Compartimentação geomorfológica do rio Paraguai - mtc

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Anais 1º Simpósio de Geotecnologias no Pantanal, Campo Grande, Brasil, 11-15 novembro 2006,
Embrapa Informática Agropecuária/INPE, p.257-264.
Compartimentação geomorfológica do rio Paraguai na borda norte do Pantanal,
município de Cáceres, MT
Aguinaldo Silva1
Mario Luis Assine2
Edvard E. de Souza Filho3
Sandra Baptista da Cunha4
Hiran Zani1
1
Pós-Graduação em Geociências e Meio Ambiente, UNESP - Campus de Rio Claro
Avenida 24-A, 1515 – Bela Vista. CEP 13506-900. Rio Claro, SP.
[email protected].
2
3
Departamento de Geologia Aplicada, UNESP - Campus de Rio Claro
Avenida 24-A, 1515 – Bela Vista. CEP 13506-900. Rio Claro, SP.
[email protected].
Departamento de Geografia, UEM - Universidade Estadual de Maringa
Avenida Colombo, 5790 – CEP 87020-900. Maringá, PR
[email protected]
4
Departamento de Geografia, UFF - Universidade Federal Fluminense
Rua Miguel de Frias, 9 - CEP 24220-008. Niterói, RJ
[email protected]
Resumo. Fluindo de norte para sul, o rio Paraguai apresenta uma compartimentação muito complexa na Bacia
do Pantanal, pois atravessa domínios geológicos e morfológicos distintos. A norte, na região de Cáceres, em
terras baixas da Depressão do Alto Paraguai, o Paraguai já se apresenta como um rio aluvial, uma vez que é
responsável por agradação num cinturão de meandros embutido num vale entrincheirado em depósitos aluviais
mais antigos. Esta configuração está intimamente associada à existência do leque aluvial do Paraguai-Corixo
Grande, que vem sendo construído pelo rio Paraguai na entrada da planície sedimentar do Pantanal, onde o rio
deflete para leste. Neste ponto, o canal adquire padrão distributário, perdendo água para a planície de inundação
não só devido a extravasamento, mas também devido à existência de pontos de rompimento de diques e de
construção de leques de espraiamento. Na planície são visíveis complexos de avulsão e vários canais
abandonados, alguns ainda ativos durante as cheias. Após a confluência dos dois canais principais, que delineiam
a ilha de Taiamã, há uma diminuição drástica no gradiente topográfico compondo com a planície fluvial do
Cuiabá uma paisagem repleta de lagoas, sazonalmente inundável, típica do Pantanal Mato-grossense.
Palavras-chave: Rio Paraguai, Pantanal Mato-grossense, geomorfologia fluvial, padrões de canal.
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Anais 1º Simpósio de Geotecnologias no Pantanal, Campo Grande, Brasil, 11-15 novembro 2006,
Embrapa Informática Agropecuária/INPE, p.257-264.
Abstract. The Upper Paraguay drainage basin is situated in west-central Brazil, near the Bolivian border. The
river flows from north to south and its altitudes ranges from 130m (Cáceres) to 80m (Nabileque). In the Pantanal
wetland, the Paraguay is the trunk river of an alluvial depositional tract characterized by complex
geomorphologic zonation resulted from an intricate geologic evolution from the Late Pleistocene to the present.
This paper focuses the Paraguay River at the northern portion of the Pantanal wetland, in the Caceres
Municipality (Mato Grosso State), where four different geomorphologic zones were characterized. In the upper
zone, the Paraguay plain is a meander belt confined in a valley incised on older alluvial deposits. Downstream,
the river deflects 90° to east at the entrance to the Pantanal wetland and acquires a distributary pattern. The
fluvial discharge diminishes in the Pantanal due to the presence of many points and channel outflow. Many
avulsion belts and abandoned channels are visible within the floodplain, some of them still active during flood
events.
Key-words: Paraguay River, Pantanal wetland, fluvial geomorphology, channel pattern
1. Introdução
O rio Paraguai nasce na Serra do Araporé (também conhecida por Serra das Pedras de
Amolar) no Planalto Central do Brasil. Correndo de norte para sul, numa extensão de
2.612km, o rio deságua suas águas no rio Paraná na altura da cidade de Corrientes, na
Argentina. Sua bacia hidrográfica tem uma área total de 1.095.000 km², abrangendo terras do
Centro-Oeste do Brasil (estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul), da Bolívia, do
Paraguai e da Argentina. ANA(2004).
Com base em trechos com diferentes características, Almeida (1945) subdividiu o rio em
quatro segmentos distintos em termos morfológicos e de processos geológicos atuantes. A
subdivisão proposta por Almeida foi adotada pelo IBGE (1977), que fez referência aos quatro
segmentos como: 1) Paraguai Superior - das suas nascentes à foz do rio Jauru; 2) Alto
Paraguai - da foz do rio Jauru à foz do rio Apa; 3) Médio Paraguai - da foz do rio Apa até a
cidade de Lomas Valentinas; e 4) Paraguai Inferior - de Lomas Valentinas até confluência
com o rio Paraná.
