1 O GERENCIAMENTO DE PROJETOS SOCIAIS CONDUZIDOS POR ORGANIZAÇÕES PRIVADAS E DO TERCEIRO SETOR Miki Sangawa1 Jose Wanderley Novato Silva2 RESUMO Este trabalho trata das especificidades no gerenciamento de projetos sociais conduzidos em Minas Gerais por duas organizações do Terceiro Setor associados à educação e inclusão de crianças e adolescentes. Através de um estudo de casos foram analisados vários aspectos relacionados à formulação, estratégia, operações, finanças, pessoas e marketing dos projetos selecionados; também foram analisados os métodos de avaliação e os resultados de cada projeto. A análise apontou que os projetos sociais ligados às empresas privadas estão mais próximos das metodologias de gerenciamento de projetos sociais disponíveis na literatura, mas é possível afirmar, com relação a todos os projetos estudados, que, apesar de alguns sucessos, a ineficiência no processo de avaliação e a inexistência de dados consistentes ao longo da condução dos projetos dificultaram as ações de marketing e prejudicaram o alcance dos resultados. Os casos estudados revelaram desconhecimentos e deficiências na aplicação das metodologias de gestão de projetos que cabem a esse setor. Palavras chave: Terceiro Setor - Gerenciamento de Projetos Sociais - Gestão social. 1. INTRODUÇÃO A importância do Terceiro Setor é destacada pelo papel que desempenha nas áreas sociais, culturais, educacionais e ambientais e, pela movimentação dos volumosos recursos ao desempenhar suas ações sociais. De acordo com dados do instituto FASFIL - Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos - em 2007, as organizações investiram 12 bilhões e receberam doações de pessoas físicas em torno de 1,1 bilhão. (IBGE, 2013). No entanto, esses recursos aplicados no Terceiro Setor estão concentrados, em sua maior parte, em organizações de médio e grande porte devido à falta de profissionalização dos recursos humanos e de racionalização das ações e resultados exigidos pelas agências financiadoras e por uma sociedade exigente por uma gestão transparente e eficaz. Dessa forma, o grande desafio dessas organizações é apresentar resultados nas áreas de planejamento, avaliação e prestação de contas por meio de ferramentas e técnicas que podem ser atribuídas ao gerenciamento de projetos por auxiliar a gestão e também na 1 2 Mestre em Administração de Empresas (FEAD). Professor Faculdade Pitágoras. Doutor em Ciências da Informação (UFMG). Professor FEAD. 2 realização de metas e objetivos, trazendo melhores resultados, previsibilidade e aumento da lucratividade. Dada à importância a essa conjuntura, os esforços aplicados a esse artigo, fruto do trabalho de uma dissertação de mestrado – dedicam-se a uma análise sobre o uso das técnicas de gerenciamento de projetos sociais por organizações do Terceiro Setor na condução de seus projetos sociais, na busca por responder à seguinte pergunta representada no problema de pesquisa: quais as especificidades do gerenciamento de projetos sociais conduzidos por Organizações Não Governamentais (ONGs) e por empresas privadas em Minas Gerais? Assim sendo, o objetivo deste trabalho é analisar os projetos sociais sob a perspectiva do gerenciamento de projetos sociais conduzidos por organizações do Terceiro Setor – tanto as que atuam de forma autônoma, quanto às são ligadas às empresas privadas. Para operacionalizar esse objetivo foram escolhidas duas organizações, cujas características serão detalhadas no terceiro capítulo deste trabalho. 2. Demandas da sociedade e o gerenciamento de projetos sociais 2.1. Terceiro Setor A importância do Terceiro Setor para o desenvolvimento dos países tem sido demonstrada como um agente no processo de assistência às comunidades necessitadas nas áreas sociais, culturais, educacionais e ambientais através da execução dos projetos sociais pelas organizações não governamentais. No Brasil, durante o período colonial, estudos mostraram seu surgimento, identificados por Hudson (1999), pelas práticas de assistência às comunidades carentes, pela Igreja Católica e, posteriormente pela Santa Casa de forma direta ou indireta com aporte do Estado. A partir da década de 1990, segundo Albuquerque (2006), as responsabilidades do Estado foram