ESTUDO SINÓTICO DE UM CASO DE CICLOGÊNESE NA COSTA SUL E SUDESTE DO BRASIL João Rafael Dias Pinto 1 , Rosmeri Porfírio da Rocha1 RESUMO: Existe um amplo conhecimento tanto da dinâmica como das condições de tempo associadas aos ciclones extratropicais, mas, que podem apresentar peculiaridades em função da região do globo onde se formam. Estudos recentes mostram o leste do sul e sudeste do Brasil como uma área favorável à formação de ciclones, região onde a baroclinia somada ao efeito dos Andes, contribuem para o desenvolvimento desses sistemas. O objetivo deste projeto é documentar, a partir de um estudo de caso, as condições sinóticas ao longo do ciclo de vida de um ciclone extratropical, que se formou no leste do sudeste do Brasil em agosto de 2005, e destacar parâmetros observacionais importantes para a sua previsão. O ciclone surgiu de um distúrbio baroclínico que se intensificou ao atravessar a cordilheira dos Andes, tornou-se barotrópico equivalente na fase madura e permaneceu assim até a sua dissipação. A formação desse ciclone impediu o avanço do sistema de alta pressão polar sobre o Brasil, mas não apresentou uma intensificação normalmente observada quando avançam sobre o oceano. ABSTRACT: There’s a large knowledge as much the dynamics as the weather conditions related to the extratropical cyclones, but they can have peculiarities associated to the world region where they can be formed. Recent studies showed the Brazilian Southern and Southeastern as favorable locations for the development of these systems. In these regions, the baroclinic instability added to the Andes effect contributes to it. This paper analyze and present, from a case study, the synoptic conditions through the lifetime of an extratropical cyclone that had formed at East-Southeastern of Brazil in August 2005, and to emphasize important observational parameters for its forecast. The cyclone emerged from a baroclinic disturb that had intensificated when it crossed Andes, and became barotropic equivalent in the mature phase and remained like that until its dissipation. The formation of this cyclone prevented the advance of a polar high pressure system over Brazil, but it didn’t show the intensification usually observed when cyclones go through the ocean. Palavras-Chave: Ciclones Extratropicais, Ciclogênese, Análise sinótica. INTRODUÇÃO Os ciclones de latitudes médias são os principais sistemas responsáveis não apenas pela mudança de tempo no dia-a-dia nestas latitudes, mas também no transporte de calor, umidade e momento, tendo assim o papel de um sistema de controle climático. É nos extratrópicos, região caracterizada pelo intenso contraste norte-sul de temperatura, onde se movimentam distúrbios de grande escala, denominados ondas baroclínicas. Estas ondas deslocam-se de oeste para leste, e associados a elas desenvolvem-se em superfície, os ciclones extratropicais, acompanhados dos sistemas frontais. A formação de ciclones extratropicais sobre o globo é determinada por diversos fatores, tais como, a distribuição de terra e mar, gradiente de temperatura e localização-orientação 1 Departamento de Ciências Atmosféricas –DCA/IAG/USP. Rua do Matão, 1226 – São Paulo, SP. Tel.: (11) 3091-2820. E-mails: [email protected], [email protected]. dessas zonas baroclínicas. Como os ciclones fazem parte do grupo dos fenômenos severos da escala sinótica, muitos estudos procuram determinar sua distribuição espacial e temporal, seu ciclo de vida e relações com a circulação geral da atmosfera. A costa leste da América do Sul é conhecida como uma região ciclogenética (Taljaard 1967; Gan e Rao 1991). Estudos mais recentes utilizando análises globais, como Sinclair (1994 e 1995), Reboita et al. (2005) confirmam trabalhos anteriores que mostram que na América do Sul as regiões mais favoráveis para o desenvolvimento de ciclones são: o Golfo de São Matias (42,5º S e 62,5º W) e Uruguai (em torno de 31,5º S e 55º W). Do ponto de vista dinâmico, a instabilidade baroclínica, devido ao gradiente meridional de temperatura, em ambas as regiões favorecem o desenvolvimento de ciclones. Particularmente, no Uruguai, o efeito orográfico por situar-se a leste dos Andes, soma-se à instabilidade