Os dois segmentos superiores foram englobados em um só pelo PCBAP (1997), sob a
denominação bacia do Alto Paraguai. Com limite sul na divisa Brasil/Paraguai (rio Apa),
tendo a maior parte de sua área no Brasil e abrangendo todo o Pantanal Mato-grossense, a
bacia é ainda pouco conhecida do ponto de vista do meio físico, especialmente no que
concerne à sua geomorfologia fluvial. A maior parte dos trabalhos realizados apresentam
abordagem regional, como é o caso dos levantamentos das folhas Cuiabá (SD.21) e Corumbá
(SE.21) realizados pelo Radambrasil (1982 a,b). Neste aspecto, merece destaque como
importante fonte de dados os resultados do Plano de Conservação da Bacia do Alto ParaguaiPantanal -PCBAP (1997) -, que teve como objetivo a realização de levantamentos das
características físicas e biológicas, dos recursos naturais e das áreas de risco na bacia do Alto
Paraguai.
O objetivo deste trabalho é apresentar uma proposta de compartimentação
geomormorfológica da planície fluvial do rio Paraguai no segmento entre a foz do rio
Seputuba e a Estação Ecológica de Taiamã, entre as coordenadas 15°45’00’’ e 16°35’00’’ S e
57°40’00’’ e 58°15’00’’ W, Município de Cáceres - MT (Figura 1). Dados adicionais sobre
esta área podem ser encontrados nos trabalhos de Souza (2004) e de Silva (2006).
A caracterização dos compartimentos do rio Paraguai na área estudada reveste-se de
importância econômica e ambiental, pois o rio, que é uma importante via de transporte de
pessoas e de commodities agrícolas e minerais, vem sofrendo assoreamento em vários pontos,
o que tem exigido obras de dragagem para manter sua navegabilidade.
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Figura 1: Mapa da Bacia do Alto Paraguai com indicação da área estudada. (modif. de Assine et al.,
2005)
2. Material e Métodos
Para a compartimentação da planície foram analisados dados de sensores remotos, tais como
imagens de satélite e de radar, além de fotografias aéreas. O método de análise utilizado para
a compartimentação baseou-se na identificação de elementos morfológicos presentes na
margem da planície fluvial (como terraços marginais), no reconhecimento de formas
deposicionais pretéritas impressas na planície de inundação (paleocanais, depósitos de diques
marginais, lagos em meandros abandonados e antigas barras em pontal), na caracterização da
posição do canal em relação às margens da planície (se simétrica ou assimétrica), na
quantificação de atributos geométricos (largura da planície e índice de sinuosidade do canal),
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e no reconhecimento de pontos de rompimento das barrancas marginais e interpretação de
antigos eventos de avulsão fluvial.
Trabalhos de campo foram realizados para verificação e levantamento das características
dos compartimentos identificados a partir de imagens de sensores remotos. Nestes trabalhos,
feições morfológicas, erosivas e deposicionais foram avaliadas e descritas, buscando-se
caracterizar mais detalhadamente o canal e as planícies de inundação. Durante os trabalhos de
campo foram realizados sobrevôos o que possibilitou uma melhor caracterização da área
estudada.
3. Resultados
A bacia de drenagem tem forma assimétrica, uma vez que os afluentes da margem direita são
mais longos que os da margem esquerda. Na margem direita os principais tributários são os
rios Sepotuba, Cabaçal e o Jauru (Figura 2). A planície fluvial está condicionada pela
estrutura geológica, ocupando a parte mais baixa de um amplo sinclinal assimétrico, com
flancos que apresentam mergulho suave para oeste e acentuado para leste, onde se encontram
relevos montanhosos da Província Serrana. Alvarenga e Trompette (1993).
O curso do rio Paraguai em sua extensão no Município de Cáceres foi compartimentado,
de montante para jusante, em quatro segmentos: I (da foz do rio Seputuba até a foz do rio
Jauru), II (da foz do rio Jauru até a Baia das Éguas), III (da Baía das Éguas até a proximidade
do Castelo de Areia) e IV (a partir da localidade conhecida como Castelo de Areia). Tais
segmentos apresentam distintas características geomorfológicas, expressadas em termos de
diferentes elementos morfológicos e de processos fluviais atuantes (Figura 3).
Os dois segmentos superiores apresentam como característica comum o fato de que a
planície encontra-se embutida em um vale entrincheirado em depósitos mais antigos, com
terraços marginais que decrescem para jusante.
No segmento I, que possui extensão de 71km e planície de inundação com largura média
de 1700m, o rio Paraguai apresenta largura média de 150m e sinuosidade de 2,2. Neste
segmento o rio apresenta barras em pontal e lagoas em meandros abandonados.
