1 As exportações brasileiras de produtos agro-alimentares processados: uma análise com o emprego de indicadores de comércio exterior Heloisa Lee Burnquist Professora do Departamento de Economia, Adminsitração e Sociologia ESALQ/USP Av. Pádua Dias, 11 - C.P. 9 - CEP: 13418-900 - Piracicaba/SP CPF: 062.875.448-56 [email protected] Luciana Torrezan Silveira Doutoranda em Economia Aplicada – ESALQ/USP Rua Joaquim André, 425 – Chácara Nazareth. Cep: 13.400-850 – Piracicaba – SP CPF: 306.902.808-07 [email protected] Área Temática: 3 – Comércio Internacional Forma de Apresentação: oral, com debatedor e presidente da seção 1. Introdução A literatura tem destacado de uma forma recorrente, que os fluxos de comércio internacional vêm ganhando importância crescente nos mercados de produtos agroalimentares processados. Os argumentos empregados para explicar essa evolução têm sido dos mais variados. Athukorala e Sen (1998) argumentam, por exemplo, que uma característica do comportamento do consumidor na economia global tem sido a crescente “internacionalização dos hábitos alimentares”, o que tende a aumentar a importância da importação de itens processados para atender aos padrões alimentares de países desenvolvidos, bem como de uma porção considerável da população em muitos países em desenvolvimento. Esses mesmos autores destacam que fatores como a migração internacional, avanços na comunicação e turismo internacional também têm contribuído para a consolidação dessa tendência. Conforme se verifica na Tabela 1, o valor das exportações mundiais de produtos agro-alimentares processados aumentaram de um montante equivalente a US$20,1 bilhões, em 1970, para US$255,47 bilhões em 2000, apresentando uma taxa de crescimento média anual de 109,21%, que é somente superada pela taxa de crescimento das exportações de manufaturados. Quando se agrega a esse valor, o equivalente aos agro-alimentos não processados, a taxa de crescimento fica restrita a 95% ao ano. Tabela 1. Exportações de mercadorias no mercado mundial, por categorias (US$bilhões), para os anos de 1970, 1980, 1990 e 2000. Taxa de variação média anual (%). CATEGORIAS Manufaturados* 1970 190,11 Anos Taxa de Variação (%) 1980 1990 2000 1043,99 2449,10 4828,15 127,79 2 Não Manufaturados** Exportações totais Agro-Alimentos*** Agro-alimentos processados**** 92,06 282,17 64,62 20,10 696,48 1740,48 297,01 109,62 751,65 3200,75 432,31 178,54 1328,92 6157,07 583,86 255,47 104,99 121,43 95,03 109,21 Notas:*Manufaturados (SITC: 5 a 8 menos 68); ** Não Manufaturados = Exportações totais de mercadorias – Exportações de manufaturados;*** agro-alimentos incluindo processado e não processado; ****, Agro-alimentos processados segundo definição dada por Athukorala e Sen (1988). Fonte: Unctad (http://unstats.org) Em função do desenvolvimento dessa dinâmica, os mercados de agro-alimentos processados têm sido indicados como uma alternativa promissora para países que têm abundância relativa em recursos naturais e que podem realizar a produção agrícola, incorrendo em custos relativamente baixos (Athukorala e Sen (1998); Wilson (2001)). Embora promissores, a inserção nesses mercados tem-se constituído em um desafio para grande parte dos países em desenvolvimento, com raras exceções como é o caso do Chile e Bangladesh (Athukorala e Sen; 1998). Como esses produtos são caracterizados por uma elasticidade-renda relativamente alta, os mercados mais dinâmicos têm sido os de países desenvolvidos, que também são mais exigentes com relação a produtos consumidos in natura. Dessa maneira, a participação competitiva nas exportações de bens agroalimentares só é viabilizada mediante o desenvolvimento de uma combinação de estratégias de várias dimensões, que considera desde aspectos tecnológicos, até questões comerciais e de natureza legal. Outro fator que é visto como entrave ao desenvolvimento das exportações de agro-alimentos processados dos países em desenvolvimento para os países desenvolvidos é a proteção instituída por determinados países, visando assegurar padrões de segurança e qualidade para os produtos importados. De maneira geral, as exigências técnicas nos mercados dos países desenvolvidos são maiores e mais difíceis de serem atendidas que as exigências prevalecentes nos mercados dos países em desenvolvimento. Em diversas instâncias, essa diferença resulta em barreiras ao comércio internacional desses produtos, particularmente quando os exportadores encontram dificuldades para demonstrar, de maneira transparente e inquestionável, que seus produtos não são prejudiciais às espécies nativas e à saúde da população do país ao qual desejam exportá-los. Dificuldades também têm sido associadas à necessidade de demonstrar a qualidade especificada para os produtos importados pelos países desenvolvidos. Frequentemente, essas restrições são legitimadas, seja pela questão da proteção à saúde e segurança do alimento, como pelo estabelecimento de requisitos mínimos de qualidade para os produtos. Tem-se tornado cada vez mais comum, no entanto, o emprego de exigências técnicas como uma ferramenta de política comercial, com o objetivo último de proteger os produtores domésticos da competição internacional (Roberts et al.; 1999). A inserção dos produtos agro-alimentares processados brasileiros no mercado internacional tem apresentado uma evolução bastante positiva, que parece favorecer o desenvolvimento do setor, conforme se discute no item 2 deste trabalho. No entanto, conforme destacado por Canuto (2000), citado por Holland & Xavier (2004), análises do comércio brasileiro mostram a ocorrência de oportunidades perdidas (setores dinâmicos no mercado mundial nos quais as exportações brasileiras apresentam perdas de market share) em vários segmentos a jusante (downstream) das cadeias de processamento