reduzidas com a implementação da ferramenta de ação entre os setores – projeto social e das políticas sociais públicas, marcadas também pelas novas divisões do trabalho, das mudanças ocorridas na Sociedade Civil brasileira e, pela promulgação da Constituição de 1988. Essas mudanças acarretaram no fortalecimento e desenvolvimento de um novo quadro, composto por organizações atuando de forma direta e ativa entre o Estado e a Sociedade Civil, afirmam Stephanou et al (2003). Portanto, a incapacidade do Estado de levar a todos os grupos e cidadãos as condições de acesso aos bens públicos faz com que a sociedade civil se organize, buscando dividir com o Estado essa responsabilidade. 3 A conceituação sobre o termo Terceiro Setor é complexa, segundo Coelho (2000), pelas inúmeras denominações atribuídas à organização da Sociedade Civil sem fins lucrativos e, por sua composição – associações, fundações, instituições e organizações com base na ação voluntária. Para Hudson (1999) o termo Terceiro Setor possui similaridades com o setor público, por não gerar lucro e por atuar em prol ao bem comum e com o setor privado por não estar sujeito a um controle político direto sendo independente na sua atuação. Assim, o Terceiro Setor é utilizado para identificar as atividades da Sociedade Civil que não se enquadram na finalidade lucrativa ou representada pela Administração Pública, combinando a flexibilidade e a eficiência do setor privado com a previsibilidade da burocracia pública. Neste artigo, adotou-se o termo organização não governamental (ONG) apenas às associações e entidades filantrópicas por preservarem as características de assistencialismo a um público vulnerável, defendidos por Gohn (1997) e Landim e Beres (1999). 2.2. Gerenciamento de projetos Para as organizações, em meio a um mundo complexo, caracterizado por mudanças constantes para a obtenção de riquezas para os seus acionistas, é indispensável à adoção de ferramentas de gestão na busca da eficácia e das metas organizacionais. Essa afirmativa é justificada porque os projetos possuem atributos que constituem os elementos da sua definição e devem ser respeitados, descritos por Dinsmore (1992); Vargas (2000); Cury (2001); Kerzner (2003), como: “um prazo determinado, um empreendimento único, um escopo, que utiliza recursos (financeiros, materiais e humanos) para realizar tarefas e, sofre pressões de prazo, custo e qualidade”. Sabe-se, portanto, que as organizações têm um grande desafio, sendo o gerenciamento de projetos uma alternativa viável para alcançar os resultados ou consequências corretas por meio do seu sistema de controle. Thomas & Mengel (2008); Kerzner (2003) afirmam que devido ao aumento do profissionalismo, à flexibilidade e à velocidade na implementação de projetos em diversas áreas da administração, o gerenciamento de projetos vem sendo reconhecido por diversas organizações no decorrer dos anos. Nesse mesmo sentido, o PMI conceitua um projeto como “um esforço temporário realizado para criar um produto ou serviço único”. E, o gerenciamento de projeto como a “aplicação de conhecimentos, experiências ferramentas e técnicas às atividades dos projetos a fim de satisfazer os seus requisitos”. (PMI. PMBOK® Guide, 2004). 4 De acordo com Kerzner (2003), a principal obra com o objetivo de reunir as práticas de gerenciamento de projetos é o PMBOK (Project Management Book of Knowledge) publicado pelo PMI ( Project Management Institute) que, no ano de 2013 publicou sua quinta edição, descrevendo os conhecimentos sistematizados em dez áreas de conhecimento. Essas áreas de conhecimentos são: escopo, tempo, custo, qualidade, recursos humanos, comunicações, riscos, aquisições, integração e partes envolvidas do projeto. E, segundo Verzuh (2000), sugere a divisão em quatro fases, conhecida como ciclo de vida, de modo a oferecer um melhor controle das operações em andamento da organização executora. Ademais, para alcançar os resultados positivos em projetos, Vargas (2000), elenca as habilidades necessárias ao gerente de projeto, além da maestria das pessoas que compõe a sua equipe subordinada. Outro fator sintomático é a presença de um escritório de projetos, o Project Management Office – PMO que, segundo o