OS VERBOS DE MOVIMENTO E A TRANSITIVIDADE Professora Dra. Marlene Silva Sardinha Gurpilhares Em pesquisa realizada para sua dissertação de mestrado, realizada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a Professora Dra. Marlene S. S. Gurpilhares nos traz importantes contribuições para nossas reflexões a respeito do fenômeno da regência, as quais passamos a transcrever abaixo: “ Os tipos de relações entre os actantes, segundo alguns gramáticos. Os nossos gramáticos não apresentam um critério uniforme quando tratam da relação entre o verbo e seus complementos. Por outro lado, misturam critérios sintáticos com critérios semânticos nas conceituações, juntando a tudo isso, o fato de trabalharem no nível da palavra e do enunciado. a) Evanildo Bechara, por exemplo, define verbo Intransitivo como aquele que ‘não precisa de complemento para integrar o seu sentido, isto é, o verbo que se basta a si mesmo: Os homens trabalham. As lavadeiras cantam. A criança adormeceu. O rio desce vagarosamente. Transitivo é o verbo que necessita de um complemento que integre sua predicação: Os alunos leram belas poesias. Estas censuras não têm grande valor. Falava aos colegas. As crianças obedecem aos pais. Queixou-se da chuva.’1 Enquanto para distinguir verbo transitivo de verbo intransitivo, o autor usa um critério semântico, a seguir, para fazer a distinção entre verbo transitivo direto de verbo transitivo indireto, usa critério sintático: os primeiros são os que têm complementos não iniciados por preposição e os segundos, os que se acompanham de complemento iniciado por preposição. Com relação às expressões de lugar junto a verbos de movimento, o autor as ‘considera complementos’, embora, segundo a Nomenclatura Gramatical Brasileira tais verbos sejam intransitivos e tais expressões, adjuntos adverbiais. Exemplificando: Irei à cidade. Voltei do trabalho. Esses sintagmas funcionam como complementos porque são essenciais à estrutura oracional. E o fato mais se alicerça quanto mais se comparam estes exemplos com: A ida a São Paulo ou A volta do trabalho, em que os termos: A S.Paulo e do trabalho são complementos nominais.” “b) Celso Cunha 1 Bechara, Evanildo. Moderna Gramática portuguesa. 24ª. ed.,SP, Cia. Editora Nacional, 1979, p. 204 Para esse autor, verbos Intransitivos são aqueles cuja ação está integralmente contida nas formas verbais e verbos Transitivos são aqueles que exigem termos para completar-lhes a significação. Enquanto para essa conceituação, o critério é o semântico, para opor verbo transitivo direto/transitivo indireto, o critério é sintático: com ou sem auxílio da preposição.2 As expressões de lugar que acompanham os verbos de movimento, Celso Cunha as considera como circunstância do fato expresso pelo verbo ou intensificadores deste. Exemplificando: ‘Vivera, antes de vir morar em Sergipe, no Maranhão.’ (G. Amado) ‘Chegara afinal a uma casa.’ (L. Barreto) ‘Quando voltei do colégio, já não a encontrei.’ (G. Amado) ‘Sigo para Genebra’. (Antonio Nobre)” Conclusões “...todo verbo de movimento é acompanhado, na estrutura profunda, dos lugares: de onde, por onde e para onde, sob a forma de sintagmas preposicionados, embora na estrutura superficial, a preposição possa atualizar-se ou não.” (p.100) Exemplos: - Andou pela rua, o dia todo. - Atravessou pelo rio. - Subiu a ladeira. - Venha logo. “É no enunciado que os semas da lexia verbal se relacionam com os semas da preposição, havendo a atualização da preposição que tem um ou mais semas em comum com o verbo.” (p. 100) “Com relação aos verbos de movimento sem deslocamento espacial, a análise do corpus nos permitiu constatar que eles só apresentam a atualização de um sema.” (p. 101) Exemplos: - Sentou-se no chão. - Levantou-se da cadeira. “Com relação aos verbos de movimento com deslocamento espacial pudemos observar que: nos casos em que já existe uma preposição justaposta ao verbo, ocorre a construção sem preposição expressa, somente quando há atualização do sema extensividade (lugar por onde).” (p. 102) Exemplos: - Atravessou a ponte. (preposição justaposta – trans: através) - Desceu a rua. (preposição justaposta – de: afastamento, movimento de cima para baixo) - Subiu a escada. (preposição justaposta – sub: movimento de baixo para cima) 2 Cunha, Celso F. da. Gramática da Língua Portuguesa. 4ª ed. FENAME, 1977, p. 147. “Com relação à transitividade, nos posicionamos junto àqueles que consideram como complementos verbais: o alvo do processo, o beneficiário, bem como a origem, a meta e o itinerário do movimento. Nesta perspectiva consideramos os sintagmas preposicionados que expressam lugar junto ao verbo de movimento como complementos verbais. As dificuldades surgidas com o problema do apagamento dos complementos na estrutura superficial, e com o dos verbos intransitivos na base e transitivos na estrutura superficial, podem ser minimizadas; levando-se em consideração o texto.” Só assim a identificação da função de alguns termos (no caso da transitividade, por ex) será sanada e também a análise deixa de ser um ato mecânico e enfadonho, transformando-se ‘num trabalho de reflexão, de descoberta, de entendimento das articulações das várias estruturas para a composição da mensagem que o emissor pretende transmitir.’”3 3 Fávero, L. Lopes; Barian, E. M. A frase no texto/contexto. Série: A Gramática Portuguesa na pesquisa e no ensino, v.3, São Paulo, Cortez Edit., 1980, p.10.