baroclínica, propiciando ciclogênese. A conservação de vorticidade potencial do escoamento de oeste sobre as montanhas induz a formação de um cavado na média e alta troposfera a leste dos Andes (Bluenstein 1993) favorecendo, portanto, a formação dos ciclones em superfície. Climatologias mais recentes (Sinclair 1995, Reboita et al. 2005) têm indicado a região leste do sul/sudeste, ao norte de 30oS, sobre o oceano Atlântico, como outra área ciclogenética na América do Sul. O objetivo deste trabalho é documentar, a partir de um estudo de caso, as condições sinóticas ao longo do ciclo de vida de um ciclone extratropical, que se formou no leste do sudeste do Brasil em agosto de 2005, e destacar parâmetros observacionais importantes para a sua previsão. METODOLOGIA E DADOS Foram analisadas as imagens do satélite GOES-12, obtidas do CPTEC/INPE, no canal do visível no período entre o dia 7 e 13 de agosto de 2005 no horário das 12 UTC. Usaram-se também as reanálises do modelo global do NCEP (Kalnay et al. 1996) para o mesmo período, disponíveis através do site do Climate Diagnostic Center (NOAA-CIRES). Os campos analisados foram: pressão ao nível médio do mar, altura geopotencial em 500 hPa, componente vertical da vorticidade relativa, vento em 925 hPa, temperatura do ar em 1000 hPa e advecção de vorticidade em 500 hPa.. ANÁLISE E DISCUSSÕES Inicialmente, no dia 7 observou-se em 500 hPa um cavado de pequena amplitude, oriundo do oceano Pacífico, que se intensificou ao atravessar os Andes. No o dia 8 este cavado adquiriu uma forte inclinação para oeste sobre a Argentina e continuou seu avanço em direção ao sul do Brasil (Figuras não mostradas), onde existia um gradiente horizontal de temperatura em 1000 hPa de aproximadamente 0,015 K/km. Sobre o sul da Argentina havia a presença de um anticiclone intenso com 1038 hPa, centrado em 65º W e 40º S, onde no dia 09 às 12 UTC apresentou um deslocamento para leste situando-se ao sul de um cavado invertido em superfície, que se encontra a sudeste do litoral de São Paulo (Fig.1b). Associado a esse cavado existe uma ampla área de vorticidade relativa ciclônica. Em 500 hPa (Fig.1c) existia um cavado de grande amplitude com seu eixo inclinado para oeste com uma região de intensa vorticidade ciclônica (~ -8 x 10-5 s-1). Esse cavado apresentou uma baixa fechada em torno de 50º W e 30º S, e posicionou-se a oeste do cavado invertido em superfície. Com essa configuração existia um suporte dinâmico para a intensificação da baixa, uma vez que a leste do cavado existe divergência na média troposfera e por continuidade de massa convergência em baixos níveis, o que gerou movimentos ascendentes, podendo ser evidenciados pela extensa área de nebulosidade sobre o oceano (Fig.1a). Notou-se sobre o sul e sudeste uma redução do gradiente de temperatura de aproximadamente 0,007 K/km e intensos ventos de sudeste no Rio Grande do Sul e Santa Catarina (Fig.1d). a) Figura 1. Dia 9/08 às 12 UTC: a) Imagens de Satélite do GOES-12 no visível; b) Pressão ao nível do Mar (hPa) (isolinhas) e Vorticidade Relativa em 1000 hPa (10-5 s-1) (sombreado); c) Altura Geopotencial (isolinhas) e Vorticidade Relativa em 500 hPa (10-5 s-1); d) Vetor vento em 925 hPa e Temperatura do Ar em 1000 hPa (sombreado) Às 12 UTC do dia 11 observou-se a presença do fraco ciclone extratropical com centro de 1014 hPa, no estado maduro, que se manteve praticamente estacionário ao longo da costa sul do país do dia 10 ao dia 12/08. Acompanhando esse desenvolvimento teve-se a intensificação da vorticidade nos níveis baixos (Fig.2b). Na média troposfera o eixo do cavado adquiriu uma inclinação para leste com a altura, de modo que os centros de vorticidade e baixa pressão nos níveis mais baixos e médios se encontram praticamente alinhados verticalmente (Fig. 2c e 2b), tornandose barotrópico equivalente. O padrão de circulação ciclônica pode ser visualizado na Figura 2d, com ventos mais intensos nas regiões oceânicas e também pela configuração em espiral das nuvens que formavam o vórtice (Fig.1a). a) Figura 2. Dia 11/08 às 12 UTC: Idem ao anterior. Para o dia 13 às 12 UTC, notou-se a desintensificação da amplitude do cavado nos níveis médios bem como a do centro de baixa