Departamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa Electromagnetismo A 2008/09 _______________________________________________________________________________________________ LINHAS EQUIPOTENCIAIS E LINHAS DE CAMPO NUM CONDUTOR A DUAS DIMENSÕES 1. Objectivo Este trabalho laboratorial tem por objectivo a determinação experimental das equipotenciais sobre a superfície de uma folha de papel grafitado, que constitui um condutor essencialmente extenso a duas dimensões, quando esta se encontra percorrida por uma corrente eléctrica estacionária (i.e., uma corrente cuja intensidade é constante no tempo). Repare que não se trata de um problema de electroestática. Com base no traçado das linhas equipotenciais e utilizando a relação entre o campo eléctrico e o potencial pretende-se estimar o módulo, direcção e sentido do vector campo eléctrico em diversos pontos, assim como caracterizar aproximadamente a forma e distribuição das linhas de força do campo ao longo de toda a superfície da folha condutora. Pretende-se também verificar o efeito de diferentes condições nas fronteiras no traçado das linhas equipotenciais e nas linhas de campo. 2. Introdução Consideremos um condutor extenso homogéneo e isótropo, e dois eléctrodos que o contactam. Se entre esses eléctrodos aplicarmos uma tensão (diferença de potencial) constante estabelece-se em todos os pontos do condutor uma distribuição contínua de potencial eléctrico que não varia no tempo. Isto significa que cada ponto do condutor possui um certo valor fixo de potencial, e que de ponto para ponto esse potencial varia sem descontinuidades. O conjunto de pontos do condutor que se encontram a um mesmo potencial V constitui portanto uma superfície contínua, a que se dá o nome de superfície equipotencial1 de valor V. Esta distribuição de potencial, assim estabelecido, dá origem no interior do condutor ao r aparecimento de um campo eléctrico E , que em cada ponto se relaciona com a distribuição de potencial no plano do condutor através da relação diferencial: 1 Note-se que no caso de um condutor extenso a duas dimensões as superfícies degeneram em linhas equipotenciais. 1 Linhas equipotenciais e linhas de campo r r ∂V ) ∂V E = −∇V = − i+ ∂y ∂x ) j (1) Como se conclui da relação anterior, o vector campo eléctrico em cada ponto tem a direcção perpendicular à equipotencial que passa por esse ponto (resulta da definição de gradiente), o sentido dos potenciais decrescentes, e o seu módulo é dado pelo limite da variação do potencial com a r distância (derivada) na direcção do próprio vector. Isto é, sendo n o versor (vector unitário) perpendicular à direcção da equipotencial num dado ponto P , o campo eléctrico nesse ponto é dado pela expressão: r r ∆V E ( P) = −n ∆ n ∆n→0 em que (2) r ∆V = V ( P + n ∆ n) − V ( P) representa a variação de potencial correspondente ao comprimento ∆ n . Assim, partindo de um certo ponto, por exemplo o ponto P , e avançando na direcção e sentido do campo eléctrico até um ponto muito próximo, e aí avançando de novo na direcção e sentido do campo nesse novo ponto até um terceiro ponto muito próximo, e assim sucessivamente, progredindo sempre na direcção e sentido do campo, percorre-se uma linha contínua que se designa por linha de força do campo. Neste caso trata-se da linha de força que passa pelo ponto P . As linhas de força são linhas tangentes em cada ponto ao vector campo eléctrico e consequentemente são perpendiculares à superfície equipotencial que passa por esse ponto. Por isso se podem designar também por trajectórias ortogonais das superfícies equipotenciais. Elas são, além disso, linhas orientadas, isto é, nas quais se define um sentido, que é o do vector campo eléctrico. Dado que a cada ponto do condutor está associado um único valor de potencial e um único vector campo eléctrico, é fácil concluir que tanto as superfícies equipotenciais como as linhas de força do campo não se podem tocar ou intersectar. Como foi referido anteriormente, da aplicação de uma tensão entre os dois eléctrodos que contactam o condutor resultou o estabelecimento de um campo eléctrico no seu interior. Do estabelecimento deste campo eléctrico, e pelo facto do material considerado ser um condutor, o qual é caracterizado por possuir uma determinada densidade de portadores de carga eléctrica móveis no seu interior, vai resultar por sua vez um movimento ordenado destas cargas q segundo a direcção do campo2. 