O envelhecimento e a saúde mental na saúde pública no Brasil1

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O envelhecimento e a saúde mental
na saúde pública no Brasil1
Erika Laide Nigro
Sheila Rizzato Stopa
Saúde pública no Brasil
D
e maneira geral, a saúde pública somente passou a ser uma das
prioridades políticas na segunda metade do século XIX, quando a
higiene se tornou um saber social e a economia foi vinculada à saúde.
Essa inter-relação ganhou destaque no contexto da Segunda Revolução
Industrial, mas é uma questão que permeia as relações sociais até os nossos
dias. Em resumo, havia - e ainda há - interesse em preservar a saúde dos
trabalhadores para renderem mais nas atividades exercidas e proporcionarem
maiores lucros ou, ao menos, não gerarem prejuízo (CARVALHEIRO, J.R. et al,
2008).
No Brasil, no último século, divide-se a saúde pública basicamente em três
modelos: 1) Ideário sanitarista-campanhista; 2) Médico-assistencial-privatista;
3) Neoliberal de assistência à saúde (CARVALHEIRO, J.R. et al, 2008).
O primeiro modelo, denominado sanitarista-campanhista, baseava-se em uma
população predominantemente rural, cujo principal produto da economia era o
café. A preocupação principal era o saneamento dos espaços e erradicação de
doenças que poderiam prejudicar a produção. Apesar disso, o perfil de
morbimortalidade da população era de doenças infecto-contagiosas,
combatidas e pesquisadas por sanitaristas como Oswaldo Cruz. Foram
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O presente artigo é inédito e não há conflitos de interesse. As autoras trabalharam juntas em
todas as etapas de produção do manuscrito.
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instituídas as campanhas da vacinação obrigatória, demolição de cortiços e
fiscalização do comércio de alimentos (CARVALHEIRO, J.R. et al, 2008).
O segundo modelo, assistencial-privativista, foi adotado a partir dos anos 1920,
após a Primeira Guerra Mundial, e baseava-se em um modelo de contribuições
dos empregados, que previa assistência médica e pensões para os
trabalhadores e seus familiares. Esse sistema ainda era desigual, pois a
maioria da população não era vinculada ao sistema empresarial. Com o fim da
Segunda Guerra Mundial e a industrialização, e no Brasil a partir dos anos de
1950, ocorreu uma transição lenta e gradual para o modelo neoliberal de
assistência à saúde (CARVALHEIRO, J.R. et al, 2008).
Em meio a uma crise econômica no país, houve o desenvolvimento do Sistema
Único de Saúde (SUS), que aproximou ideais de uma reforma sanitária e de
um projeto neoliberal (CARVALHEIRO, J.R. et al, 2008).
Atualmente, com demandas ainda do começo do século passado, no qual a
predominância eram doenças infecto-contagiosas, no Brasil, com crescente
longevidade, há igualmente demandas de doenças crônico-degenerativas
(VERAS, R., 2009).
Envelhecimento populacional no Brasil
Fenômeno mundial e irreversível, no Brasil o envelhecimento populacional
ocorre aceleradamente. Os principais motivos são as quedas nas taxas de
fecundidade e de natalidade, que aumentam a expectativa de vida da
população e contribuem para o aumento do número de idosos (VERAS, R.,
2009).
O inédito processo de transformação na composição etária acarreta novas
demandas sociais, econômicas e de saúde (VERAS, R., 2009; SÃO, R.,
XAVIER, F., 2003). A rápida mudança aumenta a preocupação com a
qualidade de vida e os cuidados em saúde dos idosos, pois o aumento do
número de indivíduos maiores de 60 anos na população implica a ampliação
dos serviços de saúde e o uso de medicamentos (SÃO, R., XAVIER, F., 2003;
EDUARDO, A. et al., 2008).
Há, paralelamente a essa transição demográfica, a transição epidemiológica
típica de um país em desenvolvimento, que não cumpriu a agenda da
erradicação de doenças transmissíveis graves e mesmo as condições de
saneamento básico, e que já começa a ter demandas específicas da população
em envelhecimento, como, por exemplo, as oriundas das doenças crônicodegenerativas e/ou não transmissíveis (MENDES, E.V., 2010; MENDES, J. et
al., 2004).
As mudanças ocasionam a alteração do perfil dos usuários dos serviços de
saúde e desafiam a estrutura estabelecida por políticas públicas de saúde
obsoletas. O novo cenário exige diferentes ferramentas para atender à
prevalência de doenças majoritariamente crônicas, que ‘batem à porta’ do
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sistema de saúde vigente (MENDES, E.V., 2010; MENDES, J. et al., 2004).
Entre as novas demandas dos pacientes mais velhos há, por exemplo, mais
internações hospitalares e com maior tempo de ocupação do leito (VERAS, R.,
2009; SÃO, R., XAVIER, F., 2003; EDUARDO, A. et al., 2008).
