apontaram
sinais de psicose, contudo, as perturbações e irregularidades na constituição da sua
identidade ficaram patentes.
Segundo o DSM-IV (2002, p. 664), outro critério é a “impulsividade em pelo
menos duas áreas potencialmente prejudiciais à própria pessoa (p. ex., gastos
financeiros, sexo, abuso de substâncias, direção imprudente, comer compulsivo).” A
impulsividade era umas das características mais latentes no comportamento da
paciente e certamente lhe causavam prejuízo. Como por exemplo, o abuso de
substâncias, que no caso de Leila, já constituía um uso abusivo de cigarro e de
bebida alcoólica. Nesse mesmo sentido, o controle que o esposo exercia na rotina
de Leila era no sentido de evitar atos que viessem a prejudica-la e pôr em risco a
própria vida, como a direção imprudente.
Como já citamos anteriormente a impulsividade reflete geralmente em
“esforços frenéticos no sentido de evitar um abandono real ou imaginário [ou na]
recorrência de comportamento, gestos ou ameaças suicidas ou de comportamento
automutilante.” (DSM-IV, 2002, p. 664). Temos então dois critérios combinados
identificados no comportamento de Leila, ao que somamos a noção de “[...] esforços
excessivos para evitar o abandono e uma série de ameaças de suicídios ou atos de
autolesão [...]” (CID-10, 1993, p. 201). Tais características apareciam
frequentemente no comportamento da paciente, sendo repetitivos em variadas
situações e com diversos desencadeantes, mas principalmente em atitudes que
reprovavam seus comportamentos.
16
Acreditamos que, especificamente o comportamento de ameaças suicidas e
autolesão, foi precipitado quando da ocasião do nascimento da segunda filha de
Leila, isso porque, ao mesmo tempo, esse fato marcou a saída de Leila da casa de
sua mãe. Tal fato ocorrera justamente quando Leila havia alcançado uma maior
aproximação na relação com sua mãe, iniciando a partir de então as crises ditas
depressivas que foram associadas na ocasião à depressão pós-parto. Isso nos fez
acreditar que o sentimento de Leila nesse momento tão crucial, se referia a um
abandono sentimental, ainda que imaginário, que sua mãe ou os acontecimentos da
vida lhe impuseram. De outro modo, as ameaças suicidas e comportamentos
automutilante também ocorreram quando das separações com o marido. E o mesmo
se repetiu com relação à separação no relacionamento que teve com o interno da
clínica. Esses fatos corroboram a noção de que tais atitudes seriam tentativas de
evitar o abandono sofrido, tal como o conceito de angústia de separação nos
descreve.
Não podíamos esperar percepção diferente do que a associação à depressão
ou à bipolaridade, por parte dos profissionais e pessoas com quem Leila convivia,
em vistas dos sinais e sintomas que ela apresentava. Até mesmo porque uma das
características diagnósticas do TPB é a
instabilidade afetiva devido a uma acentuada reatividade do humor (p. ex.,
episódios de intensa disforia, irritabilidade ou ansiedade geralmente
durando algumas horas e apenas raramente mais de alguns dias). (DSM-IV,
2002, p. 664).
Provavelmente quem convivia com Leila concentrou seus esforços na busca pela
resolução dos sintomas depressivos. Não obstante, a oscilação do humor que Leila
deveras apresentou entre essas situações, assim como ouvimos de seu esposo: “Às
vezes ela é uma pessoa normal, alegre e com iniciativa” (sic), fizeram com que
outros profissionais entendessem seu caso como sendo Transtorno Bipolar.
Um critério identificado por meio da bateria de teste, mas especificamente
verificado pela aplicação do STAXI, foi a existência de “raiva inadequada ou
dificuldade em controlar a raiva (p. ex., demonstrações frequentes de irritação, raiva
constante, lutas corporais recorrentes.” (DSM-IV, 2002, p. 664). Não obstante essas
características terem sido demonstradas em variadas situações pelas quais Leila
passava e constatadas no relato dela e de seu esposo durante as entrevistas, o
teste confirmou nossa percepção enquanto medida quantitativa, reforçando-nos na
convicção do diagnóstico.
Por fim, ao prosseguirmos na análise dos resultados dos testes, verificamos
que os dados obtidos por meio das Escalas Beck foram fundamentais para
identificar um estado depressivo marcante. Esses sinais depressivos também foram
confirmados pelo HTP e pelo TAT. Não apenas tais testes psicológicos, mas
também o relato da paciente sobre seu estado emocional e sua tristeza profunda,
formaram nossa convicção da mais clara demonstração do que os referidos manuais
descrevem como sentimentos crônicos de vazio. (CID-10, 1993; DSM-IV, 2002).
