Governo do Estado do Rio Grande do Norte Consultoria-Geral do Estado Processo n.º Parecer n.º Interessado: Assunto: 113.663/2005 – SEJUC J – 63/2006-CGE José Ferreira do Nascimento Análise jurídica da condução do Processo Administrativo Disciplinar, cujo Relatório Conclusivo recomendou a demissão do Agente Penitenciário, José Ferreira do Nascimento, devido à alegação de cerceamento da ampla defesa e do contraditório. EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. AFASTAMENTO FUNCIONAL PREVENTIVO ABUSIVO. VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. QUESTÕES INCIDENTES. RELATÓRIO DISSONANTE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. AUTOTUTELA. 1) A apuração da responsabilidade funcional de um agente público deve ocorrer, mediante um procedimento conduzido em contraditório e com a observância do direito à ampla defesa, durante o prazo determinado em lei, denominado Processo Administrativo Disciplinar (PAD). 2) O indiciado num PAD pode ser preventivamente afastado de suas funções, por intermédio de medida cautelar, devidamente justificada, que se mostre necessária a assegurar o normal desenvolvimento das atividades de instrução probatória relacionada com a conduta inicialmente atribuída ao acusado. 3) O resultado conclusivo de um PAD deve preceder uma apuração objetiva dos fatos pertinentes à instauração do feito, além de guardar consonância com o conjunto probatório constante dos autos. 4) Cumpre à Administração Pública zelar pela legalidade de sua atuação institucional, bem como pela adequação desse mesmo comportamento ao interesse público, resultando daí a oportunidade para rever os próprios atos administrativos, ora os invalidando, quando eivados de ilegalidades, ora os revogando, por critérios de conveniência ou oportunidade, tudo em conformidade com o princípio da autotutela administrativa. 5) Uma vez constatada determinada ilegalidade administrativa, a oportunidade de rever o ato que a originou merece ser entendida como o dever de restaurar a legalidade ferida, quer por meio da convalidação, quer por meio da invalidação dos atos administrativos praticados em desconformidade com a legislação em vigor. 6) No presente caso, pode-se perceber um sortimento de descompassos jurídicos, todos praticados na condução do PAD n.º 017/2004-CEPA/SEJUC, verbi gratia, ausência de motivação em decisão administrativa, medida cautelar abusiva, descumprimento injustificado de prazos e desrespeito ao devido processo legal. 7) Em face de tal situação, exsurge uma única alternativa para que a Administração Pública possa exercer o poder disciplinar referente à conduta funcional do Agente Público, José Ferreira do Nascimento, a saber, instaurar um novo PAD que observe todas as exigências legais pertinentes a essa modalidade processual. 8) Parecer pela invalidação do PAD n.º 017/2004CEPA/SEJUC, por apresentar irregularidades jurídicas insuscetíveis de convalidação, tolhendo-se, por conseguinte, a eficácia das decisões tomadas na condução do feito, máxime, a que determinou o afastamento funcional preventivo do Acusado. PARECER N.º J-63/2006-CGE 01. Os presentes autos versam sobre o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) instaurado em desfavor do Servidor Público, José Ferreira do Nascimento, Matrícula n.º 169.051-5, em que a Comissão Processante concluiu pela demissão do Acusado, por entender configurada a prática do ilícito que originou o PAD, bem como de infrações disciplinares incidentes1, assim entendidas as verificadas após a deflagração do feito disciplinar. 02. Percebe-se, pela análise deste caderno processual, que o Acusado, ocupante do cargo público de provimento efetivo de Agente Penitenciário, em período de estágio probatório, foi indiciado, nos autos do PAD n.º 017/20042, por prática de infração 1 Abandono de cargo e prática de crime contra a Administração Pública (falsidade documental), dentre outras. Este PAD, segundo se observa nos autos, teria resultado do Processo Administrativo n.º 083/04, o que se acredita seja a respectiva Sindicância Sumária. 2 2 administrativa, notadamente, por ter entregado a um apenado os seguintes objetos: (i) um aparelho de telefonia móvel; e (ii) uma garrafa, contendo aguardente misturada com refrigerante3. 03. Dentre os documentos que se encontram colacionados aos autos e que se mostram relevantes ao presente exame da matéria, vale registrar: (i) Cópia do Termo de Declarações prestadas por Edson Elias da Costa, no qual este Interno afirma ter recebido do Sr. José Ferreira do Nascimento os objetos descritos acima4 e que deveriam ser entregues numa das celas, do Pavilhão A, do Presídio Provisório de Natal, também denominado, Presídio Provisório Raimundo Nonato Fernandes (fls. 4-5); (ii) Cópia do Despacho, datado de 1.º de março de 2004, proferido pelo Subcoordenador de Assuntos Judiciários – em que se determina o afastamento preventivo do Acusado, pelo prazo de sessenta dias, na forma do art. 157 da Lei Complementar Estadual n.º 122, de 30 de junho de 1994 (Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Estado e das Autarquias e Fundações Públicas Estaduais), inclusive com o registro de que em tal período o “mencionado servidor” não sofreria descontos em seus vencimentos (fls. 6) – além da comprovação subjetiva do cumprimento desse Despacho, segundo a informação prestada pela Agente Penitenciária, Dinorá Simas Lima Deodoto (fls. 7); (iii) Memorando n.º 063/CoAPe, de 11 de fevereiro de 2005, informando que o Acusado, após o período do afastamento preventivo, não havia retornado às suas atividades funcionais, nem se apresentado ao Coordenador de Administração Penitenciária, para que pudesse ser relotado ou encaminhado a uma das Unidades da respectiva Coordenadoria (fls. 27); (iv) Mandado de Notificação da instauração do PAD e Mandado de Intimação para prestação de esclarecimentos, datados em 14 de fevereiro de 2005, e dos quais o Acusado teve ciência em 17 de fevereiro de 2005 (fls. 29 e 30); 3 4 Como se observa na Cópia do Termo de Declarações de fls. 3-4. Conferir o Parágrafo 02 deste Parecer. 3 (v) Cópia do Ofício n.º 009/2005-CEPA/SEJUC, datado em 21 de fevereiro de 2005, no qual é solicitada a suspensão do pagamento da remuneração do Acusado, em razão (v.1) da conduta delituosa que lhe foi inicialmente atribuída, (v.2) de ter recebido dinheiro para adotar tal comportamento, e ainda (v.3) de ter abandonado o cargo público de provimento efetivo de Agente Penitenciário (fls. 38); (vi) Termos de Declarações, datados em 22 de fevereiro de 2005, e prestados, no âmbito do PAD, pelo Acusado e o Interno Edson Elias da Costa, em que este ratifica o seu relato inicial e aquele nega, peremptoriamente, o teor da acusação (fls. 40-41 e 43-44); (vii) Cópia do Ofício n.