Um dos impactos imediatos no sistema de saúde derivado dos fatos citados é o
aumento do custo com tratamentos e profissionais, além da ocupação de leitos,
o que provoca superlotação e filas de espera por vagas em hospitais (SÃO, R.,
XAVIER, F., 2003).
Reforma Psiquiátrica e os serviços de atenção à saúde mental para idosos
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente
450 milhões de pessoas no mundo sofrem de algum tipo de transtorno mental,
sendo responsáveis por quatro em cada dez casos de incapacidades
(HARDING, T.W. et al., 1983). Em países de alta renda, os quadros depressivos
correspondem ao terceiro problema de saúde entre as mulheres, e nos países
de média e baixa renda eles ocupam a quinta posição (OMS, 2001).
No Brasil, o Ministério da Saúde estima que aproximadamente 20% da
população precisa de algum tipo de atenção referente à saúde mental, sendo
que 3% dos cidadãos apresentam algum transtorno severo (BRASIL, 2003).
Esses dados sugerem a intensidade do impacto dos transtornos mentais em
diversos aspectos da vida da população brasileira, como saúde, relações
sociais, qualidade de vida e bem-estar (BRASIL, 2003; ARAÚJO, T.M.D.,
2005).
Apesar da magnitude das consequências supracitadas, a OMS reconhece que
os transtornos mentais ou sintomas psicológicos ainda são desvalorizados e/ou
pouco identificados pelos profissionais de saúde (OMS, 2001).
Episódios com essas características ocorrem, principalmente, nos casos em
que também estão presentes sintomas físicos, normalmente mais bem
identificados, investigados e tratados, como muito frequentemente ocorre com
a população idosa (BANDEIRA, M. et al., 2007; GONÇALVES, D.M., 2008).
Com o aumento dessa população, a demanda dos serviços
de saúde se modificou, pois idosos com 65 anos ou mais,
em países de alta renda, usam os serviços de saúde três a
quatro vezes mais do que as demais faixas etárias da
população (LUDERMIR, A.B., FILHO, A.D.M., 2002).
No Brasil, a saúde mental passou por um processo denominado Reforma
Psiquiátrica, no final dos anos 1970. Formado por um conjunto de leis, normas,
mudanças nas políticas governamentais e nos serviços de saúde, o processo
ocorreu no contexto da crise do modelo psiquiátrico hospitalocêntrico e do
aparecimento e fortalecimento dos movimentos de defesa dos direitos dos
pacientes psiquiátricos (BRASIL, 2005).
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Inspirados no movimento italiano que pregava a desinstitucionalização da
psiquiatria, ocorreram, em 1987, na cidade de Bauru, São Paulo, o Segundo
Congresso Nacional, cujo tema foi “Por uma sociedade sem manicômios”, e a
Primeira Conferência Nacional de Saúde Mental, no município do Rio de
Janeiro (BRASIL, 2005). Nesse período, implantou-se o primeiro Centro de
Atenção Psicossocial (CAPS), na cidade de São Paulo, e dois anos mais tarde,
em 1989, foram implantados os primeiros Núcleos de Atenção Psicossocial
(NAPS), em Santos, São Paulo. Os NAPS se tornaram um marco na Reforma,
pois foram a primeira grande intervenção, e deram visibilidade da efetividade
do movimento (BRASIL, 2005).
Em 1988 foi criado o SUS, e em 1989 entrou no Congresso Nacional o projeto
de Lei 10.216, que propunha a regulamentação dos direitos da pessoa com
transtornos mentais e o processo de extinção dos manicômios no país
(BRASIL, 2005; ALBERTO, C., CAMPOS, R.O., 2009).
A partir da década de 1990 teve início a substituição de leitos psiquiátricos por
uma rede integrada de atenção à saúde mental baseada nas primeiras
experiências dos CAPS, NAPS e Hospitais-Dias, embora mais de 90% dos
recursos ainda fossem destinados aos hospitais psiquiátricos (BRASIL, 2005).
Finalmente, em 2001, o projeto de Lei 10.216 foi aprovado, depois de tramitar
12 anos no Congresso Nacional, garantindo os direitos das pessoas com
transtornos mentais, a extinção manicomial e as linhas de financiamentos para
as instituições extra-hospitalares, descentralizando a atenção à saúde mental,
como já propunham o movimento pró-Reforma Psiquiátrica e o SUS. Iniciou-se,
então, a desinstitucionalização de pacientes que estavam há muito tempo
internados, por meio de programas como “De volta para casa”, “Residências
terapêuticas” e, mais recentemente, a articulação com o Programa Saúde da
Família (PSF) (BRASIL, 2005).
