Metabolismo e Endocrinologia Teórica: T5 Tema: Noções básicas sobre hormonas e sistema endócrino Classificação de hormonas Síntese, secreção e regulação de hormonas derivadas de aminoácidos, lipídicas e peptídicas Data: 23.03.2011 e 30.03.2011 Endocrinologia Molecular Hormonas e Sistema Endócrino - Noções Básicas Hormona - Qualquer substância no orgnanismo capaz de sinalizar uma alteração a nível celular. Alguns exemplos são os neurotransmissores, citocinas ou factores de crescimento. Estas podem ter diferentes tipos de acção. Funções Hormonais (fig. 1): Endócrina - a hormona é libertada para a corrente sanguínea e é reconhecida por receptores específicos no órgão alvo. Parácrina - a hormona é libertada no espaço intersticial e actua em células na vizinhança. Exemplos: transmissão sináptica e libertação de citocinas. Autócrina - a hormona actua na própria célula que a sintetiza. Figura 1 – Funções Hormonais Sistema Endócrino – sistema responsável pela secreção de hormonas para a circulação com o objectivo de regular as funções do corpo. É constituído por diferentes glândulas e células: Glândulas Endócrinas: Hipófise 1 Tiróide Paratiróideia Supra renal Pâncreas endócrino Órgãos reprodutores … 2 Células com secreção endócrina: Estômago Intestino Rim Timo Endotélio parótida … Sistema Endócrino - Hierarquia de sinais O esquema geral traduz o percurso desde a chegada do estímulo ambiental até à resposta hormonal final apresenta-se de seguida: Figura 2 – Representação esquemática da cascata de sinalização no sistema endócrino Primeiro, os estímulos ambientais (internos ou externos) são integrados ao nível do Sistema Nervoso Central em comunicação directa com o hipotálamo. O hipotálamo, por sua vez, liberta hormonas hipotalâmicas que actuam nos órgãos alvo primários (hipófise anterior e posterior). Por acção de factores de libertação/inibição produzidos no hipotálamo, a hipófise liberta hormonas directamente na circulação sistémica (exemplos: oxitocina e vasopressina) que vão actuar ao nível dos alvos secundários (em alguns casos, directamente nos alvos finais). Por último, os alvos secundários libertam hormonas que irão actuar nos alvos finais. 3 Regulação do sistema Endócrino: Loops de Regulação Os loops (ou ansas) de regulação (fig. 3) consistem num mecanismo de retrocontrolo negativo. Podem ocorrer a diferentes níveis: Ao nível dos alvos secundários (ansa longa): célula secretora periférica inibe a produção da respectiva trofina pela hipófise ou mesmo a síntese da hormona libertadora ao nível do hipotálamo; Ao nível dos alvos primários (ansa curta): a trofina libertada pela hipófise anterior inibe a sua produção ao nível do hipotálamo ou da própria hipófise; Ao nível do hipotálamo (ansa muito curta): a libertação dos factores hipotalâmicos pode ter um efeito autócrino e inibir a sua própria produção. Figura 3 – Loops de regulação Eixo Hipotálamo-Hipófise O eixo hipotálamo-hipófise (fig. 4) é uma interface entre o sistema nervoso e o sistema endócrino e é responsável pela função de várias glândulas endócrinas. O hipotálamo, por estimulação periférica, produz hormonas que actuam sobre a hipófise, um órgão endócrino que se subdivide em hipófise anterior (adenohipófise) e hipófise posterior (neuro-hipófise). A hipófise anterior é responsável pela regulação de processos como o stress, crescimento e reprodução. Actua por secreção de hormonas peptídicas cujos órgãos alvo incluem as glândulas suprarenais, fígado, osso, tiróide e gónadas. Apresentam-se de seguida algumas das hormonas sintetizadas e secretadas por esta secção da hipófise: Adrenocorticotrofina (ACTH), secretada por acção da hormona libertadora de corticotrofina (CRH); Hormona estimuladora da tiróide (TSH), secretada por acção da hormona libertadora de tireotrofina (TRH); 4 Hormona do crescimento (HGH ou somatotrofina), secretada por acção da hormona libertadora da hormona do crescimento (GHRH) e inibida pela somatostatina; Prolactina (PRL), também conhecida por hormona luteotrófica (LTH), secretada por acção de múltiplos factores libertadores de prolactina (PRH); Hormona luteinizante (LH), secretada por acção da hormona libertadora de gonadotrofina; Hormona