PMBOK (2004), é um componente de uma organização para a coordenação e gerenciamentos dos projetos sob o seu domínio. Dentre as suas responsabilidades estão o suporte a projetos nos aspectos de gestão dos recursos, ações concentradas nas questões estratégicas e corporativas e a comunicação com o cliente. Sobre o projeto, Verzuh (2000) sugere a divisão em quatro fases, conhecida como ciclo de vida, de modo a oferecer um melhor controle das operações em andamento da organização executora. Assim, segundo Kerzner (2003), sugere a adoção de uma metodologia por aumentar o desempenho, a comunicação e a confiança dos stakeholders desde que contenha características, tais como, o uso de técnicas padronizadas de planejamento, programação e controle, facilitando o entendimento e aceitação por todas as partes da organização. 2.2.1 Gerenciamento de projetos sociais O gerenciamento de projetos não se restringe a um tipo específico de segmento de atuação, podendo ser aplicado em projetos e processos de gestão de diferentes tamanhos, mesmo partindo de iniciativas do setor privado. (SANGAWA, 2013). Um exemplo seria o gerenciamento de projetos sociais, cuja fragilidade é apontada por Hudson (1999), pela dificuldade de monitoramento e pela falta de um resultado financeiro, pela administração complexa de sua estrutura organizacional e de seus patrocinadores e voluntariado, e também por, frequentemente, ter objetivos vagos. Nesse contexto, torna-se ainda mais indicada a adesão ao gerenciamento de projetos aplicado em projetos sociais, conforme sugerido por Armani (2000). Em resposta às abordagens mecanicistas e quantitativas apontadas por Souza (2001) e Morais (2010), a adesão dessas técnicas e ferramentas é justificada pela complexidade nos 5 processos de transformação, considerando os limites do tempo e do orçamento. Armani (2000) enumera seis benefícios da adoção do gerenciamento de projetos sociais: i) legitimidade e credibilidade (melhores resultados); ii) produção coletiva de conhecimento iii)impacto duradouro iv) eficiência v) eficácia; vi) empoderamento, com a participação de todas as partes envolvidas. No que tange ao ciclo de vida dos projetos sociais, ainda Armani (2000) esclarece a semelhança com os outros projetos por seguir a mesma lógica das etapas de planejamento, implementação, avaliação e finalização. Entretanto, sob a óptica de Marino & Cancellier (2010), esse ciclo de vida pode ser desmembrado em oito fases, a saber: análise situacional: considera-se os problemas e as necessidades para a intervenção no público-alvo com diferentes percepções dos stakeholders. planejamento: nessa fase são definidos o escopo , o prazo e o orçamento do projeto. negociação: processo no qual ocorre a apresentação do projeto social a agentes financiadores e diretores da organização podendo sofrer ajustes no prazo, orçamento e escopo. marco zero: reavaliação das etapas anteriores, atualizando ou aprofundando os dados considerando as propostas de mudança na fase de negociação; implementação: desenvolver as ações previstas no projeto; avaliação de processo: compreende no monitoramento contínuo das atividades permitindo gerar informações pertinentes para a implementação de melhorias contínuas no projeto; avaliação de resultados: avalia-se os resultados levando em consideração os benefícios proporcionados aos stakeholders ( público alvo, equipe, financiadores, etc.); utilização: são aplicadas ao final do projeto levando em consideração todas as avaliações, atividades operacionais, lições aprendidas, podendo percorrer três caminhos: i) Comunicação – emissão de um relatório para atender diferentes públicos que contemple todo o detalhamento metodológico, aspectos operacionais, dificuldades, lições aprendidas, etc. ii) Replicação: é o estudo da multiplicação desse projeto para solucionar problemas sociais semelhantes. iii) Institucionalização: os projetos de sucesso podem compor o portfólio de serviços da organização. 