ANÁLISE DOS ASPECTOS AMBIENTAIS E GEOMORFOLÓGICOS NA MICROBACIA DO RIO GRANJEIRO, MUNICÍPIO DO CRATO-CE Salim Kalil Aby Faraj Filho Departamento de Geografia – UFRN RESUMO Este trabalho propõe a analise, de forma geral, as formas mais expressivas encontradas na micro-bacia do rio Granjeiro e sua ligação com a geomorfologia local. Esse estudo contou com observações de campo, empregando o método de análise sistêmica, juntamente com a revisão documentária sobre o assunto em questão. A área da microbacia está compreendida numa região pediplanada, sedimentar, onde tem sua nascente no sopé da chapada do Araripe. Sua litologia é composta basicamente de arenito proveniente das formações superiores da chapada e trazidos até o sopé por deposição em decorrência, basicamente, das chuvas orográficas comuns naquela área. A Chapada do Araripe apresenta camadas geológicas inclinadas na direção norte-nordeste, grande permeabilidade do capeamento arenítico superior favorecendo a infiltração das águas e o abastecimento dos lençóis subterrâneos cujo contato com a camada subjacente de folhelho e calcário pouco permeáveis dão origem as nascentes que alimentam numerosos riachos e rios, entre eles o rio Granjeiro que corta a cidade do Crato no sentido sul / nordeste e deságua no rio Batateiras. Suas formas estão diretamente ligadas a litologia, geomorfologia e precipitação local, fatores estes anômalos em meio à caatinga e as poucas precipitações na grande maioria do sertão nordestino. Palavras-chave: Geomorfologia. Hidrologia. Chapada. Litologia. 1. Introdução Localizada no extremo sul do Estado do Ceará, já próximo da divisa deste com o estado de Pernambuco, a microbacia do rio Grangeiro, encontra-se totalmente inserida na área sedimentar do município do Crato cortando suas terras e banhando sua sede e o distrito do Belmonte. Desenvolve-se na encosta da Chapada do Araripe e no pediplano adjacente a esta, e, segundo Ribeiro (2004), ocupa uma área total de 20,96 km2. Tem importância singular no processo de ocupação e povoamento do município, o qual apresenta maior concentração populacional exatamente em áreas da microbacia ou adjacentes a esta. Geograficamente, esta microbacia encontra-se, aproximadamente, entre as coordenadas 70 13’ e 70 17’ de latitude sul e 390 23’ e 390 28’ de longitude oeste (RIBEIRO, 2004, p. 17). Sua nascente encontra-se na encosta da Chapada do Araripe, a partir de ressurgências do sistema aqüífero superior em contato com a formação inferior a esta, e deságua no Rio Batateiras, próximo à saída para Juazeiro do Norte. Em seus alto e médio cursos, percorre áreas predominantemente rurais, passando a cortar a cidade do Crato no médio-baixo curso onde recebe grande quantidade de dejetos poluentes. Em seu canal fluvial algumas formas são encontradas, formadas, muitas vezes pelo processo de assoreamento, desmatamento da mata ciliar, deposição de rejeitos sólidos lançados ao seu curso pela população, entre outros. Em alguns dos seus trechos, principalmente o médio-baixo curso, é evidente os meandros e os canais abandonados decorrentes da deposição excessiva de material originário da encosta da chapada (alto curso). Forma, ainda, uma série de interflúvios, terraços e planícies aluviais, formando terrenos com declividades. (Guerra e Sampaio, 1996 in Ribeiro, 2004). A microbacia apresenta 10,3 km de comprimento (medido pela distância em linha reta entre a foz e o ponto do perímetro correspondente à metade do seu total). Sua forma geral é alongada (podendo ser inferida tanto pelo seu índice de forma – aproximadamente 1,75 – como pelo seu traçado geral em um mapa). Isto se deve à componente estrutural, uma vez que seus rios correm encaixados prioritariamente em falhas advindas de seu embasamento e ainda influentes em superfície. Esta estrutura também é responsável pela formação de seus interflúvios internos e de seus divisores com as microbacias adjacentes – a do rio Batateiras, à oeste, que lhe é nível de base, e a do Saco-Lobo, à leste. (RIBEIRO, 2004, p. 73). Os profundos solos aluvionares que compõe a área banhada pela bacia, a conseqüente propensão á agricultura, além dos recursos hídricos disponíveis, fazem com que a região apresente uma densidade demográfica sensivelmente mais elevada que a encontrada em seu entorno, no restante das áreas semi-áridas. O município do Crato apresenta certa homogeneidade geoambiental, em especial