foliculo-estimulante (FSH), também secretada por acção da hormona libertadora de gonadotrofina. A hipófise posterior é constituída por projecções do hipotálamo, sendo responsável pelo armazenamento e secreção de importantes hormonas como por exemplo: Oxitocina (hormona produzida no hipotálamo mas armazenada e secretada pela hipófise posterior); Hormona antidiurética (ADH), também conhecida por vasopressina (também produzida no hipotálamo mas armazenada e secretada pela hipófise posterior). Figura 4 – Principais hormonas intervenientes no eixo hipotálamo-hipófise Factores que determinam a acção de uma hormona ao nível da célula-alvo Os principais factores condicionantes de uma hormona ao nível da célula-alvo são: Concentração da hormona que atinge a célula alvo: taxa de síntese e secreção distância a que se encontra a célula alvo constante de dissociação entre a hormona/proteína de transporte no plasma conversão de uma forma inactiva ou menos activa da hormona numa forma biologicamente mais activa clearance plasmática 5 Resposta da célula-alvo: número, especificidade e selectividade do receptor metabolização da hormona (activação/inactivação) mecanismos de regulação do receptor após interacção com o ligando presença de factores adicionais necessários para a resposta à hormona Classificação de Hormonas As hormonas podem ser classificadas com base em diferentes factores bioquímicos: Composição química Solubilidade Mecanismo de acção Tipo de receptor que utilizam … Outros critérios de classificação: Glândula onde são sintetizadas Principal efeito fisiológico ... Com base no conjunto destes factores, as hormonas podem ser organizas em dois grandes grupos: As hormonas do grupo I (esteróides, iodotironinas, calcitriol e retinóides) são lipofílicas. Por este motivo, ao nível do plasma encontram-se associadas a proteínas de transporte, o que condiciona o seu tempo de vida (normalmente maior). São capazes de atravessar a membrana e conjugar-se com um receptor intracelular (citoplasmático ou nuclear), pelo que o mecanismo de acção é do tipo complexo hormona-receptor. A ligação da hormona ao receptor provoca uma alteração da conformação deste receptor, sendo este complexo hormona-receptor que afecta a expressão/transcrição de genes alvo. As hormonas do grupo II (polipéptidos, proteínas, glicoproteínas e catecolaminas) são hidrofílicas, circulando livres no plasma e possuindo um período de vida menor. São incapazes de atravessas a membrana celular, actuando em receptores a este nível e estimulando uma série de cascatas de sinalização com o envolvimento de mensageiros secundários (exemplos: cAMP ou cálcio). 6 Abaixo apresenta-se um quadro que sintetiza as características de ambos os grupos: Figura 5 – Quadro síntese das características dos dois grandes grupos de hormonas Classificação de hormonas segundo a sua composição química: Hormonas derivadas de aminoácidos Hormonas peptídicas: Péptidos Proteínas Glicoproteínas (resultantes de processos de glicosilação) Hormonas lipídicas Hormonas derivadas do ácido araquidónico (exemplo: prostaglandinas) Hormonas derivadas do colesterol (exemplos: cortisol, testosterona ou calcitriol) Hormonas Derivadas de Aminoácidos Hormonas derivadas do aminoácido tirosina Em primeiro lugar vamos concentrar-nos nas hormonas derivadas de aminoácidos e, mais concretamente, nas hormonas derivadas do aminoácido tirosina: 7 Figura 6 – Hormonas derivadas do aminoácido tirosina Iodotironinas Síntese de Iodotironinas No que toca à síntese destas hormonas existem duas regiões da tiróide a destacar: Gândula tiróide – região onde são sintetizadas as hormonas T3 (triiodotironina) e T4 (tetraiodotironina ou tiroxina); Folículos – constituídos por células foliculares rodeados por um colóide, onde ocorre a síntese, secreção e o armazenamento da tiroglobulina, uma glicoproteína de suporte para a produção das hormonas T3 e T4. A tiroglobulina, sendo uma glicoproteína, tem um mecanismo de síntese semelhante a todas as outras proteínas: é transcrita ao nível do núcleo, o RNA é traduzido ao nível do citoplasma e sofre uma glicosilação no retículo de Golgi. Depois, é transportada desde a zona mais basal da célula para a mais