6 Os atributos dos projetos sociais são identificados pela execução e por suas ações concretas, considerando os recursos e o tempo de uma cadeia que, se inicia na tradução das políticas com seus grandes objetivos e estratégias, em programas que são linhas mestras de ações temáticas e setoriais, conforme Armani (2000); Cury (2001) e Stephanou et al. (2003). Outras especificidades dos projetos sociais foram enfatizadas por Marino (2003) quanto à entrega dos resultados marcados pela intangibilidade – autoestima e qualidade de vida, por exemplo. Drucker (1994), além disso, apontou as características da gestão de pessoas, destacando a complexidade do trabalho voluntário, marcado pela inexperiência e a falta de remuneração. Coelho (2000), por sua vez, apontou o compartilhamento de conhecimento profissional específico, transmitido pelos altos executivos de empresas ao participarem dos conselhos das organizações do Terceiro Setor. Por fim, Szazi (2003) enfatizou as especificidades das questões financeiras (doações, verbas governamentais, cobrança por prestação de serviço) e das questões fiscais, presentes em imunidades ou vantagens de tributação, bem como isenção de certas obrigações - desde que as organizações atuem como instituições de educação ou assistência social. 3. METODOLOGIA O presente trabalho adotou o procedimento de estudo de múltiplos casos que, segundo Yin (2005), é o método mais adequado para pesquisas que pretendem relacionar vários aspectos de um mesmo fenômeno presente em diversas organizações. Foram selecionados três casos de projetos sociais, conduzidos por duas organizações. Uma delas é ligada a uma empresa privada; a outra é uma organização não governamental autônoma, e dela foram escolhidos dois projetos: um ligado a uma empresa privada, e outro que é uma iniciativa espontânea da organização. Os projetos sociais, objetos deste estudo, foram escolhidos pela semelhança na abordagem dos conceitos de cidadania e pelo propósito de elevação da educação formal ou informal da comunidade fora das grandes. O primeiro projeto é conduzido pelo Instituto Holcim. Os dois outros projetos são ligados à organização não governamental Ramacrisna. O primeiro projeto da Ramacrisna selecionado é o projeto “Oficina de Artes”, que tem como objetivo desenvolver a criatividade e a coordenação motora, aprendendo e compartilhando com os colegas tarefas que elevam a autoestima e conscientizando os participante sobre a importância da reciclagem de lixo e da preservação da natureza. O outro projeto escolhido da Ramacrisna é o “Ler e Ler” advindo também de um instituto ligado a uma empresa privada, 7 Instituto C&A, mas, também conduzido pela ONG Ramacrisna. Ele tem o objetivo de despertar o prazer da leitura em crianças, jovens e adolescentes. Foram realizadas nove entrevistas ao total - três em cada um dos projetos estudados, sendo entrevistados os coordenadores gerais e locais do projeto, supervisora de projetos e as monitoras de modo a atingir níveis hierárquicos diferentes. No projeto Ler e Ler, a coordenadora do polo de leitura, bibliotecária, não possuía experiência em projetos sociais. A coordenadora da biblioteca é graduada em ciências contábeis com experiência em mediação (professora) de leitura com os jovens. E, a professora é uma funcionária pública, cedida pela prefeitura de Betim, por meio de contrato firmado entre as partes. Esses atores foram representados por CG1, C1 e M1 respectivamente. No projeto Oficina de Artes, SP1, CG2, C2 correspondem a Supervisora de projetos, Coordenadora do Centro de Apoio Educacional Ramacrisna- CAER e a professora atuante nesse projeto. Nesse projeto, a experiência das coordenadoras em projetos sociais foi adquirida durante a atuação na organização como professora de informática em outros projetos sociais na mesma organização e, em parcerias com empresas privadas Vale e Petrobrás. E, seguindo essa mesma lógica na representação dos atores, no projeto Holcim Comunidades, CG3, C3 e M2 correspondem à coordenadora local do Instituto, coordenadora do projeto e a professora. Diferentemente dos outros projetos a coordenadora local do Instituto Holcim e a monitora possuem experiência em projetos sociais tendo atuado em projetos de educação, meio ambiente e capacitação profissional e, outros projetos da prefeitura, respectivamente. A experiência em projetos sociais da coordenadora foi construída ao longo dos nove anos de existência desse projeto atuando em diversos cargos. Todas as entrevistas foram