Metabolismo e Endocrinologia Teórica: Seminário Tema: Obesidade Data: 13.04.2011 Obesidade Avaliação da Obesidade A classificação atual para a obesidade vem da Organização Mundial de Saúde (OMS) e baseia-se no Índice de Massa Corporal (IMC). Esta classificação é extremamente objetiva e simples de efetuar, e há uma correlação relativamente forte entre obesidade e problemas, nomeadamente do foro cardiovascular. Contudo, indivíduos com um elevado IMC não são necessariamente obesos, como aqueles que possuem uma grande massa muscular. Ilustração 1 - Classificação, segundo o IMC, pela OMS. Existem outras formas de “medir” a obesidade: Medir o perímetro abdominal, que avalia a gordura visceral; Bio impedância – a gordura é mais isolante que o músculo, pelo que aparelhos que façam uma medição da impedância interpretam as medições de impedância e do peso e inferem acerca da obesidade. A percentagem normal de gordura no corpo é de cerca de 30%, embora as mulheres apresentem um valor ligeiramente superior ao dos homens; Medição da hemoglobina glicosilada – o eritrócito tem um período de vida de cerca de 3 meses. Se, nesses 3 meses, existir muita glicose em circulação, a glicose reage com os resíduos de lisina e arginina da hemoglobina, glicosilando-os. Teorias sobre o controlo da massa corporal Existem 3 formas para o organismo lidar com uma componente calórica excessiva na dieta: Conversão do excesso calórico em lípidos e, consequente, armazenamento nos adipócitos; Gasto do excesso através de exercício físico adicional; Gasto do excesso por termogénese, através do desacoplamento mitocondrial. 1 Ilustração 2 - Efeito do excesso de peso ou défice de peso no metabolismo. Nos anos 40 a 50 surgiram 3 teorias que procuravam explicar como ocorria a manutenção da massa corporal: Teoria Ano em que surgiu Autor da Teoria Em que consiste a teoria Teoria Termoestática Teoria Glicoestática Teoria Lipoestática 1948 1953 1953 Brobeck Os animais comem de modo a manter uma temperatura corporal constante. Sempre que é necessário produzir mais calor, o animal come mais, sendo o contrário igualmente válido. Mayer Kennedy As reservas energéticas sob a forma de gorduras A glicémia regula a armazenadas regulam alimentação por um de algum modo o SNC mecanismo de de forma a controlar a retroação. homeostase energética de longa duração. Leptina Os efeitos da leptina foram estudados através de experiências de parabiose. Nestas experiências foram utilizados modelos com dois ratos, ligados cirurgicamente de modo a que houvesse uma circulação conjunta de ambos, ou seja, que o sangue que circulasse num também circulasse no outro. Uma das experiências que estabeleceram os efeitos da leptina envolvia dois ratos em que a produção de leptina estava ausente. A um dos ratos foi posteriormente administrada leptina e ao outro não. O rato administrado com leptina estabelece as propriedades normais fisiológicas, enquanto o rato em que não foi administrada leptina tem um apetite descontrolado, que leva à obesidade, uma incapacidade de manter a temperatura corporal e incapacidade de se reproduzir (Ilustração 3). 2 Foi explicado o surgimento e a relação destes acontecimentos com a leptina. A leptina é produzida no adipócito. Um aumento no tamanho do adipócito e no número de adipócitos está associado a um aumento de peso, o que vai levar a um aumento da produção de leptina. Esta vai atuar no hipotálamo, diminuindo o consumo alimentar e aumentando o Ilustração 3 - Efeitos da leptina administrada a animais sem produção dessa substância. Ao rato da direita foi administrada leptina, enquanto ao rato da esquerda nada foi administrado. gasto de energia (mensagem de comer menos e metabolizar mais). Uma diminuição do tamanho dos adipócitos leva a uma diminuição da produção de leptina e trará a mensagem contrária. Ilustração 4 - Efeito da massa corporal na produção de leptina e consequente mensagem produzida pelo hipotálamo. Para além da mensagem contrária em termos de consumo alimentar, controlo da temperatura e gasto de energia, há também uma diminuição das funções reprodutivas. Isto porque evolutivamente um animal com as reservas lipídicas baixas está associado a períodos de fome. Estando num período de fome, numa altura do ano ou num ecossistema em que não há comida suficiente, não fará sentido ou não será evolutivamente vantajoso haver reprodução nesta situação. O adipócito acaba por, com a produção de leptina, causar uma ação ao nível do próprio adipócito, mas mediada pelo hipotálamo, ação esta em que a hormona envolvida é a norepinefrina, que vai aumentar a produção de termogenina e doutras UCP (Proteínas Desacopladoras), de modo a desacoplar a cadeia transportadora de electrões da produção de ATP e levar à dissipação/gasto das reservas lipídicas sobre a forma de calor. Este gasto lipídico não está associado a uma necessidade de produção de calor, mas sim a uma necessidade de diminuir a massa corporal. 