no que se refere à litologia e solos, fato decorrente dos espessos pacotes sedimentares depositados na região no período Cretáceo que formam a Bacia Sedimentar do Araripe que recobrem grande parte de seu território (RIBEIRO, 2004). Os ventos úmidos trazidos do litoral através da calha do rio Jaguaribe provocam chuvas orográficas nessa região de barlavento (nordeste da Chapada). Essas águas precipitadas percolam no arenito que compõe a parte superior da chapada do Araripe e resurgem na sua encosta dando origem a vários pontos de nascentes de rios, dentre eles o rio Granjeiro. Suas vertentes laterais são bem visíveis e definidas, dando uma boa noção da área da bacia facilitando sua delimitação. Elas também permitem identificar o centro urbano da cidade do Crato assim como uma parte do rio Granjeiro que se encontra no vale, ou ainda, na área de contato dessas duas vertentes. Na vertente esquerda se encontra o bairro do Seminário, o mais antigo em ocupação, sendo este totalmente ocupado pela população e abrigando o histórico seminário da cidade em seu alto. A vertente direita, o alto da penha (ou Barro Vermelho) com ocupação mais recente, porém não menos degradante, também abriga o bairro do Sossego, um dos mais povoados da cidade. Com camadas geológicas inclinadas para norte-nordeste, a chapada funciona como um potente captador d’água, uma vez que possui um capeamento de arenito poroso (formação Exu) sobre as camadas de folhelho e calcário pouco permeável (formação Arajara). A água que incide em seu topo por precipitação, infiltra com rapidez devido á porosidade e a permeabilidade do arenito superior e a sua estrutura tabular. Devido às diferenças de permeabilidade das camadas, estas águas formam um lençol freático de proporções significativas, que ressurgem em vários pontos da encosta dando origem a rios e riachos perenes pouco comuns no sertão nordestino. A Chapada do Araripe pode ser expressa como uma superfície tabular estrutural, com topo conservado devido à drenagem inexpressiva, com nível de aproximadamente 800m em média, e abrangência territorial de 6.230 km2 (RIBEIRO, 2004). Seus rebordos apresentam-se fortemente dissecados, formando escarpas erosivas, mais abruptas nos setores nordeste e sul (Prates et al., 1981). Territorialmente, esta chapada apresenta pouca expressividade na microbacia do Grangeiro, porém desempenha grande papel na captação das águas pluviais que acabam por originar fontes responsáveis por seus rios e riachos contribuintes. De acordo com Ribeiro (1997) a chapada do Araripe pode ser representada por três compartimentações geomorfológicas. A primeira sendo o topo da chapada (ou zona de chapada), a segunda a encosta ou vertente da chapada (subdividida em alta e baixa encosta, de acordo com a declividade onde ocorrem as ressurgências) e por ultimo o pediplano, representando a compartimentação geomorfológica da área em estudo. Sobre as características morfológicas da chapada, Ribeiro (2004, p.63) afirma que a vertente da Chapada voltada para o norte-nordeste, e em especial aquela abrangida pelo município do Crato, compõe-se de duas partes. A superior constituída por uma escarpa arenítica, abrupta, de perfil acentuadamente vertical, que na região é conhecida como “talhado”, constituída basicamente pelos arenitos da Formação Exu. A inferior, abaixo do talhado, também denominada talude tem vertente formada por uma espécie de patamar dissecado que apresenta uma superfície de topografia irregular. É no contato entre a escarpa e o talude (contato entre as formações Exu e Arajara na base da escarpa, e no âmbito desta última formação) que se dá a ressurgência da água infiltrada no topo, dando origem a numerosas fontes. Estas são as formadoras de rios e riachos que compõem a microbacia do rio Grangeiro. (RIBEIRO, 2004, p. 81). A explicação existente para a gênese desse canal fluvial é que duas forças externas principais atuam sobre a água que flui em canais abertos: gravidade e fricção. Climatologicamente a região do Cariri, ainda que com características do semi-árido, se apresenta como um diferencial em meio ao cenário de esturriques do sertão nordestino. Isso se deve a sua proximidade com a Chapada do Araripe, uma vez que esta funciona como um receptador de umidade devido a sua altitude. Sendo uma área a barlavento da Chapada do Araripe, o município do Crato recebe ar ascendente com significativa umidade