gravadas com o consentimento das entrevistadas e o tempo médio de duração de cada entrevista foi de 60 minutos e, ocorreram entre os dias 8 a 24 de maio do ano de 2013 nas cidades de Pedro Leopoldo e Betim. Além de entrevistas semiestruturadas e do questionário, a técnica da observação direta e a pesquisa documental foram utilizadas. Na pesquisa documental, foram analisados documentos em formato eletrônico, relatórios anuais, livros comemorativos, folders e os sítios das organizações de modo a possibilitar diferentes aspectos sobre os projetos sociais estudados. Esse procedimento atendeu a uma possibilidade de obter diferentes aspectos sobre os projetos através de pessoas diretamente envolvidas nos trabalhos. Para interpretar os conteúdos das entrevistas, foi utilizado o método de análise de discurso permitindo observar as particularidades, convergências e divergências de cada projeto. Para análise e apresentação 8 dos resultados, optou-se em organizar em nove categorias para facilitar a replicação dos elementos teóricos. 4. ANÁLISE DOS RESULTADOS 4.1. Categoria: Formulação A primeira categoria de análise avaliada tratou da formulação dos projetos e na identificação de uma metodologia própria ou de terceiros que orientasse a elaboração desses projetos sociais. Foi percebida a existência de um setor específico ou responsável por esse procedimento ou ainda um grupo que centraliza essas funções, reconhecido como escritório de projetos, conforme depoimento: “A missão Ramacrisna tem sempre uma pessoa que na época nem está aqui mais, tem um sempre profissional que tem essa habilidade, de escrita de projetos” [sic] (relato da entrevistada CG1). No que tange a metodologia, evidenciou-se a sua presença apenas nos projetos das organizações ligadas às empresas privadas: uma reconhecida como SES - Social Engagement Scorecard do Instituto Holcim e outra do Instituto C&A relatada pela entrevistada C1: “entrar na metodologia foi bem lento, eu falo que, no primeiro ano, foi mais de organização; metodologia mesmo, ao pé da letra, foi no segundo ano. A gente seguiu a metodologia à risca”. Esse resultado pode estar atrelado à necessidade de captação de recursos por meio de editais, leis de incentivo e patrocínios, desfavorecendo a implementação e desenvolvimento de uma metodologia própria, a saber: Nós escrevemos projetos de várias formas, têm aqueles que são editais, nós temos uma pessoa que faz essa busca de editais, leis de incentivo então quando tem os editais tem toda aquela forma exigida de apresentar o projeto e tudo e a gente quer mostrar todo o nosso potencial, como a gente já fez e como pode estar fazendo naquela área e, uns aprovados outros não, e estamos aí nessa luta. (relato da entrevistada SP1) 4.2. Categoria: Aspectos estratégicos Ao investigar a relação dos projetos sociais com as estratégias da organização executora, constatou-se que houve um consenso quanto às respostas, independentemente do cargo e da organização entrevistada: 9 Porque o objetivo do projeto é tirar a criança da rua porque os pais trabalham, as crianças ficam sozinhas e vêm para cá ao invés de aprender coisa ruim aprendendo coisa boa. A gente passa coisa boa, artesanato, jogos esportivos, só coisa boa para ter uma criança de valor. Formação de valores. (Relato da entrevistada M2). Verifica-se, no entanto, uma preocupação na estruturação e evolução dos projetos conduzidos pelas organizações ligados às empresas privadas em um processo de aprendizagem e reflexão das lições aprendidas. 4.3. Categoria: Aspectos operacionais Ao apurar os aspectos operacionais, foram categorizadas dificuldades e especificidades nos projetos estudados. De forma geral, foram mencionadas questões relacionadas à logística – distância entre a cidade e o local onde acontece o projeto e sobre o transporte ineficiente, na perspectiva das entrevistadas. Ressalta-se, no entanto, dois aspectos de suma importância da face do gerenciamento de projetos: a metodologia e os stakeholders. Na metodologia, é explícita, no relato das entrevistadas, uma grande dificuldade de expressão ou falta de entendimento sobre o assunto, impactando na execução dos projetos da Holcim e do Instituto C&A: “De repente, a metodologia, às vezes