apical, onde é exocitada para o lúmen, sendo armazenada ao nível do folículo em forma de colóide. É constituída por duas subunidades idênticas e contém, no total, 115 resíduos de tirosina potenciais alvos de iodação. Figura 7 – Transporte de iodo para o interior da célula 8 . As iodotironinas possuem iodo na sua composição, sendo este essencial para a sua actividade. O iodo é captado por transporte activo na forma de ião iodeto ao nível da membrana basal da célula folicular (fig. 7). Esta possui a capacidade de concentrar iodo contra um forte gradiente electroquímico através de uma ATPase que transporta activamente o ião iodeto para o interior da célula. O iodo difunde, depois, até à superfície apical da célula folicular, onde se vão dar os passos seguintes da síntese das hormonas tiroideias: Iodação da tiroglobulina Primeiro, ocorre a oxidação do iodeto novamente a iodo (reacção catalisada pela tiroperoxidase, enzima que encontra ao nível da membrana apical) – reacção 1 da fig. 9. O iodo formado é depois transportado para o colóide, onde reage com os resíduos de tirosina presentes na tiroglobulina (fig. 8). Mediante a ocorrência de uma ou duas iodações dos carbonos do anel aromático, podem formar-se dois tipos de iodotirosinas – reacção 2 da fig. 9: Monoiodotirosina (MIT) - resultante da iodação do carbono na posição 3 Diiodotirosina (DIT) – resultante da iodação dos carbonos 3 e 5. Figura 8 – Iodação da tiroglobulina Figura 9 – Reacção de oxidação do iodeto a iodo (1); iodação dos resíduos de tirosina (2) A tiroglobulina passa, assim, a ser constituída por resíduos MIT ou DIT: Figura 10 – Iodação da tiroglobulina 9 Conjugação de iodotirosinas O passo seguinte é a conjugação das iodotirosinas presentes na tiroglobulina, novamente catalisada pela tiroperoxidase. Neste passo pode ocorrer a ligação de duas moléculas DIT, originando a T4 reacção 3 da fig. 11; ou a ligação de uma molécula DIT com uma MIT, formando a T3 ou, numa baixa percentagem, uma forma inactiva de T3 reversa (rT3) – reacção 4 da fig. 11. Figura 11 – Reacção de formação das hormonas T4 (3) e T3 (4) A tiroglobulina passa, assim, a estar ligada a várias moléculas de T3 e T4: Figura 12 – Conjugação de iodotirosinas Secreção de Iodotironinas As hormonas são libertadas e retiradas da tiroglobulina quando existir um estímulo para a sua secreção (fig. 13). Este estímulo chega por acção da TSH e provoca a reabsorção da tiroglobulina através de pinocitose de grânulos do colóide. As vesículas pinocitadas fundemse com os lisossomas e, através da acção de proteases e peptidases ácidas, há uma proteólise (degradação) completa da tiroglobulina nos seus aminoácidos constituintes. Ocorre, assim, a libertação de T3, T4 e rT3, mas também das iodotirosinas MIT e DIT, que ainda não estavam conjugadas para o citoplasma da célula. 10 Figura 13 – Secreção de iodotironinas As hormonas T3 e T4 são segregadas ao nível da membrana basolateral para o líquido intersticial onde atingem os capilares sanguíneos. Aqui conjugam-se com proteínas de transporte, sejam elas específicas, como a proteína de ligação à tiroxina, ou inespecíficas, como a albumina. É importante salientar que estas iodotironinas, apesar de sintetizadas a partir de aminoácidos, têm características lipofílicas e todo o seu mecanismo de acção e o modo como são transportadas incluem-nas no primeiro grupo de hormonas. Reciclagem de Iodo Os MIT e DIT não conjugados sofrem desiodação por acção de desiodases citoplasmáticas, libertando-se iodeto que passa a integrar um pool citoplasmático, podendo ser utilizado na iodação de tiroglobulina sintetizada de novo. Relação entre as hormonas T3 e T4 Ao nível da tiroglobulina, 2/3 do iodo encontra-se na forma das iodotirosinas MIT e DIT e os restantes 1/3 encontram-se na forma de T3 e T4 (no colóide, a relação entre estas duas hormonas é de 7:1). Portanto, a quantidade de iodeto que é captado é semelhante à quantidade de iodo que acaba por ser segregado sob a forma de T3 e T4 (2/3 do iodo, correspondente às iodotirosinas não conjugadas, é reciclado num ciclo interno ao nível da célula folicular da tiróide). Ao nível do plasma, a razão entre T3 e T4 é inferior àquela presente na