relativa advinda do litoral e da evaporação das águas do rio Jaguaribe. As precipitações nesta área são mais freqüentes e abundantes se compararmos com as médias pluviométricas das regiões adjacentes a esta no semi-árido nordestino. A carga detrítica do Rio Granjeiro se confunde com o excesso de material originário do assoreamento do rio pela retirada da sua vegetação original. Se observa em seu córrego grande volume de detritos como rochas, partículas arenosas e etc. tudo vindo do alto curso do rio devido a ausência da sua cobertura vegetal natural. Quase a totalidade dos seus rios tributários já sofreu ou sofrem algum tipo de agressão. Suas vertentes apresentam desmatamentos e formas erosivas se aplicam em sua bacia, resultando no conseqüente assoreamento dos canais contribuintes e, da mesma forma, no canal principal. Em épocas pretéritas, o mesmo rio já possuiu grande poder de transporte ou arrasto. Em outras palavras, já possuiu volume e energia suficiente para transportar volumosos seixos rochosos provenientes do seu alto curso. Geológica e pedologicamente a área dessa bacia sedimentar é composta basicamente por solos de aluviões compostos por sedimentos Quaternários depositados ao longo do tempo no vale do rio por suas águas tendo maior expressividade no baixo vale, próximo à sua desembocadura no rio Batateiras. Estes solos têm em sua constituição areias finas a grosseiras, incluindo cascalhos inconsolidados e argilas com matéria orgânica em decomposição (Gomes et al., 1981). As áreas do baixo vale são rurais e mais intensamente ocupadas por culturas, especialmente a da cana-de-açúcar, e de forma mais expressiva na confluência Grangeiro-Batateiras. Formam também áreas planas no vale do riacho da Vala, este sendo o último afluente da margem direita do Grangeiro, ocorrendo na confluência desses dois uma grande planície aluvial na maior parte da área urbana do Crato. O riacho da Vala é um dos mais importantes afluentes do rio Granjeiro, este sendo altamente influenciado pelos processos urbanos, entre eles o mais grave: a poluição por águas servidas. Grande parte do seu canal já se encontra degradado. Está urbanizado e suas laterais ou bordas já se encontram moldadas com concreto. A vegetação que compõe a bacia apresenta algumas diferenças entre as suas espécies nativas. Influenciadas pelo solo, relevo e a umidade oriunda das fontes, o porte e a densidade das espécies é maior na encosta da chapada, onde se tem a nascente, que nos interflúvios da microbacia e no pediplano. Segundo a denominação utilizada pelo Instituto de Planejamento do Estado do Ceará – IPLANCE (1989), na área da microbacia são encontrados os seguintes tipos de vegetação: Floresta Subcaducifólia Tropical Xeromorfa, Floresta Subperenifólia Plúvio-Nebular, Floresta Subcaducifólia Tropical Pluvial e Floresta Caducifolia Espinhosa. Na área da microbacia a vegetação natural predominante é o Cerradão. Desenvolvendo-se a uma altitude média de 800 a 900 metros sobre solos arenosos distróficos e álicos, é também denominado de Floresta Subcaducifólia Tropical Xeromorfa (FIGUEIREDO, 1989). Ali as médias pluviométricas giram em torno de 1.000 mm. A cobertura vegetal da área é classificada como Cerrado por possuir espécies dotadas de características deste como, por exemplo, sua composição florística, cascas suberosas, folhas largas, brilhantes e persistentes. O porte de suas espécies e a densidade maior de seus indivíduos justificam a denominação de Cerradão. (FIGUEIREDO, 1989). O porte e a densidade da vegetação aumenta do baixo para o alto curso do canal. Esse fenômeno se explica pelo fato da nascente do rio se encontrar na encosta da chapada, área que recebe forte influencia da umidade proveniente dos ventos úmidos que encontram como barreira natural a chapada, provocando, muitas vezes, chuvas orográficas que acabam por alimentar as fontes. Outra forma de precipitação que também tem importância na manutenção desta vegetação é o orvalho proveniente do nevoeiro sobre os níveis mais elevados. Nestas áreas encontramos a Floresta Subperenifolia Tropical Plúvio-Nebular, também chamada de Mata Úmida (FIGUEIREDO, 1989). Em altitudes menores, desenvolve-se a Floresta Subcaducifolia Tropical Pluvial (Matas Secas). Recobre as vertentes de níveis tabulares, menos favorecidos pelas chuvas. Encontram-se indivíduos da Mata Úmida e da Caatinga Arbórea, cuja faixa de amplitude