Tendo em vista a descrição acima, concluímos que a paciente apresentava as
características que definem o TPB em ambas as referências, visto que encontramos
oito dos nove critérios descritos no DSM-IV, no qual como dito anteriormente, são
necessários pelo menos cinco, e uma descrição extremamente condizente com a
referida pela CID-10. Além disso, as tipologias descritas conceitualmente pelas
referências que estudam o TPB condizem com as características apresentadas pela
paciente. Dessa forma, podemos passar à discussão de como os sinais e sintomas
17
dos outros transtornos, fundamentalmente no que se refere a depressão,
constituíram uma referência para o diagnóstico diferencial.
Entre os transtornos que compunham esse processo psicodiagnóstico com
objetivo de diagnóstico diferencial, nos deparamos com três categorias nosológicas,
quais sejam: o TPB, a Depressão e o Transtorno Bipolar; nas quais tínhamos um
sintoma comum, relacionado ao humor deprimido. A quarta categoria nosológica,
relacionada ao transtorno alimentar, fora associada, como já referido, ao diagnóstico
principal e não apresentava relação com variações de humor. Contudo, a ocorrência
desse sintoma em comum, que pode facilmente ser nomeado como depressão, mas
que conceitualmente e tecnicamente seria definido e classificado como Episódio
Depressivo nos chamou a atenção.
De acordo com a bibliografia, seja a CID-10 (1993), seja o DSM-IV (2002), o
Episódio Depressivo constitui-se como uma categoria nosológica distinta. Por sua
vez, o Transtorno Bipolar se caracteriza pela repetição e alternação entre episódios
depressivos e episódios maníacos. Ou seja, no Transtorno Bipolar, o humor e os
níveis de atividade ficam significativamente perturbados, caracterizando-se por “[...]
algumas ocasiões de uma elevação do humor e aumento de energia e atividade
(mania ou hipomania) e em outras de um rebaixamento do humor e diminuição de
energia e atividade (depressão).” (CID-10, 1993, p. 114). Sendo assim, o Episódio
Depressivo ao mesmo tempo que se constitui com uma categoria distinta, faz parte
do Transtorno Afetivo Bipolar, se tornando um fator sem o qual este último não pode
ser diagnosticado. Por isso mesmo, uma apreciação apurada dos critérios
diagnósticos do Episódio depressivo se tornou preponderante para a diferenciação
dos transtornos.
Vejamos então como esse critério, mais especificamente a variação de
humor, ou o humor deprimido, consta nas definições de Episódio Depressivo nos
manuais de referências. De acordo com o DSM-IV (2002, p. 354), temos como um
dos critérios diagnósticos do Episódio Depressivo o “humor deprimido na maior parte
do dia, quase todos os dias, indicado por relato subjetivo (p. ex., sente-se triste ou
vazio) ou observação feita por terceiros (p. ex., chora muito).” De acordo com a CID10 (1993, p. 117), o Episódio Depressivo seja qual for sua gravidade, pode ser
definido por um “[...] humor deprimido, perda de interesse e prazer e energia
reduzida levando a uma fatigabilidade aumentada e atividade diminuída”. Sendo
então essa a referência conceitual, precisaríamos encontrá-la nas características
apresentadas pela paciente.
Ainda assim, no que se refere ao diagnóstico diferencial do TPB, o DSM-IV
(2002) menciona que frequentemente algum Transtorno do Humor pode co-ocorrer e
que ambos podem ser diagnosticados, mas o diagnóstico concomitante depende de
um curso mais duradouro do quadro de TPB. Todavia, conforme justificaremos a
seguir, os sintomas da paciente não satisfizeram os critérios para diagnóstico de
Episodio Depressivo e, consequentemente, para o Transtorno Bipolar. Isso porque o
episódio depressivo, as descrições de variação de humor nos transtornos de humor
e bipolar e o conceito de sentimento crônico de vazio, bem como a instabilidade
afetiva verificáveis no TPB, são muito próximos e podem confundir qualquer
profissional que não se atenha a uma investigação mais aprofundada do caso.
Justamente por essa investigação mais aprofundada, propiciada pelo
processo de psicodiagnóstico, que podemos perceber essa nuance e levantamos a
questão discutida nesse artigo. Segundo Hegenberg (2013, p. 91), os sintomas
depressivos em outros transtornos estão presentes todos os dias e independem de
variações ambientais sutis, mas no TPB
18
[...] eles estarão ligados a circunstâncias ambientais evidentes (ao olhar
experimentado) e não se prolongam no tempo (meses, como no bipolar) –
pelo contrário, suavizam ou se acentuam na dependência das reações de
seus objetos de apoio.