tiroglobulina, o que implica que na célula folicular haja também, por acção de desiodases, conversão de T4 em T3. Ainda assim, temos maior quantidade de T4 em circulação do que de T3. Cerca de 80% de T4 é convertida em T3 ao nível de órgãos periféricos e das células alvo por desiodases periféricas. A hormona T3 possui uma actividade biológica superior à da T4. Regulação da síntese e secreção de iodotironinas A síntese das iodotironinas obedece à regulação pelo eixo hipotálamo-hipófise-tiróide (fig. 14). No hipotálamo, é produzida a hormona libertadora da tirotrofina (TRH), que actua ao nível da hipófise anterior, levando à libertação da tirotrofina (TSH), que, por sua vez, actua ao nível da tiróide. A regulação dá-se, assim, sobre este processo por um mecanismo de feedback negativo em que as hormonas circulantes (T3 e T4), na sua forma livre, actuam sobre a hipófise, diminuindo a síntese de TSH ou sobre o hipotálamo, diminuindo a síntese de TRH. Ao nível das células foliculares, a tirotrofina liga-se a receptores transmembranares acoplados à adenilato ciclase (enzima que cataliza a conversão de ATP a AMPc, um mensageiro secundário responsável pela transdução de sinais ao nível intracelular). A TSH tem um papel fundamental na regulação de vários processos, destacando-se os seguintes: Transcrição do gene da tiroglobulina e da tiroperoxidase; Processamento da tiroglobulina e a sua exocitose para o colóide; Captação de iodo por activação do transportador de iões iodeto; Rabsorção da tiroglobulina a partir do colóide; Proteólise da tiroglobulina e libertação de T3 e T4. 11e Figura 14 – Regulação da síntese secreção de iodotironinas Outro factor de regulação importante é a concentração de ião iodeto. Quando há carência de iodo, há uma diminuição do rácio DIT:MIT (se há menos iodo, dá-se menos iodação dos resíduos de tirosina) e, portanto, uma diminuição do rácio T4:T3. É de salientar que é o rácio entre as hormonas que diminui e não a quantidade total de iodotironinas produzida. Pelo contrário, um excesso de iões iodeto ao nível da célula folicular conduz a uma inibição da proteólise da tiroglobulina e, por conseguinte, a uma diminuição da síntese de T3 e T4. Regulação farmacológica Em situações de hipertiroidismo é possível actuar sobre qualquer um destes passos de regulação através de fármacos antitiroideus que se dividem em duas classes. Por um lado, existem compostos inibidores que actuam sobre a tiroperoxidase, impedindo a concretização das suas funções (iodação da tiroglobulina, oxidação do iodeto e conjugação das iodotirosinas). Por outro, existem os inibidores aniónicos que actuam sobre o transportador do ião iodeto, impedindo a captação de iodo pelas células foliculares (fig. 15). Figura 15 – Acção farmacológica sobre os processos de síntese de iodotironinas 12 Catecolaminas Síntese de Catecolaminas As catecolaminas são produzidas ao nível das células cromafínicas da medula supra-renal (a medula supra renal tem uma origem embriológica diferente das células do córtex: tem origem na crista neural e pode ser considerada como uma extensão do sistema nervoso simpático). A secreção destas células é essencialmente endócrina, embora se registe a produção e libertação de neurotransmissores ao nível das terminações e das sinapses nervosas. Figura 16 – Corte transversal da medula suprarenal, ilustrando as diferentes regiões A síntese de catecolaminas é o resultado de uma série de reacções (fig. 17), começando com a hidroxilação da tirosina a DOPA pela tirosina-hidroxilase. Esta é a etapa limitante e principal reguladora desta via. A DOPA é depois carboxilada a dopamina, uma cotecolamina com acção essencialmente local (não se encontra geralmente em circulação). A dopamina é transportada activamente para grânulos de secreção, onde se dá a sua conversão em noraepinefrina (ou noradrenalina) pela dopamina β-hidroxilase. Cerca de 15% da noraepinefrina é armazenada nestes grânulos, sendo que a grande maioria é difundida novamente para o citoplasma onde é convertida em epinefrina, por acção da enzima PNMT, uma metiltransferase. A epinefrina é finalmente incorporada em grânulos de armazenamento, sendo libertada quando há estímulo para secreção. 