º 010/2005-CEPA/SEJUC, datado em 24 de fevereiro de 2005, mediante o qual são remetidas à Delegacia Especializada em Falsificações e Defraudações cópias de certidões, sob a justificativa de ter sido o Acusado preso em flagrante delito por apresentar uma “Certidão Falsificada”, a fim de participar do Curso de Formação de Policial Civil (fls. 52); (viii) Termo de Depoimento prestado pela Agente de Polícia Civil, Clédina Barreto Batista, em que esta Servidora Pública confirma as seguintes informações: (viii.1) o Acusado foi afastado preventivamente de suas funções, por meio verbal; e (viii.2) o Acusado, após esse período, procurou a Coordenadoria de Administração de Pessoal e recebeu da referida Servidora Pública a notícia, uma vez mais de modo verbal, de que continuaria afastado de suas funções até segunda ordem (fls. 7273); (ix) Cópia do Inquérito Policial n.º 015.02/2005, em que se vislumbra o indiciamento do Acusado, preso em flagrante delito, por ter entregado uma certidão falsa à Academia de Polícia Civil, em virtude de sua convocação para participar da quarta fase do concurso público para o provimento do cargo de Agente de Polícia Civil (fls. 77-103); (x) Declarações de Testemunhas arroladas pela Comissão Processante e pelo Acusado (fls. 117-126 e 141-146); (xi) Cópias dos Pronunciamentos do Órgão Ministerial e do Poder Judiciário que redundaram no arquivamento do Inquérito Policial instaurado em desfavor do Senhor, José Ferreira do Nascimento, na 4 forma do que dispõe o art. 28 do Código de Processo Penal, devido à ausência de potencialidade lesiva do comportamento adotado pelo Acusado, capaz de descaracterizar os crimes que lhe foram imputados pela autoridade policial (fls. 152-154); (xii) Termo de Instrução e Indiciamento, em que foram atribuídas ao Acusado as seguintes condutas: (xii.1) a violação dos deveres funcionais descritos no art. 129, I, II, III e IX, da Lei Complementar Estadual n.º 122/94; (xii.2) a prática de condutas proibidas definidas no art. 130, IX e XIV, da Lei Complementar Estadual n.º 122/94; e (xii.3) o abandono de cargo definido no art. 149 da Lei Complementar Estadual n.º 122/94 (fls. 156); (xiii) Defesa Escrita apresentada pelo Acusado, em que este (alegando ausência de provas e cumprimento de decisão superior) pretende, em linhas gerais, ser absolvido da culpa (referente às infrações disciplinares e ao abandono de cargo) que lhe foi atribuída pela Comissão Processante (fls. 159-167); (xiv) Relatório Conclusivo da Comissão Processante que entende pela demissão do Acusado, por ter incidido nas situações descritas nos incisos I, II, IV, XII e “XVI, letra ‘a’5”, do art. 143, da Lei Complementar Estadual n.º 122/94 (fls. 174-180); (xv) Pronunciamento de Sua Excelência, o Senhor Secretário de Estado da Justiça e da Cidadania, acatando o Relatório Conclusivo da Trinca Processante e remetendo os autos à deliberação de Sua Excelência, a Senhora Governadora (fls. 181, verso); (xvi) Despacho de Sua Excelência, o Senhor Secretário-Chefe do Gabinete Civil do Governador do Estado, encaminhando este caderno processual à Procuradoria-Geral do Estado (PGE); (xvii) Parecer da PGE contrário à conclusão formulada pela Comissão Processante, devido a impropriedades procedimentais cometidas no desenvolvimento do PAD (fls. 195-198), devidamente aprovado por Despacho de Sua Excelência, o Senhor Procurador-Geral do Estado (fls. 199); 5 Provavelmente, o Relatório Conclusivo citou esse dispositivo legal, querendo referir-se ao art. 143, XIV, a, do mesmo Diploma Legislativo. 5 (xviii)Despacho de Sua Excelência, o Senhor Secretário Adjunto do Gabinete Civil do Governador do Estado, endereçando estes autos à Consultoria-Geral do Estado (CGE), para fins de análise e emissão de parecer sobre a matéria capaz de dirimir a controvérsia de posicionamentos adotados pela Comissão Processante e a PGE e, por conseguinte, amparar a decisão de Sua Excelência, a Senhora Governadora (fls. 203, verso). 04. Ausentes outros fatos relevantes, cujo relato seja útil à resolução do caso concreto, passa-se a opinar. I – A COMPETÊNCIA DA CONSULTORIA-GERAL DO ESTADO (CGE) PARA EMITIR PARECER SOBRE A MATÉRIA. 05. A Constituição Estadual atribuiu à Consultoria-Geral do Estado (CGE), como Órgão Público diretamente subordinado ao Chefe do Poder Executivo, as seguintes competências: (i) assessorar o Governador em assuntos de natureza jurídica que interessem à Administração Pública Estadual; (ii) pronunciar-se, em caráter final, sobre as matérias de ordem legal que lhe forem submetidas pelo Governador; (iii) orientar os trabalhos afetos aos demais órgãos jurídicos do Poder Executivo, com o fim de uniformizar a jurisprudência administrativa; e (iv) elaborar e rever projetos de lei, decretos e outros provimentos regulamentares, além de minutar mensagens e vetos governamentais (art. 68). 06. Porque este caderno processual, contendo matéria de interesse da Administração Pública Estadual, foi enviado à análise jurídica desta Consultoria-Geral pelo Gabinete Civil do Governador do Estado (GAC), de ordem de Sua Excelência, a Senhora Governadora, avulta para a CGE o dever legal de emitir opinião técnico-jurídica que possa amparar a decisão final a ser proferida pela Chefe do Poder Executivo Estadual, na forma do disposto no art. 68, I e II, da Constituição Estadual. II – VIOLAÇÃO À DISCIPLINA JURÍDICA DA SINDICÂNCIA, CONDUZIDA COMO INSTÂNCIA PREPARATÓRIA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. 07. Nos estatutos funcionais, tomados em sua generalidade, como bem lembra Odete Medauar6, a Sindicância visa a colher as informações preliminares acerca do 6 Direito administrativo moderno, 8 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 363. 6 fato delituoso inicialmente noticiado à autoridade competente, constituindo assim uma instância preparatória do Processo Administrativo Disciplinar, nos casos em que se vislumbra uma infração administrativa de maior gravidade, assim entendida aquela que, exempli gratia, pode ser sancionada com a demissão do agente público. No particular caso do Estado, não é diferente, como se percebe nos arts. 155 e 156 da Lei Complementar Estadual n.º 122/947. 08. Outrossim digna de registro, afigura-se a natureza processual da Sindicância, ou seja, trata-se aqui de um processo e que, por conseguinte, deve ser conduzido como tal pela Autoridade ou Comissão Sindicante, com destaque para a necessidade de observar o princípio do contraditório, conforme ressaltado abaixo8, e da ampla defesa. 09. Em pleno compasso com essa linha de raciocínio, encontra-se a dicção do § 1º, do art. 155, da Lei Complementar Estadual n.º 122/94, por que é assegurada ao indiciado em Sindicância a oportunidade para oferecer defesa escrita, no prazo de cinco dias. Embora o referido dispositivo legal não o diga, expressamente, é óbvio entender que tal oportunidade processual deve ser conferida ao servidor antes do pronunciamento conclusivo da autoridade responsável pela condução da Sindicância9. Do contrário, os elementos da defesa jamais poderiam ser sopesados no referido provimento conclusivo e o objeto da previsão legal seria convertido em mera formalidade procedimental, suscetível de ser cumprida tão-somente com a juntada aos autos da resposta escrita do indiciado. 