de 3 recursos naturais – tais como papel e celulose, metalurgia, petroquímica – nas quais o país manteve competitividade nos segmentos básicos, a montante. O presente trabalho apresenta uma análise da evolução das exportações brasileiras de produtos agro-alimentares processados. O trabalho está estruturado para avaliar se os segmentos para os quais o país apresenta maiores vantagens comparativas reveladas são também aqueles para os quais se observa uma tendência mais acentuada de especialização e de contribuição relativa ao saldo comercial do país. O item 2 traz uma análise que contextualiza a importância das exportações de produtos agro-alimentares processados e industrializados para o desenvolvimento desse setor na economia brasileira. No item 3, tem-se o desenvolvimento de um contexto analítico para o estudo. Esse compreende a apresentação de conceitos, discussão de aspectos metodológicos e fundamentação teórica relacionada aos indicadores de comércio internacional selecionados, complementada por uma descrição dos dados empregados na análise empírica. No item 4 tem-se a apresentação e discussão de resultados. Finalmente, no item 5, são apresentadas as conclusões da análise conduzida. 2. Panorama da Indústria de Alimentos Brasileira: uma caracterização da importância das exportações A importância da indústria brasileira de alimentos pode ser verificada através de seus números, uma vez que representa R$ 157,8 bilhões em valor faturamento total, o que equivale a cerca de 10% do PIB, e a 19,4% da indústria de transformação (ABIA, 2004a). Desse total, R$ 136,3 bilhões foram obtidos com a venda de produtos alimentares e R$ 20,9 bilhões com a venda de bebidas (ABIA, 2004c). Além disso, o setor emprega um total aproximado de 981 mil trabalhadores, mantendo uma taxa de acumulada de crescimento da mão-de-obra empregada da ordem de 3,3% no ano de 2004. Isso significa a criação de cerca de 2.750 empregos novos ao mês, um valor que confere relativo dinamismo na criação de empregos ao setor. Esse dinamismo é explicado em parte (25%) à produção direcionada ao mercado externo e pela retomada do consumo no mercado interno (75%). Segundo a ABIA (2004a), aproximadamente 39 mil empresas formais compõem o setor. A indústria da alimentação está inserida na cadeia do agronegócio, que segundo o IPEA, movimentou R$ 447 bilhões em 2003. Em termos de valor agregado, no entanto, a cadeia representa 20,6% do PIB, ou seja, R$ 328 bilhões. Desse total, o setor de processamento industrial (agroindústria e indústria da alimentação) contribui com 34,8% em valor agregado, o que equivale a R$ 114,2 bilhões. A indústria de alimentação, de maneira específica, representa 17,6% do PIB do agronegócio em valor agregado, o que equivale a R$ 57,9 bilhões. Em valor agregado, a indústria da alimentação representa 50,7% do processamento agroindustrial e 41,7% da produção agrícola e agropecuária (ABIA, 2004c). O setor da indústria da alimentação exportou R$ 40,8 bilhões em 2003, o que equivale a 25% da produção total. Em termos de exportação em dólares, os alimentos industrializados atingiram US$ 12,9 bilhões, representando 17,7% do total das exportações brasileiras e 61% do total das exportações do agronegócio (ABIA, 2004c). No acumulado do ano de 2004 (entre janeiro e setembro), o setor de alimentos industrializados apresentou um crescimento da produção física de 4,5%, e de 4,7% nas 4 vendas reais, números alinhados com o crescimento previsto do PIB para o mesmo ano. Já as exportações do setor cresceram nesse mesmo período (jan-set/04) 31,4% em valor e 16% em volume, em relação ao mesmo período de 2003. As exportações totais do setor de agronegócios alimentares apresentaram um crescimento ainda superior nesse período, de 32,8% em valor e de 15,7% em volume. A participação das exportações de alimentos industrializados nas exportações totais do agronegócio foi de 59,8% em 2003 (ABIA, 2004b). Dentre os setores que compõem a indústria de alimentos, destacam-se: os derivados de carne (que movimentou R$ 26,7 bilhões em 2003); o beneficiamento de café, chá e cereais (R$ 21,3 bilhões); o setor de óleos e gorduras (R$ 20,9 bilhões); os laticínios (R$ 15,6 bilhões); os derivados de trigo (R$ 13,8 bilhões), e os açúcares (R$ 13,2 bilhões). Os outros setores (derivados de frutas e vegetais; chocolate, cacau e balas; desidratados e supergelados; consevas de pescados e outros diversos) movimentaram, conjuntamente, R$ 25,2 bilhões em 2003, o que soma no total dos setores o montante de R$ 136,7 bilhões (ABIA, 2004b). No cenário internacional, o setor também apresenta dinamismo e competitividade, pois o Brasil é o maior país produtor e exportador mundial de açúcar e álcool, maior exportador de carnes, suco de laranja e café solúvel, segundo maior produtor mundial de óleo de soja, balas e confeitos, 3º produtor mundial de carne suína, 5º produtor mundial de chocolate, 6º produtor mundial de leite e 15º produtor mundial de vinhos (ABIA, 2004c). No ano de 2003, as vendas do setor, excluindo-se a variação de estoques, resultaram em R$ 153,3 bilhões. O valor do consumo aparente, obtido pela subtração do valor das exportações e agregado das importações desse total, atingiu R$ 115,7 bilhões, que circulam na cadeia de distribuição em R$ 86,3 bilhões via varejo alimentício tradicional e R$ 29,4 bilhões através dos segmentos de refeições fora do lar. O direcionamento das exportações de alimentos industrializados engloba praticamente todos os grandes mercados mundais, a saber: União Européia (33,6%), Europa Oriental (3,1%), Federação Russa (10,4%), Oriente Médio (13,3%), Nafta (7,2%), Japão (3,3%), China (2,3%), Mercosul (2,4%) (ABIA, 2004c). Em termos de valor adicionado, o Estado de São Paulo exclusivamente responde por 37,8% da produção de alimentos do