2 Na realidade, na ausência do campo eléctrico, isto é, num condutor isolado, as cargas eléctricas também se movimentam mas de uma forma desordenada (movimento aleatório). Considerando uma qualquer superfície imaginária 2 Linhas equipotenciais e linhas de campo Este movimento ordenado dos portadores de carga, que constitui a corrente eléctrica, é r produzido pela força qE a que eles ficam sujeitos na presença do campo eléctrico3. Desta força não resulta geralmente, num condutor sólido, uma aceleração constante das cargas ao longo do tempo (com o consequente progressivo aumento de velocidade) em virtude das frequentes colisões que estas sofrem com os átomos ou iões da rede cristalina do material. Tais colisões produzem a desaceleração (diminuição de velocidade) das cargas móveis, verificando-se uma transferência de energia cinética destas para a energia vibracional da rede, resultando num aumento de temperatura do material: é o conhecido efeito de Joule. O deslocamento ordenado das cargas móveis segundo a direcção do campo no interior do r sólido dá-se em cada ponto com uma velocidade média v constante, que é o resultado do equilíbrio entre a tendência aceleradora do campo e o atrito representado pelas sucessivas colisões com a rede cristalina. Esta situação é análoga à do movimento uniforme (macroscopicamente) de um corpo sujeito a uma força constante e que se desloca num líquido viscoso. r Define-se em cada ponto do condutor um vector densidade de corrente, J , como o produto da densidade volúmica, ρ , de carga móvel pelo vector que traduz a velocidade média das cargas nesse ponto: r r J = ρv (3) Este vector representa a quantidade de carga que atravessa uma pequena superfície plana, centrada no ponto considerado e orientada perpendicularmente à direcção do movimento das cargas, por unidade de área e por unidade de tempo. definida no interior do condutor, o fluxo de cargas que atravessam essa superfície num dado sentido é em média num certo intervalo de tempo exactamente compensado pelo fluxo de cargas que a atravessam no sentido oposto. 3 Note-se que enquanto nos condutores metálicos os portadores de carga móvel são os electrões, nas soluções electrolíticas ou nos condutores gasosos (plasmas), por exemplo, podem existir também iões positivos ou negativos ou ambos como portadores de carga. É pois necessário estabelecer uma convenção para referendar as direcções das correntes uma vez que cargas de sinais contrários se movem na mesma direcção mas em sentidos opostos em presença de um dado campo eléctrico. Uma carga positiva que se desloca numa certa direcção e sentido é equivalente, em praticamente todos os efeitos externos, a uma carga negativa (de valor simétrico) que se desloca no sentido contrário. Isto significa que, em geral, macroscopicamente não é possíve1 distinguir estas duas situações. Sendo assim, por uma questão de simplicidade, estabelece-se a convenção de "assumir que todos os portadores de carga são positivos e considerar que o sentido da corrente é aquele em que tais cargas se deslocariam sob influência do campo". Se os portadores de carga forem negativos isso significa simplesmente que. do ponto de vista microscópico eles se deslocam na realidade no sentido oposto àquele que foi definido como sentido da corrente eléctrica. 3 Linhas equipotenciais e linhas de campo Na grande maioria dos materiais condutores sólidos homogéneos e isótropos verifica-se, à semelhança do que se passa com o deslocamento do corpo no líquido viscoso, uma r r proporcionalidade entre a velocidade v e a força aplicada qE . Sendo o condutor homogéneo a densidade de carga ρ é a mesma para todos os pontos, de onde resulta que aquela proporcionalidade pode ser traduzida por: r r J =σ E (4) em que σ é uma constante independente da intensidade do campo eléctrico, característica do material que constitui o condutor, e que se designa por condutividade eléctrica. A sua unidade é, no