10. Ainda no que se refere à condução da Sindicância, não se pode olvidar que o exercício do direito de ampla defesa – enfatize-se, que lhe é inerente, por se tratar de um processo (art. 5º, LV, da Constituição Federal) – depende fundamentalmente de um pressuposto básico, qual seja, o de ter conhecimento do que se está sendo acusado. Daí a necessidade de o ato administrativo instaurador da Sindicância precisar os fatos que serão 7 “Art. 155. A sindicância é instaurada como preliminar do processo administrativo disciplinar, para confirmação da irregularidade e indicação do seu autor, ou como fundamento para a aplicação de penalidade de advertência ou de suspensão de até 30 (trinta) dias. § 1º Ao servidor indiciado na sindicância é assegurado o direito de oferecer defesa escrita, no prazo de 05 (cinco) dias, aplicando-se, no que couber, o disposto nos arts. 167 e 176, reduzidos os prazos à metade. § 2º O prazo para a conclusão da sindicância não deve exceder a 30 (trinta) dias, podendo ser prorrogado por igual período, a critério da autoridade superior. Art. 156. Sempre que o ilícito praticado pelo servidor ensejar a imposição de penalidade de suspensão por mais de 30 (trinta) dias, de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, ou destituição de cargo em comissão, ou função de direção, chefia ou assessoramento, é obrigatória a instauração de processo disciplinar.” 8 Conferir os Parágrafos 31-34 deste Parecer. 9 Cf. Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, Processo administrativo, São Paulo: Malheiros, 2001, pp. 70-71. 7 apurados e quem será indiciado, além de definir a correspondente Autoridade ou Comissão Sindicante10. 11. Em detrimento de toda essa disciplina, vislumbra-se, nos autos, que a Sindicância não foi formalmente estabelecida, porquanto não houve a edição do correspondente ato administrativo instaurador11. Desnecessário, portanto, tecer maiores considerações acerca do prejuízo advindo ao Acusado, notadamente, para exercer o seu direito de defesa, uma vez que lhe foi negada a ciência da acusação que pesava sobre sua pessoa. 12. Embora se tenha mostrado insuficiente para fornecer ao Servidor Público, José Ferreira do Nascimento, a elementar informação acerca da infração de que estava sendo acusado ou de quem o acusava, a Sindicância foi a instância bastante para afastálo, preventivamente, do exercício de suas funções, pelo prazo de sessenta dias, conforme Despacho da eventual Autoridade Sindicante12, em franca divergência com a exigência constitucional do devido processo legal (art. 5º, LIV, da Constituição Federal). 13. De fato, não bastasse ser prejudicado pela mencionada omissão da Autoridade Sindicante, o Acusado ainda teve que experimentar, de modo igualmente arbitrário (com violação ao devido processo legal), o afastamento preventivo de suas funções e que lhe foi anunciado, diga-se de passagem mediante uma comunicação verbal, feita por pessoa distinta do responsável pela condução do processo sindicante13 (fls. 40). 14. Como se essas irregularidades já não representassem acentuado descompromisso com as mencionadas exigências constitucionais (art. 5º, LIV e LV), cabe asseverar que a arbitrariedade administrativa iniciada na Sindicância – com a interferência abusiva em direitos fundamentais do Acusado, in exemplis, a negação do direito de defesa, em violação ao comando expresso do art. 155, § 1º, da Lei Complementar Estadual n.º 122/94, e a restrição ao direito de regular exercício funcional – teve continuidade no Processo Administrativo Disciplinar que se lhe seguiu, como se observa adiante14. 10 Cf. José Armando da Costa, Teoria e prática do processo administrativo disciplinar, 4 ed., Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 341. 11 Consultar o conteúdo de fls. 2-12. 12 Reproduzido na Cópia de fls. 6. 13 Segundo o Termo de Declarações de fls. 40-41, subscrito pelo Acusado, contendo tal afirmação que, por seu turno, foi confirmada pelo Termo de Depoimento Testemunhal de fls. 72-73, prestado pela Servidora Pública, Clédina Barreto Batista. 14 Veja-se o Tópico IV disposto abaixo. 8 III – AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO NA MEDIDA CAUTELAR DE AFASTAMENTO FUNCIONAL PREVENTIVO DO ACUSADO, ALIADA AO USO INDEVIDO DESSE EXPEDIENTE DE SEGURANÇA JURÍDICA. 15. É inconteste a natureza cautelar do afastamento funcional preventivo de que trata o art. 157 da Lei Complementar Estadual n.º 122/94, devido ao fim a que se destina. Isso sem levar em conta a expressa disposição legal nesse sentido15. 16. Nunca é demais lembrar que a medida cautelar, e bem o diz Pontes de Miranda16, presta-se a assegurar as condições necessárias à segurança de uma determinada situação jurídica, in casu, a coleta regular das provas que se mostrem úteis para evidenciar a conduta delituosa atribuída ao Acusado. 17. Com efeito, para evitar a eventual interferência do servidor público na apuração da infração administrativa que lhe é atribuída, o art. 157 da Lei Complementar Estadual n.º 122/94 permite que autoridade competente, no exercício do poder administrativo disciplinar, promova o afastamento funcional do indiciado. 18. Logo se vê que tal providência, antes de representar qualquer espécie de sanção para o acusado, constitui tão-somente uma medida de segurança, destinada a garantir o normal desenvolvimento da instrução probatória. Essa é a utilidade do afastamento preventivo em tela, sem a qual a medida cautelar torna-se desnecessária, ineficiente e arbitrária ou, em outro modo de dizer, juridicamente inválida. 19. A demonstração da referida utilidade relaciona-se, diretamente, com o requisito ou princípio, como querem alguns17, da motivação dos atos administrativos, mediante o qual devem ser evidenciadas as razões fáticas e jurídicas que determinaram a 15 “Art. 157. Como medida cautelar e a fim de que o servidor não venha a interferir na apuração da irregularidade, a autoridade instauradora do processo disciplinar pode determinar o seu afastamento do exercício do cargo, pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, sem prejuízo da remuneração, ressalvado o disposto no artigo 48, I. Parágrafo único. O afastamento pode ser prorrogado por igual prazo, findo o qual cessam os seus efeitos, ainda que não concluído o processo.” 16 “As medidas cautelares, ou medidas preventivas, são todas as que atendam à pretensão de segurança do direito, da pretensão, da prova, ou da ação” (Comentários ao código de processo civil, 2 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, Tomo XII, p. 3). 17 “O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência,...” (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, 15 ed., São Paulo: Atlas, 2003, pp. 82-83). 9 edição do respectivo provimento estatal. É o que diz, com a habitual propriedade doutrinária, Hely Lopes Meirelles18: “Pela motivação, o administrador público justifica sua atuação administrativa, indicando os fatos (pressupostos de fato) que ensejam o ato e os preceitos jurídicos (pressupostos de direito) que autorizam sua prática”. 20. Tamanha é a importância de expressar o motivo do ato administrativo, que foi elaborada a teoria dos motivos determinantes, segundo a qual, como bem anota Odete Medauar19, os motivos apresentados pelo agente público, como justificativas para a medida, passam a envolver a validade do ato. Em conseqüência disso, a inexistência dos fatos ou enquadramento errôneo destes na correspondente hipótese legal, verbi gratia, prejudicam a validade do ato porventura editado. 