3 Ilustração 5 - Efeito conjunto da leptina e norepinefrina. Ilustração 6 - Cascata de sinalização da leptina. 4 Numa experiência de parabiose, recorreu-se a dois ratos com genótipos associados a alguma deficiência na leptina ou no seu mecanismo de ação. O rato ob, que é obeso, foi ligado cirurgicamente a um rato normal. Observou-se, ao fim de algum tempo, que o rato ob tinha uma diminuição de massa corporal que continuava até ter a mesma dimensão e massa corporal que o rato saudável. Em contrapartida, quando se fez a mesma experiência com um rato com outra mutação que se chama db, não havia a diminuição da massa corporal do rato obeso, mas sim do rato normal, levando mesmo à sua morte (Ilustração.6). Ilustração 7 - Experiência de parabiose. Com base nestes resultados concluiu-se que: O genótipo ob é responsável pela ausência de produção de leptina. Um rato sem leptina tem um aumento da massa corporal e torna-se obeso pela falta dessa substância. Ao ligar-se ao rato normal, este fornece-lhe leptina, o que faz diminuir a sua própria massa corporal, sem alterar a massa do rato normal. O genótipo db apresenta uma deficiência do recetor da leptina, o que provoca obesidade no respetivo rato. Os níveis de leptina em circulação são elevados devido à produção pelos adipócitos e incapacidade da ligação da leptina ao respetivo recetor, originando uma resposta nula à substância em circulação. O rato normal passa então a ter níveis excessivos de leptina e, ao contrário do rato com a deficiência, consegue responder a esses níveis e acaba por perder massa corporal em demasia, o que pode levar à sua morte. Ligando o rato ob e o rato db verifica-se que o rato db não sofre qualquer alteração mas o rato ob diminui de massa corporal pois o db produz elevados níveis de leptina que conseguem atuar no rato ob. Estas experiências esclareceram o funcionamento da leptina e dos processos orexigénicos (que despertam o apetite), anorexigénicos (que induzem a perda de apetite), adipogénicos (que estimulam a acumulação de lípidos nos adipócitos) e adipostáticos (que diminuem a quantidade de lípidos acumulados nos adipócitos). 5 Outras Hormonas Envolvidas no Mecanismo Fisiológico de Regulação da Massa Corporal Posteriormente à leptina foram descobertas outras substâncias importantes na regulação da massa corporal: Hormona Ano da Descoberta Origem da palavra Processo de Formação Local de Formação Estímulo de Formação/ Libertação Estímulo de Inibição da Produção Efeitos Classificação Observações Grelina Obestetina 1999 2005 “Ghre” – palavra de origem europeia; “Ghr” – Growth Hormone Release A grelina é sintetizada como uma pré-pró-hormona e a parte que é clivada (terminal carboxilo) para a libertação da grelina ativa (é ativa após acilação) origina a obestatina. Estômago, células épsilon do pâncreas e Estômago, células do intestino hipotálamo Esvaziamento gástrico; Há picos de libertação associados às horas normais das refeições (quando o estômago está vazio, imediatamente antes das refeições), que vão conduzir à sensação de fome e preparar o processo digestivo. Estômago cheio (induz também a sensação de saciedade) Aumenta a produção da hormona do crescimento; Provoca sensação de fome; Estimula a produção de ácido pelo estômago; Estimula o crescimento celular normal da mucosa do estômago, intestino e cólon; Induz a produção de pepsina. Orexigénica e Adipogénica Existe complementaridade de ações entre a grelina e a leptina, e ainda entre a insulina. O péptido Y3-36 produzido no cólon vai atuar ao nível dos neurónios orexigénicos, mas inibindo a produção de neuropéptido Y, em vez de ativar, como acontece com a grelina. - Potencial redução do apetite; Anorexigénica Os direitos comerciais pertencem à Johnson&Johnson que tem ensaios clínicos com vista à potencial utilização para o tratamento da obesidade. 