país. A região Sudeste compreende 52,1% dessa produção, a região Sul 22,6% e a região Nordeste é responsável por12%. A Tabela 2 apresenta uma síntese de estatísticas que expressam a importância relativa de exportações brasileiras de produtos alimentares processados com relação às principais categorias das exportações de mercadorias pelo país: total, bens não manufaturados, e bens manufaturados, referentes aos oito anos selecionados para a análise. Os bens manufaturados apresentaram o incremento mais expressivo em valor absoluto, observando-se que o valor alcançado em 2003 era superior a 37 bilhões de dólares, enquanto em 1970 o valor das exportações era da ordem de 360 milhões dólares. Em termos de participação absoluta no valor total exportado, os manufaturados chegam a superar os não manufaturados, porém em pequena margem, quando se considera que o valor unitário dos primeiros geralmente é bem mais elevado. Tabela 2 - Exportação brasileira de mercadorias, por categorias (US$bilhões) Categoria Anos 5 Total Manufaturados Não Manufaturados Agro-Alimentos Processados 1970 2,74 0,36 2,38 1980 20,13 7,49 12,64 1990 31,40 16,30 15,10 1999 48,00 27,33 20,67 2000 54,91 32,13 22,78 2001 57,89 31,41 26,47 2002 60,01 31,73 28,28 2003 72,76 37,66 35,10 0,53 5,69 6,11 7,77 8,45 10,94 11,61 14,09 Fonte: UNCTAD (http://unstats.org) A Tabela 3 mostra relações calculadas entre o valor dos alimentos processados com outras categorias de produtos: as exportações totais de mercadorias, o total de manufaturados, e o total de não manufaturados. Verifica-se que a participação das exportações dos alimentos industrializados brasileiros permanece praticamente constante no total comercializado, de maneira que em 2003, a participação, da ordem de 19,37% das exportações totais de mercadorias é praticamente semelhante à de 1970, que foi de 19,28%. O alimento processado apresenta um comportamento diferenciado, no entanto, como porção dos não manufaturados, passando de um valor de 23% para níveis equivalentes ao dobro, em 2003. A participação dos manufaturados nas exportações totais também apresenta um crescimento expressivo nesse período, passando de 13% para 54%. Tabela 3. Participação das exportações de alimentos processados nas exportações totais e de produtos não manufaturados e participação das exportações de manufaturados no total Processados/Exportação total Processados/ Não manufaturados Manufaturados/Exportação Total 1970 0,19 0,23 0,13 1980 0,28 0,48 0,38 1990 0,19 0,48 0,56 1995 0,21 0,53 0,57 2002 0,19 0,51 0,55 2003 0,19 0,49 0,54 Fonte de dados primários: UNCTAD (http://unstats.org) 4. Desenvolvimento de um contexto analítico O propósito de investigar o dinamismo das exportações de um setor de importância fundamental para a agroindústria brasileira torna adequada a utilização de indicadores de comércio internacional, como o das vantagens comparativas reveladas, de contribuição ao saldo comercial e de especialização relativa das exportações. O conceito e a metodologia de cálculo de cada um dos indicadores aplicados são discutidos no presente item. Ao final, tem-se uma apresentação dos dados utilizados no cômputo desses indicadores para o estudo das exportações brasileiras de produtos agroalimentares processados. 4.1. Índice das vantagens comparativas reveladas (IVCR) No presente trabalho, este índice é utilizado para verificar se os produtos para os quais o país apresenta vantagens comparativas relevadas (VCR), segundo Balassa, são os mesmos para os quais se identifica uma tendência à especialização, segundo o índice de especialização no comércio, o que sugere uma evolução planejada das vendas no mercado internacional. Esses dois índices são analisados considerando-se oito anos: 1970, 1980, 1990, 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003. Adicionalmente, verifica-se se esses 6 produtos são também os que vêm resultando em mais alta contribuição ao saldo comercial do país, através de uma análise comparativa das tendências desses indicadores para os anos de 1970, 1980, 1990 e 2000. O índice de vantagem comparativa revelada expressa o desempenho relativo de um determinado setor, ou bem selecionado, em termos de seu fluxo de comércio, relativamente ao desempenho global de comércio para o país, com base no mesmo fluxo, que pode tanto ser exportação (X), como importação (M), como o comércio líquido (XM). A presente análise enfoca apenas as exportações. Mais especificamente, o IVCR mostra no numerador, a relação entre os valores do fluxo identificado em um dado país c, para um determinado bem s, relativamente ao fluxo de comércio total para o país. Para fins de exposição identifica-se como Z a relação que compõe o numerador do referido índice: Z = X cs (1) Xc Verifica-se que quanto maior o valor de Z, tanto mais expressivo o valor da exportação de um bem s no total comercializado pelo país c. Essa observação não é suficiente, no entanto, para expressar se o país apresenta (ou não) vantagem comparativa para esse bem. Para tal, é preciso que o valor dessa relação seja superior ao que se capta para as exportações mundiais do bem s, relativamente ao total das exportações de mercadorias mundiais. Para proceder a essa comparação, portanto, compõe-se o denominador da fração do IVCR como a relação entre magnitudes mundiais dos fluxos. Para fins de exposição identifica-se como V a relação que compõe o denominador do índice: V= X ws Xw (2) Usualmente, compõe-se o denominador a partir da relação entre os valores dos fluxos do bem s para um conjunto de países identificados como representativos do mercado, relativamente ao comércio total mundial, incluindo-se todas as mercadorias. O índice de vantagem comparativa revelada (IVCR) pode ser expresso como: IVCR = Z / V = X cs Xc X ws Xw (3) Sendo que pode também ser