21. Ademais, tal princípio já se encontra positivado no art. 2º, caput, parágrafo único, VII, da Lei Federal n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, e, mais recentemente, no art. 5º da Lei Complementar Estadual n.º 303, de 9 de setembro de 2005, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual. 22. Na positivação desse princípio, é possível notar que a mens legis busca tornar obrigatória a motivação exatamente nos casos em que o ato administrativo venha a afetar, de algum modo, interesses individuais, preocupando-se assim mais com os destinatários do provimento estatal do que com o interesse administrativo do Poder Público20. Até porque, num Estado Democrático de Direito, em vez da vontade dos governantes, deve prevalecer a vontade geral da sociedade que se manifesta, em princípio, no resultado da atuação típica de seus representantes legislativos, ou seja, nas leis. 23. Não obstante a clareza e notoriedade dessa disciplina jurídica, a decisão que determinou o afastamento preventivo do Acusado (fls. 6) conseguiu desrespeitála in totum, porquanto (i) não procedeu da autoridade instauradora do Processo Administrativo Disciplinar, como preceitua o art. 157 da Lei Complementar Estadual n.º 122/94, aliás, nunca é demais lembrar, não houve nem mesmo o ato instaurador da 18 Direito administrativo brasileiro, 28 ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 97. Ibid., p. 162. 20 Cf. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Ibid., pp. 82-83. 19 10 Sindicância; (ii) não foi formulada, de acordo com a sua natureza cautelar de assegurar o normal andamento da instrução probatória pertinente; (iii) não apresentou os motivos fáticos para o afastamento funcional do Acusado; e (iv) deixou de ser notificada, formalmente, ao Acusado. 24. Prejudicada a análise jurídica acerca do que deve conter o ato instaurador de uma Sindicância21, uma vez que esse processo não foi sequer instaurado, formalmente, cabe asseverar que o Despacho de fls. 622 – por deixar de mencionar os fatos pelos quais o afastamento funcional do Acusado seria útil à instrução probatória do feito – enseja, concomitantemente, os seguintes efeitos jurídicos: (i) viola o princípio da motivação; (ii) descaracteriza a natureza cautelar da medida; e (iii) torna arbitrário o exercício do respectivo poder disciplinar. 25. Não se pode olvidar ainda a possibilidade que foi negada ao Acusado23 de impugnar a decisão e assim exercer o controle do ato administrativo que o afastou de suas funções, mediante a exposição de razões fáticas e jurídicas aptas a demonstrar o provável equívoco perpetrado pela autoridade administrativa. De igual modo, com a atuação indevida do poder disciplinar, também restou prejudicado o controle inerente à própria Administração Pública, suscetível de ser exercido pela atuação do superior hierárquico. 26. Apenas para aclarar melhor a irregularidade jurídica contida no procedimento administrativo que promoveu o afastamento funcional preventivo do Acusado, fosse o caso de um processo judicial, estar-se-ia diante de uma sentença ou decisão interlocutória – atos jurisdicionais que interferem no exercício de direitos subjetivos – cuja fundamentação restaria limitada a citar o dispositivo legal, com base no qual o juiz passaria a dispor sobre os direitos do destinatário do provimento. Sem esquecer que o sujeito processual, convém frisar, seria notificado, verbalmente, da decisão. 27. De fato, quando a Autoridade Sindicante deixou de motivar o Despacho de fls. 6 e notificar, formalmente, o Acusado do conteúdo desse Provimento, negou 21 Cf. José Armando da Costa, Ibid., pp. 366-367. Fosse editada num Estado Unitário e Monárquico, em que o poder se encontra centralizado na pessoa do Soberano, a Decisão de fls. 6 estaria legítima, pois coadunada com a única referência de validade jurídica que importa, ou seja, a vontade do governante. Todavia, no âmbito de um Estado Federado, Republicano e com organização democrática de poder, tal provimento não encontrada guarida. 23 Tanto pela ausência da motivação fática necessária à edição do ato, quanto pela notificação verbal que foi dirigida ao Servidor Público, José Ferreira do Nascimento, por interposta pessoa, a mando da eventual Autoridade Sindicante. 22 11 ao Agente Penitenciário a oportunidade de conhecer as razões de seu afastamento preventivo e, a fortiori, a chance de impugná-lo e obter êxito em sua argumentação, mediante o eventual reconhecimento da improcedência das alegações formuladas pelo Apenado, Edson Elias da Costa, evitando-se assim todo o desenrolar dos acontecimentos ora noticiados24. 28. Presente então tal irregularidade na medida que afastou preventivamente o Acusado de suas funções, torna-se imperioso constatar que tal proceder administrativo não guarda validade jurídico-constitucional, embora tenha produzido seu principal efeito, qual seja, retirar o Senhor, José Ferreira do Nascimento, do regular cumprimento das funções inerentes ao cargo público de provimento efetivo de Agente Penitenciário25. IV – VIOLAÇÃO À DISCIPLINA ESPECÍFICA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR, POR RESTAR INOBSERVADA A REGRA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA, BEM COMO PELO DESCUMPRIMENTO DO PRAZO DETERMINADO PARA A CONCLUSÃO DO FEITO. 29. Sem embargo da aparente obviedade, deve-se ter em mira que o Processo Administrativo Disciplinar (PAD), antes de ter os traços administrativo e disciplinar, possui o preciso matiz processual. De outra forma: trata-se de uma espécie do gênero processo que, por sua vez, constitui o objeto de estudo do Direito Processual. 30. A Constituição Federal, por seu turno, houve por bem conferir ao processo determinados princípios, a fim de coaduná-lo com o matiz democrático do Estado de Direito inaugurado em 1988, e assim resguardar o cidadão de ações arbitrárias do Poder Público, mediante uma relação que já se reconhece, em doutrina, como tutela constitucional do processo26. Em verdade, essa situação de subordinação do processo aos valores da Carta Política decorre do princípio da supremacia constitucional27, mediante o qual todas as modalidades de Poder Público somente se legitimam e podem atuar, efetivamente, com essa nota característica, desde que o façam dentro dos limites traçados na Magna Carta. 24 Cf. Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de conhecimento, 4 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 402. 25 Malgrado o desacerto desse atuar administrativo, a Comissão Processante não hesitou em ventilar a hipótese de abandono de cargo em desfavor do Acusado, na forma do seu Relatório Conclusivo, como justificativa para a demissão do Servidor Público, José Ferreira do Nascimento. 26 Cf. Cândido Rangel Dinamarco, A instrumentalidade do processo, 11 ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 27; e Celso Ribeiro Bastos, Curso de direito constitucional, 14 ed., São Paulo: Saraiva, 1992, p. 208. 27 Cf. José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, 11 ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 49. 