Ao olharmos atentamente a história de Leila, percebemos que em todas as
crises, internações, abandonos, separações e tentativas de suicídio, se tomarmos
como referência o início da idade adulta, ela sempre pode contar com a presença de
alguém para lhe dar um suporte, revertendo e diminuindo a duração dos sintomas
depressivos. Quando fora abandonada pela sua mãe na adolescência, conhecera
aquele que seria seu companheiro e pai de suas filhas e que, excetuando-se
algumas ocasiões específicas, sempre esteve ao seu lado.
Afora isso, durante a gestação e o nascimento da primeira filha se
reaproximou e pode contar com a presença da mãe, mas por ocasião do nascimento
da segunda filha, Leila foi morar na sua casa própria e se viu privada do suporte da
mãe. Pouco tempo depois, seu esposo também a abandou em função da separação
e uma forte crise depressiva se instalou, resultando numa tentativa de suicídio e na
primeira internação. Se fitarmos esse cenário de maneira descontextualizada, não
conseguimos perceber nesses fatos o início do quadro que caracterizaria o TPB.
Nos deparamos apenas com o forte estado depressivo em uma mulher que acabara
de ter um filho.
Seguindo nessa diferenciação, podemos destacar que o paciente com TPB
“[...] necessita de um objeto de apoio que lhe minimize o sofrimento diante do vazio
de sentido da vida, permanecendo tranquilo enquanto este objeto está presente e
não ameaça abandoná-la.” (HEGENBERG, 2013, p. 92). Nesse sentido, precisamos
ser bastante sutis no que diz respeito a quem representa esse objeto na vida da
paciente. Acreditamos que para cada situação ela elegia uma pessoa que passaria a
ser essa referência, esse objeto. Como por exemplo, o fato de Leila encontrar na
clínica, durante sua primeira internação alguém que pode lhe dar o suporte que
precisava para a remissão do estado depressivo. Mas novamente ela se viu
solapada pelo abandono, nessa vez mais que real, mas principalmente pelo caráter
de idealização que concedeu ao interno. Consequentemente, ao se sentir
abandonada por esse objeto, o sentimento de vazio e o sofrimento, nomeado e
classificado como depressão por alguns profissionais por quem passou, se faziam
presentes e tornavam-se o destaque entre os sintomas que sentia, talvez
mascarando o pano de fundo que indicavam a presença do TPB.
“Muitas vezes, a depressão no borderline vem acompanhada de ansiedade,
com desespero e agitação.” (HEGENBERG, 2013, p. 92). A frase do autor nos
parece uma descrição e, ao mesmo ao tempo, a própria fala da paciente ao relatar
seu estado psíquico. Principalmente em vista da aplicação do TAT, na qual as
pranchas mobilizavam muitos temas voltados à tristeza e à depressão, o relato de
Leila era permeado por uma angustia extremada. As situações relatadas nos traziam
a percepção de que quanto mais seu humor variava, mais ela sentia-se angustiada.
Do mesmo modo, no fim da noite, quando se encontrava diante da sensação de
vazio e ócio, suas iniciativas voltavam-se a tentativas desesperadas de sair de casa
no intuito de fazer algo, tal como ir a bares ou simplesmente andar pelas ruas do
bairro, marcando também a característica de impulsividade tão típica do borderline.
Ao mesmo tempo, essas tentativas de deixar a casa implicavam num confronto com
seu esposo, que geralmente somente conseguia controlá-la com o uso de remédios,
o qual enfrentava outra marcante característica do border, a agressividade. Essa
19
depressão mais recorrente à noite e permeada pela ansiedade e agitação, também
nos atenta para mais uma diferenciação citada por Hegenberg (2013), a de que o
quadro depressivo no paciente com TPB deve ser diferenciado do paciente com
Transtorno Bipolar, pois, no primeiro, o humor deprime geralmente na parte da noite,
quando se vê sozinho, ao contrário do bipolar que se sente pior pela parte da
manhã.
Até mesmo o efeito da medicação antidepressiva nesses pacientes deve
permear a escuta do profissional que o atende. Enquanto nos casos do Transtorno
Bipolar
[...] o efeito (após algumas semanas) é evidente, no “border” o medicamento
tem pouco efeito. Atualmente, para o TPB se preconiza o uso de
antidepressivos para controle da impulsividade, e não para a depressão.
(HEGENBERG, 2013, p. 93).