expresso através da seguinte identidade: IVCR = Z/V ≡ Xcs Xws ∑ S s =1 X cs X ws . X ws X w X cs X ≡ ws Xc Xw (3’) Dessa forma, se a fração calculada resulta em valor superior à unidade, tem-se 7 que o desempenho do comércio para o bem enfocado, no país especificado, é superior ao desempenho desse mesmo bem no comércio mundial. O IVCR pode também ser interpretado como uma expressão das exportações setoriais relativas em termos da participação na exportação mundial, que pode ser interpretada como a participação do país nas exportações mundiais de um dado setor, ( X cs ), normalizadas por uma soma ponderada das participações nas exportações de X ws X cs X ws . , onde as ponderações representam as participações X w X ws X X totais dos setores, ou seja, quando ws é equivalente a c . Xw Xw Segundo Benedictis & Tamberi (2003) também é fácil visualizar que o IVCR X varia de zero a w e que se torna igual a 1 quando se observa a seguinte igualdade: Xc X cs X = c . Identifica-se que o país c tem desvantagem comparativa no setor s se X ws X w prevalece um valor para o índice entre os seguintes limites: 0 < IVCR < 1. Pode-se concluir, portanto, que o país apresenta vantagem comparativa para o setor s, quando se X observa que o índice encontra-se entre o intervalo: 1 < IVCR < w . Xc Dessa forma, conforme discutido por Benedictis & Tamberi (2003), o IVCR segue uma distribuição assimétrica com um nível inferior fixo e um nível superior variável, tanto entre países como ao longo do tempo; tendo uma demarcação fixa no valor 1; uma média variável, μ (IVCR), e desvio padrão σ ( IVCR), tanto entre os países como entre diferentes períodos de tempo. Segundo essa definição, o índice dá margem a três interpretações. Primeiramente, tem-se que cada índice provê uma demarcação entre os países, revelando vantagens comparativas para um setor particular, sendo essa a forma escolhida para a sua interpretação no presente estudo. O índice de Balassa pode também ser empregado para quantificar o grau de vantagem comparativa para um setor específico, relativamente ao desse mesmo setor em qualquer outro país ou grupo de países. Uma terceira aplicação refere-se ao seu uso para gerar possíveis classificações (ranks) entre países (com respeito a um dado setor) ou entre setores (dentro de um mesmo país), ordenados de acordo com um valor específico de IVCR. Teoricamente, quando se consideram tantos os efeitos estáticos como dinâmicos, a proposição de Deardorff (1980) prevalece como suficientemente clara e geral; ou seja, para identificar qual o bem ou indústria para a qual o país apresenta vantagem comparativa, basta observar o sinal da diferença entre preços relativos sob livre comércio e sob autarquia. Se o sinal resultante é positivo, infere-se que o país tem uma vantagem comparativa na produção e exportação de determinado bem; se o sinal é negativo, tem-se uma forte indicação de desvantagem relativa no segmento sendo analisado. Embora suficientemente clara, direta e dificilmente refutável, tal proposição não é passível de análise empírica, por um motivo bastante simples. Os preços sob autarquia, ou seja, antes todos os setores ∑ S s =1 8 de se estabelecer o comércio entre os países, geralmente não são variáveis observáveis. Uma forma encontrada para superar essa deficiência tem sido o emprego frequente de medidas de Vantagens Comparativas Reveladas (VCR), na literatura empírica. Conforme destacado em ensaio realizado por Benedictis & Tamberi (2003), a abordagem comum para tal finalidade consiste em comparar participações setoriais nacionais com seus análogos internacionais e inferir a existência de vantagem comparativa através do exame do produto efetivo e/ou fluxos de comércio, conforme desenvolvimento de Balassa (1965), e antes dele Liesner (1958) and Hoover (1936). Benedictis & Tamberi (2003) complementam, citando Vollrath (1991), que uma implicação importante dessa abordagem é que podem existir tantos índices de VCR quantas forem as combinações e transformações de variáveis (dados de produção, importação e exportação setorial) necessárias para inferir o nível das vantagens comparativas, em termos relativos. No presente trabalho, a forma empregada para analisar as vantagens comparativas reveladas é a de Balassa (1965), que enfoca os fluxos de exportações, sendo também identificada como a mais popular em aplicações empíricas. Uma definição formal desse índice é a seguinte: - Considerando uma economia específica como c, enquanto a economia mundial ou o total de países incluídos em uma determinada análise é identificado como w, um setor específico como s (e S o número total de setores analisados), e t sendo o período de tempo considerado para a análise. 4.2. Índice de Especialização nas exportações Trata-se de uma versão ligeiramente modificada do índice de vantagem comparativa revelada, que incorpora um caráter de especificidade na definição do denominador com relação ao mercado importador de interesse. Ou seja, ao invés de uma avaliação para o mercado como um todo, esse índice proporciona uma forma de avaliar se o bom desempenho exportador de um determinado mercado concentra-se, particularmente, em mercados importadores ou parceiros específicos, que detém um bom desempenho importador. A fórmula do indicador, segundo Hoeckman et al (2003) é a seguinte: IES = ( xij X it ) /( m kj M kt ) (4) Onde xij e X it são os valores de exportação do bem j pelo país i e as exportações mundiais do produto j, respectivamente, para um dado período de tempo. No denominador tem-se a divisão de mkj por M kt , que são os valores de importação do bem j pelo mercado k e o total de importação realizada pelo mercado k, em um determinado período, coincidente com o período dos valores considerados no numerador. A interpretação do valor obtido para o índice de especialização das exportações (IES) é semelhante ao de VCR de Balassa, definido no sub-item anterior, dado que será sempre superior a zero, podendo ser inferior igual ou superior à unidade. Quando o IES tende a zero, tem-se uma indicação de que as exportações de uma dada categoria de produtos estariam sendo enviadas pelo país ofertante para mercados com maior expressão relativa 9 nas importações desse bem no contexto mundial. Isso pode indicar que se o país redirecionar suas exportações, de forma a incrementar o volume relativo de um dado bem para mercados relativamente dinâmicos na absorção desse mesmo bem, o resultado tende a ser melhor, de forma que o país deve tender à especialização na produção e exportação do referido produto. Um valor superior à unidade sugere uma tendência à especialização no mercado importador enfocado. 