permite viver neste ambiente (FIGUEIREDO, 1989). Ainda, Figueiredo (1989) afirma que a vegetação natural da maior parte do pediplano é composta basicamente pela Floresta Caducifolia Espinhosa (Caatinga Arbórea), vegetação xerófila, com árvores altas (até 20 m), de caules retilíneos e um sub-bosque de arvoretas, arbustos e sub-arbustos efêmeros. Os indivíduos encontram-se isolados ou não, constituindo uma vegetação aberta, na área mais seca, ou densa, na área mais úmida. Nas áreas próximas às fontes, nas áreas deprimidas e à jusante da microbacia, onde esta se une ao vale do rio Batateiras formando uma ampla planície fluvial, encontrava-se um grande número de palmáceas, como carnaúba (Copernícia cerifera) catolé (Syagrus comosa), babaçu (Orbignya) macaúba (Acronomia intrumescens) e buriti (Mauritia vinifera). A cobertura vegetal original da microbacia, e em especial de seu baixo curso, porém, encontra-se majoritariamente substituída por culturas permanentes e temporárias, em especial cana-de-açúcar, capim e consórcios de feijão-milho. (RIBEIRO, 2004, p. 105). Segundo Barros (1964) encontrava-se originalmente uma vegetação arbórea mais densa nos principais cursos d’água da microbacia, com grande expressividade das espécies da Floresta Subperenifólia Plúvio-Nebular, constituindo a Mata Ciliar devido a maior umidade advinda do lençol e/ou da infiltração lateral. 2. Uso e ocupação do solo Seguindo o processo de povoamento do interior do Nordeste brasileiro, o Cariri cearense recebeu na segunda metade do século XVII, vaqueiros que traziam gado para o interior a fim de mantê-los longe das plantações de cana-de-açúcar e assegurar a produção de carne e leite para o consumo dos engenhos. Recebeu também, alguns exploradores baianos que perseguiam índios para escravizá-los e buscavam novas terras. Esses elementos humanos foram os responsáveis pela ocupação do Cariri. Em cada leva de vaqueiros e exploradores somava-se a região mais alguns moradores vindos de outras partes do Nordeste e do Brasil. Assim como na maioria das cidades do sertão nordestino, a colonização da cidade do Crato dependeu de fatores naturais como à presença de água abundante e pasto para o gado. A perenidade de seus rios e riachos talvez fosse o maior atrativo para esses visitantes. A cidade nasceu na margem direita do rio Granjeiro onde logo foi construída a igreja matriz e as primeiras residências no atual centro da cidade. Em 1750 foram construídos os primeiros engenhos de cana-deaçúcar vindos de Pernambuco (ANDRADE, 1986, p. 156). A presença desses engenhos reforça a afirmação de que a região dispõe de condicionantes naturais especiais se comparado às demais áreas esturricadas do semi-árido. Contudo, a ocupação causou impactos ao meio natural da área. Desmatamentos e uso inadequado dos recursos hídricos são alguns exemplos desses impactos. Com a instalação dos engenhos, por exemplo, houve a necessidade de desmatar algumas áreas para o plantio da cana-de-açúcar. Nesse contexto, a microbacia do rio Granjeiro se insere nesse processo de degradação, uma vez que foi elemento determinante para a ocupação da cidade do Crato. Desde os primeiros sinais de ocupação da área pelo homem, o rio vem perdendo volume e vida no decorrer de seu curso. Poluição, assoreamento, desmatamento da mata ciliar, má utilização das suas águas, desvio do seu curso natural, acumulação de lixo no seu interior e nas margens do rio são alguns sintomas da urbanização crescente na área. Atualmente, da nascente até a desembocadura do rio Granjeiro na confluência com o rio Batateiras, é visível a degradação, principalmente no seu baixo curso. Suas águas recebem grande quantidade de dejetos originários dos esgotos domésticos da cidade. Apesar da prática da agricultura próximo à área da nascente, esta encontrase ainda preservada em área rural e é de propriedade particular. A propriedade dessas nascentes é conseqüência de um fator histórico, pois todas aquelas terras pertenciam ao Barão do Exu. Ainda na época do império a região do topo e encosta da chapada, ou seja, formação Exu e Santana respectivamente, foi criada a Floresta Nacional do Araripe (FLONA) a fim de preservar para as posteriores gerações toda a riqueza natural ali existente, porém a área já possuía donos, os herdeiros do barão do Exu. Esses não foram indenizados e as terras continuaram sendo de propriedade particular. Ainda no alto