Com a desinstitucionalização, os profissionais da saúde mental se depararam
com uma nova função - a reabilitação psicossocial - dificultada, muitas vezes,
pela perda de contato entre pacientes e familiares, além dos
comprometimentos físicos típicos do envelhecimento, pois muitas pessoas
envelheceram dentro dessas instituições (PAVARINI, S.C.I. et al., 2004). Há,
portanto, paralelamente ao processo de reforma psiquiátrica, o envelhecimento
populacional, incluindo os doentes mentais.
Conforme descrito, o processo de assistência ao paciente psiquiátrico no Brasil
passa por uma série de mudanças. O surgimento de novos serviços como o
“De volta para casa”, sem dúvida, cria um cenário totalmente novo; se bem
estruturado, é propício para a reinserção do indivíduo na sociedade. Mas como
se dá esse processo de reinserção quando o paciente possui idade avançada e
sua rede social se apresenta bastante reduzida?
O indivíduo, que ao longo da vida apresentou algum transtorno psiquiátrico que
comprometeu sua autonomia, ao receber suporte adequado tem possibilidade
de se manter ativo na sociedade ampliada.
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Autores como PAVARINI e col. (2004) sugerem que a capacitação em
Gerontologia é essencial para os profissionais em saúde mental, pois com o
aumento global da expectativa de vida do ser humano, o paciente psiquiátrico
tende a viver mais. Há, portanto, o surgimento de uma nova situação. O
paciente que aos 30 anos tem suporte de uma equipe de saúde juntamente
com seus familiares, possivelmente aos 60 anos, por questões como morte ou
redução da autonomia do cuidador, se tornará mais dependente do serviço de
saúde. Assim, a atenção que em dado momento era “dividida” entre família e
instituição, talvez tenha que passar a ser oferecida integralmente pela
instituição. No entanto, até que a situação se apresente, é vital a incorporação
da família ao tratamento do indivíduo com transtornos psiquiátricos.
Oferecer aos familiares gama maior de conhecimento acerca da doença
mental, do seu tratamento e prognóstico facilitaria a adesão ao tratamento, seja
ele farmacológico ou não. O Programa Saúde da Família seria um aliado no
que se refere à inclusão dos familiares ao tratamento do doente mental. No
entanto, não é obrigatório na composição básica da equipe do PSF um
profissional da saúde mental, como psicólogo e/ou psiquiatra (HARDING, T.W. et
al., 1983). Essa talvez seja uma das soluções para facilitar o acesso dos
pacientes e esclarecimento dos familiares a respeito do diagnóstico e
tratamento do idoso com algum transtorno mental, muitas vezes impossibilitado
de se deslocar até a unidade básica de saúde ou ambulatórios especializados.
Atualmente, nos CAPs, que têm divisões como CAPSAD (que tratam dos
pacientes dependentes em álcool e drogas ilícitas) e CAPSI (que dão atenção
aos doentes mentais infantis), há grupos temáticos, abertos à população, nos
quais são discutidas questões referentes a patologias e tratamento. Esses
grupos ainda contribuem, positivamente, para a ampliação da rede social do
doente e do cuidador. Há, no entanto, pouco relato na literatura acadêmica a
respeito das experiências com os pacientes idosos (PAVARINI, S.C.I. et al.,
2004).
O Ministério da Saúde sugere que apesar de a Reforma Psiquiátrica ter
avançado em muitos aspectos, ainda há desafios, como melhorar a equidade e
acessibilidade; capacitação de recursos humanos para lidar com o novo
contexto da saúde mental no Brasil, e ainda esforço para a sociedade debater
a questão do doente mental e contribuir na sua reinserção social, e seu papel
na sociedade, livrando-se de mitos e preconceitos (CARVALHEIRO, J.R. et al,
2008).
Diante da revisão de literatura a respeito da atenção à saúde mental aos
idosos, foi possível verificar que a união de temas relativamente novos e
urgentes - saúde mental e envelhecimento - ainda precisa de mais relatos,
discussões, ideias e avaliações para se avançar nos serviços de qualidade no
que se refere à atenção descentralizada integral e igualitária, como propõe o
SUS, sistema de saúde vigente no Brasil. Há indícios do despreparo dos
profissionais, do sistema de saúde e da sociedade para lidar com os idosos e
para lidar com doentes mentais. Os programas existentes ainda são poucos e
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deficientes para atender à atual demanda, mas com o investimento necessário
auxiliariam essa missão sem precedentes.
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Data de recebimento: 29/06/2013; Data de aceite: 24/07/2013.
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Erika Laide Nigro - Gerontóloga (Escola de Artes, Ciências e Humanidades
(USP), mestre em Ciências (Faculdade de Saúde Pública – USP). E-mail:
[email protected]
Sheila Rizzato Stopa - Gerontóloga (Escola de Artes, Ciências e
Humanidades - USP), mestre em Ciências (Faculdade de Saúde Pública USP). E-mail: [email protected]
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