13 Figura 17 – Esquema reaccional da síntese de catecolaminas Assim, teremos grânulos que contêm epinefrina, que contêm noraepinefrina ou que contêm ambas as catecolaminas. No entanto, todos eles possuem ainda outros produtos como o cálcio, o ATP, nucleótidos, enzimas e uma importante proteína, a cromogranina A. Esta proteína é fundamental para o armazenamento das catecolaminas nas vesículas de secreção, pois regula o potencial osmótico e permite que elas sejam armazenadas. Secreção de Catecolaminas A secreção das catecolaminas ocorre em resposta a estímulos neuronais β-adrenérgicos ou colinérgicos, por aumento do cálcio intracelular (fig. 17). O cálcio promove a fusão das membranas das vesículas com a membrana da célula e a exocitose do conteúdo dos grânulos. Regulação da Síntese e Secreção de Catecolaminas Existem dois importantes mecanismos de regulação: Regulação da actividade da tirosina-hidroxilase, podendo esta ser inibida pelos produtos finais da via (noraepinefrina, epinefrina e dopamina) ou activada em situações de estímulação neuronal, aumentando a sua actividade e, consequentemente, a produção de catecolaminas. Regulação da indução da metil-transferase PNMT por parte de glicocorticóides (nomeadamente do cortisol, produzido no córtex supra-renal) que promovem selectivamente a conversão da norepinefrina em epinefrina. O cortisol libertado perfunde directamente a medula e estimula a acção da PNMT, levando ao aumento da produção de catecolaminas. Hormonas Peptídicas Síntese das hormonas peptídicas A síntese das hormonas peptídicas é idêntica à de qualquer proteína do nosso organismo: a sequência codificante do gene é transcrita dando origem a uma molécula de pré-mRNA que sofre splicing (podendo sofrer padrões de splicing alternativo), sendo este um importante passo de regulação. O mRNA, depois de processado, é transportado para o citoplasma onde é traduzido ao nível do RER, originando uma pré-pró-hormona. Esta, após clivagem do péptido-sinal, passa a designar-se de pró-hormona (uma pró hormona é um composto que precede uma hormona numa cadeira reaccional) e é armazenada em vesículas de armazenamento e de secreção. Esta pode ainda sofrer mecanismos de processamento adicionais tais como a clivagem, a proteólise parcial ou modificações pós-tradução como a glicosilação, fosforilação e acetilação até formar a hormona final (fig. 18). 14 Figura 18 – Esquema de reacções que levam à formação da hormona final Alguns exemplos de hormonas peptídicas são (fig.19): TRH (hormona libertadora da tirotrofina, tripéptido); ACTH (corticotrofina, polipéptido); Insulina (constituída por duas cadeias polipeptídicas); TSH, SH e LH (hormonas libertadas pela hipófise anterior com complexos graus de glicosilação) Figura 19 – Exemplos de hormonas peptídicas A partir de um gene podem ocorrer 4 processos para a produção de hormonas peptídicas (fig. 20): Um gene origina uma hormona (caso mais geral). Um gene codifica várias cópias da mesma hormona, tal como acontece com as encefalinas ou a TRH. Um gene codifica uma hormona e um péptido sem função hormonal. Como exemplo temos o caso da oxitocina (hormona) e da neurofisina I (proteína transportadora), ambas codificadas pela mesma sequência genética e produzidas a partir da pré-pró-oxitocina. 15 Existe ainda o caso extremo em que várias hormonas são codificadas a partir do mesmo gene. Temos como exemplo o caso da família POMC (próopiomelanocortina). O gene POMC é transcrito num mRNA, traduzido numa pré-pró-hormona designada por pró-opiomelanocortina. Esta pré-próhormona pode então sofrer diferentes padrões de clivagem e de glicosilação/acetilação, consoante o tipo de célula em que é produzida e o tipo de estímulo que recebe. Pode dar origem a nove péptidos diferentes com função hormonal, tais como: Corticotrofina Lipotrofinas β e γ Hormonas estimulantes do melanócito γ, α e β Endorfinas Encefalinas Figura 20 – Processos de síntese hormonal peptídica a partir de um gene Hormonas Lipídicas Consoante o composto que lhes dá origem, as hormonas lipídicas podem ser agrupadas em diferentes classes: Figura 21 – Classes de hormonas lipídicas 16 Síntese de Hormonas Derivadas do Colesterol