SI: S m −1 . A relação anterior representa a lei de Ohm, na sua forma local. Um condutor cujo material satisfaz aquela relação de proporcionalidade com σ independente de E , diz-se um condutor óhmico. A condutividade eléctrica é uma propriedade local dos materiais que constituem os condutores. A resistência de um condutor medida entre dois eléctrodos que o contactam define-se como a razão entre a diferença de potencial V existente entre esses eléctrodos e a intensidade de corrente I que entra e sai do condutor através dos mesmos eléctrodos. R= V I (5) A resistência é, portanto, uma característica global do condutor que depende não só do material que o constitui como também da sua forma geométrica e da localização dos eléctrodos. De facto, um condutor homogéneos isótropo de forma paralelepipédica com arestas de comprimentos diferentes apresenta resistências diferentes quando medidas entre os vários pares de faces opostas. No caso de um condutor ser homogéneo e apresentar, entre os dois eléctrodos que o contactam, uma forma geométrica com secção constante de área S e um comprimento l , é possível relacionar a resistência que se mede entre os eléctrodos com a condutividade do material que o constitui: R= l σS (6) No caso particular de uma lâmina condutora de espessura e muito pequena e de largura igual ao comprimento (lâmina quadrada) resulta que a resistência existente entre duas das faces menores opostas (lados opostos do quadrado) é independente do comprimento l , dependendo apenas da espessura e da condutividade do material. Sendo assim, a qualquer condutor essencialmente extenso a duas dimensões e possuindo uma espessura constante e , está associada, 4 Linhas equipotenciais e linhas de campo independentemente do seu formato, uma resistência característica a que se dá habitualmente o nome de resistência superficial ou laminar: R= 1 . σe (7) O seu valor representa a resistência que uma lâmina de formato quadrado, do mesmo material e com espessura constante, apresenta entre dois lados opostos desse quadrado. Os eléctrodos são feitos de um material cuja condutividade é elevada e oferecem uma resistência à corrente eléctrica muito inferior à oferecida pelo papel grafitado, que para além de ser feito de um material cuja condutividade é baixa, é também bastante fino. Nestas condições, os eléctrodos são praticamente equipotenciais, embora não se trate aqui de condutores carregados em equilíbrio electrostático. Muito perto dos eléctrodos, o campo eléctrico e as linhas de campo serão praticamente perpendiculares aos eléctrodos e as linhas equipotenciais praticamente paralelas aos mesmos. Muito perto da borda do papel grafitado, e num regime estacionário (corrente invariante no tempo), a componente normal da densidade de corrente, J n , é nula. Designa-se por componente normal a componente perpendicular à fronteira. Uma componente normal não nula leva à acumulação de carga na fronteira que produz um campo eléctrico no sentido oposto a J n . A carga acumulada gera um campo eléctrico secundário que rapidamente atinge um valor tal que σ E n = − J n , anulando assim a componente normal da densidade de corrente e a do campo eléctrico. Perto da borda do papel, o campo eléctrico e as linhas de campo são paralelas à borda e as linhas equipotenciais são-lhe perpendiculares. 3. Simulação numérica Para as configurações mais simples não é difícil prever qualitativamente a forma das equipotenciais e das linhas de campo. No entanto, para uma comparação quantitativa entre experiência e teoria, na maior parte dos casos estudados, a aplicação da teoria exige cálculos morosos, difíceis de fazer sem recurso a um computador com um programa apropriado. O programa utilizado neste trabalho chama-se QuickField e usa o método dos elementos finitos para resolver equações diferenciais. Como se verá, o uso da simulação por computador abre a possibilidade de exploração rápida de novos problemas. 