Política econômica é biruta de aeroporto, diz economista

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Política econômica é biruta de
aeroporto, diz economista
ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO
15/01/2014
A política econômica é errática, não tem norte, responde às
demandas de curto prazo. É como uma biruta de aeroporto. A
avaliação é do economista José Luis Oreiro, 42, professor da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Para ele a situação da economia é frágil, e há risco de o país enfrentar
uma crise cambial neste ano. Presidente da Associação Keynesiana
Brasileira, Oreiro fala em caráter pessoal. Defende mudanças no
paradigma do tripé e propõe a adoção de metas de poupança pública.
"É preciso recuperar a capacidade de poupança do setor público. Tem
que ser abandonada essa ideia de meta de superávit primário", diz.
Na sua visão, o governo deveria desvalorizar o real para um patamar
de R$ 3,20 num período de dois a três anos.
Filiado ao PPS, ele prevê a reeleição de Dilma Rousseff, se não
acontecer a "tempestade perfeita" (fim dos estímulos nos EUA e
rebaixamento do Brasil pelas agências de risco) e o governo conseguir
"empurrar com a barriga" a situação.
Folha - Qual sua avaliação da conjuntura econômica?
José Luis Oreiro - Está em semiestagnação. Esse desempenho
medíocre se deve dois fatores: um de ordem estrutural e outro de
condução de política econômica. O de ordem estrutural é decorrente
da desindustrialização da economia brasileira. A partir de 2004
houve uma segunda onda de desindustrialização. A primeira foi de
meados da década de 1980 e a de 1990.
Com essa segunda onda, a economia brasileira foi perdendo o seu
dinamismo. Em 2004 a participação da indústria no PIB era em
torno de 24%; no final do ano passado ficou em pouco mais de 13%.
Essa situação é fruto da questão cambial?
Setenta por cento do problema é câmbio. Os outros 30% são relativos
a deficiências de infraestrutura e uma política tributária que penaliza
a exportação de manufaturados.
Quais são as causas conjunturais?
Uma está no front externo. A demora dos países desenvolvidos em
sair da crise afetou as exportações brasileiras de manufaturados. A
segunda causa está na condução da política econômica, que é uma
biruta de aeroporto, não tem direção, responde às demandas de curto
prazo, é errática.
Mas o ministro é o mesmo.
Quem conduz a política econômica brasileira é Dilma, não é o
ministro. É uma política econômica que reage às noticias de jornal.
Quando a inflação está subindo, saem medidas como atrasar o
reajuste de gasolina, dos preços de energia elétrica. Quando a
indústria está chorando, desonerações. Não conseguem entregar o
superávit primário, fazem manobras contábeis.
Dilma está muito mais preocupada com sua reeleição do que Lula
esteve. Talvez sua falta de carisma em relação ao ex-presidente
explique esse comportamento. É uma política extremamente
preocupada com a opinião pública de curto prazo, não tem norte.
Essa biruta de aeroporto gera uma incerteza fenomenal na economia,
os empresários não têm ambiente estável.
Daniel Marenco/Folhapress
O economista José Luís Oreiro, para quem a situação da economia é frágil
A economia não pode prejudicar a reeleição?
Se Dilma conseguir empurrar as coisas com a barriga, que é a
estratégia do governo –ou seja, entregar uma inflação de outubro
abaixo de 6% na média em 12 meses e um desemprego de 5,5%, 6%–,
a reeleição tem grandes chances. Se a coisa começar a desandar –e
ela pode desandar pelo front externo–, se pode ter uma crise cambial
este ano.
Crise cambial? Como assim?
A crise cambial seria uma desvalorização muito rápida do real frente
ao dólar, com o dólar chegando a R$ 3,10, R$ 3,20. Se esse cenário de
desvalorização súbita da moeda ocorrer antes das eleições, em abril,
maio, haverá, além da instabilidade, uma aceleração inflacionaria
forte, justamente na reta final da campanha eleitoral.
Qual a possibilidade de isso acontecer? O governo não teria
forma de controlar esse processo?
O governo está se baseando nas suas reservas internacionais para
poder deter uma desvalorização súbita da taxa de câmbio. Com essas
operações de swap cambial, já foram comprometidos 20% das
reservas. As reservas que o Brasil tem são dinheiro emprestado. Elas
não foram constituídas em razão de um acúmulo em saldo de conta
corrente foi depositado em algum lugar. Elas se devem ao fato de que
estrangeiros investiram dinheiro no país, comprando ativos
denominados em reais, e nós usamos esse dinheiro para constituir as
reservas.
Na hora em que os estrangeiros quiserem esse dinheiro de volta,
teremos que pagar. É diferente da China, que acumula saldo em
conta corrente –as reservas são dela. A contrapartida dessas reservas
é o passivo externo líquido da economia brasileira que aumentou
muito.
Qual a chance desse cenário de crise acontecer?
Como sou um economista keynesiano, não gosto de falar de
probabilidades. O cenário é propício a isso. A situação da economia
brasileira é frágil. Não significa dizer que vai acontecer um desastre
amanhã.
Este ano pode transcorrer numa situação frágil e não acontecer nada.
Mas há o alto déficit em conta-corrente, uma deterioração da situação
fiscal do governo, uma economia que não está conseguindo crescer.
Tudo isso torna a situação frágil. Em algum momento, às vezes até
um evento de pouca importância pode detonar uma parada súbita de
financiamento da economia brasileira.
E o câmbio dispara. Surge aí o cenário da tempestade perfeita
levantado por Delfim Netto.