Síntese de hormonas esteróides na supra-renal A esteroidogénese é o processo biológico pelo qual as hormonas esteróides são formadas a partir do colesterol e transformadas noutras hormonas esteróides. Este processo ocorre ao nível do córtex supra-renal. No córtex existem diferenças funcionais e bioquímicas, principalmente enzimáticas, que determinam que diferentes hormonas sejam produzidas na zona glomerulosa, fasciculada ou reticular. Independentemente do tipo de hormona esteróide, o processo inicia-se sempre com a conversão do colesterol a pregnenolona (fig. 23). O colesterol, proveniente essencialmente de lipoproteínas plasmáticas, é esterificado e armazenado em gotículas lípidicas citoplasmáticas. Quando ocorre estimulação pelo ACTH é activada uma esterase que reage com o colesterol e permite a sua passagem para as mitocôndrias. Este transporte entre o espaço intramembranar e a matriz mitocondrial é mediado pela proteína StAR (steroidogenic acute regulatory protein), sendo esta uma etapa limitante para a taxa de síntese. Aqui, uma enzima de clivagem da cadeia lateral contendo citocromo P450 (P450scc) converte o colesterol em pregnenolona (fig 24). A pregnenolona irá depois deixar a mitocôndria para originar os seus diferentes produtos finais. Figura 22 – Divisões do córtex supra-renal Figura 23 – Conversão do colesterol a pregnenolona 17 Figura 24 – Reacção de conversão do colesterol a pregnenolona Síntese dos Mineralocorticóides Para explicar o processo de síntese de mineralocorticóides recorre-se ao exemplo da aldosterona (principal mineralocorticóide). A síntese deste tipo de esteróides ocorre na zona glomerulosa e segue os seguintes passos (fig. 25): 1. A pregnenolona é convertida em progesterona pela acção de duas enzimas do retículo endoplasmático liso – 3βhidroxiesteroide desidrogenase e a Δ5,4 isomerase. É de notar que a zona glomerulosa não possui a enzima P450c17, responsável pelas actividades enzimáticas de 17α-hidroxilase e 17,20liase e, por isso, a reacção segue no sentido de formação de progesterona. 2. A progesterona é transformada em 11desoxicorticosterona (DOC), um mineralocorticóide activo na retenção de Na+, pela enzima 21-Hidroxilase. 3. A 11-desoxicorticosterona é convertida a corticosterona pela acção da 11βhidroxilase. Esta hormona apresenta uma actividade, ainda que fraca, de mineralocorticóide e actividade de glicocorticóide (é o principal glicocorticóide em animais que não produzem cortisol). 4. A corticosterona, por acção da enzima 18-hidroxilase ou da aldosterona sintase (funciona como hidroxilase e hidroxidesidrogenase), que está presente unicamente na zona glomerulosa, origina Figura 25 – Síntese da aldosterona finalmente aldosterona. 18 Síntese de Glicocorticóides Para explicar o processo de síntese de glicocorticóides recorre-se ao exemplo do cortisol (principal glicocorticóide humano) – figs. 26 e 27. A síntese deste esteróide requer a presença de 3 hidroxilases que se podem encontrar na zona fasciculada e reticular do córtex da glândula supra-renal. Estas hidroxilases actuam sequencialmente nos carbonos C17, C21 e C11. Se a posição C11 for a primeira a sofrer hidroxilação, a acção da 17α-hidroxilase deixa de ser possível e o composto seguirá para a formação de aldosterona. Os principais passos que levam à formação do cortisol enumeram-se de seguida: 1.A 17α-hidroxilase encontra-se no retículo endoplasmático liso e actua sobre a sobre a pregnenolona, formando 17-hidroxipregnenolona. 2.A 17-hidroxipregnenolona é transformada em 17hidroxiprogesterona; 3. A 17-hidroxiprogesterona é convertida em 11-deoxicortisol pela enzima 21Hidroxilase, uma enzima do retículo endoplasmático liso. 4.O 11-deoxicortisol é transportado para a matriz mitocôndria onde sofre acção da 11β-hidroxilase, sendo convertido a cortisol. Figura 26 – Cadeia de reacções para a síntese do cortisol Nota: A 17-hidroxipregnenolona, por acção da enzima 17,20-liase, poderá também ser convertida a diidroepiandrosterona. Esta é uma forma utilizada pela zona reticular (e por vezes pela zona fasciculada) para formar um precursor da testosterona (androgénio), no entanto apenas ocorre para uma pequena fracção de da 17hidroxipregnenolona, sendo pouco significativa. 