O Relatório de Gestão na actividade dos ROC e dos TOC

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O Relatório de Gestão
na actividade dos ROC e dos TOC
Joaquim Fernando da Cunha Guimarães
Boletim APECA
Maio de 2006
INTRODUÇÃO
A importância do Relatório de Gestão (RG) na actividade dos Técnicos Oficiais de
Contas (TOC) e dos Revisores Oficiais de Contas (ROC) é um dos temas que tem,
particularmente, merecido a nossa atenção, traduzida na elaboração de alguns artigos1.
Por outro lado, na nossa dissertação de mestrado2 efectuámos uma ligeira referência
aos aspectos fiscais mencionados no RG, os quais retomamos com algumas notas
adicionais.
Assim, neste artigo pretendemos reanalisar com maior profundidade o tema,
alertando para diversos aspectos contabilísticos, fiscais e do direito societário não
contemplados, ou apenas de forma ligeira, nos referidos artigos.
Alguns factos surgidos na nossa actividade profissional de TOC e de ROC também
contribuíram para esta análise.
1. AS DESIGNAÇÕES DO “RELATÓRIO DE GESTÃO”
Em primeiro lugar, registamos que não existe uma uniformidade na designação do
RG.
Assim, o art.º 66.º do CSC intitula-se “Relatório da Gestão” e o seu n.º 1 utiliza a
mesma expressão.
As expressões “Relatório de gestão” e “Relatório da gestão” são utilizadas em
diversos normativos do CSC com o mesmo sentido. Assim, a diferença entre as duas
1
- O Relatório de Gestão – Sua Importância na Actividade dos TOC, Semanário Económico n.º 712 de 1 de
Setembro de 2000, TOC n.º 16, de Julho de 2001 e Temas de Contabilidade, Fiscalidade, Auditoria Ed.
Vislis Editores, Lisboa, 2001 (pp. 211-2).
- Órgão de Gestão e as Contas (I), Vida Económica n.º 1046, de 9 a 15 de Abril de 2004 (p. 36).
- Órgão de Gestão e as Contas (II), Vida Económica n.º 1047, de 16 a 22 de Abril de 2004 (p. 36).
- Os Relatos do Órgão de Gestão, Jornal AIMINHO n.º 50, Maio de 2004 (p. 29) e Vida Económica n.º
1053, de Maio/Junho de 2004 (p. 52).
2
Mestrado em Contabilidade e Auditoria da Universidade do Minho, Braga, Maio de 2001. A dissertação
intitula-se “Caracterização do Sistema Contabilístico e Fiscal Português”, e foi publicada em livro sob o
título O Sistema Contabilístico e Fiscal Português - Uma Abordagem aos Relatórios e Contas das Empresas,
Ed. Vislis, Lisboa, 2001.
1
expressões resulta das preposições “de” e “da”, sendo que a leitura de ambas podem induzir
a interpretações divergentes.
No quadro seguinte apresentamos alguns casos sobre a utilização das duas
expressões e outras equivalentes3.
QUADRO N.º1 – AS DESIGNAÇÕES DO “RG”
Expressão
Relatório de Gestão
Relatório da Gestão
Relatório Anual ou
Relatório Anual do Órgão
de Administração ou
expressões equivalentes
Normativo legal
Código das Sociedades Comerciais
Art.os 65.º, 263.º (título, n.os 1, 2 e 5), 289.º (n.º 1, al. e)),
376.º (n.º 1, al. a)), 451 (n.º 2 e n.º 3 al. e)), 452.º (n.º 1),
453.º (n.º 1 e 2), 508.º-C, 508.º-D
POC
Itens 1.1 e 1.2
Directrizes Contabilísticas
N.º 14 (item 6.10), n.º 16 (item 3.6) e n.º 29 (itens 6 e 53)
Estatuto da Ordem dos ROC
− Art.º 52.º n.º 1, alínea a).
− Certificação (Legal) das Contas, cf. Circular n.º 05/06,
de 24 de Janeiro da OROC e Directrizes de
Revisão/Auditoria n.os 700, 701 e 702 da OROC
Código das Sociedades Comerciais
Art.º 66.º (título do artigo), 451.º (n.º 1), 528.º (n.º 1)
Código do Registo Comercial
Art.º 42.º, n.º 1, al. a) e art.º 42, n.º 2, al. a)
Código das Sociedades Comerciais
Art.os 324.º (n.º 2), 397.º (n.º 4), 447 (n.º 5), 448.º (n.º 4),
450.º (n.º 3), 454.º (n.º 1), 542.º
Relatório Anual sobre a Fiscalização Efectuada, cf. Directriz
de Revisão/Auditoria n.º 790 da OROC (item 14 e item 6 do
Apêndice)
Fonte: Elaboração própria
A este propósito Colaço4 refere:
“... vamos ser confrontados, umas vezes, com expressão “relatório da gestão” e,
outras, com a expressão “relatório de gestão”. O facto de termos optado pela
primeira expressão como título deste trabalho revela que é esta a expressão por nós
preferida, pois o que o documento que vamos analisar procura transmitir para o
3
Com as alterações do Decreto-Lei n.º 35/2005, de 17 de Fevereiro e do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de
Março. Com base no art.º 62.º deste último diploma procedeu-se também à republicação ao Código das
Sociedades Comerciais.
4
COLAÇO, João: O Relatório da Gestão, Boletim APECA n.º 123, 4.º Trimestre de 2005, pp. 33-51.
2
exterior é a forma como os responsáveis pelas entidades levaram a cabo a gestão
dessas mesmas entidades, pelo que, para tal, elaboram, obviamente, o
correspondente “Relatório da gestão”.”5
Sublinhe-se, no entanto, que relativamente às duas primeiras designações e em
relação à utilização das preposições “de” e “da” não houve preocupação de rigor
linguístico, sendo o caso mais paradigmático o art.º 451.º do CSC, em que o n.º 1 utiliza a
preposição “da” e nos n.os 2 e 3 a preposição “de”.
Admitimos que as designações em apreço até não poderão ser as mais correctas, pois
o que se trata, efectivamente, é do “Relatório do Órgão de Gestão”6, pelo que o relatório
deveria designar-se, conforme a estrutura do órgão de gestão, “Relatório do Conselho de
Administração” ou “Relatório da Gerência”.
Refira-se, aliás, que relativamente às grandes empresas é muito vulgar a designação
de “Relatório do Conselho de Administração”.
2. BREVES REFERÊNCIAS HISTÓRICAS AO RG
Sobre as referências históricas ao RG alertamos para a leitura do artigo de Seabra
Franco7, do qual extraímos as informações para elaborarmos o QUADRO N.º 2 seguinte:
QUADRO N.º 2 – RELATÓRIO DE GESTÃO
BREVES REFERÊNCIAS HISTÓRICAS
Legislação
Código Comercial de
1833 – art.º 208.º 2.º
(CC1833)
Lei das Sociedades
Anónimas de 1867
(LSA1867) que alterou o
CC1833
•
•
•
•
Descrição
A obrigatoriedade de contabilidade e escrituração.
Não inclui o dever dos comerciantes elaborarem o RG.
No art.º 31.º passou a prever que os administradores deviam
elaborar e apresentar ao conselho fiscal o relatório da
situação comercial, financeira e económica, mas não
especifica o significado de tais expressões.
Embora não se encontrasse previsto na LSA1867,
generalizou-se a prática de o relatório incluir a proposta de
aplicação dos resultados.
5
Negritos do autor.
Lembramos, a título meramente exemplificativo e comparativo, a designação de “Declaração do Órgão de
Gestão”, que o ROC solicita ao órgão de gestão nos termos da Directriz de Revisão/Auditoria n.º 580, de
Dezembro de 1998.
7
SEABRA FRANCO, Victor Domingos: Sobre o Conteúdo do Relatório de Gestão, Revisores & Empresas,
n.º 5, Abril/Junho de 1999, pp. 41-52. Supomos que este trabalho foi elaborado com base na sua tese de
doutoramento intitulada “Oportunidade do Depósito e Publicidade das Contas Anuais em Portugal (19891995)”, Universidade Autónoma de Madrid (15 de Julho de 1998), registada no ISCTE – Instituto de Ciências
do Trabalho e da Empresa, de Lisboa.
6
3
Retomou a exigência da LSA1867, precisando o art.º 189.ºn.º 3 que o relatório deveria referir de forma sucinta as
operações realizadas.
•
Manteve-se a tradição anterior de se incluir no relatório a
proposta de aplicação de resultados, apesar desta ser
formalmente um documento independente do RG.
Lei das Sociedades por
•
De acordo com o art.º 34.º deviam observar-se as
Quotas de 1901 (LSQ1901)
disposições do art.º 189.º do CC1888, quanto às Sociedades
Anónimas, sendo obrigatório o relatório da situação
comercial, financeira e económica, que, igualmente, deveria
referir de forma sucinta as operações realizadas e incluir a
proposta de distribuição dos lucros aos sócios e da
percentagem destinada ao fundo de reserva.
Decreto-Lei n.º 49381/1969 • Aperfeiçoou o regime de fiscalização das sociedades
(DL49381/1969)
anónimas.
•
Pela primeira vez é referido o conteúdo mínimo do RG
(art.º 33, n.os 1 e 2):
a) O estudo e a evolução da gestão social nos
diferentes sectores em que a sociedade actuou,
fazendo especial menção a custos, condições de
mercado e investimentos, de forma a permitir uma
fácil e clara compreensão da situação económica e
da rendabilidade alcançada; e
b) Terminar com uma sucinta análise da evolução da
situação financeira da empresa durante o exercício e
do seu estado na data a que o balanço se refere.
•
A proposta de aplicação de resultados mantém-se como
documento independente mas continua a ser incluída no
RG.
Decreto-Lei n.º 147/1972
•
O órgão de gestão deve dar também informações sobre o
(DL47/1972)
conteúdo das contas que figuravam no balanço com a
designação de carteira de títulos e de participações
financeiras, com indicação dos critérios valorimétricos
utilizados. Ou seja, o RG passou a conter informações de
carácter contabilístico. Posteriormente, com o primeiro
Plano Oficial de Contabilidade, aprovado pelo D.L. n.º
47/77, estas informações passaram a constar da nota 23 do
Anexo ao Balanço e à Demonstração dos resultados (e
actualmente a nota 28 do ABDR do POC/89).
Decreto-Lei n.º 534/1980
•
Fixou a obrigatoriedade do RG conter informações sobre
(DL534/1980)
situações de incumprimento perante o sector público,
nomeadamente dos débitos cujo pagamento estava em
mora. Dado que esta informação já constava da nota 27 do
Anexo ao Balanço e à Demonstração dos Resultados do
POC/77 (e agora na nota 28 do ABDR do POC/89), não há
necessidade de repetir esta informação no RG.