curso, as agressões contra o rio já são reais. O desvio da água do córrego natural para irrigações, balneários e para o consumo bovino nas áreas próximas a sua nascente são alguns exemplos do mau uso da água no alto curso do rio. Na baixa encosta da Chapada do Araripe, alto curso do rio, a ocupação residencial se tornou o mais recente desafio para a sobrevivência do rio Granjeiro. A especulação imobiliária está levando a ocupação do alto curso pelas classes média e média–alta. Ainda que a ocupação seja efetuada por essa fatia beneficiada da sociedade, não há planejamento nas edificações e na infra-estrutura. Tudo é construído de acordo com os anseios desse mercado consumidor. As casas e os condomínios fechados crescem sem que haja planejamento urbano e nem infra-estrutura sanitária adequada á nova realidade. A vegetação nativa vai dando lugar a avenidas e ruas secundárias inacabadas. Nesses lugares os processos erosivos estão bem presentes e acabam gerando problemas para a própria população local. Os desmatamentos são uma realidade, deixando os solos desnudos e erodidos a fim de se construir ou especular os terrenos que se encontram em um setor privilegiado da cidade, pois o clima ali é mais ameno que nas demais áreas urbanas. No médio curso, trecho mais afetado pela urbanização, o rio corta o centro do Crato e recebe maior volume de dejetos sanitários. É nesse trecho que o rio recebe os seus principais contribuintes como o Riacho da Vala e o Piabas. Ambos extremamente agredidos pela falta de saneamento. O canal principal passa pelo bairro do Sossego e centro da cidade. Suas formas foram alteradas com as obras de urbanização do rio, transformando-o em um canal de formas retilíneas. Lajotões de concreto agora acomodam as águas do seu leito. A obra foi realizada devido à expressiva urbanização da área que necessitava de reparos todas as vezes que havia inverno rigoroso. A vazão da água nesse trecho do canal é, ainda hoje, muito grande quando a precipitação é forte. Algumas ruas adjacentes ao leito ainda não receberam calçamento e sempre há problemas erosivos nas encostas e ruas dos bairros. Ainda no médio-baixo curso o canal recebe um de seus principais afluentes: O riacho da Vala. Este por sua vez, recebe toda carga sanitária e dentrítica dos bairros do Pimenta, Alto da Penha e dos demais bairros que compõem a vertente direita da área da microbacia além de cortar o terreno do cemitério municipal. O Riacho da Vala se encontra na planície aluvial no centro do Crato e já apresenta uma parte de seu córrego canalizado. A canalização tem início no seu médio curso e segue até o riacho desaguar no Granjeiro. No baixo-curso o rio Granjeiro reencontra a zona rural. Neste trecho o cimento desaparece cedendo espaço para a terra e os canaviais. As áreas adjacentes ao canal se encontram desprovidas de mata ciliar, e por vezes sendo ocupadas pela monocultura da cana-de-açúcar até a sua desembocadura no rio Batateiras. As características originais do rio foram totalmente alteradas. Os desmatamentos para o plantio e a poluição transformaram o curso d’água antes senil em um canal assoreado pelos efeitos erosivos e sem vida biológica. Neste ponto do rio, a água apresenta coloração escura e muito material em suspensão, não servindo nem para a irrigação. O uso e ocupação na área da microbacia seja nos interflúvios, encostas ou nos vales é, de forma geral, mal planejada e efetivada. Seja para ocupação por fazendas com fins agrícola ou por prédios residenciais os impactos na área repercutem sempre na vida do Granjeiro. Os impactos causados pelas edificações ou pelas plantações são sempre negativos para a hidrologia local. As águas do rio Granjeiro segue adiante e deságua no rio Batateiras. Este, por sua vez deságua no rio Salgadinho, na cidade de Barbalha e segue pelo rio Salgado até encontrar o vale do rio Jaguaribe. 