Viriato – o primeiro defensor da liberdade lusitana Por: José Carlos Fernandes Pereira Presidente AAAEDF – Associação dos Antigos Alunos do Externato Delfim Ferreira [email protected] VIRIATO viveu na escravidão imposta pela hegemonia do segunda Império Romano. do metade séc. II a.C., entre os anos 179 Referido por historiadores desde o século I e 139 (a.C.). a.C. (historiadores greco-romanos como: Apiano, Políbio, Posidónio, Diodoro ou Tito Ignora-se o local do seu nascimento Lívio), VIRIATO é um dos grandes símbolos (Alentejo, a norte do Tejo…), qual era a da primeira tentativa autóctone lusitana sua família, onde e como viveu a sua (Lusitânia) infância. contra a ocupação romana da Península. Encontram-se algumas de resistência organizada referências à sua juventude, passada nas montanhas e sabe-se que casou com a Líder, patriótico e lutador pela liberdade filha de um rico proprietário (Astoplas) do sobre a civilização, VIRIATO é considerado vale do Tejo. por historiadores como um herói puro e justo, um verdadeiro político, sóbrio e VIRIATO foi afortunados que enérgico, fiel à palavra dada, excelente perpetrada pelo estratega militar, chefe eleito dos lusitanos pretor Sulpício Galba, após este, em 150 que, querendo sempre ir mais além, deu a a.C. ter traído uma proposta de paz, na sua vida pela liberdade. VIRIATO, esse qual bravo, forte, patriota, magnânime e amado sobreviveu se um à dos chacina incluiu o desarmamento dos chefe dos antepassados lusitanos, nunca lusitanos. vencido, nunca humilhado, desprezava o Desarmados os lusitanos, Galba recua a luxo e o conforto. sua palavra e ordena a chacina em que foram mil O historiador grego Diodoro definiu-o como lusitanos e enviados para a Gália outros 20 um homem que “considerava a auto- mil, suficiência a sua maior riqueza, a liberdade a massacrados fim de cerca serem de 10 vendidos como a sua pátria, e a sua superioridade, que escravos. lhe advinha da coragem, a sua mais Salvou-se VIRIATO. segura posse.” Já sob a liderança de VIRIATO, ocupando o Luís território entre o Douro e o Tejo, o povo Lusíadas, lusitano VIRIATO: renuncia continuidade antes (193 à à civilização guerrilha a.C.) na iniciada e dá anos resistência à de Camões, no refere-se Canto desta VIII forma dos a "Este que vês, pastor já foi de gado; Dois anos depois, em 140 a.C., VIRIATO volta a derrotar e encurrala os romanos. VIRIATO sabemos que se chama, Por compaixão, em troca de promessas e Destro na lança mais que no cajado; garantias da conservação dos territórios conquistados pelos lusitanos, permite a Injuriada tem de Roma a fama, libertação das tropas encurraladas e do Vencedor invencível, afamado. respectivo cônsul Fábio Máximo Serviliano, Não tem com ele, não, nem ter puderam tendo ainda recebido o título de Amicus Populi Romani, usualmente dado a reis O primor que com Pirro já tiveram." VIRIATO possuía grandes bárbaros aliados de Roma. capacidades militar. Humilhado e vexado com a vitória dos Mobilizou todos os povos vizinhos contra lusitanos, o Senado de Roma volta atrás, Roma e uniu sob o seu comando e direcção rompe um VIRIATO, diplomáticas corpo e de de estratégia guerreiros oriundos de tréguas na e declara intenção de guerra a esmagar a nenhum resistência, numa fase em que o exército registo de indisciplina durante os oito anos lusitano já se encontrava diminuído e que duraram as suas campanhas (Apiano). exausto. diversas tribos, não havendo VIRIATO é também definido como homem resiliente. acossando Liderou e campanhas derrotando heróicas o exército 147 estrondosa capacidades, refugia-se VIRIATO entre em Cáceres 139 e a.C. Badajoz (“monte de Vénus”), a norte do rio Tejo. romano. Em Com o exército lusitano no limite das suas a.C. VIRIATO vitória no impõe uma desfiladeiro de VIRIATO envia os seus melhores amigos, Audax, Ditalkon e Minuros, como Ronda, entre a planície do Guadalquivir e a emissários para negociar a paz com o costa governador