No segmento II, com extensão de 35km e planície de inundação com aproximadamente
3000m de largura, o rio apresenta largura média de 200m e sinuosidade de 1,1. Nesta área o
canal é retilíneo, apresentando barras alternadas e várias ilhas fixas. Já a planície de
inundação apresenta canais menores com alta sinuosidade, de natureza reliquiar, mas ainda
ativos durante as cheias.
Os outros dois segmentos apresentam características completamente distintas uma vez
que a planície de inundação não está condicionada pela presença de terraços e as águas de
inundação se espraiam de forma divergente em relação ao canal, já na planície do Pantanal.
O segmento III tem 51km de extensão e seu início é marcado pela deflexão do rio para
leste. O canal possui largura média de 250m e índice de sinuosidade de 1,6, sendo comuns
trechos com meandros abertos e a presença de ilhas e barras vegetadas.
O compartimento IV inicia-se nas proximidades do ponto conhecido como Castelo de
Areia, onde ocorre bifurcação do canal. Os dois canais distributários apresentam alta
sinuosidade, podendo ser classificados como canais meandrantes. Este compartimento
representa o principal sítio de sedimentação, onde está sendo construído o lobo distributário
atual do leque do Paraguai-Corixo Grande. Assine (2003).
Nste último compartimento geomorfológico os dois canais voltam a se unir delineando a
ilha de Taiamã. Ao longo do compartimento a descarga fluvial decresce para jusante devido à
perda de água para a planície que se alarga, compondo com a planície aluvial do Cuiabá uma
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paisagem repleta de lagoas, sazonalmente inundável, típica do Pantanal Mato-grossense
(Figura 4).
Figura 2. Divisão geomorfológica do rio Paraguai no município de Cáceres-MT (Fonte: Imagens
Landsat ETM+. Elaboração: NEVES, S. M. A. S. (2006).).
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Figura 3. Compartimentos geomorfológicos I, II e III, em imagens de satélite (Landsat 7, 1998,
composição falsa cor RGB-543, com o canal principal destacado em branco) e em fotografias aéreas
oblíquas. A localização das fotografias está indicada nas imagens de satélite dos três compartimentos.
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Figura 4. Imagem de satélite do compartimento IV, ilustrando a bifurcação do canal na altura do
Castelo de Areia, o aumento da sinuosidade a partir deste ponto e a presença de pontos de rompimento
dos diques marginais (crevasses) que drenam água para a planície do Pantanal.
4. Considerações Finais
Uma bacia hidrográfica é um sistema geomórfico, compondo uma estrutura de inteiração de
processos e formas que executa a elaboração da paisagem e é mantida pela entrada,
transferência e saída de energia e matéria. A bacia de drenagem representa a zona de entrada
onde ocorre a captação da água e a produção de sedimentos, a rede hidrográfica é a zona
responsável pela transferência da água e dos sedimentos e a foz é a zona de saída do sistema.
Souza Filho (1993).
A presente disposição dos compartimentos identificados representa um momento na
evolução do sistema, cujas tendências de mudança são condicionadas pela dinâmica interna
que caracteriza o funcionamento do sistema (processos autogênicos) e por variáveis externas
que constituem o macroambiente no qual o sistema está inserido (processos alogênicos
relacionados à tectônica e ao clima).
Para a adequada compreensão da evolução do rio Paraguai, é necessário assim que cada
compartimento da planície fluvial seja estudado em detalhe, buscando-se estabelecer
parâmetros essenciais da planície e do canal, tais como potência específica da corrente e
declividade do canal, e a existência de estruturas tectônicas ativas, tais como falhas.
Tanto os processos autogênicos como alogênicos promovem mudanças no nível de base,
que por sua vez altera gradientes hidráulicos, promovendo mudanças nos sítios onde ocorrem
processos de erosão e deposição. Queda e subseqüente elevação do nível de base na área do
Pantanal, por exemplo, podem explicar a origem do entrincheiramento dos compartimentos I
e II por erosão remontante e a posterior agradação fluvial. Desta forma, a compreensão das
variáveis do macroambiente e de como o sistema funciona são fundamentais para o
entendimento da paisagem atual e das possíveis tendências de mudanças no futuro.
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5. Agradecimentos
Os autores agradecem ao CNPq pela concessão de bolsa de produtividade em pesquisa a
Mario Luis Assine e Edvard E. Souza Filho, e de bolsa de doutorado a Aguinaldo; à FAPESP
pelo apoio financeiro (Processo 99/00326-4) e pela concessão de bolsa de mestrado a Hiran
Zani (processo 06/02381-8):
6. Referências Bibliográficas
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Rio de Janeiro (116), 1945 p. 19 – 25.
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Porto Primavera (MS) e Guaíra (PR) Tese de Doutorado. Instituto de Geociências/USP. São Paulo-SP. 1993.
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