em outros projetos, a metodologia, com certeza vai ser diferente do que são trabalhadas, as oficinas que trabalham aqui não são a mesmas, não são as mesmas que trabalham no AABB.” (Relato da monitora M2). Os stakeholders geram influências no desenvolvimento dos projetos e, por consequência na entrega dos resultados descritos a seguir: [...] para o Instituto C&A tinha que ser feito daquela forma. Então, a gente tinha um período para adequar, se não fizesse, ele falava em público lá, nos encontros nacionais, a fulana não está fazendo. Não tinha essa cobrança. O Instituto cobra, o instituto C&A cobra muito essas mudanças, mas, assim, o que acontece eles tinham, um exemplo, uma classificação de cores que não é a nossa realidade aqui.” (relato do entrevistado C1). Por outro lado, as parcerias com o Governo apesar de não sofrem influências, podem determinar uma alavancagem no projeto: “No outro governo da Maria do Carmo, a ex-prefeita, nós tínhamos um convênio onde todo evento literário nós fazíamos juntas, houve grandes eventos literários dentro de Betim, Ler e Ler estava lá. Nós participamos no ajudar a elaborar, organizar para poder acontecer e participava das atividades dos eventos com os nossos alunos. Nesse governo, a gente ainda não conseguiu muita coisa não. Não tem interferência da prefeitura. Do Instituto C&A tem.” (Entrevistada C1). 10 Nos projetos Holcim Comunidades e Oficina de Artes, o Governo não interfere na condução dos projetos, exigindo apenas, relatórios operacionais, mesmo sendo o responsável pelo pagamento e por serem funcionários públicos cedidos. Quando há uma parceria com empresas privadas segue o mesmo parâmetro; não influenciando os aspectos operacionais desse projeto e, suas exigências são supridas com a prestação de contas. 4.4. Categoria: Pessoas Nesta categoria, foi observado um fator impactante a todos os projetos devido o convênio firmado entre as organizações e o Governo, a rotatividade. Apesar de aceito e, comum nos relatos das entrevistadas, os aspectos positivos são a transparência e a redução dos custos com os profissionais cedidos. A declaração a seguir denota e dá suporte a essas afirmativas: “uma rotatividade grande de professores no projeto. O motivo é... eles são da rede ...eles são da prefeitura, hoje, eles estão aqui amanhã transferem eles para outra oficina, tiram eles e levam para outra escola tendeu.” [sic] (relato da entrevistada C1). Nota-se, no entanto, que a rotatividade pode ocorrer além dos motivos descritos acima de mudança dentro da própria instituição ou para outras escolas, pelo término de contrato com clausulas específicas para essa finalidade: “Todo ano geralmente o quadro de funcionário muda porque são contratados pela prefeitura. Existe um processo seletivo, a prefeitura faz um processo seletivo todo final do ano, então, assim, às vezes, uma pessoa que trabalhou aqui esse ano, ano que vem ela não vai ser chamada para aqui vai ser chamada para outro projeto. [sic] (Relato da entrevistada C3). Ressalta-se, que, apesar de escassos e em períodos curtos, os voluntários estão presentes nos projetos que são conduzidos pela ONG, pertencentes à comunidade. 4.5. Marketing Nessa categoria, observou-se que o marketing é utilizado nos projetos sociais para atender a duas vertentes: uma interna - interagindo com a comunidade e outra externa - na divulgação para a sociedade com vistas à imagem e à marca da empresa patrocinadora apoderando dos meios de comunicação. Averiguou-se, no projeto Holcim Comunidades, a utilização dessas duas vertentes através de programas de relacionamento com a comunidade. Segundo a entrevistada CG3, no programa comitê com a comunidade, organizam-se quatro encontros com pessoas ou grupos 11 formadores de opinião e representantes das autoridades locais com a finalidade de apresentar os resultados dos projetos atuais, dos novos projetos e dos que estão sendo pleiteados. No outro projeto, de portas abertas, apresentam o processo de produção dentro da fábrica, ou seja, uma visita às instalações da empresa, quando é aproveitada a divulgação da parte social. E, na divulgação e consolidação da marca pelo relato da CG1: “A marca Holcim é bem conhecida. Por ser um projeto Holcim e por estar dentro, a gente atende os meninos da comunidade aqui”. Nos projetos Ler & Ler e Oficina, ambos conduzidos pela ONG, sua divulgação resume-se a divulgação externa dos resultados na forma de jornais e mídia social para os agentes financiadores. 