12 31. Daí ser possível falar em direitos ou, segundo alguns28, garantias fundamentais como o devido processo legal, ampla defesa e contraditório (art. 5º, LIV e LV, da Constituição Federal). Por conseguinte, secundando a refinada doutrina de Cândido Rangel Dinamarco29, merece ser entendido por processo todo exercício de poder que obedeça a um determinado procedimento realizado em contraditório. 32. De fato, realizar um procedimento em contraditório, isto é, conduzir um processo nada mais significa do que permitir ao destinatário do respectivo provimento conclusivo a participação na preparação desse decisum30. Decerto, sem a observância desse princípio político da participação, descabe falar em processo31, pois o poder correspondente, em vez de legítimo, afigura-se arbitrário e, portanto, dissonante do caráter democrático próprio à vigente ordem jurídica constitucional. 33. Por oportuna, vale anotar a doutrina de Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari32, a respeito do contraditório, vazada nestes termos: “A instrução do processo deve ser contraditória. (...) É essencial que ao interessado ou acusado seja dada a oportunidade de produzir suas próprias razões e provas e, mais que isso, que lhe seja dada a possibilidade de examinar e contestar os argumentos, fundamentos e elementos probantes que lhe sejam desfavoráveis. (...) O princípio do contraditório exige um diálogo; a alternância das manifestações das partes interessadas durante a fase instrutória”. (Destaques acrescidos). 34. Sob o influxo de tais considerações jurídicas, fica patente a ausência de contraditório num PAD, cujo Indiciado é notificado a acompanhar a correspondente instrução processual sete meses após a deflagração do feito33. De qualquer modo, vale 28 Cf. Celso Ribeiro Bastos, Ibid., p. 209. Ibid., p. 152. 30 Cf. Cândido Rangel Dinamarco, Ibid., p. 161. 31 “Pois o exercício do poder jurisdicional somente é legítimo quando participam do procedimento que terminará na edição da decisão aqueles que serão por ela atingidos. Em outros termos, somente existirá procedimento legítimo e, portanto, processo, quando dele participarem aqueles que serão atingidos pela decisão do juiz. (...) Se o que importa é o princípio político da participação, no processo jurisdicional essa necessidade de participação é representada pelo instituto do contraditório.” (Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Ibid., p. 71). 32 Ibid., p. 72. 33 Mandado de Notificação ao Acusado cumprido em 17 de fevereiro de 2005 (fls. 29), embora o PAD tenha sido instaurado em 29 de junho de 2004 (fls. 17). 29 13 acrescer que, no âmbito da Sindicância34, nem mesmo de forma defasada, o comportamento inicialmente atribuído ao Acusado foi levado, formalmente, ao seu conhecimento pela Autoridade Sindicante. 35. Com efeito, a participação processual que foi facultada ao Acusado, nos autos do PAD n.º 017/2004-CEPA/SEJUC, restringiu-se ao seu comparecimento para prestar declarações e à sua citação para apresentar defesa escrita. 36. Caso pareça rigorosa a constatação descrita no Parágrafo anterior, vale ressaltar que, segundo os autos, o Acusado não foi sequer, enfatize-se, cientificado do Relatório Conclusivo do PAD e de sua aprovação pelo Titular da SEJUC – nem mesmo de forma verbal, tal qual como se deu, in exemplis, com o seu afastamento funcional preventivo35 – o que evidencia mais uma agressão ao direito de ampla defesa. 37. Com relação ao descumprimento do prazo legal para a conclusão do Processo Administrativo Disciplinar – que é de sessenta dias, prorrogáveis, justificadamente, por igual período, contados da data da publicação do ato que instituir a comissão36 – tendo em vista a tardia notificação, referida no Parágrafo 34, vislumbra-se o desacerto jurídico por que a Trinca Processante conduziu o PAD n.º 017/2004-CEPA/SEJUC. 38. De fato, o descumprimento desse prazo processual, ainda que em caráter excessivo e injustificado, constitui um minus, se comparado com a negação do direito do contraditório e da ampla defesa. Todavia, não se mostra menos prejudicial ao sujeito passivo de um PAD, à medida que prolonga a situação desfavorável de estar respondendo a um processo administrativo disciplinar, com possibilidade de limitar o exercício de determinados direitos, em função do status de indiciado37. Neste caso, não foi diferente, inclusive com o desdobramento que passou a integrar, indevidamente, o Relatório Conclusivo da Comissão Processante38. 39. Sem dúvida, as violações constitucionais perpetradas pelo Poder Público, no âmbito destes autos, já seriam gravíssimas, se cometidas na direção de um 34 Procedimento que antecedeu o PAD (fls. 2-12). Vejam-se os Tópicos II e III deste Parecer. 36 De acordo com o art. 162 da Lei Complementar Estadual n.º 122/94. 37 Cf. Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, Ibid., p. 100. 38 Essa referência diz respeito à conduta de falsidade documental atribuída ao Acusado, na oportunidade em que o Agente Penitenciário enfocado – para não se ver impedido de participar na quarta fase do concurso público 35 14 processo comum, como bem anota Ada Pellegrini Grinover39. Todavia, no âmbito de um processo administrativo disciplinar, tendo por certa a índole punitiva de sua decisão final40, tais irregularidades assumem uma gravidade jurídica ainda maior. 40. Configurada assim a inobservância do contraditório e da ampla defesa na condução do PAD n.º 017/2004-CEPA/SEJUC – o que pode ser aferido, sem exagero, do começo ao fim do longo iter procedimental41 – bem como o descumprimento excessivo e injustificado do prazo determinado para a conclusão do feito, vem à tona o cunho arbitrário de tal atuação administrativa, prejudicando, a fortiori, a validade jurídico-constitucional do provimento estatal final42. V – RELATÓRIO CONCLUSIVO DA COMISSÃO PROCESSANTE QUE, ALÉM DE AMPLIAR INDEVIDAMENTE O OBJETO DA INVESTIGAÇÃO DISCIPLINAR, NÃO SE MOSTRA ADEQUADO ÀS DECLARAÇÕES CONSTANTES DOS AUTOS. 41. Com efeito, o trabalho de uma comissão processante deve circunscrever-se à elucidação dos fatos apontados no ato instaurador do respectivo processo administrativo disciplinar, sob pena de comprometer a participação do indiciado (princípios do contraditório e da ampla defesa43) na preparação do correspondente relatório conclusivo. Decerto, é o que se deve entender, quando se fala em apuração objetiva dos fatos, a saber, uma infração disciplinar deve ser apurada de modo autônomo e exclusivo, no âmbito de um só feito disciplinar. 42. Em outras palavras, deve-se ter em mira que cumpre à comissão esclarecer os fatos determinados que foram postos sob sua responsabilidade instrutiva. Caso tome conhecimento de outras irregularidades funcionais supostamente praticadas pelo mesmo indiciado, mas sem conexão com os fatos iniciais, deve levar tal situação ao conhecimento da autoridade competente, a fim de que seja instaurado novo Processo Administrativo para provimento de cargos de Agente da Polícia Civil do Estado – teria falsificado uma certidão, entregando-a, junto com outros documentos, à autoridade responsável pela condução do certame. 39 RDA 183/13. 