editorial ONDE AS BOMBAS NÃO EXPLODEM CARLOS VIANA - EDITOR CHEFE | [email protected] Este editorial foi escrito durante uma viagem de trem entre as capitais Paris e Londres. A qualidade dos serviços e a pontualidade que marcam um dos mais tradicionais meios de transporte da Europa contrastam com nossas indefinições diante dos vários desafios que temos para construir um país melhor para nossas futuras gerações. Ainda que estejamos diante de nações e culturas diagonalmente opostas, uma reflexão sobre a capacidade de realização e superação de desafios entre elas merece uma boa reflexão. Podemos, quem sabe, entender o quanto é possível avançar quando levarmos em consideração nossas vantagens naturais. E o leitor já sabe, desde o banco das escolas, que essas perspectivas favoráveis aos brasileiros nunca foram poucas. Então, voltemos aos vagões rápidos e confortáveis da Euroservice. O projeto de se vencer a distancia entre a organizada e encantadora ilha sob a regência da Corte Britânica e a alegre e envolvente cidade dos parisienses, utilizando um túnel escavado sob o Canal da Mancha, vem de longa data. Foi consumado a custa de bilhões de libras e euros e se tornou realidade por conta da determinação e o planejamento de dois povos que num passado remoto foram até inimigos mortais. Por conta da concorrência com os norte americanos, que se tornou desigual nas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial, os europeus tiveram de reorganizar as economias domésticas para, em seguida, recuperarem parte do terreno perdidos em vista das bombas e das impressionantes 25 milhões de vidas que tombaram nos combates ou foram atingidas pelos bombardeios entre os dois lados. Não será difícil ao leitor de Vox Objetiva acessar facilmente fotos da Segunda Guerra Mundial para entender claramente qual a amplitude da destruição que tomou conta do Velho Continente. Mas nem mesmo a guerra, o morticínio e a completa falência do sistema de produção industrial impediram que as principais nações envolvidas no conflito deixassem de prosperar. A Alemanha, que protagonizou o início das batalhas sangrentas, foi a que mais sofreu as consequências por conta das decisões de Hitler. Hoje, o país ostenta a posição de terceira maior economia do mundo. Por sua vez, a França contou com a sorte de não ter sua principal cidade destruída pela aviação germânica. No entanto, teve a economia seriamente prejudicada pelos anos de ocupação. Em 2011, os franceses também estão entre os mais desenvolvidos e influentes do mundo. E o que dizer dos britânicos chefiados por Winston Churchill? Como os ex-inimigos alemães, os anglo-saxões tiveram cidades inteiras arrasadas, entre elas, a capital Londres. Mesmo assim, estão entre os mais ricos dos dias atuais e a economia está entre as mais sólidas do planeta. Essa experiência histórica de superação tem semelhanças muito importantes, indiferentemente das línguas e das fronteiras. Podemos citar algumas sem nos delongar muito. Os três povos têm características idênticas quando analisadas as leis que punem severamente aqueles que agem em desacordo com o interesse público. As políticas de incentivo à pesquisa tecnológica, à produção e geração de empregos e o controle dos gastos públicos estão sempre em primeiro plano. Uma terceira, e fundamental, é a preocupação com a educação em todos os níveis. Os germanos investem quase três vezes mais que o Brasil na formação dos estudantes. A Inglaterra segue o mesmo caminho e a França não fica atrás de nenhum dos vizinhos.Quando colocados em testes comparativos aos colegas de outros países que nunca passaram por guerras no passado, entre eles, os nossos, os estrangeiros superam, em muito, as notas médias. Naturalmente, um dos primeiros questionamentos na comparação com o gasto brasileiro é a de que os europeus têm muito mais recursos para a aplicação que o “pobre” Brasil. Ledo engano. A matéria de Capa desta edição mostra que apesar do aumento expressivo nos gastos com a educação brasileira, nossos números ainda continuam ruins. Os alunos das escolas públicas de nosso país