19 Figura 27 – Síntese do cortisol Síntese de Androgénios A síntese de androgénios ocorre na zona reticular do córtex da supra-renal e segue uma sequência de reacções catalizadas por diferentes enzimas, tal como se esquematiza de seguida: Figura 28 – Esquema reaccional da síntese de androgénios Os processos de síntese, enzimas e compostos intervenientes destes 3 tipos de hormonas esteróides encontram-se sumariados no seguinte quadro: Figura 29 – Quadro resumo da síntese de hormonas esteróides 20 Regulação da Síntese e Secreção de Hormonas Esteróides na Supra-Renal A regulação da síntese e secreção de hormonas esteróides é feita pelo eixo hipotálamo-hipófise-supra-renal. A produção de corticosteroides é regulada pelo CRH (Corticotropic releasing hormone) libertada pelo hipotálamo que, por sua vez, actua sobre a adenohipófise, estimulando a libertação de ACTH (adrenocorticotrofina). Esta, por fim, actua sobre o córtex supra-renal, estimulando a produção de corticoesteróides. A actividade do córtex é intensificada por diversos estímulos com destaque para situações de stress, que induzem a libertação de CRH. Pelo contrário, a actividade do córtex é inibida por níveis elevados de corticosteroides (mecanismo de feedback negativo). Figura 30 – Regulação da síntese e secreção de hormonas esteróides na supra-renal Síntese de Hormonas Esteróides Masculinas e Femininas Esteroidogénese Testicular Os androgénios testiculares são sintetizados no tecido intersticial pelas células de Leydig. Tal como acontece na supra-renal, o precursor dos esteróides gonadais é o colesterol e a etapa limitante da taxa de síntese é a transferência do colesterol para a membrana mitocondrial interna, pela StAR. A conversão de colesterol a pregnenolona é também idêntica à da supra-renal, porém é catalizada pela LH. 21 A conversão da pregnenolona a testosterona depende das actividades enzimáticas desempenhadas pelas 3 proteínas assinaladas na fig.6 a azul, amarelo, e rosa. A pregnenolona pode ser convertida em progesterona pela via Δ4 (via da progesterona) ou pela via Δ5 (via da dihidroepiandrosterona) – fig. 31. No caso da espécie humana, a via principal é a via Δ5. Figura 31 – Esquema das vias Δ4 e Δ5 A dihidrotestosterona (DHT) é sintetizada a partir da testosterona em tecidos periféricos (como a próstata, a genitália externa e algumas áreas da pele). Nestes tecidos, a DHT é a forma activa da hormona pelo que aqui podemos considerar a testosterona uma pró-hormona. O processo de conversão é realizado por uma redutase e necessita da presença de NADPH (fig. 32). Figura 32 – Conversão de testosterona a dihidrotestosterona 22 Esteroidogénese Ovariana Os estrogénios são formados pela aromatização de androgénios, num processo complexo que envolve 3 etapas de hidroxilação, dependentes da presença de de O2 e NADPH (fig. 33). A androstenediona e a testosterona são produzidas pelas células da teca interna, sendo, depois, convertidas pela enzima aromatase, nas células da granulosa, em estrona e estradiol (sendo o 17β-estradiol o mais importante), respectivamente. A progesterona, precursor de todas as hormonas esteróides, é sintetizada e secretada pelo corpo lúteo como um composto hormonal final, pois tais células não possuem as enzimas necessárias para converter a progesterona noutras hormonas. Figura 33 – Esquema reaccional da esteroidogénese ovariana É de salientar que a síntese de estrogénios não é exclusiva dos ovários, estando também presente no tecido adiposo, fígado e pele. Estrogenização em situações fisiopatológicas: Obesidade: o excesso de tecido adiposo faz com que o número de aromatases que se encontram presentes neste tecido esteja aumentado, pelo que ocorre maior produção de estrogénios a nível periférico; Cirrose hepática: em situação de cirrose, a excreção de estrogénio endógeno encontra-se diminuída. Este factor, aliado à menor produção de SHBG (glicoproteína transportadora de hormonas sexuais), leva a um aumento dos níveis de estrogénio livre, o que vai permitir um maior grau de aromatização periférica. 