Leila encontrava-se medicada com antidepressivos a pelo menos três anos e seu
relato, em todas as sessões, não nos informava de nenhuma melhora ou variação
considerável no humor em função do uso dos medicamentos. A tristeza profunda ou
o referido sentimento crônico de vazio estava presente e, em certa medida, já fazia
parte da própria característica da paciente. Ela fez uso de vários antidepressivos e a
sensação que nos passou sempre fora a da constante presença dessa tristeza.
A guisa de conclusão, salientamos que a diferenciação desse humor
deprimido entre o TPB e o Transtorno Bipolar, reside novamente no que destacamos
acima como sendo o dilema da identidade e nas suas consequências no sentimento
crônico de vazio. Segundo Hegenberg (2013, p. 100), a perturbação de identidade
no borderline é constante e não sofre variação, por isso “[...] sua depressão é
permeada pelo tédio e pelo vazio durante a maior parte do tempo, não apenas em
episódios circunscritos.” Ou seja, tal como Leila, o border predominantemente se
mostra deprimido, não caracterizando um intervalo sem variação de humor, como
pode ocorrer no bipolar entre a alternância de episódios maníacos e depressivos.
Sendo assim, as peculiaridades descritas acima nos permitiram diferenciar as
características intrínsecas ao sentimento crônico de vazio do borderline que o
distingue das categorias nosológicas semelhantes, cumprindo o intuito de responder
nossas hipóteses levantadas no início do processo. Juntamente com os demais
critérios do TPB elas foram essenciais para fecharmos um diagnóstico mais preciso,
podendo fazer uma melhor indicação para condução psicoterapêutica a ser adotada
pelo psicólogo demandante do psicodiagnóstico.
5 CONCLUSÃO
Como aventado inicialmente, a depressão se tornou um mal psicológico muito
comum em todos os sentidos. Tal banalização ocorre por motivos que nos escapam
a compreensão, mas interfere sobremaneira na prática clínica dos diversos campos
da psicologia. Para tanto, o psicólogo deve se valer de métodos e técnicas que
minimizem os efeitos dessa banalização, utilizando-se de instrumentos e
procedimentos que permitam avaliar de maneira segura, clara e objetiva o estado
psíquico de seus pacientes em prol de um melhor encaminhamento e atendimento
das demandas que eles trazem.
20
Nesse sentido reiteramos a importância do processo psicodiagnóstico como
parte fundamental no início do acompanhamento psicológico e na busca pelo
diagnóstico, independentemente das especificidade do caso ou da demanda pela
avaliação. Pois é essa avaliação que servirá de base e encaminhará as condutas e
intervenções do psicólogo, diminuindo a probabilidade de uma conduta
psicoterapêutica inócua.
Certamente, a forma como expomos os procedimentos e as análises feitas
em função desse processo psicodiagnóstico no decorrer do artigo pode encaminhar
o leitor a uma noção de obviedade na conclusão pelo diagnóstico do TPB. Contudo,
não fosse o aprofundamento nessa diferenciação do estado depressivo, que
realmente marcava e caracterizava de modo mais explícito as atitudes, os
comportamentos e a história clínica da paciente, facilmente poderíamos supor um
outro diagnóstico. Ressaltamos assim a necessidade de constante aprimoramento
técnico e teórico e da sensibilidade clínica para estarmos preparados diante das
nuances tão sutis que se apresentam a nossa prática cotidiana.
Depression as differential in the diagnosis between Borderline and Bipolar
Abstract:
The diagnosis of the depression has become increasingly common and has drawn
attention of professionals and laymen. However, it can disguise the existence of
other disorders in which depressed mood coincides with diagnostic criteria and,
therefore, be difficult the conduction treatment and prognosis of disorders associated.
In this article we explain how the characteristics of the depressive state can be
crucial in the differential diagnosis between the Borderline Personality Disorder and
the Bipolar Disorder. Therefore, we present a case study of a psychodiagnostic
process that aimed to establish the differential diagnosis between Borderline
Personality Disorder, Bipolar Disorder, Depression and Eating Disorder Bulimia type.
In such a process, through a case study, we conducted a psychodiagnostic survey
through interviews clinical, application of a battery of tests, analysis, interpretation
and integration of data and information, and communication of results. Based on
these procedures, we concluded that the patient had Borderline Personality Disorder,
considering that depressive symptoms would be underlying and were part of the
nosological and we expose how the characteristics of depression were central to the
diagnostic choice.
Keywords: Psychodiagnostic. Differential Diagnosis. Borderline. Bipolar. Depression.
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