4.3. Índice de Contribuição ao Saldo Comercial (CS) O índice de contribuição ao saldo comercial (CS) também pode ser interpretado como um espécie de índice de especialização, útil para avaliar o padrão do comércio internacional para um país ou para um grupo de países, tendo sido proposto por Lafay (1992), citado por Benedictis & Tambari (2003) 1 . Trata-se de um índice que considera a diferença entre o balanço comercial normalizado de cada item e o balanço comercial global, também normalizado, para um dado país. Adicionalmente, esse índice pondera a contribuição de cada produto, segundo a sua respectiva importância no comércio. Considerando-se um dado país i e um determinado produto j, pode-se definir o índice de Lafay como: N ⎛ i i ⎞ x m ( − ⎜ ∑ j j)⎟ i i i i N ⎜ x j − m j j =1 ⎟ (x j + m j ) i − N LFI j = 100⎜ i ∑ ⎟ N x j + m ij j =1 ( x ij + m ij ) ⎟⎟ ∑ ( x ij + m ij ) ⎜⎜ ∑ j =1 ⎝ ⎠ j =1 (5) Onde x ij e m ij referem-se, respectivamente, às exportações e importações do produto j referentes ao país i. As exportações consideradas são aquelas direcionadas para o resto do mundo, enquanto as importações referem-se a todas aquelas provindas de outros países, sendo N um determinado número total de itens selecionados para o estudo. Segundo esse índice, portanto, a contribuição do item j para o balanço comercial do país i, pode ser mensurada pelo desvio do balanço comercial do produto j normalizado, multiplicado por uma participação no comércio (importação mais exportação) do produto j no comércio total do país. É interessante observar as seguintes possibilidades para a interpretação dos resultados: (i) considerando-se que o país i é superavitário no balanço comercial; o bem j é bastante relevante nas transações comerciais do país i, de forma que o peso atribuído a j é relativamente elevado; trata-se de um bem que apresenta um superávit líquido normalizado que supera o superávit total normalizado do país; neste contexto espera-se que o índice seja positivo e relativamente elevado; (ii) considerando-se que o país i é superavitário no balanço comercial; o valor 1 Uma das vantagens desse índice, destacada por ECB Working Paper no. 249 – August 2003 é que por considerar as importações, permite o controle para fluxos de re-exportação e comércio intra-indústrias. Tendo em conta que esses aspectos vêm-se tornando progressivamente relevantes no contexto atual do comércio internacional, o emprego desse índice vem sendo considerado, também, cada vez mais importante, particularmente em se tratando de segmentos para os quais evolui o processo de fragmentação da produção entre diversos países. 10 exportado do bem j é bastante inferior ao das importações, de forma que o balanço desses fluxos, relativamente ao seu valor total de comércio (representado pela diferença do valor de todas as exportações e importações) tem valor negativo; supõe-se que o valor negativo dessa relação supera a razão entre o balanço comercial total e o valor comercializado total do país (representado pela soma do valor de todas as exportações e importações); neste contexto o índice tende a assumir um valor negativo; (iii) a semelhança relativa entre os valores dos fluxos de exportações e importações do bem j, no país i, faz com que a diferença entre eles tenda a zero; dessa maneira o índice tende a assumir um valor próximo a zero. Essa segunda opção será reforçada, quanto mais equilibrado for o valor global do balanço comercial. É preciso cautela, no entanto, para o caso em que o balanço comercial total do país é negativo (considerando-se os N produtos). Se nesse caso, o balanço comercial do item j é equilibrado, porém esse assume grande importância para o comércio, pode-se obter um valor positivo para o indicador. Se o valor total das transações desse bem pelo país i assume um valor muito baixo, o índice tende a ser negativo. Considerando-se que o índice proporciona uma medida da contribuição de cada grupo para o comércio global, em valor normalizado, pode-se esperar que a soma de N todos os N elementos resulte na seguinte relação: ∑ LFI j =1 i j = 0 . Os valores positivos do índice de Lafay poderiam ser relacionados, a princípio, às vantagens comparativas nas exportações do país. Quanto maior o valor resultante, tanto maior a contribuição do produto para o saldo comercial do país. De forma contrária, valores negativos indicam que as transações realizadas pelo país no mercado tendem a prejudicar o saldo comercial, sendo interessante a identificação dos possíveis motivos. 