40 Cf. Edson Jacinto da Silva, Sindicância e processo administrativo disciplinar, 3 ed., São Paulo: Habermann, 2004, p. 55. 41 Basta consultar os autos e verificar a defasagem com que o Acusado foi notificado da instauração do PAD, bem como o fato de não ter recebido a notificação formal do Relatório Conclusivo da Trinca Processante. 42 Cf. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Teoria da norma jurídica, 4 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 127. 43 Cf. Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, Ibid., p. 97. 15 Disciplinar44. É o que se pretende dizer, quando se fala em apuração objetiva dos fatos, conforme anota José Armando da Costa45. 43. Nesse passo, nota-se que a objetividade da apuração disciplinar é tão importante quanto a correspondência entre o conjunto da instrução probatória e o relatório conclusivo, tendo em vista que a prática da verdade sabida – expediente por que o administrador público atuava por ciência própria dos fatos, independentemente da demonstração objetiva de tais acontecimentos – foi banida pela Constituição Federal46, notadamente, sob o influxo da tutela constitucional do processo, preconizada acima47. 44. Uma vez mais, em detrimento dessa disciplina jurídica, a Comissão Processante passou a apurar – durante a longa e excessiva tramitação processual48 – fatos alheios aos quais foi chamada a esclarecer49 (a entrega indevida de determinados objetos a um apenado), tendo concluído pela demissão do Acusado, com base em abandono de cargo e no cometimento de crime contra a Administração Pública, dentre outras infrações administrativas, como se vê no Relatório de fls. 174-180. 45. Com relação à situação de abandono de cargo50, tomada pela Trinca Processante como justitificativa – registre-se, insubsistente – para a demissão do Agente Penitenciário, José Ferreira do Nascimento, cumpre asseverar que a ausência funcional do Acusado foi provocada pela própria Administração Pública, notadamente, mediante o desarrazoado Despacho de fls. 6, que foi comunicado, verbalmente, bem como a determinação, também verbal, para que o Acusado permanecesse aguardando a decisão final em casa “até última ordem”. 46. Como bem determina o art. 157 da Lei Complementar Estadual n.º 122/94, o afastamento funcional preventivo tem o prazo de sessenta dias, prorrogáveis por 44 Tal como ocorre com a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que deve investigar, por prazo certo, determinado fato, segundo a disciplina da Constituição Federal (art. 58, § 3º). 45 “Circunscrevendo o seu raio de ação às irregularidades noticiadas na portaria instauradora do processo, deve, pois, a comissão se compromissar tão-somente com a veracidade dos fatos. Se a comissão, por ocasião dos trabalhos apuratórios, constatar a existência de outras irregularidades funcionais que não guardem nenhuma vinculação com as faltas que constituem o objeto do processo, quer sejam elas atribuídas ao acusado ou a terceiros, deverão ser levadas, em expediente fundamentado, ao conhecimento da autoridade instauradora, a qual, se for competente, poderá determinar a abertura de procedimento autônomo para apurar a respeito, e, sendo incompetente, encaminhará o expediente a quem o seja”. (Ibid., p. 251). 46 Cf. Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, Ibid., p. 100. 47 Veja-se o Parágrafo 30 deste Parecer. 48 Conferir os Parágrafos 37 e 38 deste Parecer. 49 Hipótese essa que também foi percebida no Parecer da PGE (fls. 197). 50 Questão incidental, mas conexa com os fatos que implicaram a instauração do PAD n.º 017/2004CEPA/SEJUC. 16 igual período, findo o qual cessam os seus efeitos. Portanto, mesmo considerando a referida prorrogação de prazo, o afastamento preventivo experimentado pelo Acusado – iniciado em março de 2004, consoante a Informação de fls. 7 – já deveria ter ultimado, formalmente, desde julho de 2004, não obstante o interesse evidenciado pelo Acusado em retornar ao exercício do cargo público de Agente Penitenciário, como se observa no seguinte trecho do Termo de Depoimento de fls. 72, prestado pela Servidora Pública Estadual, Clédina Barreto Batista: “QUE algum tempo após o término do afastamento preventivo, o citado Agente procurou o Setor de Pessoal a fim de saber como ficaria sua situação funcional, e diante deste fato a DEPOENTE contactou com o Coordenador e o mesmo lhe informou, de forma verbal, que repassasse ao Agente FERREIRA que ele deveria permanecer afastado das funções, até última ordem; QUE diante do contato mantido com o Coordenador a DEPOENTE repassou a informação recebida pelo mesmo ao Agente FERREIRA, também de forma verbal, pois o Coordenador não mandou expedir nenhum documento formal afastando o servidor novamente ou comunicando que o mesmo ficasse em casa...” 47. Em função de tal proceder administrativo, torna-se insustentável a hipótese de abandono de cargo aventada pela Comissão Processante, pois os efeitos materiais – porquanto os jurídicos já cessaram51 – da ausência funcional do Acusado somente se prolongaram no tempo, graças à desatenção administrativa com a qual foi conduzido o PAD n.º 017/2004-CEPA/SEJUC, em todas as suas fases, inclusive no âmbito da Sindicância, como pontuado acima52. 48. Nesse passo, admitir a conclusão de abandono de cargo formulada pela Comissão Processante53, teria o inevitável efeito de facultar a esta Comissão a 51 Pelo menos, desde julho de 2004, conforme exposto no Parágrafo 46. Vejam-se os Parágrafos 23-27 deste Parecer. 53 Isso sem olvidar o interesse da Comissão Processante na suspensão do pagamento do Acusado, conforme o Ofício n.º 009/2005-CEPA/SEJUC (fls. 38), hipótese que foi afastada por decisão liminar, proferida em Mandado de Segurança impetrado em favor do Agente Penitenciário, José Ferreira do Nascimento, conforme Cópia de fls. 168-172. 52 17 oportunidade para se beneficiar de sua própria falha54, ferindo assim o princípio constitucional da moralidade administrativa55 (art. 37, caput, da Constituição Federal). 49. Quanto ao cometimento de crime contra a Administração Pública, mormente, a falsidade documental atribuída ao Acusado pelo Relatório Conclusivo da Comissão Processante (fls. 179), faz-se imperioso ressaltar que tal situação não poderia ser examinada como infração funcional própria à aplicação do poder administrativo disciplinar – enfatize-se, no âmbito destes autos – por representar uma questão incidente e desconexa com os fatos iniciais que ensejaram o PAD n.º 017/2004-CEPA/SEJUC. 50. Interessa notar que tal vedação constitui uma limitação formal ao poder de investigação disciplinar do administrador público (destinada a resguardar, in exemplis, o devido processo legal, com as cláusulas do contraditório e da ampla defesa) a qual se impõe de modo autônomo, sem embargo de desdobramentos penais prejudiciais ou favoráveis ao indiciado56. 51. No que diz respeito à inadequação do Relatório com as declarações constantes dos autos, verifica-se outra irregularidade no resultado final deste PAD, pois o princípio da persuasão racional da decisão impõe liberdade de decisão ao administrador, desde que as fontes de seu convencimento estejam objetivamente esclarecidas nos autos57. 