FONTE: Elaboração própria, através de Seabra Franco (1999).
Código Comercial de 1888
(CC1888)
•
3. ALGUNS CASOS PRÁTICOS
4
No dia a dia da actividade dos TOC e dos ROC são cada vez mais os casos que
alertam para a importância do RG.
Um dos casos que tivémos conhecimento resultou de um diferendo entre dois únicos
sócios de uma sociedade por quotas, em que só um deles era gerente (sócio-gerente), tendo
o sócio não gerente movido uma acção em tribunal pelo facto de as contas de um
determinado exercício económico não incluirem o RG.
Como curiosidade refira-se que as contas foram aprovadas em assembleia geral pelos
dois sócios, incluindo, portanto, o queixoso. De qualquer forma, registe-se que o sóciogerente era o responsável pela elaboração do RG.
Num outro caso em tribunal, um advogado elaborou um “quesito” no sentido dos
peritos esclarecerem se um determinado facto patrimonial estava mencionado nas
demonstrações financeiras e ou no relatório de gestão.
Na verdade, poderemos constatar que, de uma forma geral, os casos em que se
ressalta a importância do RG estão relacionados com divergências entre sócios e que estes,
auxiliados por peritos (v.g. TOC, ROC) e ou advogados, são alertados para esses factos.
4. A ELABORAÇÃO DO RELATÓRIO DE GESTÃO
A competência para a elaboração do RG é do órgão de gestão da empresa, que pode
designar-se de “conselho de administração” ou de “conselho de administração executivo”
nas sociedades anónimas, de acordo com o art.º 278.º do CSC8, ou de “gerência” nas
sociedades por quotas. Com efeito, o n.º 1 do art.º 65.º do CSC determina que os membros
da administração9 devem elaborar e submeter aos órgãos competentes da sociedade - a
assembleia geral - o RG, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de
contas previstos na lei, relativos a cada exercício anual.
5. O CONTEÚDO DO RG
5.1 – Código das Sociedades Comerciais
Sobre o conteúdo do Relatório de Gestão o art.º 66.º do CSC (disposição com
carácter genérico) estabelece:
8
Com a redacção do Decreto-Lei n.º76-A/2006, de 29 de Março. A redacção anterior do art.º 278.º do CSC
previa o órgão de “Direcção” que foi eliminado com este diploma.
9
Leia-se: “Órgão de Gestão”.
5
1. O relatório da gestão deve conter, pelo menos, uma exposição fiel e clara da
evolução dos negócios, do desempenho e da posição da sociedade, bem como
uma descrição dos principais riscos e incertezas com que a mesma se
defronta.
2.
A exposição prevista no número anterior deve consistir numa análise
equilibrada e global da evolução dos negócios, dos resultados e da posição
da sociedade, em conformidade com a dimensão e complexidade da sua
actividade.
3. Na medida do necessário à compreensão da evolução dos negócios, do
desempenho ou da posição da sociedade, a análise prevista no número
anterior deve abranger tanto os aspectos financeiros como, quando
adequado, referências de desempenho não financeiras relevantes para as
actividades específicas da sociedade, incluindo informações sobre questões
ambientais e questões relativas aos trabalhadores.
4.
Na apresentação da análise prevista no n.º 2 o relatório da gestão deve,
quando adequado, incluir uma referência aos montantes inscritos nas contas
do exercício e explicações adicionais relativas a esses montantes.
5. O relatório deve indicar, em especial:
a) A evolução da gestão nos diferentes sectores em que a sociedade exerceu
actividade, designadamente no que respeita a condições do mercado,
investimentos, custos, proveitos e actividades de investigação e
desenvolvimento;
b) Os factos relevantes ocorridos após o termo do exercício;
c) A evolução previsível da sociedade;
d) O número e o valor nominal de quotas ou acções próprias adquiridas ou
alienadas durante o exercício, os motivos desses actos e o respectivo
preço, bem como o número e valor nominal de todas as quotas e acções
próprias detidas no fim do exercício;
e) As autorizações concedidas a negócios entre a sociedade e os seus
administradores, nos termos do artigo 397.º;
6
f) Uma proposta de aplicação de resultados devidamente fundamentada;
g) A existência de sucursais da sociedade.
h) Os objectivos e as políticas da sociedade em matéria de gestão dos riscos
financeiros, incluindo as políticas de cobertura de cada uma das
principais categorias de transacções previstas para as quais seja
utilizada a contabilização de cobertura, e a exposição por parte da
sociedade aos riscos de preço, de crédito, de liquidez e de fluxos de
caixa, quando materialmente relevantes para a avaliação dos elementos
do activo e do passivo, da posição financeira e dos resultados, em
relação com a utilização dos instrumentos financeiros.
Há, porém, outras disposições do Código das Sociedades Comerciais que se referem
a factos patrimoniais, relevados ou não nas demonstrações financeiras, que devem ser
objecto de relato no RG, dos quais destacamos os seguintes (QUADRO N.º 3).
QUADRO N.º 3 – REFERÊNCIAS AO RG NO CSC
Artigo(s) do CSC
35.º
220.º e 324.º
397.º
447.º
10
Descrição
Perda de metade do capital
Regime das acções próprias
Negócios entre os administradores e a sociedade
Publicidade de participações dos membros dos órgãos de
administração e fiscalização (em anexo ao relatório de gestão)
448.º
Publicidade de participações de accionistas
452.º
Relatórios (conteúdo a fixar por portaria conjunta do Ministério das
Finanças e do Ministério da Justiça*)
508.º–A
Obrigação da consolidação de contas
508.º-C
Relatório consolidado de gestão
* Não temos conhecimento que esta Portaria tenha sido publicada.
Fonte: Elaboração própria.
Destas disposições relevamos a do art.º 35.º do CSC sobre “Perda de metade do
capital11”, cujos n.os 1 a 3, com a redacção do Decreto-Lei n.º 19/2005, de 18 de Janeiro, a
seguir transcrevemos:
10
O art.º 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de Setembro, que aprovou o Código das Sociedades
Comerciais, diferiu a entrada em vigor do art.º 35.º determinando que seria fixada em diploma legal ulterior, o
que apenas veio a acontecer com o Decreto-Lei n.º 237/2001, de 30 de Agosto. Posteriormente, a redacção do
artigo veio a ser alterada pelo Decreto-Lei n.º 162/2002, de 11 de Julho. Finalmente, o Decreto-Lei n.º
19/2005, de 18 de Janeiro, veio alterar novamente a redacção devido, como é mencionado no preâmbulo do
diploma, a “uma reponderação” da questão a uma luz que se considera mais correcta e realista, instituindo em
regime mais conforme com a letra e o espírito da 2.ª Directiva, sobre direito das Sociedades (Directiva n.º
77/91/CEE, de 13 de Dezembro de 1976).
7
“1 — Resultando das contas de exercício ou de contas intercalares, tal como
elaboradas pelo órgão de administração, que metade do capital social se encontra
perdido, ou havendo em qualquer momento fundadas razões para admitir que essa
perda se verifica, devem os gerentes convocar de imediato a assembleia geral ou os
administradores ou directores requerer prontamente a convocação da mesma, a fim
de nela se informar os sócios da situação e de estes tomarem as medidas julgadas
convenientes.
2 — Considera-se estar perdida metade do capital social quando o capital próprio
da sociedade for igual ou inferior a metade do capital social.
3 — Do aviso convocatório da assembleia geral constarão, pelo menos, os seguintes
assuntos para deliberação pelos sócios:
a) A dissolução da sociedade;
b) A redução do capital social para montante não inferior ao capital próprio da
sociedade, com respeito, se for o caso, do disposto no n.o 1 do artigo 96.o;
c) A realização pelos sócios de entradas para reforço da cobertura do
capital.”.
A este propósito, a Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC) emitiu a
Interpretação Técnica n.º 14 (1.ª revisão), de Fevereiro de 2004, sob o título “Perda de
Metade do Capital”, na qual determina a posição a adoptar pelo ROC no caso de se
verificar a insuficiência de capital próprio, apontando dois casos em que tal se pode
verificar:
− O balanço apresentado pelo órgão de gestão evidencia tal insuficiência, ou;
− Tal balanço não a evidencia mas o efeito de reservas por desacordo expressas
pelo revisor revela tal insuficiência.
A norma alerta o ROC para ter cuidado especial no exame dos casos em que o órgão
de gestão, para não evidenciar a insuficiência do capital próprio, promove alterações de
políticas contabilísticas relacionadas, nomeadamente, com critérios de valorimetria de itens
do balanço, procedendo, por exemplo, a reavaliações livres ou extraordinárias do
imobilizado (corpóreo, incorpóreo ou financeiro) ou a redução e ou omissão de passivos.
11
Sobre este assunto elaborámos um estudo intitulado “O Art.º 35.º do Código das Sociedades Comerciais”
publicado na Revista TOC, n.º 20 de Dezembro de 2001, pp. 28-31.
8
Assim, o ROC deve assegurar-se de que tais alterações de políticas contabilísticas estão
adequadamente divulgadas no anexo ao balanço e à demonstração dos resultados e, se não
concordar com as mesmas, deverá expressar uma opinião com reservas por desacordo na
certificação legal das contas.
No que concerne à atitude dos TOC perante o art.º 35.º do CSC, especialmente nas
empresas não sujeitas a revisão legal que são a grande maioria12, a Direcção da CTOC não
definiu até data qualquer entendimento.
5.2 – Normas Contabilísticas
5.2.1 – POC
As únicas menções explícitas ao RG no POC constam dos itens 1.1 e 1.2 do Capítulo
“1 – Introdução”, os quais fazem referência ao conteúdo mínimo do RG, abordado na 4.ª
Directiva da UE a que nos referiremos no item 5.2.4. deste artigo.
Assim, o POC, contrariamente à NIC n.º 1 a seguir comentada, não faz referência ao
conteúdo do RG, remetendo, implicitamente, para essa NIC.
5.2.2 –Directrizes Contabilísticas13
Da análise efectuada constatamos que nas Directrizes Contabilísticas (DC) existem
apenas duas referências explícitas ao RG:
− No item 3.6 da DC16 “Reavaliação de Activos Tangíveis” quanto à recomendação
de se explicitar o objectivo da reavaliação dos activos tangíveis;
− Nos itens 3, 7 e 53 da DC29 “Matérias Ambientais”.
No entanto, de acordo com a nossa interpretação, sempre que ocorrerem factos
patrimoniais relevados na contabilidade, por força da aplicação das DC, opinamos que o
RG deverá conter referências a essas situações, como sejam os casos das DC seguintes:
a) Concentrações de Actividades Empresariais (DC1)
Quando ocorrerem concentrações empresariais, o órgão de gestão deverá
descrever os objectivos estratégicos subjacentes e clarificar os montantes
12
De acordo com intervenção do ex-Bastonário da Ordem dos ROC, Dr. José Vieira dos Reis, no X
Congresso dos ROC de Novembro de 2003, apenas 9% das empresas estavam sujeitas a revisão legal das
contas.