pressão em superfície (Fig.3b e 3c), marcando assim o decaimento do sistema. Uma vez que o sistema tinha atingido o estágio maduro com a oclusão da frente, observou-se a dissipação das bandas de nuvens que caracterizavam o vórtice, uma vez que há a interrupção da umidade disponível para o ciclone pelo movimento de ar seco para o centro do vórtice (Fig.3a). A circulação em baixos níveis não é mais observada, mas foi visível o papel desse ciclone no transporte de calor, pois se notou que o ar em latitudes em torno de 35 º S tornou-se mais quente (Fig. 3d) do que no período inicial da formação do ciclone (Fig.1d) pelo efeito da advecção quente. Através da figura 4, observou-se que a advecção de vorticidade negativa, à leste do cavado, para a região de formação ciclone foi bem mais intensa no estágio inicial, com valores próximos de -10-9 s-2 (Fig.4a). Essa advecção promoveu movimentos ascendentes de ar e conseqüentemente a redução de pressão em superfície e formação de nebulosidade. Conforme mostram as figuras 4b e 4c, nos estágios maduros e de dissipação a advecção tornou-se menos intensa. a) Figura 3. Dia 13/08 às 12 UTC: Idem ao anterior. Figura 4. Advecção de vorticidade ciclônica (10-10 s-2) e geopotencial em 500 hPa às 12 UTC: a) Para o dia 09; b) Para o dia 11 e c) Para o dia 13/08. As seções verticais de vorticidade relativa e vento meridional em 30º S mostram que no dia 9 às 12 UTC existe, em altos níveis, um máximo de vorticidade ciclônica (< -8x10-5 s-1) centrado em 50º W (Fig.5a), inclinando-se para oeste com a altura entre 1000 e 500 hPa caracterizando, assim, inicialmente, uma estrutura baroclínica nos níveis médios e baixos. Na Fig. 5b tem-se que os núcleos negativos de vorticidade estão alinhados em toda vertical mostrando o ciclone atingiu o estágio barotrópico equivalente. Passadas 48 horas há um desintensificação dessa vorticidade, mas ainda se mantém alinhada de 1000 a 200 hPa (Fig. 5c) Figura 5. Seções verticais de vorticidade ciclônica (10-5 s-1) e vento meridional (m/s) às 12 UTC: a) Para o dia 09; b) Para o dia 11 e c) Para o dia 13/08. CONCLUSÕES: Foi analisada a formação de um ciclone extratropical na costa leste do sul/sudeste do país. Esse ciclone foi responsável por fortes rajadas de ventos e por grandes ondas que atingiram a costa, causando grandes danos a algumas cidades litorâneas de Santa Catarina e Paraná (Folha de SP on-line, 10/08/2005). Verificou–se que a formação desse ciclone esteve associada à entrada de um cavado em níveis médios, que se intensificou ao atravessar os Andes. Inicialmente o ciclone possuía suporte dinâmico para a sua formação e intensificação, pois se situava à leste do cavado, região com intensa advecção de vorticidade ciclônica. Neste estágio possuía claramente uma assinatura baroclínica com forte gradiente horizontal de temperatura e inclinação com a altura, mas assim que o sistema atingiu a maturidade se tornou barotrópico equivalente, permanecendo assim até sua dissipação. AGRADECIMENTOS: Os autores do projeto gostariam de agradecer à FAPESP pela concessão da bolsa (Processo 06/51305-2) e também pelo financiamento dos projetos (Processos 03/06414-0 e 03/01271-6). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BLUESTEIN, H. B. 1993: Synoptic-dynamic Meteorology in Midlatitudes – Vol I. Oxford University Press. GAN, M. A. and B. V., RAO, 1991: Surface ciclogenesis over South America. Mon. Wea. Rev., 119, 293-302. KALNAY, E. e co-autores. NCEP/NCAR 40-year Reanalysis project. Bulletin of the American Meteorological Society, v.77, p. 437-471, 1996. REBOITA, M. S., R. P. DA ROCHA e T. AMBRIZZI, 2005: Climatologia de ciclones sobre o Atlântico Sul utilizando métodos objetivos na detecção destes sistemas. Anais do IX CONGREMET – Congresso Argentino de Meteorologia, 3-7 outubro/2005, Buenos Aires, Argentina. SINCLAIR, M. R., 1994: An Objective Cyclone Climatology for the Southern Hemisphere. Mon. Wea. Rev., 122, 2239-2256. ________, 1995: An climatology of cyclogenesis for the Southern Hemisphere. Mon. Wea. Rev., 123, 1601-1619. TALJAARD, J. J., 1967: Development, distribution and movement of cyclones and anticyclones in the Southern Hemisphere during IGY. J. Appl. Meteor., 6, 973-987.