6 Ilustração 8 - Picos de libertação da grelina. Ilustração 9 - Mecanismo de atuação da grelina. Hormona Ano da Descoberta Processo de Formação Local de Formação Processo de Atuação Adiponectina Nesfatina-1 1996 2006 - Produz-se via PPAR Adipócito Hipotálamo A adiponectina liga-se a um recetor de membrana que vai aumentar o AMP intracelular e é ele que vai ativar esta AMPK. Esta cinase será a responsável pelas diferentes funções metabólicas. - 7 Efeitos Condiciona o metabolismo lipídico, através da ação da AMPK na Acetil-CoA carboxilase. A AMPK vai, ao ser ativada pela adiponectina através do aumento da concentração de AMP, fosforilar e, consequentemente, inativar a Acetil-CoA carboxilase, que promove a formação de um malonil-CoA a partir da carboxilação da acetil-CoA, sendo o malonil-CoA o precursor da síntese de ácidos gordos que fica assim diminuída; Aumento da β-oxidação; Outros efeitos descritos na tabela seguinte. Classificação Adipogénica Anorexigénica e Adipostática Observações É uma proteína de 200 aminoácidos (maior que a maioria das hormonas). Outra particularidade reside no seu complexo processo de oligomerização, relacionado com o seu mecanismo de ação, embora não se saiba ao certo a forma que contribui mais para a atividade biológica e se é só uma das várias formas que pode assumir. Poderá ser um monómero da adiponectina; os monómeros podem associar-se em trímeros por ligações não covalentes, e cada um destes trímeros pode associar-se em hexameros por pontes dissulfito; pode ainda formar oligómeros de maior número por associação destes hexameros. - Diminui o apetite; Diminui a produção de tecido adiposo. Os principais efeitos da adiponectina são: Ao nível do músculo Ao nível do fígado Ao nível do coração Aumento do uptake de glicose (por ativação da GLUT-4); Aumento da β-oxidação (conforme descrito anteriormente); Diminuição da síntese de glicogénio; Aumento da entrada de ácidos gordos. Diminuição da expressão fosfoenol piruvato carboxicinase e da glicose-6-fosfatase. Estas são enzimas-chave na gliconeogénese. São duas das enzimas que são reguladas e a diminuição da sua expressão resulta na diminuição da produção de glicose através da gliconeogénese; Diminuição da entrada de ácidos gordos e do conteúdo em triacilgliceróis. Os efeitos são naturalmente semelhantes aos do músculo (aumento da entrada de glicose, aumento da entrada de ácidos gordos e aumento da β-oxidação). 8 Ilustração 10 - Formas da adiponectina. O catabolismo e o anabolismo lipídicos estão compartimentalizados celularmente. A degradação pela β-oxidação ocorre na matriz mitocondrial, enquanto a síntese de ácidos gordos ocorre no citosol. A entrada (ou não) de ácidos gordos para a matriz mitocondrial vai ser dependente dos níveis de malonil-coA. Com o seu aumento, haverá uma promoção da síntese de ácidos gordos e uma inibição da entrada de ácidos gordos para a mitocôndria com consequente diminuição da β-oxidação. Esta entrada é mediada pela carnitina aciltransferase I. Ao haver a inibição da acetil-CoA carboxilase pela adiponectina há uma inibição da produção de malonil-coA, com o consequente levantamento da inibição da entrada dos ácidos gordos para a matriz mitocôndrial ocorrendo assim um aumento da β-oxidação e diminuição da síntese de ácidos gordos. Ilustração 11 - Inibição da Acetil-CoA Carboxilase (ACC) pela adiponectina. 9 Adiponectina, Obesidade e Diabetes Tipo II Muitos estudos têm relacionado a adiponectina com a obesidade e a diabetes tipo 2. A ligação frequente entre estas duas últimas situações pode em grande parte resultar do envolvimento da adiponectina nos dois processos. Alguns dos estudos que apontam neste sentido demonstram que os indivíduos obesos ou com diabetes tipo 2 têm níveis menores de adiponectina. Portanto, na obesidade há um aumento da produção de leptina, devido ao aumento dos adipócitos, e uma diminuição simultânea da produção de adiponectina. Estas duas hormonas adipocitárias têm controlos de produção diferentes. Demonstrou-se também que: Ratos com alteração no gene da adiponectina têm uma menor resposta à insulina; Medicamentos para o tratamento da diabetes tipo 2 aumentam a expressão de adiponectina; O exercício físico ajuda na prevenção da obesidade e da diabetes tipo 2, ativando também a AMPK e a resposta à insulina. Peroxisome Proliferator-Activated Receptors (PPAR) Os PPAR são recetores nucleares que