romano Servílio Cipião. Estes, andaluza, tendo morto o líder romano Vetílio. Destroçou as tropas de no regresso, aliciados por honras e Unimano dinheiro, traem e assassinam VIRIATO na (governador da Hispânia Citerior) e, em sua tenda, durante a noite, enquanto este 145 dormia. Cayo Pláucio a.C. e volta de a Cláudio derrotar as tropas romanas de Caio Nigidio. Enfrentado por duas legiões comandadas por Quinto Fábio Máximo, VIRIATO acaba por vencer e, em 142 a.C., fá-las refugiarse em Córdova, juntando à revolta as tribos celtibéricas. Após terem traído e assassinado VIRIATO, os três emissários vão reclamar o seu prémio junto de Servílio Cipião, ao que este ordenou a sua execução e exposição em praça pública com os dizeres “Roma não paga a traidores”. Após a morte de VIRIATO, dá-se início à cada um o gozo dos seus direitos e ocupação do extremo ocidental da Hispânia liberdades em segurança. pelos romanos. Mais nenhuma acção posterior dos lusitanos teve a mesma No Tratado Teológico-Político, Espinoza importância e amplitude. (1632-1677) fundou a liberdade individual na necessidade de protecção mútua e A a elevou-a a primeiro valor moral e político, ao conciliando o dever de obediência às leis indivíduo e ao colectivo dos povos é o do Estado com a liberdade de pensamento: conceito de “liberdade”. o Estado não tem como finalidade a reflectir luta de VIRIATO leva-nos quão precioso e inerente dominação do homem pelo temor, mas sim Liberdade é a ausência de submissão a sua liberdade. ou nunca fazer o que não se quer. É Com condição para a Verdade e para a virtude. o liberalismo promover-se De certa forma, poder-se-á afirmar que já propriedade, o Código de Hamurabi (rei da Babilónia), concepção de 1700 a.C., ao distinguir a sociedade homem. o inglês binómio passa liberdade- desvalorizando-se filosófica dos a a direitos do entre escravos e homens livres e ao proteger a propriedade, trabalho e a vida a família, o Os homens são naturalmente proprietários tinha já da sua liberdade individual, como são humana, intrínseca uma ideia de liberdade. proprietários do destino e da autonomia individual. Esta teoria teve, no séc. XVIII, O seu conceito encontra-se presente em bom acolhimento em Portugal, mantendo- muitos textos legais e em escritos de se mesmo depois da revolução de 1820. muitos pensadores contemporâneos. Victor Hugo definiu liberdade n’Os Na Declaração dos Direitos do Homem e do Miseráveis (1862) como a soberania de Cidadão, de 1789, o conceito de liberdade mim e sobre mim. E, juntamente com o está limitado pela responsabilidade pelo Estado, a Igualdade e a Fraternidade, seu recto uso – “tudo o que não seja considerava a Liberdade como base da nocivo a terceiros” – ou restringida com as Sociedade. limitações que decorrem da lei – “a lei apenas pode proibir aquelas acções que Na actualidade, a Declaração Universal dos sejam nocivas à comunidade”. Direitos do Homem (1948), afirma no art. 1.º que ”todos os seres humanos nascem O movimento liberal realizou, entre outros, livres e iguais em dignidade e em direitos” os (art. 1.º), tendo total acolhimento no direitos e liberdades individuais, fundamentando o poder na liberdade dos políticos de modo a que este assegure a catálogo dos Direitos, Liberdades e Garantias da Constituição da República Portuguesa (art. constituições de 27.º) e estados em várias organizados democraticamente. Albert Einstein considerava a liberdade como um dos “maiores bens da evolução intelectual europeia”, defendendo a liberdade de pensamento, sentimentos e acção como terreno fértil onde tudo o que fosse criativo pudesse germinar, já que “apenas o homem livre chega às descobertas e valores intelectuais que nos permitem entender a vida como algo precioso”. Nesta mesma linha, Antoine de SaintExupéry escrevia em Cidadela: “Eu hei-de esculpir o futuro ao jeito do criador que extrai a obra de mármore a golpes de cinzel. (…) Liberta o homem e ele criará”.