13
Este item coincide, quase na totalidade, com o referido no nosso artigo “As Directrizes Contabilísticas –
Sua Importância no Contexto da Normalização Contabilística Nacional, Revisores & Empresas n.º 20, de
Jan/Março de 2003, pp. 27-35.
9
envolvidos, se forem materialmente relevantes, para a apreciação dos utilizadores
das DF;
b) Contratos de Construção (DC3)
Caso tenha aplicabilidade esta DC, o órgão de gestão deveria relatar, por cada
obra devidamente identificada, os custos, os proveitos, os produtos e trabalhos em
curso inventariados e os acréscimos e diferimentos, de forma a se ter um
conhecimento da sua evolução de exercício para exercício económico.
Eventualmente, deverão ser desenvolvidas eventuais divergências para com os
critérios fiscais estabelecidos no art.º 19.º do CIRC e na Circular n.° 5/90, de 17
de Janeiro da DGCI;
c) Despesas de I&D (DC7)
Caso o investimento da empresa em Investigação e Desenvolvimento (I&D) seja
materialmente relevante, o órgão de gestão deverá, de uma forma evolutiva (v.g.
triénio), descrever tais investimentos, e, se for caso disso, mencionar os benefícios
económicos futuros e respectivo prazo de capitalização, independentemente da
informação contida na nota 8 do ABDR.
Esta evidenciação enquadra-se no art.º 66.°, do n.° 2, na alínea a), do CSC atrás
mencionado;
d) Regularizações Não Frequentes e de Grande Significado (DC8)
Caso tenha havido regularizações na "conta 59 - Resultados transitados" e que,
por esse facto, se considerem "erros fundamentais" e materialmente relevantes, o
órgão de gestão deverá justificar tais factos.
De notar que o item 6 da DC8 clarifica a evidenciação nas contas 698 e 798 das
perdas e ganhos relacionados com:
− Reestruturação da empresa, desde que não envolva a expansão para novas
actividades empresariais (caso em que será de utilizar a "conta 431 Despesas de instalação";
− Interrupção ou paragem de um segmento da empresa;
− Regularização fiscal de litígios;
− Concordatas e perdões de dívidas;
10
− Reestruturações contabilísticas.
Neste contexto, se os montantes envolvidos forem materialmente relevantes
também deverão ser relatados e justificados pelo órgão de gestão;
e) Trespasses (DC12)
Tal como referimos para a DC1, deverá ser tida em conta a descrição de
trespasses, referindo os objectivos estratégicos que conduziram à compra dos
activos e passivos e ou à compra de participações financeiras;
f) Demonstração dos Fluxos de Caixa (DC14)
Poderá ser útil o desenvolvimento de alguns aspectos relacionados com esta
demonstração financeira, designadamente a justificação da evolução dos fluxos de
caixa desagregados pelas actividades operacionais, de investimento e de
financiamento.
Na verdade, constatamos que, de uma forma geral, esta demonstração financeira
não é comentada pelo órgão de gestão, limitando-se, por exemplo, à indicação da
evolução do “cash-flow” durante o triénio;
g) Os Planos de Benefícios de Reforma (DC19)
Julgamos que se justifica a evidenciação no RG dos planos de benefícios de
reforma pelo impacto social positivo que a medida comporta;
h) Relações Sede - Sucursais (DC23)
O órgão de gestão deverá divulgar as relações entre a empresa e as suas sucursais,
filiais e outras representações, como, aliás, está subentendido no art.º 66.°, do n.°
2, da alínea g), do CSC atrás transcrito;
i) Empreendimentos Conjuntos (DC24)
Considerando, igualmente, a materialidade dos valores envolvidos, o órgão de
gestão deverá ponderar o relato dos acordos relativos a empreendimentos
conjuntos
("joint
ventures"),
designadamente
os
ACE
(Agrupamentos
Complementares de Empresas), os AEIE (Agrupamentos Europeus de Interesse
Económico), consórcios e associações em participação. Estas divulgações
constam do item 4.6 da DC24, que, apesar de não referir expressamente onde
11
devem ser efectuadas, julgamos que deverão ser realizadas no RG e ou na nota 48
do ABDR.
Com efeito, o relato dessas convenções é importante para enquadrar a estratégia
comercial e produtiva da empresa, pelo que essas associações potenciam o
mercado e, obviamente, têm interesse para conhecimento dos utilizadores da
informação;
j) O Relato por Segmentos (DC27)
Esta informação tem importância no sentido do conhecimento sobre os produtos e
serviços prestados pela entidade, bem como as respectivas áreas geográficas em
que actua. Com efeito, independentemente da informação a prestar na nota 44 do
ABDR, julgamos que o órgão de gestão deverá efectuar uma apreciação
subjectiva dos factos.
Admitimos, neste caso, que o órgão de gestão possa ter uma certa relutância na
divulgação dessa informação, tendo em conta aspectos de índole concorrencial;
k) Matérias Ambientais (DC29)
A DC29 dá uma importância significativa à divulgação no Relatório de Gestão,
nomeadamente no item 53 que prevê:
“Quando, em conformidade com o disposto no artigo 66º do Código das
Sociedades Comerciais, certas matérias ambientais forem relevantes para o
desempenho e posição financeira da entidade ou para o seu
desenvolvimento, o relatório de gestão incluirá uma descrição dessas
matérias, bem como da resposta da entidade às mesmas matérias. Essas
informações devem incluir uma análise objectiva da evolução e situação
das actividades da entidade, na medida em que sejam susceptíveis de serem
directamente afectadas por matérias ambientais. Para esse efeito serão de
efectuar as seguintes divulgações14.”.
Sobre a importância do relato ambiental, Pereira Eugénio15 recomenda:
14
A Directriz elenca diversas situações susceptíveis de relato.
PEREIRA EUGÉNIO, Teresa Cristina: DC n.º 29 – Que implicações na apresentação de informações no
Relatório e Contas?, revista TOC n.º 74, Maio de 2006, pp. 45-50.
15
12
“É imperativo que as empresas repensem a sua posição face às orientações da
Directriz Contabilística n.º 29, aplicáveis aos exercícios que se iniciem em/ou após 1
de Janeiro de 2006, de forma a facilmente obterem todas as informações divulgadas
no Relatório e Contas.”.
5.2.3 –4.ª e 7.ª Directivas da União Europeia
As 4.ª e 7.ª Directivas da União Europeia (UE) contemplam disposições sobre a
elaboração do relatório de gestão em contas individuais e em contas consolidadas.
Assim, o art.º 46.º da 4.ª Directiva da União Europeia16 prevê17:
“1. a) O relatório anual conterá, pelo menos, uma exposição fiel da
evolução dos negócios e do desempenho e da posição da sociedade,
bem como uma descrição dos principais riscos e incertezas com que se
defronta.
Esta exposição deve consistir numa análise equilibrada e global da
evolução dos negócios, dos resultados e da posição da sociedade,
conforme com a dimensão e complexidade da sua actividade.
b) Na medida do necessário à compreensão da evolução dos negócios,
do desempenho ou da posição da sociedade, a análise deve abranger
tanto os aspectos financeiros como, quando adequado, indicadoreschave de desempenho não financeiros relevantes para as actividades
específicas da sociedade, incluindo informações sobre questões
ambientais e questões relativas aos trabalhadores.
c) Na apresentação da análise, o relatório de gestão deve, quando
adequado, incluir uma referência aos montantes inscritos nas contas
anuais e explicações adicionais relativas a esses montantes.
2. O relatório deve igualmente incluir indicações sobre:
a) Os acontecimentos importantes verificados após o encerramento do
exercício;
b) A evolução previsível da sociedade;
16
O art.º 36.º da 7.ª Directiva também descreve situações idênticas a constar no relatório de gestão
consolidado.
17
Com a redacção da Directiva 2003/51/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 18 de Junho de 2003.
13
c) As actividades em matéria de investigação e desenvolvimento;
d) No que respeita à aquisição de acções próprias, as indicações
mencionadas no artigo 22º, nº 2, da Directiva 77/91/CEE.
f)
18
Em relação com a utilização dos instrumentos financeiros pela
sociedade e quando pertinente para a avaliação dos elementos do
activo e do passivo, da posição financeira e dos ganhos ou perdas,
–
Os objectivos e as políticas da sociedade em matéria de gestão dos
riscos financeiros, incluindo a sua política de cobertura de cada
uma das principais categorias de transacções previstas para as
quais seja utilizada a contabilidade de cobertura, e
–
A exposição da sociedade aos riscos de preço, de crédito, de
liquidez e de fluxos de caixa.
3. Os Estados-membros podem prescindir a obrigação das sociedades
mencionadas no artigo 11 de preparar relatórios anuais, contanto que as
informações referidas no artigo 22 nº 2 da Directiva 77/91/EEC
respeitante à aquisição das suas próprias partes de capital seja dada no
anexo às contas.
4. Os Estados-Membros podem isentar as sociedades abrangidas pelo artigo
27.º da quarta directiva da obrigação prevista na alínea b) do n.º 1 no
tocante às informações não financeiras19.
5.2.4 –NIC N.º 1
A Norma Internacional de Contabilidade n.º 1 (NIC1), do IASB, sob o título
“Apresentação de Demonstrações Financeiras,” também se refere ao RG nos seguintes
termos (itens 8 e 9 do “âmbito”):
“8. As empresas são encorajadas a apresentar, fora das demonstrações
financeiras, uma explanação financeira feita pela gerência que descreva
e explique as características principais do desempenho financeiro e da
posição financeira da empresa e as principais incertezas com que ela
encara. Tal relatório pode incluir uma revisão de:
18
19
Aditada pela Directiva 2001/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de Setembro de 2001.
Aditado pela Directiva 2003/51/CE.
14
a) Os principais factores e influências que determinam o desempenho,
incluindo alterações no ambiente em que a empresa opera, a
resposta da empresa àquelas alterações e o seu efeito e a política de
investimentos da empresa para manter e melhorar o desempenho,
incluindo a sua política de dividendos;
b) As fontes de financiamento da empresa, a política sobre a relação
empréstimos/capital próprio e as suas políticas de gestão de riscos; e
c) Os pontos fortes e os recursos da empresa cujo valor não esteja
reflectido
no
balanço
segundo
Normas
Internacionais
de
Contabilidade.
9.
Muitas empresas apresentam, fora das demonstrações financeiras,
demonstrações
adicionais
tais
como
relatórios
ambientais
e
demonstrações de valor acrescentado, particularmente em sectores em
que os factores ambientais sejam significativos e quando os empregados
sejam considerados ser um importante grupo de utentes. As empresas são
encorajadas a apresentar tais demonstrações adicionais se a gestão crer
que ajudarão os utentes a tomar decisões económicas.