52. As declarações colhidas nos autos se mostram dissonantes em muitos pontos, cabendo enfatizar, dentre outros, os seguintes: (i) as circunstâncias em que se deu a apreensão dos objetos, inclusive no que diz com os Agentes Penitenciários presentes nesta oportunidade58, e (ii) o fato de que o Apenado, Edson Elias da Costa, já estaria facilitando a entrada de objetos não permitidos no Presídio59. Entretanto, com relação a um aspecto particular, qual seja, a correção funcional do Servidor Público enfocado, os depoimentos são 54 Convém trazer à baila, mutatis mutandis, a seguinte consignação, formulada por De Plácido e Silva: “E se a torpeza é juridicamente repelida, a ninguém, igualmente, é lícito alegar a própria torpeza, no intuito de tirar qualquer proveito: Nemo auditor turpitudinem suam allegans” (Vocabulário jurídico, 14 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 821). 55 Cf. Hely Lopes Meirelles, Ibid., pp. 87-89. 56 Segundo Cópias de Provimentos do Ministério Público e do Poder Judiciário (fls. 152-154), notam-se pronunciamentos estatais favoráveis ao Acusado, decorrentes da inexpressividade penal de sua conduta. 57 Cf. Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido R. Dinamarco, Teoria geral do processo, 11 ed., São Paulo: Malheiros, 1995, pp. 67-68. 58 Vejam-se os depoimentos dos Agentes Penitenciários, Alex França da Silva (fls. 117); Cleber Torres Galindo (fls. 121); e Adailton Pessoa de Oliveira (fls. 125). 59 Segundo depoimentos dos Agentes Penitenciários, Alex França da Silva (fls. 117); e Robson Gomes da Silva (fls. 119). 18 uniformes, contendo, inclusive, relatos de atuações relevantes do Acusado, como a que impediu uma tentativa de fuga de presos60. 53. Resumindo: os autos não demonstram, nem mesmo indiretamente, a prática da conduta delituosa inicialmente atribuída ao Acusado, pois a simples alegação do Apenado, Edson Elias da Costa, foi desmentida pelo Agente Penitenciário, José Ferreira do Nascimento61, havendo razões para concluir pela verossimilhança dessa negativa, à medida que os depoimentos contidos nos autos expressam a correta conduta funcional do Acusado62, constituindo assim indício contrário à configuração da referida irregularidade. 54. Portanto, à míngua da correspondência entre o conteúdo da instrução probatória do PAD n.º 017/2004-CEPA/SEJUC, no que tange ao esclarecimento dos fatos que ensejaram a sua instauração, e o respectivo Relatório Conclusivo, pode-se constatar que a Trinca Processante agiu arbitrariamente, ao recomendar a demissão do Acusado, com base num Relatório que se apresenta desconforme com as provas dos autos. VI – OPORTUNIDADE PARA A ATUAL CHEFE DO PODER EXECUTIVO ESTADUAL CUMPRIR O DEVER DE RESTAURAR A LEGALIDADE, MEDIANTE O PRINCÍPIO ADMINISTRATIVO DA AUTOTUTELA. 55. Dentre os princípios norteadores da atividade administrativa63, figura o da autotutela, segundo o qual a Administração Pública zela pela legalidade de sua atuação institucional, bem como pela adequação desse mesmo comportamento ao interesse público64. Disso resulta a oportunidade para rever os próprios atos administrativos, ora os invalidando, quando eivados de ilegalidades, ora os revogando, por critérios de conveniência ou oportunidade. Em verdade, a primeira conduta merece ser entendida como o dever de restaurar a legalidade ferida, quer por meio da convalidação, quer por meio da invalidação dos atos administrativos praticados em desconformidade com a legislação em vigor65. 56. Sem dúvida, no presente caso, houve divergência entre a disciplina legal do Processo Administrativo Disciplinar e os atos perpetrados pela Comissão 60 De acordo com os depoimentos dos Agentes Penitenciários, Cleber Torres Galindo (fls. 121); e Marcos Júlio Chaves dos Santos (fls. 144). 61 Consoante Termo de Depoimento do Acusado (fls. 40). 62 Basta conferir o teor de todos os Depoimentos Testemunhais colhidos nos autos (fls. 117-126 e fls. 141-146). 63 Cf. Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Ibid., p. 73. 64 Cf. Odete Medauar, Ibid., 154. 65 “Pode-se dar, portanto, que haja discrepância entre a receita da lei e a pragmática do ato. Quando isso ocorre configuram-se as situações de invalidade,...” (Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, Ibid., p. 193). 19 Processante, na condução do PAD n.º 017/2004-CEPA/SEJUC, conforme enfatizado acima66, o que inviabiliza a aplicação da sanção administrativa recomendada no correspondente Relatório Conclusivo. 57. Ante esse quadro, em que o conteúdo dos provimentos administrativos discrepa do respectivo substrato fático e jurídico, cumpre à Administração Pública exercer o controle da legalidade de seus próprios atos, mediante o princípio da autotutela, cujo teor já encontra respaldo jurisprudencial em duas Súmulas do Supremo Tribunal Federal (STF), quais sejam, as de n.º 34667 e n.º 47368. 58. Interessa notar que, nesta oportunidade, não há outra conduta a praticar, senão a de invalidar o PAD n.º 017/2004-CEPA/SEJUC, por apresentar irregularidades jurídicas insuscetíveis de convalidação, tais como, medida cautelar abusiva, desrespeito ao devido processo legal (contraditório e ampla defesa), questões incidentes e Relatório Conclusivo dissonante do conjunto probatório presente nos autos. Decerto, só há um caminho para que a Administração Pública possa agir, disciplinarmente, com relação à conduta funcional do Agente Penitenciário, José Ferreira do Nascimento, qual seja, instaurar um novo PAD que observe todas as exigências legais pertinentes69, obviamente, após a invalidação processual antes referida. 59. Com efeito, a restauração da legalidade pela Administração Pública, como preconizada acima (Parágrafo 58), vai ao encontro do que vem sendo amiúde decidido no Poder Judiciário, na generalidade dos seus Tribunais, do STF ao Tribunal de Justiça do Estado, consoante os arestos que seguem: “EMENTAS: 1. RECURSO. Extraordinário. Servidor público. Policial militar. Licenciamento "ex offício". A ausência de processo administrativo para a apuração da culpa ou dolo do servidor. Princípio do contraditório e da ampla defesa. Inobservância. Recurso provido. À demissão do servidor público, com ou sem estabilidade no cargo, deve 66 Vejam-se os Tópicos II-V deste Parecer. Súmula n.º 346 – STF: “A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos”. 68 Súmula n.º 473 – STF: “A administração pode anular os seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”. 69 “A nulidade é insuprível pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes. O ato nulo não pode ser ratificado. Se as partes estão de acordo em obter efeitos jurídicos para o ato viciado praticado, só conseguirão isso, praticando-o novamente, seguindo então todas as formalidades” (Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil, 3 ed., São Paulo: Atlas, 2003, v. 1, p. 576). 67 20 preceder processo administrativo para a apuração da culpa, assegurando-lhe a ampla defesa e o contraditório. 