respondem a alterações da ingestão de lípidos. Os seus ligandos fisiológicos são lípidos ou derivados de ácidos gordos, como os leucotrienos, prostaglandinas, etc. Vão resultar na expressão de genes-chave para os metabolismos lipídico e glicídico. Existem vários tipos deste recetor: PPARα – primeiro a ser conhecido; ativa a β-oxidação e cetogénese nos hepatócitos; PPARγ – o mais estudado até à atualidade; é expresso no fígado e tecido adiposo e ativa a diferenciação de fibroblastos em adipócitos; leva à formação de novos adipócitos; aumenta a síntese de lípidos e o seu armazenamento em adipócitos. PPARδ/ PPARβ – no qual se deposita a maior esperança para o tratamento da obesidade; atua no fígado e no músculo e ativa a transcrição de proteínas da βoxidação e a expressão de proteínas desacopladoras. Induz a termogénese, de modo que ratos com uma ativação permanente deste PPAR não se tornam obesos ou diabéticos, mesmo com deficiências no recetor da leptina ou com uma dieta excessivamente lipídica. Se essa deficiência se associar a uma ativação permanente do PPAR, esses ratos não ficam diabéticos uma vez que a ativação deste PPAR é suficiente para contrabalançar essa deficiência na leptina. A PPARβ era conhecida em xenopus, uma espécie de sapos utilizado em experimentação animal. Mais tarde comprovou-se que PPARβ e δ eram o mesmo. Em artigos δ e β surgem um pouco indefinidos, sendo que nos EUA não se usa a designação β, enquanto que na Europa aparecem as duas. 10 O mecanismo de transdução de sinal destes recetores envolve uma molécula denominada RXR (Retinoid X Receptor) (Ilustração 12). Os PPAR são recetores existentes no citosol, sendo que a ligação de um ligando, fisiológico ou exógeno (como um medicamento para o tratamento da obesidade), leva à formação de um heterodímero com um RXR, exatamente da mesma forma como acontece para T3 e para a vitamina D, o que resulta na sua entrada para o núcleo, ligação a elementos de resposta culminando na expressão de diferentes genes. Ilustração 12 - Mecanismo de transdução de sinal do PPARγ. A ativação da PPARγ levará a um aumento da resposta à insulina. Tem-se uma diminuição da gordura (adiposidade visceral) e um aumento da libertação de fatores que sensibilizam o tecido para a resposta à insulina – contrariam a diabetes tipo 2 – e a diminuição da expressão, ou da ação, de elementos de resistência à insulina. Obesidade Visceral As células adiposas produzem mediadores que regulam aspetos associados tanto à diabetes, como à resistência à ação da insulina nos órgãos metabólicos, como ainda aos efeitos cardiovasculares e inflamatórios. Esta regulação é especialmente importante no contexto de obesidade visceral, cujo padrão é mais típico de patologia cardiovascular, essencialmente quando a nível dos epíploons. Por obesidade visceral entende-se intra-abdominal e em grande quantidade; obesidade em forma de pera com dilatação do abdómen muito marcada. É o facto de haver essa obesidade visceral que induz todo este tipo de respostas, destacando-se o facto de haver diabetes (começa essencialmente com intolerância à glicose) mesmo que a pessoa não tenha a doença à partida, patologia cardiovascular, doença inflamatória, fenótipo prótrombótico e disfunção Ilustração 13 - Respostas induzidas pela obesidade visceral. endotelial (Ilustração 13). 11 A razão pela qual a obesidade visceral induz todas estas respostas deve-se à localização das células endoteliais. A vascularização dos epíploons é feita a partir das artérias mesentéricas e a drenagem venosa a partir das veias mesentéricas e sistema porta. Isto significa que, enquanto todas as outras células adiposas do organismo produzem mediadores (destaque para a leptina e para a adiponectina) que se diluem na circulação sistémica, todos os produtos produzidos a nível da célula adiposa na circulação mesentérica vão ser concentrados a nível da circulação porta hepática e vão atuar sobre o fígado a uma concentração muito superior ou muito inferior daquela que estará subjacente à circulação sistémica, com destaque para os mediadores metabólicos, os mediadores pró-inflamatórios, hormonais e também a leptina. Tudo isto vai induzir uma situação de alteração dos padrões metabólicos da célula hepática, conjuntamente com os efeitos sistémicos que também ocorrem, ocorrendo resistência à ação da insulina, diabetes tipo 2, um padrão pró-inflamatório (marcado