3. Conclusões Muitos são os resultados do impacto causado pela ocupação urbana da microbacia do rio Granjeiro. Contudo, as causas desses impactos são muito conhecidas e tão antigas quanto seus resultados. A falta de informação e educação da população aliada à falta de planejamento urbano por parte do poder público podem ser apontadas como as principais causas desse cenário de degradação. Não precisa andar muito pela cidade do Crato para perceber os estragos causados ao meio natural. Na encosta da chapada do Araripe, local importante onde ressurgem as águas pluviais precipitadas no topo e se encontra as nascentes do rio Granjeiro e de seus afluentes, as intervenções antrópicas são bem expressivas. Cortes na encosta para construção de estradas e desmatamentos são comuns nesta área originando algumas ravinas e voçorocas. A aplicação de técnicas equivocadas de engenharia na construção de estradas que cortam a encosta e na elaboração de seus sistemas laterais de escoamento de águas pluviais acaba por afetar de forma significativa a estabilização e a fixação dos solos na área, colaborando para o trabalho erosivo e o conseqüente transporte do material desagregado até encontrar o leito do rio, seja na nascente ou mais adiante em seu alto-curso. A conseqüência desse processo é o assoreamento e a diminuição do talvegue do rio por deposição de sedimentos ainda no seu alto-curso. No corte feito no arenito da encosta para a construção de uma das estradas que liga Crato a Exu e as demais cidades pernambucanas, se evidencia ação das águas. Há muitos movimentos de massa na encosta e a cada ocorrência de deslizamento mais material desagregado é depositado na área microbacia. Na área da baixa encosta da chapada o rio Granjeiro em seu alto curso já sente as conseqüências das degradações ocorridas a montante. Com o passar do tempo o rio vem perdendo seu poder de transporte ou de arrasto, pois vem perdendo volume, resultado do desmatamento e dos processos erosivos ocorridos próximos a sua nascente. A presença de grandes seixos no leito do rio comprovam que em épocas pretéritas o Granjeiro possuía volume e energia suficiente para deslocar esses grandes blocos rochosos advindos das áreas de topografias superiores. Em alguns trechos do rio o volume de água é tão baixo que a população local utiliza o seu leito como rua que corta transversalmente a passagem da água no canal do rio. Em alguns períodos do ano o volume d‘água é tão inexpressivo que a travessia pode ser feita a pé e por animais de pequeno porte. Esse quadro muda em períodos chuvosos quando se aumenta significativamente o seu volume de água oriunda das áreas mais elevadas da chapada. Ainda que com maior volume de água nas épocas chuvosas, o rio não expressa grande representatividade volumétrica. A maioria dos rios e riachos tributários do Granjeiro apresentam marcas da interferência antrópica. Muitos deles tiveram suas margens ocupadas por condomínios e casas que despejam seus rejeitos sanitários em suas águas no alto curso, poluindo assim todo o resto do canal que, por sua vez, também recebe rejeitos sólidos e líquidos em seu percurso. Um dos maiores afluentes da margem direita do rio é exemplo disto. A qualidade das suas águas muda substancialmente em poucos metros após o córrego ter passado ao lado de um conjunto residencial construído na margem esquerda do leito no bairro Lameiro. Antes com transparência e vida a água do riacho torna-se escura e de cor acinzentada com lixo nas suas margens. Suas águas são lançadas no rio Granjeiro completamente poluídas. Estes rios e riachos tributários assim como o Granjeiro, também sentem os efeitos da retirada da mata ciliar e dos processos erosivos de suas vertentes. Apresentam depósitos de sedimentos e diminuição do volume de água em seus leitos. Em seu alto-médio curso o Granjeiro recebe águas originárias da sua vertente esquerda através do riacho das Piabas. Completamente poluída, as águas do Piabas passa a fazer parte da composição hídrica do Granjeiro. No médio curso do rio, inúmeras fontes de águas ricas em dejetos sanitários são encontradas. Porém o riacho da Vala é um dos maiores tributários da margem direita do Granjeiro desaguando no centro da cidade do Crato, próximo ao mercado municipal. Suas águas chegam ao canal do Granjeiro totalmente comprometidas pelos dejetos. A construção do cemitério público na margem direita do riacho da vala mostra a falta de informação do poder público local para a realização de obras públicas. Em épocas de enxurradas o volume de água do riacho aumenta revirando túmulos e arrasando os muros do cemitério, uma vez que o riacho da Vala está dentro do terreno do cemitério. O canal se encontra com o traçado disforme e assoreado com sedimentos originários das suas adjacências até o médio curso. No baixo curso adentra o centro urbano da cidade recebendo maior carga de esgoto sanitário e seu leito recebe canalização de cimento. Depois que