23 Hipertiroidismo: o excesso de hormonas tiroideias estimula a produção exagerada de SHBG pelo fígado e a conversão de androstenediona em estrogénio e testosterona, pelo que os níveis de estrogénio se encontram aumentados. Envelhecimento: a produção de estrogénios a nivel periférico encontra-se aumentada de forma a tentar compensar a diminuição da sua produção a nível gonadal. No entanto, estes valores não são suficientes para atingir os níveis de estrogénio pré-envelhecimento. Regulação da Síntese e Secreção de Hormonas Esteróides Masculinas e Femininas Os níveis de hormonas esteróides masculinas e femininas sintetizadas são regulados pelo eixo hipotálamo-hipófise-testículo e eixo hipotálamo-hipófise-ovário, respectivamente. Quando os níveis desta hormona estão abaixo do normal, é libertada GnRH (hormona libertadora de gonadotrofina), estimulando a produção de FSH (hormona estimulante folicular) e LH (hormona luteinizante) pela hipófise, o que aumenta a produção hormonal. Pelo contrário, níveis altos de hormonas esteróides inibem a libertação de GnRH, FSH e LH, num mecanismo de feedback negativo. Síntese e Secreção de Calcitriol Ao contrário do que vimos até aqui, o calcitriol não é uma hormona esteróide, no entanto é também um derivado do colesterol. Calcitriol é o nome dado à forma activa da vitamina D (a vitamina D é, por isso, uma pró-hormona). O processo de síntese desta hormona é mediado pela intervenção de 3 órgãos (fig. 34): Pele Pequenas quantidades de vitamina D estão presentes em alguns alimentos (sobre a forma de vitamina D2), mas a maior parte deste precursor é formado na camada de Malphigi da epiderme, a partir do 7-dehidrocolesterol, por fotólise, dando origem à vitamina D3. Fígado A proteína de ligação à Vitamina D liga-se à vitamina D3 e transfere-a para o fígado, onde esta sofre hidroxilação, formando-se 25-hidroxivitamina D3. Esta hidroxilação é catalizada pela 25-hidroxilase, uma enzima presente no retículo endoplasmático cuja acção depende de magnésio, NADPH, O2 e um factor citoplasmático ainda não identificado. Rins A 25-hidroxivitamina D3 é um agonista (substância que, ao ligar-se a um receptor, desencadeia uma resposta por parte da célula) fraco, pelo que, nos rins, sofre uma hidroxilação na posição C1. Esta reacção ocorre nas mitocôndrias do tubo contornado proximal, através de uma actividade de monooxigenase que requer NADPH, Mg2+, O2 e três proteínas: flavoproteína (ferredoxina redutase renal), proteína com enxofre 24 e ferro (ferredoxina renal) e citocromo P450. Por fim, o calcitriol é secretado para os tecidos alvo (osso, intestino e rins). Figura 34 – Síntese do calcitriol Síntese de Derivados do Ácido Araquidónico O ácido araquidónico é um ácido gordo composto por 20 carbonos e três ligações duplas contido nos fosfolípidos, sendo obtido através da alimentação. No interior do organismo é armazenado na bicamada fosfolipídica das membranas celulares e é libertado por clivagem dos fosfolípidos por acção da fosfolipase A2, originando-se araquidonato e lisofosfolípidos. Dentro das hormonas derivadas do ácido araquidónico temos as prostaglandinas, prostaciclinas, tromboxanos e leucotrienos. Síntese das prostaglandinas, prostaciclinas, tromboxanos Por acção da prostaglandina sintase, o araquidonato origina o primeiro intermediário – a prostaglandina H2. Por sua vez, o araquidonato é convertido nos seus produtos finais - prostaciclinas, restantes prostaglandinas e tromboxanos por acção de prostaciclinas sintetates, psotaglandinas sintetases e tromboxanos sintetases, respectivamente. Síntese de Leucotrienos 25 Através de uma outra reacção, catalisada pela lipooxigenase, o araquidonato é convertido a HPETE (hydroperoxyeicosatetraenoic acid). Novamente por acção da lipooxigenase, o HPETE é convertido em leucotrieno A4. Este é um composto instável que mediante o tipo de enzima que sobre ele actua pode originar diferentes leucotrienos com uma composição mais estável (leucotrienos C4, D4 e E4, por exemplo). Figura 35 – Síntese de derivados do ácido araquidónico Estas hormonas possuem uma acção autócrina e parácrina, actuando ao nível da estimulação da contracção do músculo liso, biossíntese de hormonas esteróides, secreção de suco gástrico, resposta inflamatória, agregação plaquetária, entre outros. 26