2. RECURSO. Agravo. Regimental. Jurisprudência assentada sobre a matéria. Caráter meramente abusivo. Litigância de má-fé. Imposição de multa. Aplicação do art. 557, § 2º, cc. arts. 14, II e III, e 17, VII, do CPC. Quando abusiva a interposição de agravo, manifestamente inadmissível ou infundado, deve o Tribunal condenar o agravante a pagar multa ao agravado70”. “EMENTA: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO MANDADO DE E SEGURANÇA. DEMISSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO NÃO ESTÁVEL SEM A OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA, EXPRESSOS NO ARTIGO 5º, INCISOS LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 21 DO STF. ANULAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. READMISSÃO DO SERVIDOR. PRECEDENTES DESTA CORTE. PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO TRANSFERIDA PARA O MÉRITO. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DA REMESSA NECESSÁRIA E DO RECURSO VOLUNTÁRIO, PARA MANTER A DECISÃO VERGASTADA EM TODOS OS SEUS TERMOS71”. 60. Por conseguinte, assoma-se à atual Chefe do Poder Executivo Estadual o dever de desconstituir a relação jurídica processual viciada, tal como firmada – no âmbito da Sindicância e do subseqüente Processo Administrativo Disciplinar – entre o Estado do Rio Grande do Norte e o Agente Penitenciário, José Ferreira do Nascimento, com a conseqüente determinação para (i) o imediato retorno do Acusado ao regular exercício das funções do cargo público que ocupa; e (ii) a correta apuração de todos os fatos irregulares envolvidos nos presentes autos e capazes de configurar infrações administrativas, mediante a instauração de processos administrativos disciplinares distintos. 70 71 STF – Primeira Turma – Recurso Extraordinário n.º 217579 – Rel. Min. Cezar Peluso, j. 16-12-04. TJRN – Primeira Câmara Cível – Apelação n.º 2003.001079-9 – Rel. Des. Manoel dos Santos, j. 22-9-05. 21 VII – CONCLUSÕES. 61. Diante do exposto, impõe-se admitir que: (i) a Sindicância, mesmo quando configura uma fase preparatória do Processo Administrativo Disciplinar, possui natureza processual, reclamando, portanto, uma condução subordinada ao princípio da ampla defesa, cujo exercício pressupõe a elementar situação de conhecer o objeto da acusação, conforme o disposto no art. 155, § 1º, da Lei Complementar Estadual n.º 122/94; (ii) a decisão administrativa que promove o afastamento funcional preventivo do indiciado apresenta natureza cautelar e se submete ao princípio da motivação dos atos administrativos, segundo o qual a autoridade deve expressar as razões fáticas e jurídicas necessárias à edição do respectivo provimento; (iii) a ausência de demonstração dos fatos pelos quais o afastamento funcional do Acusado seria útil à instrução probatória do feito, bem como da notificação formal da decisão, além de ter desobedecido aos princípios da motivação dos atos administrativos e da ampla defesa, descaracterizou a natureza cautelar da medida, como providência necessária a assegurar o normal desenvolvimento das atividades de instrução probatória, tornando arbitrário o correspondente exercício do poder disciplinar; (iv) o exercício do poder administrativo disciplinar merece ser considerado como processo, porque deve ser realizado, por intermédio de um procedimento em contraditório que permita ao destinatário do respectivo provimento conclusivo participar na preparação dessa decisão administrativa; (v) as arbitrariedades praticadas na condução do PAD n.º 017/2004CEPA/SEJUC, tendo violado o devido processo legal, não permitem classificá-lo como um processo, pois o Agente Penitenciário, José Ferreira do Nascimento, somente foi notificado a acompanhar a correspondente instrução probatória sete meses após a deflagração do feito, ficando a participação processual do Acusado limitada ao seu 22 comparecimento para prestar declarações e à sua citação para apresentar defesa escrita; (vi) tendo presente que o Processo Administrativo Disciplinar deve ser concluído em sessenta dias, prorrogáveis, justificadamente, por igual período, contados da publicação do ato que instituir a comissão, segundo o disposto no art. 162 da Lei Complementar Estadual n.º 122/94, exsurge a prolongação excessiva e injustificada do PAD n.º 017/2004-CEPA/SEJUC, uma vez que o Acusado foi notificado a acompanhar a respectiva instrução probatória, apenas sete meses após a instauração do Processo; (vii) uma comissão processante deve realizar a apuração objetiva dos acontecimentos, pois, quando investiga fatos alheios aos quais foi chamada a esclarecer, compromete a participação do indiciado (princípios do contraditório e da ampla defesa) na preparação do relatório conclusivo do processo administrativo disciplinar que, por seu turno, deve guardar conformidade com o conjunto de provas carreado aos autos; (viii) o Relatório Conclusivo apresentado nos autos do PAD n.º 017/2004CEPA/SEJUC encontra-se juridicamente viciado pois, além de conter questões incidentes e desconexas com os fatos inicialmente atribuídos ao Acusado, encerra uma conclusão que não guarda consonância com o conteúdo geral da instrução probatória presente nos autos; (ix) dentre os princípios norteadores da atividade administrativa, figura o da autotutela, segundo o qual a Administração Pública zela pela legalidade de sua atuação institucional, bem como pela adequação desse mesmo comportamento ao interesse público, resultando daí a oportunidade para rever os próprios atos administrativos, ora os invalidando, quando eivados de ilegalidades, ora os revogando, por critérios de conveniência ou oportunidade; (x) uma vez constatada determinada ilegalidade, a oportunidade de rever o ato que a originou merece ser entendida como o dever de restaurar a legalidade ferida, quer por meio da convalidação, quer por meio da invalidação dos atos administrativos praticados em desconformidade com a legislação em vigor; 23 (xi) no presente caso, não há outra conduta a praticar, senão a de invalidar o PAD n.º 017/2004-CEPA/SEJUC, por apresentar irregularidades jurídicas insuscetíveis de convalidação, verbi gratia, medida cautelar abusiva e desrespeito ao devido processo legal, restando, por conseguinte, uma única alternativa para que a Administração Pública possa exercer o poder disciplinar referente à conduta funcional do Agente Público, José Ferreira do Nascimento, a saber, a instauração de um novo PAD que observe todas as exigências legais pertinentes; (xii) torna-se devido então desconstituir a relação jurídica processual viciada, tal como firmada – no âmbito da Sindicância e do subseqüente Processo Administrativo Disciplinar – entre o Estado do Rio Grande do Norte e o Agente Penitenciário, José Ferreira do Nascimento, com a conseqüente determinação para (i) o imediato retorno do Acusado ao regular exercício das funções do cargo público que ocupa; e (ii) a correta apuração de todos os fatos irregulares envolvidos nos presentes autos e capazes de configurar infrações administrativas, mediante a instauração de processos administrativos disciplinares distintos. 62. É o Parecer, o qual submeto à apreciação de Sua Excelência, a Senhora Governadora do Estado. Consultoria-Geral do Estado, em Natal – RN, 19 de janeiro de 2006. DOE Nº. 11.178 Data: 24.2.2006 Pág. 1 TATIANA MENDES CUNHA CONSULTORA-GERAL DO ESTADO 24