4.6. Finanças Observaram-se, nessa categoria, as características dos recursos financeiros, sua sustentabilidade, por meios próprios ou por aporte externo das empresas patrocinadoras e, como são orçados e gastos. No aspecto orçamento, o projeto Oficina de Artes é dependente da captação dos recursos por meio de doações através do Fundo para a Infância e Adolescência (FIA), quando não alcançado, é sustentado pelas formas de geração de renda de outros projetos de fabricação de massas e telas. O financiamento dos projetos dos institutos Holcim e C&A é garantido no orçamento das empresas ligadas a eles, mas, para sustentar o desenvolvimento da comunidade e garantir resultados, o conceito financiador é substituído por parceiro com a finalidade de romper os excessos de dependência dos recursos dos projetos de longo prazo. No Ler & Ler, a projeção de capital máxima estimada é para 3 anos, reduzindo gradativamente os valores injetados e replicados nesse projeto. No Hocim Comunidades, os valores estão relacionados ao planejamento estratégico da empresa. Cabe, no entanto, ressaltar que os objetivos desses projetos não visam à geração de renda, não viabilizando o estudo da auto sustentabilidade. 4.7. Avaliação Ao investigar a existência de indicadores e ferramentas de avaliação dos projetos, constatou-se que no projeto Ler & Ler há um maior envolvimento entre as partes interessadas e, no acompanhamento holístico do projeto, sendo acompanhados os níveis hierárquicos diferentes. “O instituto C&A faz três tipos de encontros que são bem legais: um nacional onde você vai, um local onde eles vêm, existe um regional...” (relato da entrevistada CG1). 12 No projeto Holcim Comunidades sua avaliação está prevista em sua metodologia do Social Engagement Scorecard (SES) avaliando o projeto em três momentos, a saber: início, meio e fim para a construção de uma linha de tempo dos acontecimentos e as expectativas do projeto nos próximos anos. E, por fim, o projeto Oficina de Artes, em que a gestão dessas práticas apresenta-se praticamente ausente na perspectiva do gerenciamento de projetos ou no formato de prestação de contas, como, por exemplo, a quantidade de recursos gastos, o que foi produzido e a quantidade de crianças participantes. 4.8. Resultados A categoria de resultados é complexa por englobar as outras categorias de análise vistas anteriormente demonstrando a eficácia dos resultados tangíveis e intangíveis previstos no escopo desses projetos, embasando futuramente os projetos. O reconhecimento pelas partes envolvidas dos objetivos intangíveis é percebido nas falas das entrevistadas: “É uma forma de tirar os meninos da rua.” – diz a entrevistada C3. “A gente trabalha muito com a autoestima deles, porque são meninos que tem muito problema em casa, que pai tá preso, mãe abandonou ou, então, tem meninos que tem uma família muito bem estruturada não. Eles chegam aqui muito agressivos, muito violentos, aí a gente faz um trabalho com eles” (entrevistada CG2). “Ninguém fica ocioso ou na rua envolvido com outras coisas que não deve” - relata a entrevistada CG2. No projeto Oficina de Artes um relatório anual é encaminhado aos financiadores como contrapartida do investimento, realizando dessa forma um marketing social. Outro impacto realizado por esse projeto foi à conscientização dos funcionários da organização quanto ao meio ambiente. “Trabalho que eles fazem com os funcionários para reaproveitar e a gente reutiliza aqui com as crianças e está educando eles também para não jogar as coisas fora, reaproveitar”. (Relato da entrevistada C2). No projeto Holcim Comunidades optou-se pela prorrogação do prazo de término, dado o sucesso dos objetivos intangíveis que era previsto, conforme relatado por uma das entrevistadas “Tanto é que, nesses 9 anos, o projeto deixou simplesmente de ser simplesmente um espaço para as crianças irem, passou a ter um foco nas monitoras também nessa capacitação, na formação do cidadão.” (Relato da entrevistada CG3). 