Deste normativo destacamos os seguintes aspectos:
•
O carácter facultativo do RG, o que se deduz pela utilização da expressão “as
empresas são encorajadas a apresentar...”. As normas nacionais prevêem a sua
obrigatoriedade;
•
O RG não é uma demonstração financeira, o que se infere pela utilização da
expressão “fora das demonstrações financeiras”. Refira-se, aliás, que o item 7 da
NIC n.º 1, a seguir comentado, não inclui o RG no conjunto das demonstrações
financeiras;
•
O órgão de gestão deverá explicar as características do desempenho financeiro
(através da análise das demonstrações dos resultados) e da posição financeira
(através do balanço), bem como as principais incertezas;
•
A importância das matérias ambientais, acolhida no nosso normativo
contabilístico através da referida DC29 “Matérias Ambientais”.
15
5.3 – Recomendação 2001/453/CE da Comissão da UE – Matérias Ambientais
A Recomendação supra, de 30 de Maio de 2001, estabelece normas respeitantes ao
reconhecimento, à valorimetria e à prestação de informações sobre questões ambientais nas
contas anuais e no relatório de gestão das sociedades.
Assim, nos pontos 2, 5 e 6 do Capítulo “4 – Publicação de Informações”
estabelecem-se regras de prestação de informações no relatório de gestão anual e no
relatório de gestão anual consolidado.
A norma releva o interesse dos utilizadores do relatório de gestão na verificação da
medida em que a protecção ambiental faz parte da estratégia das actividades da sociedade.
De notar que a DC29 “Matérias Ambientais” foi elaborada no contexto da
Recomendação em apreciação como é referido no item 6 da DC.
5.4 – Outras Normas Legais
Há ainda outras normas legais que se referem ao RG que passamos a descrever:
− art.º 2.º do Dec. Lei n.º 534/80, de 7 de Novembro – Divulgação dos débitos em
mora ao Sector Público Estatal;
− art.º 21.º do Dec. Lei n.º 411/91, de 17 de Outubro – Divulgação da situação
perante a segurança social.
Apesar destes normativos legais não terem sido revogados, as divulgações aqui
referidas passaram a constar da nota 28 do Anexo ao Balanço e à Demonstração dos
Resultados.
5.5 – O Governo das Sociedades (“Corporate Governance”)
O “Governo das Sociedades”, traduzido da expressão anglo-saxónica “Corporate
Governance”, é um tema que, apesar de já ser divulgado nos EUA há alguns anos, começou
há meia dúzia de anos a assumir uma importância acrescida, devido, nomeadamente, aos
escândalos contabilísticos internacionais em algumas empresas dos EUA (v.g. Worldcom,
Enron) e, da UE (v.g. PARMALAT).
É óbvio que esta questão tem maior acutilância nas empresas de grande dimensão
com capital muito pulverizado e direccionadas para o mercado de capitais, designadamente
as bolsas de valores nacionais e internacionais.
16
Com efeito, está em causa a prestação de informações para os accionistas actuais e
potenciais, pelo que a informação financeira e não financeira deverá ser optimizada no
sentido da sua utilidade para a tomada de decisões (é o designado “paradigma da
utilidade”)20.
Desta forma, não é por acaso que em Portugal é a Comissão de Mercado de Valores
Mobiliários (CMVM) que tem emitido normas sobre o assunto21, das quais destacamos as
seguintes:
− Recomendações da CMVM sobre o Governo das Sociedades Cotadas;
− Regulamento CMVM n.º 11/2000;
− Regulamento CMVM n.º 7/2001;
− Regulamento CMVM n.º 11/2003, que altera o Regulamento CMVM n.º 11/2000
e o Regulamento CMVM n.º 7/2001;
− Regulamento n.º 10/2005 que altera os Regulamentos n.º 7/2001 e n.º 4/2004.
Já no corrente ano de 2006, e no período de 30 de Janeiro a 17 de Fevereiro, a
CMVM divulgou no seu site, para discussão pública, um documento sob o título “Governo
das Sociedades Anónimas: Propostas de Alteração ao Código das Sociedades Comerciais –
Processo de Consulta Pública n.º 1/2006”, no qual a CMVM apresenta um conjunto de
alterações motivadas por três razões de fundo denominadas de “razões da reforma”: a
necessidade de uma reponderação global do Código das Sociedades Comerciais; a
necessidade de acolher a nível legislativo (apenas tem sido feito a nível de Regulamentos)
os desenvolvimentos internacionais sobre o governo das sociedades, e, finalmente, a
necessidade de revisão do código em função da revisão à 8.ª Directiva da UE no que
concerne à fiscalização das sociedades.
Posteriormente, em Março de 2006, a CMVM divulgou no site o relatório final e as
respostas de diversas entidades àquela consulta pública, entre as quais a da Ordem dos
ROC.
20
Sobre este tema elaborámos um artigo intitulado “A Contabilidade - Utilidade para a Gestão (Decisão),
Revisores & Empresas n.º 25, de Abril/Junho de 2004, pp. 44 - 50.
Parece-nos evidente que na maioria das PME portuguesas a “orientação para o accionista” ou “criação de
valor para o accionista” não é o principal objectivo, pois estas estão mais interessadas em apresentar contas
para a economia de impostos sobre o rendimento. No estudo referido no rodapé anterior destacamos esta
questão.
21
Poderão ser consultadas no site da CMVM (www.cmvm.pt).
17
Refira-se que, de acordo com a CMVM, por “Governo das Sociedades” pretende-se
referir o sistema de regras e condutas relativo ao exercício da direcção e do controlo das
sociedades emitentes de acções admitidas à negociação em mercado regulamentado. Esta
análise sobre o governo das sociedades cotadas não procura impor modelos rígidos e
uniformes. O seu objectivo é antes o de procurar contribuir para a optimização do
desempenho das sociedades e favorecer todas as pessoas cujos interesses estão envolvidos
na actividade societária – investidores, credores e trabalhadores.22
Relativamente à informação a constar do RG, o n.º 1 do art.º 1.º do Regulamento
CMVM n.º 7/2001, com a redacção do Regulamento CMVM n.º 11/2003, determina:
“1. As sociedades emitentes de acções admitidas à negociação em mercado
regulamentado e sujeitas a lei pessoal portuguesa devem publicar, em capítulo do
relatório anual de gestão elaborado especificamente para o efeito ou em anexo a
este, um relatório detalhado sobre a estrutura e as práticas de governo societário
elaborado em obediência ao art. 7.º do Código dos Valores Mobiliários e de acordo
com o modelo constante do anexo ao presente regulamento e que dele faz parte
integrante.”
Assim, considerando a extensão do documento supra, remetemos para a sua consulta
no site da CMVM.
Ainda a propósito do “Governo das Sociedades”, sublinhamos as recentes alterações
ao Código das Sociedades Comerciais pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março,
que procedeu à actualização e flexibilização dos modelos de governo das sociedades
anónimas, prevendo no seu preâmbulo o seguinte:
“Ora, considerou-se que a experiência recolhida nesta área poderia ser alargada
ao restante universo societário nacional, sem deixar de atender às suas
especificidades e condicionantes.
Assim, as linhas de fundo da reforma realizada por este decreto-lei prendem-se com
as seguintes ideias. De um lado, a preocupação de promover a competitividade das
empresas portuguesas, permitindo o seu alinhamento com modelos organizativos
avançados. A presente revisão do Código das Sociedades Comerciais assenta no
pressuposto de que o afinamento das práticas de governo das sociedades serve de
22
Cf. Recomendações da CMVM.
18
modo directo a competitividade das empresas nacionais. Esse é o primeiro objectivo
de fundo que este decreto-lei visa prosseguir, em prol de uma maior transparência e
eficiência das sociedades anónimas portuguesas. Ao encetar este caminho, Portugal
colocar-se-á a par dos sistemas jurídicos europeus mais avançados no plano do
direito das sociedades, salientando-se o Reino Unido, a Alemanha e a Itália como
países que têm identicamente orientado reformas legislativas com base nestes
pressupostos.”
Finalmente, destacamos a existência de um organismo associativo – o Instituto
Português de Corporate Governance (IPCG) – que já neste ano de 2006 publicou um livro
sob o título “Livro Branco sobre Corporate Governance em Portugal”, elaborado por uma
Comissão nomeada pelo IPCG e presidida por Artur Santos Silva23.
5.6 – A Sustentabilidade e a Responsabilidade Social da Empresa (RSE)
Um dos temas que ultimamente tem gerado necessidades de relato por parte do órgão
de gestão refere-se à divulgação da política de sustentabilidade da empresa e que tem a ver
com o desenvolvimento futuro da empresa, promovendo-se o equilíbrio entre as gerações
presentes e as futuras. Assim, acolhe-se o conceito de “Corporate Social Responsability
(CSR)”, traduzido por “Responsabilidade Social Corporativa (RSC)”24, que, de acordo com
Björn Stigson25, visa a contribuição para o desenvolvimento sustentável, trabalhando de
forma a melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores, das famílias e da comunidade
local, interagindo com vários stakeholders.
De notar que este tema está fortemente ligado às questões relacionadas com o
envolvimento ambiental das entidades.
A Asociación Española de Contabilidad y Administración de Empresas (AECA)
emitiu o “Documento AECA” n.º 1 sobre “ Responsabilidade Social Corporativa”, sob o
título “Marco Conceptual de la Responsabilidad Social Corporativa” (1.ª Edição: Janeiro
2004) que define a RSC nos seguintes termos:
“A Responsabilidade Social Corporativa é o compromisso voluntário das
empresas com o desenvolvimento da sociedade e a preservação do meio
23
Alguns dos resultados do estudo foram descritos na Revista Impactus – Empresa Sustentável n.º 7, de
Abril/Junho de 2006, pp. 20-23.
24
Também designada de “Responsabilidade Social da Empresa (RSE)”, ou ainda, “Responsabilidade Social
Organizacional” (RSO).
25
BJÖRN STIGSON, A Jornada do WBSCD pela Corporate Social Responsability, Impactus – Empresa
Sustentável, n.º 0, de Abril 2004, pp. 6-10.
19
ambiente, desde a sua composição social e um comportamento responsável
perante as pessoas e grupos sociais com quem se interactua.”26.
Não se pense, porém, que esta é uma questão que deve preocupar apenas as grandes
empresas, nomeadamente as que possuem títulos negociados na bolsa.
Na verdade, consciente da importância da RSC nas PME, o IAPMEI lançou o
“Projecto ser PME Responsável”, disponível no site em www.iapmei.pt, o qual contempla
um questionário de pré-diagnóstico de práticas de RSC.