Por que o sr. é crítico do tripé?
O tripé foi muito bem sucedido para fazer o que ele se propôs a fazer.
Foi uma saída pensada em 1999, após uma enorme desvalorização do
câmbio, quando a dívida pública líquida tinha passado para 40% do
PIB. Havia o risco de a dívida pública entrar numa trajetória de
insolvência, que levaria ao descontrole inflacionário.
Dado esse cenário, o tripé foi bem sucedido. Conseguiu estabilizar a
relação dívida líquida/PIB, até reduziu um pouco, e trouxe a inflação
de volta a um patamar razoável. Só que hoje o desafio da economia
brasileira não é mais o da estabilização da inflação e da dívida
pública: é fazer o país crescer.
A ideia de meta de superávit primário é anacrônica, porque a política
fiscal precisa ir além. Ela tem que estar preocupada com metas de
poupança pública. A poupança pública do governo é negativa. O
governo não tem recursos para investir. As contas públicas não estão
ajustadas, e o déficit é ruim. O déficit bom é quando se toma
emprestado para investir.
O que se tem agora é uma espécie de plano Jorginho Guinle: toma-se
emprestado para consumir. A política fiscal é horrorosa. É preciso
recuperar a capacidade de poupança do setor público. Tem que ser
abandonada essa ideia de meta de superávit primário.
E a meta de inflação?
Todo o governo tem que estar preocupado em ter uma inflação
estável. Mas o sistema de meta de inflação no mundo inteiro está
sendo repensado. Os bancos centrais estão administrando as taxas de
câmbio. Temos que fazer o mesmo no Brasil. Se não, estaremos
condenados a ter uma moeda sobrevalorizada, e isso tem impacto
pernicioso sobre a indústria. Temos que ter uma política que também
se preocupe com o câmbio.
Qual é o seu modelo?
No meu modelo, a política fiscal é pautada por meta de poupança
pública. Tem que ter uma meta de câmbio, para poder ajustá-lo. Não
do dia para a noite. Se for feita uma maxidesvalorização de 30%, 40%
do dia para a noite, a inflação dispara. Tem que fazer um sistema de
ajuste gradual do câmbio, até que se alcance um patamar mais
competitivo.
Qual patamar e em que período isso deveria ser feito?
Hoje precisaria ter um câmbio da ordem de R$ 3,20. Para não gerar
elevações bruscas da taxa de inflação, calculo que seriam necessários
de dois a três anos para fazer um ajuste gradual.
Isso seria transparente?
Totalmente transparente, num sistema de bandas cambiais
deslizantes. O BC determinaria um teto e um piso e anunciaria.
Precisaria das reservas internacionais para garantir a viabilidade
desse sistema ao longo da transição. Eventualmente, durante a
transição, seria necessário colocar controles à saída de capitais. Não
sou favorável à centralização cambial. É feito com IOF ou quarentena
de investimentos. A Malásia fez isso, e o resultado foi bom em 1998,
na crise asiática. Houve controle de saída, e o país teve um
desempenho melhor que em outros lugares.
E a política salarial?
A regra de reajuste do salário mínimo tem que ser mudada, pois
aumenta a indexação da economia. Defendo que o reajuste salarial
seja feito com base na meta de inflação (não a inflação do ano
anterior) mais um percentual a título de ganho de produtividade da
economia, por exemplo, 2%.
Essa regra romperia com a inércia inflacionária, e os sindicatos
seriam grandes interessados em atingir a meta de inflação. Não se
trata de arrocho salarial. Quero é que os salários cresçam a uma taxa
sustentável no longo prazo. Com a regra atual, esse crescimento não é
sustentável.
O sr. defende que a meta de inflação seja baseada no
núcleo?
Na prática, hoje o BC só olha o núcleo. Mas a vantagem de se adotar o
núcleo da inflação seria evitar o terrorismo inflacionário que temos
todos os anos de abril a setembro. É quando o IPCA cheio sobe, e os
bancos e o mercado financeiro fazem terrorismo inflacionário, dizem
que a inflação vai sair do controle. Isso acaba sendo uma pressão
política sobre o Banco Central para elevação dos juros. Esse
movimento de terrorismo inflacionário foi muito claro em 2012 e
2013.
O terrorismo inflacionário cria volatividade nas taxas de juros
futuras. E o sistema financeiro ganha na volatividade, não tanto no
nível da taxa. Quando começam a criar o terrorismo inflacionário, as
apostas sobre as taxas de juros começam a ficar divergentes. É nessa
divergência de opiniões que se geram enormes oportunidades para
agentes do mercado financeiro ganharem dinheiro.
Por que os juros seguem elevados?
As LFTs (Letras Financeiras do Tesouro) fazem com que a taxa de
juros de curto prazo, usada pelo BC para calibrar a política
monetária, seja contaminada pela taxa de juros da dívida pública.
Assim, a taxa de juros de curto prazo, a selic, acaba sendo muito
próxima da taxa de juros dos títulos da dívida pública com longo
prazo de maturidade.
Isto é uma desfunção do mercado de dívida pública no Brasil; a curva
de rendimentos tem com pouca inclinação. Nos EUA, a taxa de curto
prazo está perto de 0% ao ano e a taxa de juros dos títulos de longo
prazo anda perto de 3% ao ano. Parte do problema do juro no Brasil
pode acabar se e quando o Tesouro Nacional zerar a parcela da dívida
pública indexada pela selic.
Se isso ocorrer, a taxa de juros de curto prazo poderá cair para níveis
internacionais em pouco tempo.
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