pelas proteína de fase aguda produzidas a nível no fígado, como a PCR) e patologia cardiovascular associada à hipertensão, à alteração/disfunção endotelial e à disfunção pró-trombótica. Em termos práticos representa risco de doença cardiovascular, com administração de aspirina, controlo da pressão arterial, monitorização e controlo dos níveis de colesterol, tal como da diabetes, com dieta e exercício físico. Isto representa também as linhas gerais de um tratamento da obesidade, que incluem um conjunto de vias terapêuticas farmacológicas ou não, sendo as de maior importância as não farmacológicas, que vão ser modeladas pelo IMC. A terapia seguida depende da gravidade da obesidade: No excesso de peso normalmente não se realiza uma grande terapêutica em termos de intensidade, exceto se houver comorbilidades (outra doença; fatores de risco que existam simultaneamente e que possam agravar o prognóstico desta doença). Assim, em termos da obesidade, se uma pessoa já tiver à partida uma patologia cardiovascular, por exemplo, insuficiência cardíaca, e se tiver diabetes, patologia prótrombótica, ou hipertensão, são fatores de risco que podem agravar o prognóstico da obesidade e vice-versa. A partir de um certo excesso de peso começa-se a atuar se houver comorbilidades, mas normalmente atua-se só com dieta, exercício e psicoterapias. A partir de obesidade pode começar a intervir-se em termos farmacológicos. Em casos de obesidade excessiva e mórbida, pode avançar-se para terapêuticas cirúrgicas. A obesidade agrava as cormobilidades o que representa um fator de grande importância. Além destas existem também as complicações metabólicas da obesidade. Tratamento da Obesidade Ao aparecer um doente com obesidade deve ser seguido um determinado algoritmo. Tentar inicialmente pensar “o que será esta obesidade?”, uma vez que esta não é apenas resultante de um excesso de ingestão de alimentos. A obesidade tem outras causas: Em termos endócrinos pode haver uma alteração da função tiroideia, como hipotiroidismo, e ser algo muito simples de tratar; No hipercortisolismo, ou doença de Cushing, a obesidade tem determinados padrões específicos; 12 Um obeso que está constantemente a alimentar-se por necessidade, caso contrário faz hipoglicémias, pode ter um insulinoma, ou seja, um tumor das células β dos ilhéus de Langerhans, que o leva a produzir excessivas quantidades de insulina, pelo que está constantemente em hipoglicémia. Tem, portanto de haver uma constante ingestão de glícidos para fazer a compensação. Importa também fazer a diferenciação com outras patologias não endócrinas. Por exemplo, um indivíduo com insuficiência cardíaca, com edema generalizado, tem um aumento do volume, mas não é obeso. Um indivíduo com cirrose hepática pode aparecer com ascite, com um aumento de volume abdominal, mas também não é obeso. Na árvore de decisão, importa salientar as medições do IMC e das circunferências. A avaliação destas medições objetivas conjugada com os já referidos fatores de risco permite uma tomada de decisão em relação a se é suficiente uma abordagem baseada em psicoterapia, dieta e exercício ou se serão necessárias medidas farmacológicas. Abordagens para o tratamento da obesidade: Dieta Exercício Físico Cirurgia Evitar lípidos como ácidos gordos. O fígado sintetiza ácidos gordos e colesterol, exportados sob a forma de lipoproteínas VLDL, a partir de acetilCoA, proveniente da glicose absorvida. Estas lipoproteínas, em conjunto com a própria glicose que pode originar ácidos gordos e TAG, são fornecidas ao tecido adiposo periférico, aumentando-o. A ingestão de proteínas deve ser também controlada para que não ocorra a intoxicação do organismo com compostos azotados. O pequeno-almoço deve ser composto por uma boa qualidade nutricional, rica em nutrientes de consumo longo, que seja cerca de 20 a 35% do aporte calórico diário. Devem evitar-se refeições demasiado abundantes, visto que estas induzem uma maior deposição de lípidos. O ideal é fazer 7 refeições por dia, com um controlo de quantidade por cada refeição, para evitar a deposição de reservas lipídicas e menos picos de glicémia. O indicado é um exercício aeróbio, de baixa intensidade e de longa duração, que dê tempo ao organismo para começar a mobilizar ácidos gordos de forma a consumir as reservas lipídicas em vez de consumir glicose via anaeróbia. Por outro lado, não se pretende