5 Linhas equipotenciais e linhas de campo 4. Realização experimental 4.1. Material Base para a colocação da folha e fixação dos eléctrodos, eléctrodos metálicos de formas variadas e respectivos parafusos de fixação, folha de papel grafitado, fonte de alimentação, 2 multímetros, pontas de prova de multímetro, régua, tesoura. Programa QuickField, versão estudante disponível gratuitamente em http://www.quickfield.com. 4.2. Realização experimental 1. Coloque sobre a base uma folha de papel branco, uma folha de papel químico e uma folha de papel grafitado, esta última com a face condutora, a mais escura, para cima. Proceda à fixação dos eléctrodos escolhidos que deverão ficar bem apertados sobre a folha, e à montagem do circuito eléctrico conforme se esquematiza na Fig. 1. Estabeleça uma diferença de potencial constante entre os eléctrodos A e B. Anote o valor da intensidade da corrente eléctrica I que percorre o condutor. É absolutamente necessário garantir que durante toda a realização da experiência esta corrente se mantém constante. Fig.1: Esquema da montagem experimental para a determinação da distribuição das linhas equipotenciais sobre a folha de papel grafitado. A forma dos eléctrodos presentes no esquema é apenas representativa. Na prática outras formas ou disposições poderão ser utilizadas. 2. Escolha um valor de potencial e determine sobre a folha de papel grafitado com o auxílio da ponta de prova e do voltímetro um certo número de pontos que se encontrem a esse mesmo valor de potencial (relativamente ao eléctrodo B). Deve carregar na ponta de prova só o suficiente para que o papel químico marque o papel branco. O número de pontos e a sua distribuição sobre a superfície do condutor devem ser tais que permitam, pela sua união, após a realização da experiência, o traçado com algum rigor da linha equipotencial correspondente ao 6 Linhas equipotenciais e linhas de campo valor escolhido. Dedique especial atenção à determinação do comportamento das linhas equipotenciais próximo do contorno dos eléctrodos e sobretudo junto às margens da folha condutora. Escolha um outro valor de potencial e repita sucessivamente o procedimento, de modo a abranger toda a gama de valores de potencial estabelecido entre os eléctrodos A e B. Tenha em atenção que os valores escolhidos para a determinação das várias linhas equipotenciais deverão distar entre si de uma mesma diferença ∆V , pois assim terá facilitada a tarefa de visualização da distribuição do potencial ao longo do condutor. 3. Escolha uma linha recta paralela ou perpendicular à linha que une os centros dos dois eléctrodos e meça o potencial em vários pontos regularmente espaçados ao longo dessa recta. 4. Retire a folha de papel grafitado da sua base após ter desenhado sobre ela os contornos da folha grafitada e dos eléctrodos utilizados, assim como a linha recta ao longo da qual mediu o potencial. Tome nota da polaridade dos eléctrodos metálicos. 5. Desenhe sobre a folha de papel branco as linhas equipotenciais que determinou. Procure representar uma distribuição de linhas de força do campo eléctrico correspondente à distribuição de linhas equipotenciais encontrada. Repare que a uma maior ou menor concentração de linhas equipotenciais numa dada região do condutor corresponde uma maior ou menor intensidade do campo eléctrico nessa região. Daí que também a concentração de linhas de força deverá traduzir essa realidade, representando-se mais próximas onde o campo é mais intenso e mais afastadas onde ele é menos intenso. 6. Observe o comportamento das linhas equipotenciais e das linhas de força junto às margens do condutor e junto ao contorno dos eléctrodos e retire algumas conclusões. 7. Determine o vector campo eléctrico (aproximado) em vários pontos de uma linha equipotencial e em vários pontos de uma linha de força, usando a relação (2) em que não pode realizar o limite ∆n → 0 (daí o campo calculado ser apenas aproximado). 4.3. Simulação numérica Seguindo as instruções do docente, utilize o programa de simulação numérica para obter dados que possa comparar directamente com os seus resultados experimentais. Para construir o modelo, vai precisar de especificar as dimensões da folha, as dimensões dos eléctrodos e a posição dos eléctrodos na folha. Precisará de especificar também a posição da recta ao longo da qual executou medidas do potencial, e as coordenadas dos pontos onde obteve estimativas do campo eléctrico. 7