4.4. Dados As informações utilizadas neste trabalho baseiam-se em dados de comércio internacional do sistema SITC (Standard International Trade Classification) publicado pelas Nações Unidas, comumente utilizado para estudos empíricos de comércio internacional, por se tratar de uma série bastante abrangente, tanto em termos de países, como de produtos incluídos. Embora seja uma série de dados consistente para o estudo do comércio internacional, essa classificação não permite uma identificação direta de produtos industriais baseados em recursos agrícolas ou naturais. Tornou-se necessário, portanto, realizar uma adequação das séries trabalhadas, o que foi conduzido tomando como base listagem elaborada por Athukorala & Sen (1998). Esses autores realizaram um trabalho de referência cruzada entre a listagem de commodities segundo o sistema SITC, a cinco dígitos, com a da Classificação Internacional para Padrões Industriais (International Standards Industrial Classification – ISIC), a quatro dígitos. Essa última consiste em uma classificação por origem industrial. Essas informações foram compatibilizadas, a princípio, para mais de uma centena de países, por meio da Standard International Trade Classification (SITC). A lista de produtos utilizada para compor a categoria de produtos agro-alimentares industrializados no presente estudo encontra-se na Tabela 1 do Anexo I. As informações utilizadas foram tomadas em termos agregados e para o Brasil. Os dados agregados referem-se a todos os países da base, para evitar qualquer viés de seleção. As informações sobre o Brasil foram comparadas com dados 11 da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio brasileiro, obtidos pelo sistema Alice (http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br), tendo sido consideradas suficientemente compatíveis com a referida base. Além disso, comparam-se os valores com os utilizados pela ABIA para representar as exportações de produtos alimentares, para avaliar a adequação da base de dados empregada para a pesquisa. 5. Resultados Os responsáveis pela tomada de decisões e analistas demonstram, com freqüência, interesse em conhecer os setores da economia que se destacam por um processo dinâmico de exportação. No presente trabalho, as exportações de produtos agro-alimentares processados foram avaliadas com base nos resultados de indicadores de comércio, tais como o índice de vantagem comparativa revelada, o índice de especialização e o índice de contribuição ao saldo comercial. 5.1. Resultados do índice de VCR, por categoria de produto agro-alimentar processado Tem-se recomendado que a análise do índice de Vantagem Comparativa Revelada seja conduzida em termos ordinais ao invés de cardinais, o que possibilita a análise do comércio em termos relativos, e não em valores absolutos. Além disso, é importante que essa análise considere que por expressar a realidade dos mercados em termos de vantagens comparativas, reveladas pelos dados, essa inclui os efeitos das várias políticas prevalecentes nos mercados. Os valores do índice de Vantagem Comparativa Revelada (VCR), apresentados na Tabela 4, sugerem que o desempenho exportador do país para produtos agro-alimentares processados vem-se apresentando pouco satisfatório para a maior parte das categorias de produtos analisadas. Dentre as 13 categorias analisadas, apenas 3 mostraram valores superiores à unidade ao longo de todo o período, sugerindo que para esses segmentos, as vantagens comparativas têm sido exploradas e mantidas ao longo de mais de 3 décadas. Essas categorias são: ração animal preservada, frutas e vegetais em conserva e açúcar e melaço, sendo que essa última apresentou o melhor desempenho ao longo dos primeiros anos da década de 2000. A categoria de óleos vegetais também apresentou, em praticamente todo o período, um índice calculado superior a um, exceto em 1999. Os extratos de café, cacau e chocolate apresentaram bom desempenho até 1990, decaindo a seguir. É interessante observar que as exportações de carne processada apresentaram um valor de IVCR superior a um a partir de 1999, denotando vantagem comparativa revelada, que veio se intensificando desde 2001 a 2003. O padrão de comércio apresenta-se relativamente estável, dado que os índices não apresentam grande variabilidade ao longo do tempo, mas sim uma tendência em alguns casos. Os produtos agro-alimentares processados que apresentaram vantagem comparativa revelada nas exportações foram praticamente os mesmos ao longo de três décadas. Os resultados apresentados na Tabela 4 também sugerem uma dispersão dos 12 índices relativamente estável ao longo de praticamente todo o período analisado, tendo-se reduzido nos primeiros anos do século XXI, o que sugere uma tendência à orientação de um comportamento mais semelhante entre as exportações das várias categorias de produtos agro-alimentares processados enfocadas pelo estudo. Quando as exportações dos produtos agro-alimentares são consideradas como um todo, observa-se que o país não apresenta Vantagem Comparativa Revelada para o segmento, e que o IVCR mostrou-se relativamente estável ao longo das três décadas analisadas, em torno de 0,8. Pode-se concluir, portanto, que a vantagem comparativa brasileira se dá em apenas algumas categorias de alimentos processados, não sendo suficientes para conferir a VCR a todo o setor. Tabela 4. Índice de Vantagem Comparativa Revelada para Produtos Agroalimentares por categoria e total e taxas de crescimento Categoria de Produtos 1. Carne processada 2. Lácteos 3. Peixe processado 4. Farinha, farelos e cereais 5. Frutas e vegetais em conserva 6. Açúcar e melaço 7. Extratos de café, cacau e chocolate 8. Ração animal preservada 9. Margarina e alimentos preparados 10. Bebidas 11. Produtos de tabaco 12. Óleo de origem animal 13. Óleo vegetal Média Desvio Padrão Valor Máximo Produtos Alimentares Brasil - Total 1970 0.66 0.01 0.28 0.00 1.20 2.39 2.96 1.23 0.01 0.02 0.60 0.00 1.68 0.89 0.96 29.79 0.78 1980 0.42 0.00 0.17 0.04 2.06 1.43 2.53 2.54 0.24 0.02 0.67 0.00 1.65 0.86 0.97 15.84 0.82 1990 0.43 0.00 0.17 0.01 4.20 1.20 1.38 2.68 0.12 0.05 0.84 0.00 1.42 0.95 1.21 22.98 0,79 1999 1.17 0.01 0.14 0.06 2.75 3.80 0.90 2.28 0.29 0.04 0.08 0.08 0.04 0.87 1.21 