custam tanto quanto os colegas de outras nações mais desenvolvidas. Nem por isso competem em igual passo nos resultados. A reportagem de Lucas Alvarenga mostra que o orçamento para ensinar e preparar os novos brasileiros mais que dobrou nos últimos quinze anos e praticamente não avançamos. Mas o que nos falta então? Aqui está a diferença em relação aos países citados. Para cada R$ 10,00 gastos em educação no Brasil, pelo menos R$ 4,00 são desviados para gastos que podem incluir desde a corrupção na compra de merenda escolar, o pagamento de inativos ou, principalmente, uma grande quantidade de servidores administrativos que não têm ligações diretas com as salas de aula. O vício do cabide de emprego público persiste historicamente até em nossos centros de excelência, como as Universidades Federais, onde o custo por aluno equivale aos da Suíça, por exemplo. Ao contrário dos 128% de aumento nos gastos com a educação, os professores brasileiros continuam mal pagos, vivendo com salários baixos muitas vezes comparáveis aos de países africanos ou menos desenvolvidos. O resultado de todo esse sistema mal organizado e falho pode ser sentido na dificuldade das empresas em conseguir mão de obra qualificada para ocupar cargos em áreas que requerem melhor formação de conhecimento. Os dados do Ministério do Trabalho mostram que somente na região metropolitana de Belo Horizonte, milhares de postos de trabalho não encontraram candidatos com capacidade para o preenchimento. Na outra ponta, outros milhões de trabalhadores gostariam de deixar as profissões atuais em busca de novas oportunidades, mas não podem realizar o projeto por conta da má formação escolar na base do ensino. Basta lembrar que, segundo os dados do IBGE, seis em cada dez brasileiros não possuem a capacidade completa de ler e entender o que esta sendo lido por conta do pouco tempo de estudo. Portanto, a equação brasileira para melhorar o sistema público de ensino não se resolve apenas com mais dinheiro jogado sem controle em um sistema ineficiente e corrupto.E preciso uma reorganização urgente dos mecanismos de controle de gastos na área e políticas de incentivo ao resultado, como a de melhores salários diante de melhores notas, por exemplo. Não se trata aqui de se criar uma “educação mercenária”, mas de mostrar aos estudantes que quanto mais tempo em sala de aula e mais dedicação aos estudos, mais possibilidades de uma vida melhor e de mais progresso para o país. Também é preciso repetir, incessantemente, o discurso de melhores salários para os professores, mas também o de propor aos mestres compromissos com os resultados e com o constante aprimoramento das formas de ensinar. Precisamos acabar com a tradição de que, quando selecionados por concursos, logo em poucos anos guardamse em uma gaveta o compromisso com a carreira e o crescimento profissional e pessoal. A estabilidade que garante mais independência no trabalho é também a que permite a preguiça e a falta de compromissos. Não podemos, no entanto, tomar decisões como o vizinho Chile, que praticamente privatizou o sistema educacional nos anos 1980 e hoje se vê obrigado a retroceder porque tornou difícil aos mais pobres o acesso à formação superior. Precisamos aprender com os países destruídos pela guerra que souberam utilizar bem os recursos que restaram e definiram claramente o que desejavam para o futuro dos filhos. Reduziram o tamanho do Estado, sem perderem o controle da justiça social que permite aos mais humildes quebrar as barreiras da pobreza imposta às gerações anteriores. Precisamos educar o Brasil, não somente em relação às nossas crianças, mas, principalmente, na cobrança de mais compromissos por parte de nossos homens públicos. Educar é antes de tudo uma tarefa coletiva. Não apenas de governos. Passa pelas escolhas de projetos eleitorais que priorizem a educação, mas também pelo compromisso que devemos ter em repassar aos nossos filhos o desejo de vencer e tomar decisões que garantam um amanhã melhor para todos. Em países “educados”, as bombas não destroem a capacidade de superação dos povos.