O destaque dos Relatórios de Sustentabilidade traduz-se, também, no facto de existir
um prémio europeu, ao qual concorrem os relatórios premiados nos países, intitulado
“European Sustainability Reporting Award” (ESRA) e um prémio nacional proporcionado
pela Ordem dos ROC, sob o título “Prémio Nacional para os Relatórios de
Sustentabilidade” que inclui duas categorias: “Melhor Relatório Ambiental” e “Melhor
Relatório de Sustentabilidade”.
A importância da RSC pode, também, ser aferida pelos seguintes factos:
− Na sequência da publicação, em 2001, da Estratégia para o Desenvolvimento
Sustentável, da UE, revista em 2005, foi publicada a Comunicação da
Comissão sob o título “A European Alliance for CSR” (“Uma Aliança
Europeia para RSC”).
− O lançamento em Portugal, em Abril de 2005, da revista “IMPACTUS –
Empresa Sustentável”27.
− O lançamento de cursos de pós-graduação em RSC, como é o caso da
Universidade de Évora.
26
O documento foi produzido pela Comissão de Responsabilidade Social Corporativa da AECA, o que
demonstra, indiscutivelmente, o seu interesse pelas matérias da RSC.
27
A sua assinatura poderá ser requerida a:
[email protected].
Telef.: 021 842 96 70/72
Fax: 021 842 96 79
20
6. O “RG” É UMA “DEMONSTRAÇÃO FINANCEIRA” OU UM DOCUMENTO
DE PRESTAÇÃO DE CONTAS?
Esta questão foi-nos colocada por um colega na sequência de um caso prático que lhe
surgiu num processo jurídico.
6.1 – O “RG” no CSC
Como já referimos, o art.º 65.º do CSC determina que os membros da administração o órgão de gestão - da empresa devem elaborar e submeter à assembleia geral de
sócios/accionistas o RG, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de
contas.
Assim, esta disposição desagrega o RG das contas do exercício e dos demais
documentos de prestação de contas. Ou seja, os documentos de prestação de contas
integram o RG, as contas do exercício e outros documentos de prestação de contas.
Assim, recorrendo à teoria dos conjuntos da matemática, o RG, as contas do
exercício e os outros documentos de prestação de contas são sub-conjuntos do conjunto
intitulado “Documentos de Prestação de Contas”.
Sublinhe-se, porém, que o art.º 66.º do CSC apenas se refere ao conteúdo mínimo
(derivada da utilização da expressão “pelo menos”) do RG não clarificando o que se deve
entender por “contas do exercício” e “outros documentos de prestação de contas”.
Uma interpretação que poderá ser efectuada é a de que o legislador deixa essa
clarificação para outras disposições legais, nomeadamente as normas contabilísticas
aplicáveis.
Então, poderemos inferir que as “contas do exercício” corresponderão às
demonstrações financeiras previstas no POC e demais legislação complementar28.
Relativamente aos “outros documentos de prestação de contas”, julgamos que
deverão incluir-se os relatórios emitidos pelo ROC e pelo Conselho Fiscal/Fiscal Único.
Refira-se, ainda, que, no âmbito do CSC, a expressão “prestação de contas”
pressupõe a existência de uma relação biunívoca, i.e., de duas entidades/individualidades:
“quem presta” (o órgão de gestão) e “a quem presta” (os sócios/accionistas).
28
É óbvio que nesta leitura podemos incluir as Directrizes Contabilísticas, as Interpretações e os “POC
Sectoriais” e as Normas Internacionais de Contabilidade (NIC) e Normas Internacionais de Relato Financeiro
(NIRF).
21
6.2 – O “RG” no Código do Registo Comercial
O n.º 1 do art.º 42.º “Prestação de Contas” do Código do Registo Comercial (CRC)29
estabelece que:
“1. O registo da prestação de contas consiste apenas na entrega, para fins de
depósito, da acta de aprovação donde conste a aplicação dos resultados, acompanhada
dos documentos seguintes:
a) O relatório da gestão;
b) O balanço analítico, a demonstração dos resultados e o anexo ao balanço e à
demonstração dos resultados;
c) A certificação legal de contas;
d) O parecer do órgão de fiscalização, quando exista.”
Por outro lado, o n.º 2 do mesmo art.º 42.º do CRC estabelece os documentos sujeitos
a depósito no âmbito da consolidação de contas, em que se inclui o “Relatório Consolidado
da Gestão”.
Como o objectivo (fim) do registo é o de dar publicidade tendo em vista a segurança
do comércio jurídico (art.º 1.º do CRC), então com o depósito das contas estas passam a
estar disponíveis para consulta por todos os interessados, havendo, deste modo, uma
divulgação pública das contas.
6.3 – O “RG” nas Declarações Fiscais em IRC e IRS
Mas poderemos alargar o conteúdo da expressão à apresentação de contas à AF, no
âmbito dos Códigos do IRS e do IRC, designadamente, neste último, no que concerne à
entrega da declaração de rendimentos mod. 22 do IRC (DR22) e da declaração anual de
informação contabilística e fiscal, nos termos dos art.os 109.º, 112.º e 113.º do CIRC.
Além disso, o relatório de gestão (individual e consolidado) é um documento que
integra o “processo de documentação fiscal” ou, simplesmente, o “dossier fiscal” a elaborar
nos termos do art.º 121.º do CIRC, do art.º 129.º do CIRS e da Portaria n.º 359/2000, de 20
de Junho.
29
Com a redacção do Decreto-Lei n.º 198/99, de 8 de Junho.
22
6.4 – Esquema Resumo
No ESQUEMA N.º 1 resumimos esta tripla abordagem da prestação de contas:
ESQUEMA N.º 1 – PRESTAÇÃO DE CONTAS
SÓCIOS/ACCIONISTAS
(ART.º 65.º DO CSC)
ÓRGÃO DE
GESTÃO
PRESTAÇÃO DE
CONTAS A:
ADMINISTRAÇÃO FISCAL
(ART.os 109.º, 112 e 113.º DO CIRC
E ART.º 113.º DO CIRS)
CONSERVATÓRIA DO REGISTO
COMERCIAL (ART.º 42.º DO CRC)
Fonte: Elaboração Própria
No QUADRO N.º 4 seguinte resumimos alguns parâmetros comparativos da
prestação de contas.
QUADRO N.º 4 – PRESTAÇÃO DE CONTAS – ANÁLISE COMPARATIVA
PARÂMETRO
COMPARATIVO
Quem presta?
A quem presta?
(destinatários/entidades)
Disposições legais
(Códigos)
Finalidade Principal
Em que Instituição/órgão
são apresentadas
Documentos de prestação
de contas
Prazos
SÓCIOS OU
ACCIONISTAS
Órgão de Gestão
Sócios ou accionistas
ADMINISTRAÇÃO
FISCAL
Órgão de Gestão
Administração Fiscal
REGISTO COMERCIAL
Código das Sociedades
Comerciais
Deliberação sobre o
relatório e contas e
aplicação dos resultados
Assembleia geral
ordinária
Demonstrações
Financeiras
+
Relatório de Gestão
Códigos do IRC e do
IRS
Liquidação do IRC/IRS
Código do Registo Comercial e
Código das Sociedades Comerciais
Dar publicidade das contas aos
eventuais interessados
Repartições de Finanças
ou internet
Declaração mod. 22 do
IRC (DR22)
+
Declaração Anual de
Informação
Contabilística e Fiscal
(DAICF)
+
Dossier Fiscal
Conservatória do Registo Comercial
Art.º 65.º, n.º 5 do CSC
- 3 meses a contar da data
do encerramento de cada
exercício anual
- Nas empresas com
método de equivalência
patrimonial - Cinco meses
a contar da data do
encerramento de cada
exercício anual
- DR22 (art.º 112.º
CIRC) – Até ao último
dia útil do mês de Maio
(período de tributação
ano civil) ou até ao
último dia útil do 5.º mês
posterior à data do termo
do período (período de
tributação diferente do
ano civil)
- DAICF (art.º 113.º do
CIRC) – Até ao último
Órgão de Gestão
Conservatória do Registo Comercial
Art.º 42.º do CRC
Acta de aprovação de contas
+
Relatório de Gestão
+
Balanço analítico, demonstrações dos
resultados e o anexo ao balanço e à
demonstração dos resultados
+
Certificação Legal das Contas
+
Parecer do Órgão de Fiscalização
Art.º 15.º do CRC
Três meses a contar da deliberação da
sua aprovação.
23
dia útil do mês de Junho
ou, caso optem, nos
termos dos n.os 2 e 3 do
art.º 8.º, por um período
anual do imposto
diferente do ano civil até
ao último dia útil do 6.º
mês posterior à data do
termo desse período
FONTE: Elaboração própria
Um outro aspecto a considerar é o factor “tempo”, pois o termo “prestação de
contas” implica a abordagem de documentos de relato de factos passados, i.e., documentos
históricos ou retrospectivos, i.e., não prospectivos (ou orientados para o futuro).
6.5 – O “RG” nas Normas Contabilísticas
As Demonstrações Financeiras (DF), tradução da expressão anglo-saxónica
“Financial Statement”, de acordo com a referida NIC n.º 1 (item 7) compreendem:
"(a) Balanço;
(b) Demonstração dos resultados;
(c) Uma demonstração que mostre ou:
(i)
Todas as alterações no capital próprio; ou
(ii) Alterações no capital próprio que não sejam as provenientes de
transacções de capital com detentores e distribuições a detentores;
(d) Demonstração de fluxos de caixa; e
(e) Políticas contabilísticas e notas explicativas.”
O POC (item 3.1 “Características da Informação Financeira - Objectivos”) e a
Directriz Contabilística n.º 18 “Objectivos das Demonstrações Financeiras e Princípios
Contabilísticos Geralmente Aceites” estabelecem:
“As demonstrações financeiras devem proporcionar informação acerca da
posição financeira, das alterações desta e dos resultados das operações, para
que sejam úteis a investidores, a credores e a outros utentes, a fim de
investirem racionalmente, concederem crédito e tomarem outras decisões...”
24
A Comissão de Normalização Contabilística (CNC) em parecer (“resposta a
consulta”) datado de 10 de Setembro de 199730, clarificou o seguinte:
“Tendo em atenção os desenvolvimentos actualmente existentes nesta matéria,
considera-se que um conjunto completo de demonstrações financeiras, sob o ponto vista
técnico, integra os seguintes documentos:
a) Balanço, isto é, a demonstração da posição financeira;
b) Demonstração do desempenho ou dos resultados, por naturezas e por
funções;
c) Demonstração dos fluxos de caixa; e
d) Notas anexas às demonstrações anteriores.”.
A Directriz Contabilística n.º 27 “Relato por Segmentos” (item 3) também se refere
às demonstrações financeiras nos seguintes termos:
“Um conjunto completo de demonstrações financeiras inclui o Balanço, as
Demonstrações dos Resultados (por Naturezas e por Funções), o Anexo ao
Balanço e à Demonstração dos Resultados, a Demonstração dos Fluxos de
Caixa e o respectivo anexo.”