26.52 0.78 2000 1.01 0.01 0.22 0.07 2.24 2.22 0.84 2.10 0.49 0.05 0.95 0.08 0.88 0.84 0.81 23.62 0.78 2001 1.19 0.02 0.20 0.06 1.44 2.91 0.64 1.98 0.31 0.03 0.90 0.16 1.01 0.81 0.85 19.42 0.79 2002 1.28 0.03 0.25 0.04 1.61 2.87 0.56 2.02 0.16 0.02 0.98 0.11 1.10 0.81 0.88 19.01 0.79 2003 1.40 0.03 0.25 0.05 1.54 2.61 0.64 2.06 0.14 0.02 1.01 0.11 1.34 0.82 0.85 18.87 0.80 5.2. Índice de Contribuição ao Saldo Comercial Os resultados obtidos para o índice de contribuição ao saldo comercial não atenderam às expectativas quanto à compatibilidade com os resultados obtidos com o IVCR, para diversas categorias de produto. O caso de maior destaque é o da carne processada, que apresentou contribuição negativa ao saldo comercial em todo o período analisado, embora essa categoria tenha apresentado um desempenho bastante satisfatório em termos de vantagens comparativas a partir de 1999. O óleo vegetal também sinaliza incoerência quanto à relação esperada entre os indicadores, ainda que de uma forma menos acentuada. Uma comparação simples dos resultados apresentados na Tabela 5, com aqueles mostrados na Tabela 4, permite constatar que as 3 categorias que apresentaram os valores mais promissores em termos do IVCR não mostraram as contribuições ao saldo comercial mais favoráveis. Esses resultados podem ser interpretados como uma indicação da oportunidade em considerar, para fins de delineamento de políticas comerciais para os 13 produtos agro-alimentares processados, iniciativas que priorizem os setores ou categorias que já apresentem bom desempenho na contribuição ao saldo comercial. As categorias dos produtos agro-alimentares que apresentaram contribuição positiva ao saldo comercial ao longo de todo o período analisado, de acordo com a Tabela 5 foram: ração animal (maior contribuição relativa em 2003), margarina e alimentos preparados, bebidas e produtos de tabaco, dos quais apenas o primeiro e o último apresentaram também valores do IVCR superiores à unidade (o último apenas no ano de 2003). As outras duas categorias apresentaram índices de vantagem comparativa revelada 14 Tabela 5 – Índice de Contribuição ao Saldo Comercial para Produtos Agro-alimentares brasileiros, por categoria, para os anos de 1970, 1980, 1990, 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003 Categoria de Produtos 1. Carne processada 2. Lácteos 3. Peixe processado 4. Farinha, farelos e cereais 5. Frutas e vegetais em conserva 6. Açúcar e melaço 7. Extratos de café, cacau e chocolate 8. Ração animal preservada 9. Margarina e alimentos preparados 10. Bebidas 11. Produtos de tabaco 12. Óleo de origem animal 1970 -0.238295 0.000105 0.000105 0.000102 -0.000053 -0.000599 0.000048 0.000067 0.000000 0.000028 -0.000007 0.000047 1980 -0.029640 0.000069 0.000069 0.000030 -0.000001 0.000121 0.000014 0.000032 0.000001 0.000006 -0.000001 0.000037 1990 -0.030280 -0.000045 -0.000045 -0.000022 -0.000025 -0.000040 -0.000020 0.000011 0.000000 0.000004 0.000000 -0.000019 1999 -0.019969 0.000009 0.000009 0.000009 0.000002 -0.000003 0.000004 0.000006 0.000000 0.000004 0.000000 0.000007 2000 -0.017700 0.000008 0.000008 0.000007 0.000001 0.000001 0.000003 0.000005 0.000001 0.000002 0.000000 0.000004 2001 -0.020411 0.000005 0.000005 0.000003 0.000000 -0.000002 0.000000 0.000007 0.000001 0.000003 0.000000 -0.000001 2002 -0.026977 -0.000015 -0.000015 -0.000010 -0.000010 -0.000017 -0.000009 0.000007 0.000000 0.000004 0.000000 -0.000006 2003 -0.028207 -0.000033 -0.000033 -0.000024 -0.000016 -0.000024 -0.000020 0.000007 0.000000 0.000003 0.000000 -0.000021 15 (IVCR) bastante baixos. Outras categorias como lácteos, peixe processado, farinhas e cereais, frutas e vegetais em conserva, extratos de café e chocolate, e óleo de origem animal chegaram a apresentar contribuição positiva ao saldo comercial, exceto para os últimos anos da análise. 5.3. Índice de Especialização Considera-se que um padrão no comércio de alimentos é formado quando o país se especializa na produção de alguns alimentos específicos. No âmbito dos produtos agro-alimentares, os países não apenas conseguem desenvolver sua capacidade exportadora por utilizar relativamente mais de um dado fator abundante, como também pela sua habilidade em diferenciar produtos (Regmi et al; 2005). Na presente análise, antes de calcular o índice de especialização, considerou-se interessante selecionar, dentre os mercados para os quais o país exporta produtos agroalimentares processados, aqueles que apresentaram um maior potencial para as exportações brasileiras desses produtos ao longo do período considerado para a análise. Seguindo indicação dos dados obtidos junto à ABIA (2004c), citados anteriormente, constata-se que as exportações brasileiras são direcionadas para um número bastante abrangente de países e regiões: NAFTA, EU, Japão, China, Rússia, Oriente Médio. Dentre esses mercados, selecionou-se um sub-conjunto de maior potencial para os produtos dessa natureza, conforme se verifica na Tabela 6, que incluiu os países da União Européia, do Nafta e o Japão. Os índices de especialização foram aplicados a esses mercados, buscando verificar se o país apresenta indícios de especialização na exportação para os mercados com maior potencial importador. Os resultados do cálculo desses índices são apresentados na Tabela 7, verificandose que o Brasil não apresentou especialização nas exportações de alimentos processados, de maneira geral, para nenhum país dentre aqueles considerados na análise. Pode-se verificar, no entanto, que embora o índice tenha se mostrado inferior à unidade, este tem apresentado tendência crescente ao longo das últimas três décadas para os três mercados importadores. Isso sugere que se essa tendência for mantida, o país poderá desenvolver alguma especialização das exportações, vindo a apresentar uma participação mais efetiva em mercados que podem tornar-se uma contribuição mais efetiva para o saldo comercial brasileiro. 