13 No Ler & Ler o público estimado versus o realizado superou as expectativas de 600 pessoas, dentre crianças e funcionários da organização, para públicos da terceira idade, creches vizinhas, postos de saúde e escolas de outros municípios. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Constatou-se que os projetos sociais, objeto deste estudo, quando conduzidos pelas organizações ligadas às empresas privadas possuem mais fragmentos do gerenciamento de projetos sociais apontados na elaboração dos projetos, aplicação de metodologias, monitoramento dos orçamentos e prazos, avaliação e entrega dos resultados. Na categoria de formulação, apesar da existência de um escritório de projetos em ambas as organizações, a utilização de uma metodologia nas organizações do Terceiro Setor é ausente, dificultando a execução do projeto quando exigido, consequentemente reduzindo o desempenho e a confiança dos stakeholders. As estratégias voltadas para os programas e projetos sociais devem alcançar um modelo de intersecção entre a missão organizacional, a sustentabilidade econômica financeira da organização e a aliança das partes envolvidas. Na perspectiva financeira dos projetos, observou-se um entrave dos projetos dada à necessidade constante de captação de recursos para garantir a perenidade desses e, da própria organização. O fator tempo deve ser considerado, pois na concepção do gerenciamento de projetos, constituem a tríplice restrição – escopo, tempo e prazo. Dessa forma, se por um lado ao atender aos stakeholders cumprem-se os prazos e orçamentos estipulados, por outro lado, ao se atender as mudanças sociais duradouras de longo prazo, faz-se necessário uma prorrogação do prazo acarretando em um orçamento maior. Ressalta-se que esse processo não é exclusivo de nenhum dos projetos e, deve-se ao perfil da organização na escolha do publico alvo, pois essa escolha impacta a estruturação interna e a influência dos stakeholders na entidade (Albuquerque, 2006). Observou-se, que os resultados obtidos com o projeto superaram o público previsto no escopo, mas, devido à ineficiência do processo de avaliação, a apresentação de dados consistentes quantitativos ou qualitativos inexistentes, as ações de marketing e, consequentemente, os resultados, foram prejudicados. Uma estratégia bastante disseminada com a finalidade da transparência e do fortalecimento do projeto é o envolvimento da maior quantidade de partes envolvidas impactando de forma negativa na gestão de pessoas, no entanto, causa alta rotatividade e absenteísmo. Avaliada as oito categorias sob a ótica do gerenciamento de projetos dos projetos sociais estudados e, respondendo à pergunta da pesquisa deste estudo, conclui-se que, há uma 14 carência nos processos de gerenciamento de projetos sociais, mesmo com uma tendência dos investimentos sociais pelas empresas. Nota-se, no entanto, uma maior preocupação na condução dos seus projetos sociais pelos institutos ligados às empresas privadas, apresentados pelo rigor de suas metodologias, formas de avaliação, e monitoramento e entrega, podendo ser atribuído às questões de marketing social e à reputação da sua marca. Portanto, apesar dos fatores positivos identificados nos projetos sociais estudados – superação do público previsto – há um desconhecimento e ineficiência na aplicação das técnicas e ferramentas do gerenciamento de projetos sociais, dificultando a avaliação e, por consequência, apurar os resultados na transformação social das condições de vida da comunidade. No que se refere às limitações da pesquisa, além da limitação das fontes de informação e do período de tempo estudado, por terem sido obtidos através de um estudo de casos, os resultados desta pesquisa não podem ser generalizados para outras organizações. REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE. Antônio Carlos Carneiro de. Terceiro Setor. História e gestão de organizações. São Paulo: Summus, 2006. ARMANI, Domingues. Guia Prático para Elaboração e Gestão de Projetos Sociais. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2000. COELHO, Simone de Castro Tavares. Terceiro setor: um estudo comparado entre Brasil e Estados Unidos. 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