Comparando a NIC n.º 1 com as disposições contabilísticas nacionais, elaborámos o
QUADRO N.º 5 seguinte:
QUADRO N.º 5 – As Demonstrações Financeiras
(NIC n.º 1 e Normas Contabilísticas Nacionais)
NIC N.º 1
Balanço
Demonstrações dos Resultados
Políticas contabilísticas e notas
explicativas
Alterações no Capital Próprio
Demonstração dos Fluxos de Caixa
Normas Contabilísticas Nacionais
Balanço (Capítulo 6 e item 14.1 do POC)
Demonstrações dos Resultados por Naturezas
(Capítulo 7 e item 14.2 do POC) e
Demonstrações dos Resultados por Funções
(Directriz Contabilística n.º 20, item 14.3 do
POC)
Anexo ao Balanço e à Demonstração dos
Resultados (Capítulo 8 e item 14.4 do POC)
Não referida. As notas n.os 39 e 40 do ABDR
contém alguma informação.
Demonstrações dos Fluxos de Caixa (Directriz
Contabilística n.º 14 e Capítulo 9 do POC)
Fonte: Elaboração própria
30
Pode ser consultado no site da CNC em www.cnc.min-financas.pt
25
De notar que além do item 7, o item 8 da NIC n.º 1, atrás transcrito (item 5.2.4),
clarifica que o RG não é uma demonstração financeira, quando se refere a expressão “fora
das demonstrações financeiras”.
Contudo, esses itens referem-se ao conteúdo mínimo do RG que assume um carácter
complementar e explicativo das demonstrações financeiras, daí a necessidade de
verificações da conformidade do RG com as contas (demonstrações financeiras) do
exercício.
Finalmente, registe-se que em Fevereiro de 2006 a CNC divulgou no site um
documento intitulado “Projectos de Demonstrações Financeiras para as entidades que
adoptem as IAS/IFRS”, o qual contempla um conjunto de demonstrações financeiras
adaptadas às IAS(NIC)/IFRS(NIRF), incluindo uma “Demonstração das Alterações no
Capital Próprio”.
7. O “RG” NA ACTIVIDADE DOS ROC
7.1 – O Relatório Anual sobre a Fiscalização Efectuada
Além dos aspectos atrás referidos (v.g. art.º 35.º do CSC), sobre a intervenção do
ROC, julgamos oportuno abordar outros, com destaque para os aspectos legais inerentes ao
RG que suscitam a intervenção do ROC, bem como a eventual menção nos relatórios que
deve emitir.
O n.º 2 do artigo 451.º ¨ do CSC31 estabelece:
“2. O membro do conselho fiscal que for revisor oficial de contas deve apreciar
o relatório de gestão, completar o exame das contas com vista à sua certificação
legal e elaborar relatório anual sobre a fiscalização efectuada.”.
Por outro lado, a alínea a) do n.º 1 do art.º 52.º do Decreto-Lei n.º 487/99, de 16 de
Novembro, que aprovou o EOROC, refere que compete ao ROC:
“a) Elaborar relatório anual sobre a fiscalização efectuada, concluindo, entre outros
aspectos, sobre a modalidade de certificação legal das contas ou a declaração de
impossibilidade de certificação legal e também sobre a conformidade do relatório de
gestão com as contas do exercício, distinto do relatório e ou do parecer exigido por
31
Aplicável às sociedades anónimas. O n.º 6 do art.º 262.º do CSC remete para este articulado pelo que
também é aplicável às sociedades por quotas.
26
lei ao órgão de fiscalização em que se integre, dentro dos prazos legais que
vinculam este último, a apresentar ao órgão de gestão e, se o entender, à assembleia
geral.”.
De notar que o Relatório Anual sobre a Fiscalização Efectuada (RAFE) previsto
naqueles dois dispositivos legais é independente da certificação legal das contas (ou
declaração de impossibilidade da certificação legal) e do relatório do fiscal único ou
conselho fiscal, e deve ser elaborado nos termos da Directriz de Revisão/Auditoria 790
(DRA790), de Janeiro de 2003.
A DRA790 esclarece (item 3) que quando se trate de auditoria às contas, i.e.
auditoria de base estatutária (prevista no estatuto da sociedade) ou contratual (celebração de
contrato particular), o RAFE só será obrigatório se tal estiver previsto no estatuto ou no
contrato, mas nada impede que o ROC o apresente no seu próprio interesse ou
conveniência. Ou seja, na “auditoria não imposta por lei”, i.e., não qualificada de “revisão
legal de contas” o ROC não é obrigado a emitir o RAFE.
O item 14 da DRA790 prevê:
“Ao descrever as situações referidas no ponto anterior, e/ou eventualmente outras, o
revisor/auditor deve referir os procedimentos adoptados pela entidade, os seus
efeitos negativos e as acções correctivas que propõe, bem como comentar a eventual
implementação de recomendações feitas anteriormente. Quando as circunstâncias o
justificarem, as situações poderão ser descritas em relatório separado, dirigido aos
mesmos destinatários.
Deve finalmente ser expressa pelo revisor/auditor, neste relatório, a sua apreciação
da conformidade da informação financeira constante do relatório do órgão de
gestão com as demonstrações financeiras do exercício.”
De notar que o ROC deverá descrever no RAFE aspectos que, dada a sua relevância
e significado, entenda sublinhar, nomeadamente os relacionados com o controlo interno,
com a contabilidade e ou informações da gestão, i.e., o ROC deverá assumir uma posição
crítica sobre a gestão da empresa em defesa dos stakeholders.
A DRA 790 (item 13) exemplifica algumas dessas situações:
•
deficiências na gestão e no controlo das existências;
•
inexistência de ou deficiências na contabilidade de custos;
27
•
inadequado controlo do processamento de compras;
•
inexistência de planeamento financeiro e operacional;
•
deficiências na política de pessoal;
•
inadequação da política de seguros;
•
deficiente planeamento fiscal;
•
outros pontos fracos nos sistemas de controlo interno, de contabilidade e/ou de
informação de gestão em uso;
•
incumprimento de requisitos legais, estatutários ou de entidades reguladoras; ou
•
dependência de clientes ou fornecedores.
Sublinhe-se que as disposições em análise estão orientadas para a verificação da
conformidade do RG com as demonstrações financeiras, como resumimos no QUADRO
N.º 6 seguinte:
QUADRO N.º 6 – Verificação pelo ROC do RG com as Contas do Exercício
Disposição Legal e Outras Normas
N.º 2 do art.º 451.º do CSC e n.º 6 do
art.º 262.º do CSC
Alínea a) do n.º 1 do art.º 52.º do DL
487/99, de 16 /11 (EOROC)
DRA790, de Janeiro de 2003 (item
14)
Texto Relativo ao RG
.... deve apreciar o relatório de gestão...
...concluindo entre outros aspectos... e também sobre a conformidade do
relatório de gestão com as contas do exercício...
Deve finalmente ser expressa pelo revisor/auditor, neste relatório, a sua
apreciação da conformidade da informação financeira constante do relatório
do órgão de gestão com as demonstrações financeiras do exercício.
Fonte: Elaboração própria
Refira-se que o RAFE é dirigido aos sócios/accionistas e/ou órgão de gestão da
sociedade e é dos três relatórios emitidos pelo ROC aquele em que deverá desenvolver com
maior pormenor os trabalhos de revisão/auditoria efectuadas, i.e, o RAFE é um documento
crítico por excelência32.
O modelo do RAFE, constante do Apêndice à DRA790, ao utilizar a expressão
“e/ou” dá abertura para que o mesmo seja apresentado apenas a um dos órgãos sociais
(assembleia geral ou órgão de gestão). Tendo em conta o seu conteúdo, julgamos que o
RAFE deve ser sempre apresentado ao órgão de gestão e, facultativamente, aos
sócios/accionistas. Parece-nos, salvo melhor opinião, ser esta a interpretação mais correcta.
32
Apesar disso, não percebemos as razões pelas quais não integram o “dossier fiscal” a elaborar nos termos
da Portaria n.º 359/2000, de 20 de Junho.
28
Mas, será que o sentido das disposições e expressões sublinhadas no QUADRO N.º 5
vão exclusivamente no sentido de o ROC apreciar da conformidade da informação
financeira contida no RG com as demonstrações financeiras ou, como se diz na gíria
popular, verificar se “a cara condiz com a careta?”.
Parece-nos, salvo melhor opinião, que tais disposições/expressões poderão ser
interpretadas de forma mais lata, ao ponto de o ROC poder (dever) apresentar críticas e
sugestões/recomendações sobre o conteúdo do RG, quando este, por exemplo, não abordar
os aspectos legais atrás descritos, especialmente os referidos no art.º 66.º do CSC e demais
legislação.
Com efeito, embora a DRA790 não refira expressamente essa ideia, o Apêndice
(item 6) da DRA que contém um exemplo ilustrativo do RAFE, exemplifica:
“Finalmente, cumpre-nos informar que apreciámos o relatório do Conselho de
Administração, o qual satisfaz os requisitos legais, excepto quanto à evolução
previsível dos negócios sociais, a qual não se encontra abordada no mesmo e que
verificámos a conformidade da informação financeira nele constante com as
demonstrações financeiras do exercício.”
Assim, neste exemplo podemos constatar que o ROC deve pronunciar-se sobre o RG
nos seguintes aspectos:
•
O cumprimento dos requisitos legais atrás enunciados;
•
A conformidade da informação financeira constante do RG com as
demonstrações financeiras.
Neste contexto, podemos inferir que o exemplo supra vai além do disposto nos
normativos em causa, pelo que opinamos que se justifica tal intervenção do ROC, pois a
salvaguarda do cumprimento da lei é um dos requisitos essenciais da profissão, como, aliás,
consta do item 13 da DRA790 ao sublinhar que o ROC deve relatar o “incumprimento de
requisitos legais, estatutários ou de entidades reguladoras”.
Porém, parece-nos óbvio que para evitar as referências no RAFE ao incumprimento
de tais disposições legais, o ROC poderá (deverá) sugerir ao órgão de gestão que as
cumpra, o que, também, se insere no “dever de cooperação” que subjaz ao Código de Ética
e Deontologia Profissional.