uma grande intensidade, porque são pessoas com excesso de peso e pode ser induzido o aparecimento de problemas cardiovasculares agudos nestas situações. Se não for possível mudar os hábitos, a manutenção do exercício funcionando de forma preventiva relativamente à obesidade. A colocação de uma banda gástrica altera os padrões de produção de péptidos como a grelina e o péptido Y e é feita via laporoscópica. São realizados dois ou três orifícios e depois o controlo é feito por fibra óptica. O antro é suturado ao esfíncter esofágico superior, para aumentar a capacidade de retenção, e coloca-se uma banda em que se aumenta gradualmente o nível de constrição, para diminuir a capacidade de retenção de alimentos no estômago. A técnica Y de Roux consiste em fazer um bypass que liga diretamente a saída 13 Farmacologia do esófago ao jejuno. Os alimentos entram pelo estômago, mas vão diretamente para o jejuno. Exige uma cirurgia mais invasiva que a banda gástrica mas funciona porque evita absorções ao nível do duodeno. Existem fármacos para diabetes como a acarbose (com efeitos adversos como flatulências e diarreis osmóticas) que inibem a absorção de glicose a nível do tubo digestivo. A glicose é metabolizada pelas bactérias do tubo digestivo e depois excretada. O xenical inibe a lípase pancreática e impede a metabolização dos triacilgliceróis, não ocorrendo a sua absorção na mucosa intestinal. São eliminados pelas fezes, originando uma esteatorreia (diarreia rica em lípidos). As anfetaminas têm como efeito secundário a perda de apetite. Existem fármacos que fazem o bloqueio dos recetores canabinóides do tipo 1 para diminuir o peso. A atuação nestes recetores é explicada mais detalhadamente em seguida Ilustração 14 - Abordagens cirúrgicas ao tratamento da obesidade. Recetores Canabinóides O organismo tem sistemas neuronais e não neuronais em que o transmissor são canabinóides endógenos, e que um dos seus efeitos é a interferência significativa nos mecanismos de saciedade e fome. A ativação dos recetores canabinóides, nomeadamente do recetor tipo 1, vai induzir um conjunto de efeitos variados: Aumento da fome e do aporte de comida a nível central (food motivation); Aumento da entrada de alimentos a nível gastro-intestinal; Aumento da lipogénese hepática; Aumento da diferenciação e crescimento dos adipócitos; Diminuição do consumo de energia para produção de calor e da β-oxidação; Diminuição da produção de adiponectina; Aumento da resistência à ação da insulina no pâncreas endócrino; Diminuição do consumo de energia a nível muscular. 14 O estímulo endógeno ou exógeno dos recetores canabinóides vai induzir um aumento de peso, sendo a sua inibição um alvo de ação farmacológica. O bloqueio dos recetores canabinóides do tipo 1 levaria à melhoria do peso, nomeadamente no que diz respeito às células adiposas viscerais, à melhoria dos padrões de dislipidémias, à melhoria do padrão de resistência à insulina assim como à melhoria do metabolismo glicídico. Um dos efeitos adversos desta terapia é a depressão. Terapêuticas Erradas Se há um aumento do peso, há também um aumento do consumo de energia, um aumento das hormonas tiroideias e do tónus simpático. Se há peso baixo, diminui o consumo basal de energia, não esquecendo os efeitos da leptina no controlo do peso: o controlo excessivo pode alterar os padrões de produção de leptina, contrabalançando esse mesmo controlo. Algumas cápsulas receitadas que realmente fazem emagrecer, podem ser verdadeiros cocktails de: Hormonas tiroideias – consomem energia; Extratos de Hipófise – contribuem para a síntese de mais hormonas tiroideias a partir da TSH; Anfetaminas – diminuem o apetite; Diuréticos – ajudam a perder água. Uma dieta excessiva vai também levar à perda de 2/3 kg nos primeiros dias. O efeito dá-se essencialmente no músculo, sendo o peso perdido em água. Como a proteína muscular é hidrofílica e acumula muita água, ao contrário dos lípidos que são hidrofóbicos, a sua degradação para a produção de substratos gliconeogénicos para o fígado leva à perda de água pela urina e à ilusão de perda de muitos quilos. Voltando a comer, a pessoa recupera-os facilmente e até mais, já que nos dias de baixo aporte calórico as células tornaram-se hipersensíveis à insulina, pelo que nas primeiras refeições toda a glicose tem como destino as células adiposas que são as mais sensibilizadas à insulina. 15