canalizaram esse trecho do riacho foi batizado pela população de “Riacho da Vala”. A partir das placas de cimento seu curso artificial é retilíneo e uniforme, passando entre muros e casas. No médio curso do rio Granjeiro a deposição de água servida e de dejetos sólidos aliada à ocupação urbana do seu vale podem ser apontadas como a maior causadora dos impactos ali ocorridos. A falta de planejamento urbano, saneamento básico e de educação ambiental leva a população a depositar a água servida e dejetos sólidos no canal do rio. É comum se encontrar pneus usados, sacos plásticos, garrafas de refrigerante, latas, madeira e papelão no médio curso do rio. Os sedimentos oriundos do alto curso trazidos pelas enxurradas para dentro do canal é conseqüência do assoreamento presente à montante da microbacia. Esses sedimentos vão se acumulando no leito de concreto formando bancos e remodelando as formas artificiais assumidas pelo rio no meio do canal. Formas meadricas se repetem por toda parte e é comum encontrar bancos isolados de areia em meio aos paredões de concreto. De fato, os meandros são encontrados na área que sucede o centro urbano, logo depois que termina a estrutura de concreto quando o rio reencontra a terra ainda no médio curso. Em terreno desprovido de mata ciliar original, os meandros vão dando novas formas ao curso do rio Granjeiro agora livre do concreto. É bem notória a deposição de sedimentos no canal abandonado na margem esquerda e o efeito do trabalho de solapamento da água na margem direita. No baixo curso o rio se encontra totalmente desfigurado face as suas condições hidrológicas originais. A área do baixo vale apresenta inúmeros sinais de erosão laminar nas encostas laterais do rio. É uma área de planície onde solos aluvionares estão ocupados pela cultura da cana-de-açúcar. A remoção da vegetação original, a prática constante de queimadas e a má utilização do solo são os principais elementos causadores dos processos erosivos no entorno do canal. Ambientalmente, esse é o ponto mais crítico do rio, pois está com sua carga máxima de dejetos sanitários e resíduos sólidos. Porém é também nessa área que apresenta maior força de transporte de sedimentos e é o trecho de maior morfodinâmica. O rio Granjeiro segue pelo canavial em propriedades particulares desaguando no rio Batateiras. Contudo, o que se configura não só na microbacia do rio Granjeiro, mas nas demais bacias integrantes do município do Crato é a falta de políticas de preservação dos mananciais locais. É difícil tratar dessa temática partindo do princípio de que todas as nascentes resurgentes do sopé da chapada, inclusive a do rio Granjeiro, são de propriedade particular, fato por si só já causa grande polêmico. Esse talvez seja o maior entrave enfrentado pelo poder público para trabalhar a problemática da água no município, uma vez que por ser de propriedade privada não se pode fazer muito sem a supervisão atenta dos olhares do proprietário da terra. A falta de informação, de educação ambiental e dos diretos do cidadão por parte da população também colabora para agravar o quadro desolador da microbacia. É necessário que o poder público e a sociedade civil organizada se mobilizem no sentido de reverter o quadro atual de abandono das questões hídricas, pois a cada dia a microbacia apresenta novos sintomas de degradação. É importante ressaltar que o rio Granjeiro é perene, fato este sendo um diferencial em meio à existência de inúmeros canais temporários inerentes às condições pedoclimáticas típicas do Sertão semi-árido. Suas águas poderiam ser melhor aproveitadas pela coletividade. Economicamente, poderia ser viabilizada a exploração de sua balneabilidade com a construção de piscinas naturais, sendo um referencial turístico na região. As águas que correm para jusante ainda serviriam para a irrigação e consumo animal. REFERÊNCIAS ANDRADE, Manuel Correia de. A terra e o homem no Nordeste: contribuição ao estudo da questão agrária no Nordeste. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1986. BARROS, Haidini da Silva. O Cariri cearense: o quadro agrário e a vida urbana. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro, v.26, n.4, p.549-592, out./dez. 1964. CHRISTOFOLETTI, Antônio. Geomorfologia. 2. ed. São Paulo: Edgard Blucher, 1980. 188 p. CHRISTOFOLETTI, Antônio. Geomorfologia Fluvial. 1. ed. 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