29
Ainda no que tange à verificação da conformidade da informação financeira
constante do RG com as demonstrações financeiras, embora a DRA790 não clarifique,
julgamos que a mesma poderá abranger, entre outras, as seguintes situações:
•
Rubricas/contas que têm expressão nas demonstrações financeiras - De notar
que neste aspecto o RG cumpre uma função de complementaridade às
demonstrações financeiras, havendo situações (v.g. art.º 35.º do CSC) em que é
exigida evidenciação, simultaneamente, no anexo ao balanço e à demonstração
dos resultados e no RG;
•
Indicadores (v.g. rácios) económico-financeiros - O ROC deverá proceder à
conferência dos respectivos cálculos, pois caso estes estejam errados poderão
induzir comentários também incorrectos;
•
Outros dados económico-financeiros com reflexos nas demonstrações
financeiras;
•
Factos constantes do art.º 66.º do CSC e demais normativos do CSC que têm
expressão nas demonstrações financeiras, nomeadamente no anexo ao balanço e
à
demonstrações
dos
resultados
(v.g.
despesas
de
investigação
e
desenvolvimento, investimentos, custos, proveitos).
Note-se, porém, que a intervenção do ROC no contexto que descrevemos,
nomeadamente quando apresenta sugestões ou recomendações para inserção no RG que
sejam acatadas pelo órgão de gestão, traduz-se num reflexo directo na elaboração do RG,
i.e., o RG acaba por conter informações suscitadas por essa “ingerência” do ROC, como
profissional responsável pelo acompanhamento da actividade do órgão de gestão, em prol
da defesa dos interesses dos diversos utilizadores/utentes.
Julgamos, até, que essa “interferência” legal do ROC constitui um dos factores mais
positivos da credibilização da função e que fundamenta a independência da sua atitude.
Ainda a propósito deste assunto, destacamos a opinião de SEABRA FRANCO33:
“... a verificação da conformidade do relatório de gestão com as contas do exercício,
o que não significa dever proceder à sua revisão.”.
SEABRA FRANCO não justifica o conteúdo da última parta da frase supra, no que
diz respeito à palavra “revisão”.
33
SEABRA FRANCO, Victor Domingos: op. cit., p. 46.
30
Será que os nossos comentários não podem considerar-se como integrantes do
processo de revisão do RG? Ou, por outras palavras, não se poderá considerar o trabalho do
ROC sobre o RG, nos termos
da DRA790, como um procedimento específico de
revisão/auditoria?
7.2 – Certificação (Legal) das Contas
Em Assembleia Geral Extraordinária realizada em 13 de Abril de 2004, os ROC
aprovaram uma proposta do Conselho Directivo da OROC visando a revisão do EOROC34,
a qual contempla as disposições relativas ao RG a seguir comentadas:
“Art.º n.º 44.º, n.º 3
O revisor oficial de contas deve ainda pronunciar-se quanto à conformidade do
relatório de gestão (individual ou consolidado) com as demonstrações financeiras
do mesmo exercício.”.
Além disso, o n.º 4 do mesmo artigo, sobre os elementos que deverá conter a
certificação (legal) das contas35, prevê na alínea e) o seguinte:
“e) Declaração em que se indique se o relatório de gestão está em conformidade, ou
não, com as demonstrações financeiras do mesmo exercício.”.
Entretanto, foi publicado o Decreto-Lei n.º 35/2005, de 17 de Fevereiro, relativo à
transposição para a ordem jurídica interna da Directiva n.º 2003/51/CE, do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 18 de Junho, que veio incutir uma maior importância ao RG no
contexto da revisão/auditoria às contas, como se depreende da seguinte frase do preâmbulo:
“Adicionalmente, pretende-se assegurar uma maior coerência na elaboração e
apresentação do documento de certificação legal das contas, introduzindo, no
respectivo formato e conteúdo, alterações consentâneas com as melhores práticas
actuais a nível internacional.”.
Neste contexto, foram alterados o n.º 3 do art.º 451.º, o n.º 3 do art.º 453.º e o n.º 3 do
art.º 508.º-D do CSC, de forma a incutir uma maior importância à verificação pelo ROC do
RG, o que suscitou a alteração dos modelos de “certificação (legal) das contas” constantes
34
Apesar de já se terem passado dois anos ainda não foi publicado no novo Estatuto. A proposta está
disponível no site da OROC em www.oroc.pt.
35
De notar que a referência à palavra “legal” entre parênteses destina-se a contemplar os dois tipos de
relatórios: a “certificação legal das contas” no âmbito da revisão legal das contas e a “certificação das contas”
(sem a palavra “legal”) no contexto da auditoria às contas.
31
das Directrizes de Revisão/Auditoria n.os 700, 701 e 702, conforme Circular n.º 05/06, de
24 de Janeiro, da OROC.
Assim, o novo, modelo passou a incluir o item 5 com o seguinte texto:
“5. O nosso exame abrangeu também a verificação da concordância da informação
financeira constante do relatório de gestão com as demonstrações financeiras.”.
De notar que numa primeira versão do novo modelo de certificação (legal) das
contas, comunicado pela Circular n.º 47/05, de 5 de Julho, a referência ao RG constava não
só do parágrafo do “âmbito” mas também do parágrafo da “opinião” com o seguinte texto:
“9 – É também nosso parecer que o relatório de gestão é concordante com as
demonstrações financeiras (g).”36.
Face ao exposto, inferimos o seguinte:
− A referência ao RG consta apenas do “âmbito” da certificação (legal) das
contas.
Esta opção da OROC poderá não estar (é, pelo menos, discutível) em
consonância com a redacção da alínea e) do n.º 3 do art.º 451.º do CSC que
determina que a certificação deve incluir:
“e) um parecer em que se indique se o relatório de gestão é ou não concordante
com as contas do exercício.”.
Com efeito, o item 5 atrás transcrito, inserido no “âmbito” da Certificação
(Legal) das Contas, não constitui uma afirmação ou negação da concordância do
RG com as contas do exercício mas apenas a descrição de que o exame/teste foi
efectuado.
Ou seja, será que esse parágrafo abrange, nomeadamente, a eventual situação da
“não concordância” do RG com as contas do exercício?
− O n.º 4 do art.º 44.º da proposta de revisão do EOROC, atrás comentado, referese a uma “declaração em que se indique se o relatório de gestão está em
conformidade, ou não, com as demonstrações financeiras do mesmo exercício”,
pelo que não nos parece que o modelo aprovado esteja também de acordo com
essa proposta.
36
A alínea g) tinha o seguinte texto: “se não houver concordância, indicar as diferenças.”.
32
− Julgamos que a DRA n.º 790 relativa ao RAFE deverá ser alterada, de forma a
eliminar as referências a que atrás aludimos, pois pode não fazer sentido que
essa informação conste dos dois relatórios do ROC.
− Com esta alteração, o exame do RG pelo ROC passa, indiscutivelmente, a ter
maior importância no trabalho de revisão/auditoria às contas.
7.3 – Exame dos Documentos de Prestação de Contas sujeitos a depósito
Finalmente, sublinhamos que o envolvimento do ROC no trabalho de
revisão/auditoria ao RG alarga-se à necessidade de ter de examinar os documentos de
prestação de contas a publicar, face ao previsto na Recomendação Técnica n.º 1 de Abril de
1986 da OROC37, sob o título “Conferência dos Documentos de Prestação de Contas a
Publicar”.
8. O “RG” NA ACTIVIDADE DOS TOC
O RG deve descrever com o referido rigor a actividade presente e futura da empresa,
que é espelhada nas contas da empresa, i.e., nas demonstrações financeiras, pelo que, em
nossa opinião e salvo melhor, o TOC terá de assegurar que as informações contidas nos
dois documentos estão correcta e coerentemente divulgadas. Serão os casos, por exemplo,
das informações sobre os indicadores/rácios, os quadros de desenvolvimento dos proveitos
e ganhos e dos custos e perdas, o n.º de trabalhadores, etc.
Sabemos que, na prática, e principalmente nas empresas de reduzida dimensão, o
próprio TOC colabora activamente na elaboração do relatório de gestão, pelo que, nesse
caso, haverá uma maior segurança na informação contida nesses documentos. Porém, nas
empresas de maior dimensão, quem, efectivamente, elabora o relatório de gestão é o órgão
gestionário da empresa, pelo que o TOC deverá desenvolver essa tarefa de conferência com
o exigido rigor.
É óbvio que a intervenção do TOC tem alguma justificação/compreensão pelo facto
de os responsáveis pelo órgão de gestão não exercerem tais competências legais, devido,
não raras vezes, a insuficiências culturais e ao desconhecimento técnico justificado. Porém,
mesmo nestes casos, o TOC deveria promover um diálogo com o órgão de gestão e
proceder à feitura conjunta, pois acontece que, não raras vezes, o RG é assinado “de cruz”.
37
De notar que esta norma exemplifica algumas situações em que se verificam disparidades entre os
documentos de prestação de contas, destacando-se o da “discordância entre os valores referidos nas
demonstrações financeiras e os constantes do relatório de gestão.”.
33
A propósito, Gonçalves e Lima38 referem:
“Apesar de não aparecer, como obrigação do TOC a elaboração do relatório de
gestão, na prática verifica-se, sobretudo nas pequenas e médias empresas, que é este
que o elabora e como refere o parecer jurídico da CTOC já anteriormente referido:
“Se for (o TOC) responsável pela elaboração do relatório de gestão, deverá,...
mencionar este facto no relatório.””
De notar que, contrariamente aos ROC, os TOC não têm qualquer obrigatoriedade
legal de intervir directa ou indirectamente na elaboração do RG. Com efeito, quer o Código
das Sociedades Comerciais quer o normativo aplicável à profissão – o ECTOC e CDTOC –
não prevêem qualquer intervenção do TOC nesta matéria.
No entanto, julgamos que o TOC poderá (deverá) intervir, especialmente nas
empresas que não estão sujeitas à revisão legal das contas, pois, é o único técnico
especializado que poderá auxiliar o órgão de gestão na elaboração do RG.
Aliás, verificamos que nessas mesmas micro e pequenas empresas é o próprio TOC
que redige o RG (com ou sem colaboração do órgão de gestão) e o submete a assinatura do
órgão de gestão.
Esta iniciativa poderá enquadrar-se no que o art.º 11.º “Deveres de informação” do
CDTOC que determina:
“Os Técnicos Oficiais de Contas devem prestar a informação necessária às
entidades onde exercem funções, sempre que para tal sejam solicitados e por
iniciativa própria, nomeadamente:
a)
Informá-las das suas obrigações contabilísticas, fiscais e legais relacionadas
exclusivamente com o exercício das suas funções;
b)
Fornecer todos os esclarecimentos necessários à compreensão dos relatórios e
documentos de análise contabilística;
c)
....”
Assim, repetimos, nessas micro e pequenas empresas, e em especial as não sujeitas a
revisão legal das contas, o TOC poderá (deverá) desempenhar um papel mais ou menos
38
GONÇALVES, Cristina e LIMA, Rui: Aspectos Fiscais e Contabilísticos sobre Dissolução e Liquidação de
Sociedades e Cessação de Actividade, Cobertura de Prejuízos e Redução de Capital (art.º 35.º), Manual da
Acção de Formação Eventual da CTOC de 14/10/2002 a 07/11/2002, p. 79.
34
similar ao ROC no que tange à verificação da conformidade do relatório de gestão com as
demonstrações financeiras, pois estas últimas são também assinadas pelo TOC no âmbito
do art.º 6.º, n.º 1 alínea c) do ECTOC. É uma questão de apelo à diligência, à competência e
ao zelo profissionais.
Porém, não podemos concordar com o facto atrás referido, de no caso do TOC
elaborar o RG, se mencionar essa situação no RG, pois o TOC poderá ser chamado a
assumir responsabilidades que a lei claramente não lhe atribui.
Alertamos, ainda, para o facto de, como já referimos em artigo anterior39, o Código
das Sociedades Comerciais não ter sido alterado (será que deveria sê-lo?) para contemplar
as funções e responsabilidades do TOC na elaboração das demonstrações financeiras.
Podemos questionar o seguinte: será que as demonstrações financeiras poderão ser
submetidas à assembleia geral de apreciação e aprovação de contas sem a assinatura do
TOC?
Na verdade, o art.º 65.º do CSC não impõe tal exigência que resulta apenas do citado
art.º 6.º do ECTOC, o que poderá conduzir a responder afirmativamente aquela questão,
que, porém, não deixa de ser discutível e passível de análise jurídica para a qual não nos
julgamos competentes.
Fazendo um pouco de história, não podemos ignorar que o primeiro Código
Comercial Português de 1833 (designado por “Código Ferreira Borges”, em homenagem ao
seu autor José Ferreira Borges) contemplava a profissão de guarda-livros nos seguintes
termos (art.º XXIII, Parte I, Livro I, Título IV, Secção II)40:
“Todo o commerciante pode fazer a sua escripturação mercantil por si, ou por
outrem; mas neste caso é obrigado a dar ao guarda-livros que empregar, uma
autorização especial, e por escripto – Esta autorização será registrada no registro
publico do commercio.”.
Note-se, todavia, que o “velhinho” Código Comercial ainda em vigor e desde 1888
(designado de “Código Veiga Beirão”, em homenagem ao seu autor Francisco António da
Veiga Beirão) deixou de efectuar referência à profissão de “guarda-livros”, o que constituiu
39
Sobre este assunto elaborámos um artigo de opinião intitulado “Os TOC e o Código das Sociedades
Comerciais”, Semanário Económico n.º 1064, de Agosto de 2004.
40
Transcrição no português da época.
35
um revés histórico no desenvolvimento da profissão e que mereceu contestações diversas,
como a de Ricardo José de Sá, a qual sublinhámos em artigos anteriores41.
CONCLUSÕES
Neste trabalho pretendemos apresentar alguns aspectos históricos e actuais relativos
à elaboração do RG, enfatizando a legislação societária aplicável.
Alertamos para os efeitos no RG do normativo contabilístico nacional (v.g. POC,
Directrizes Contabilísticas) e internacional (v.g. Directivas, IAS/IFRS, Recomendações) e
de outras normas (v.g. Código de Registo Comercial).
Relevamos, também, outros aspectos legais inerentes à concepção do RG, no que
concerne aos profissionais envolvidos na sua verificação, com especial destaque para os
ROC.
Relativamente ao exame do RG pelo ROC, destacamos o facto de, a partir de 1 de
Janeiro de 2006, o principal relatório – a certificação (legal) das contas – passar a
contemplar expressamente no parágrafo do “âmbito” que o ROC verificou a concordância
do RG com as demonstrações financeiras.
Em relação à intervenção do TOC, clarificamos que não existe nenhuma
obrigatoriedade legal, societária ou estatutária, de o TOC proceder a qualquer verificação
semelhante à do ROC.
Porém, constata-se que, nas micro, pequenas e médias empresas, o TOC acaba por
assumir um papel interventivo, ao ponto de, em muitas circunstâncias, ser ele próprio a
elaborar o RG, dando-o a assinar ao órgão de gestão da sociedade.
Independentemente do suporte legal, defendemos que o TOC, especialmente
naquelas empresas, possa, efectivamente, assumir esse protagonismo. No entanto, não
deverá sublinhar tal facto no RG como é sugerido num parecer técnico da CTOC.
41
Sob os títulos:
− Ricardo de Sá e a "dívida" dos Técnicos de Contas, Revista TOC n.º 69, Dezembro de 2005, e nosso
livro História da Contabilidade em Portugal – Reflexões e Homenagens, Áreas Editora, Janeiro de
2005, pp. 279-292 e disponível para download no Portal INFOCONTAB;
− Ricardo de Sá - Um Homem da e para a contabilidade, Comunicação nas III Jornadas de História de
Contabilidade da APOTEC realizada em Lisboa no dia 3 de Fevereiro de 2006, disponível para
download no Portal INFOCONTAB.
36
BIBLIGRAFIA
•
BJÖRN STIGSON: A Jornada do WBSCD pela Corporate Social Responsability,
Impactus – Empresa Sustentável, n.º 0, de Abril 2004, pp. 6-10.
•
CÂMARA DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS, Estatuto da Câmara dos
Técnicos Oficiais de Contas (ECTOC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 452/99, de 5
de Novembro.
o
Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas (CDTOC).
•
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS.
•
CÓDIGO DO REGISTO COMERCIAL.
•
CÓDIGO
DO
IMPOSTO
SOBRE
O
RENDIMENTO
DAS
PESSOAS
COLECTIVAS.
•
COLAÇO, João: O Relatório da Gestão, Boletim APECA n.º 123, 4.º Trimestre de
2005, pp. 33-51.
•
COMISSÃO DE MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS, Recomendações da
CMVM sobre o Governo das Sociedades Cotadas
o
Regulamento CMVM n.º 7/2001
o
Regulamento CMVM n.º 11/2000
o
Regulamento CMVM n.º 11/2003
o
Governo das Sociedades Anónimas: Proposta de Alteração do Código das
Sociedades Comerciais – Processo de Consulta Pública n.º 1/2006, de Janeiro
de 2006.
•
COMISSÃO
DE
NORMALIZAÇÃO
CONTABILÍSTICA,
Directrizes
Contabilísticas n.os 1, 3, 7, 8, 12, 14, 18, 19, 23, 24, 27 e 29.
•
CUNHA GUIMARÃES, Joaquim Fernando da: O Sistema Contabilístico e Fiscal
Português, Ed. Vislis, Lisboa, Novembro de 2000.
o
Temas de Contabilidade, Fiscalidade e Auditoria, Ed. Vislis Editores, Lisboa,
2001.
o
O Relatório de Gestão – Sua Importância na Actividade dos TOC, Semanário
Económico n.º 712, de 1 de Setembro de 2000, TOC n.º 16, de Julho de 2001 e
37
Temas de Contabilidade, Fiscalidade, Auditoria, Ed. Vislis Editores, Lisboa,
2001, pp. 211-2.
o
As Directrizes Contabilísticas – Sua Importância no Contexto da Normalização
Contabilística Nacional, Revisores & Empresas n.º 20, de Jan/Março de 2003,
pp. 1-9.
o
Órgão de Gestão e as Contas (I), Vida Económica n.º 1046, de 9 a 15 de Abril
de 2004, p. 36.
o
A Contabilidade - Utilidade para a Gestão (Decisão), Revisores & Empresas
n.º 25, de Abril/Junho de 2004, pp. 44 - 50
o
Órgão de Gestão e as Contas (II), Jornal Vida Económica n.º 1047, de 16 a 22
de Abril de 2004, p. 36.
o
Os Relatos do Órgão de Gestão, Jornal AIMINHO n.º 50, Maio de 2004, p. 29
e Jornal Vida Económica n.º 1053, de Maio/Junho de 2004, p. 52.
o
Os TOC e o Código das Sociedades Comerciais, Semanário Económico n.º
1064, de Agosto de 2004.
o
Ricardo de Sá e a "dívida" dos Técnicos de Contas, TOC n.º 69, Dezembro de
2005, e História da Contabilidade em Portugal – Reflexões e Homenagens, de
Joaquim Fernando da Cunha Guimarães, Áreas Editora, Janeiro de 2005, pp.
279-292.
o
Ricardo de Sá - Um Homem da e para a contabilidade, Comunicação nas III
Jornadas de História de Contabilidade da APOTEC realizada em Lisboa no
dia 3 de Fevereiro de 2006.
o
Portal INFOCONTAB, O Portal da Contabilidade em Portugal, em
www.infocontab.com.pt.
•
DECRETO-LEI N.º 534/80, DE 7 DE NOVEMBRO.
•
DECRETO-LEI N.º 262/86, DE 2 DE SETEMBRO (Aprova o Código das
Sociedades Comerciais)
38
•
DECRETO-LEI N.º 411/91, DE 17 DE OUTUBRO.
•
DECRETO-LEI N.º 88/2004, DE 20 DE ABRIL.
•
DECRETO-LEI N.º 35/2005, DE 17 DE FEVEREIRO.
•
DECRETO-LEI N.º 76-A/2006, DE 29 DE MARÇO DE 2006.
•
GONÇALVES, Cristina e LIMA, Rui: Aspectos Fiscais e Contabilísticos sobre
Dissolução e Liquidação de Sociedades e Cessação de Actividade, Cobertura de
Prejuízos e Redução de Capital (art.º 35.º), Manual da Acção de Formação
Eventual da CTOC de 14/10/2002 a 07/11/2002, p. 79.
•
INTERNATIONAL ACCOUNTING STANDARD BOARD (IASB), NORMA
INTERNACIONAL
DE
CONTABILIDADE
N.º
1
“Apresentação
de
Demonstrações Financeiras” (Revista em 1997).
•
ORDEM DOS REVISORES OFICIAIS DE CONTAS: Estatuto da Ordem dos
Revisores Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 487/99, de 16 de
Novembro.
o
Directriz de Revisão/Auditoria n.º 790, de Janeiro de 2003, “Relatório Anual
sobre a Fiscalização Efectuada”.
o
Interpretação Técnica n.º 14 (1.ª revisão) – “Perda de Metade do Capital”, de
Janeiro de 2005.
•
PEREIRA EUGÉNIO, Teresa Cristina: DC n.º 29 – Que implicações na
apresentação de informação no Relatório e Contas? TOC n.º 74, Maio de 2006, pp.
45-50.
•
SEABRA FRANCO, Victor Domingos: Sobre o Conteúdo do Relatório de Gestão,
Revisores & Empresas, n.º 5, Abril/Junho de 1999, pp. 41-52.
•
UNIÃO EUROPEIA: 4.º Directiva
o
7.ª Directiva.
o
Recomendação 2001/453/CE da Comissão Europeia de 30 de Março de 2001
– Respeitante ao reconhecimento, à valorimetria e a prestação de informação
sobre as questões ambientais nas contas anuais e no relatório de gestão das
sociedades.
39
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