16 Tabela 6: Exportações brasileiras para os anos: 1970, 1980, 1990 e 2000 ANO 1970 1980 1990 2000 Taxa Var** MERCOSUL 7.45E+08 4.55E+09 4.07E+09 8.4E+09 (%)* 1.18 1.79 1.09 1.8 NAFTA 1.18E+10 4.27E+10 6.06E+10 1.03E+11 0.85 de (%)* 18.81 16.76 16.15 22.24 agro-alimentos JAPÃO 9.25E+09 3.84E+10 6.03E+10 7.04E+10 0.82 0.94 (%)* 14.7 15.07 16.07 15.13 processados EU-15 3.88E+10 1.55E+11 2.31E+11 2.48E+11 para (%)* 61.65 60.81 61.71 53.35 0.89 mercados Oriente Médio 7.94E+08 9.65E+09 1.09E+10 2.26E+10 1.31 (%)* 1.26 3.79 2.91 4.87 selecionados Leste Europeu 1.5E+09 4.55E+09 7.76E+09 1.21E+10 (%)* 2.38 1.79 2.07 2.6 0.82 Nota: * representa o percentual do valor total apresentado na última coluna; ** taxa de variação geométrica Fonte: UNCTAD Tabela 7. Índice de Especialização na exportação de agro-alimentos processados do Brasil para mercados selecionados 1970 1980 1990 2000 Alimento processado total Brasil/NAFTA Alimento processado total Brasil/Japão Alimento processado total Brasil/UE 0.182334 0.543442 0.559141 0.820274 0.079023 0.258035 0.196351 0.273672 0.141501 0.385239 0.339696 0.452103 (US$bilhões); TOTAL 6.29E+10 2.55E+11 3.75E+11 4.65E+11 17 6. Conclusões Embora a exportação brasileira de produtos agro-alimentares processados venha aumentando e já venha sendo considerado um fator importante na geração de emprego nesta indústria, a presente análise mostrou que o país apresenta vantagens comparativas para um conjunto relativamente limitado desses produtos. Isso ocorre a despeito da forte vocação do país na produção de matéria prima agrícola e da boa disponibilidade de recursos naturais que possibilitam o emprego desses bens a custos relativamente baixos. O índice de contribuição ao saldo comercial calculado para diversas categorias do setor também permite concluir que o setor não assume posição de destaque na composição dos comerciais brasileiras. Um dos fatores que pode estar determinando essa participação limitada do país nesses mercados, a despeito do baixo custo da matéria prima, é a importância crescente das exigências técnicas relacionadas à qualidade e à sanidade dos alimentos. Além disso, a participação nesses mercados geralmente requer investimentos em tecnologia e capacidade para a diferenciar os produtos, aspectos que podem ser inseridos na definição de políticas comerciais do país. A hipótese de que existe uma associação entre vantagens comparativas, especialização dos mercados e maior contribuição ao saldo comercial não se verificou. Ao contrário, os resultados obtidos para os indicadores sugerem uma grande dificuldade em identificar algum padrão para o comércio brasileiro de produtos agro-alimentares processados. Deve-se considerar, ainda, que o mercado importador brasileiro é caracterizado por uma grande diversidade de países, denotando, a princípio, uma baixa tendência à especialização, tendo em vista a magnitude relativamente reduzida do valor das exportações do país em relação ao total mundial. Esses resultados levam a concluir, portanto, que um incremento sustentado da participação brasileira no mercado mundial desses produtos parece requerer uma reorientação política e de estratégia comercial. Como a tendência internacional indica um mercado em franca expansão, pode ser interessante evoluir com a internacionalização dos hábitos alimentares, além de outros fatores que favoreçam essa tendência. Bibliografia ABIA. Perspectivas para 2005 e investimentos da indústria. Novembro, 2004a. ABIA. Cenários, oportunidades e ameaças à indústria da alimentação. Dezembro, 2004b. ABIA. Breve panorama da indústria da alimentação no Brasil. Encontros de Comércio Exterior Setorial Alimentos - 71º Encomex. São Paulo, Março, 2004c. ALICE WEB (http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br). ATHUKORALA, P.C.; SEN, K. Processed food exports from developing countries: patterns and determinants. Food Policy. Volume 23, Issue 1, February 1998, Pages 4154. 18 BALASSA (1965) BENEDICTIS, Luca De e M. TAMBERI (2003), “Overall Specialization Empirics: Techniques and Applications. Versão preliminar a ser publicada em Open Economics Review. DEARDORFF, A. V. (1980), "The General Validity of the Law of Comparative Advantage", Journal of Political Economy, 88(5) 941-57. ?? FRANCIS, NG; YATES, A. 2003. "Major Trade Trends in East Asia". World Bank Policy Research Working Paper 3084. Washington D.C.: World Bank. HOEKMAN, BERNARD, PHILIP ENGLISH e ADITYA MATOO (EDITORS). 2003. Development, Trade and the WTO: A Handbook. Washington, D.C.: Worldbank. HOLLAND, M.; XAVIER, C.L. Dinâmica e competitividade setorial das exportações brasileiras: uma análise de painel para o período recente. XXXII Encontro Nacional de Economia – ANPEC. João Pessoa – PB, Dezembro/2004. www.anpec.org.br/encontro2004/artigos/A04A058.pdf REGMI, A.; M. GEHLAR; J. WAINIO; T. VOLLRATH, P. JOHNSTON and N. KATURIA. Market Access for High-Value Foods. Electronic Report from de Economic Research Service. United States Department of Agriculture. Agricultural Economic Report No. 840. February 2005. ROBERTS, D., T.E. JOSLING e D. ORDEN. “A Framework for Analyzing Technical Trade Barriers in Agricultural Markets” Market and Trade Economics Division, Economic Research Services, U.S. Department of Agriculture. Technical Bulletin No. 187 UNCTAD (http://unstats.org) WILSON, J. Bridging the Standards Divide: Recommendations for Reform from a Development Perspective. Background Paper for the World Development Report 2001/2002. February 2001. 22pp. Appendix A1 Lista de Commodities incluídas na definição de alimentos processados a 5 dígitos de código SITC, conforme indicado no parêntesis, reproduzido de Athukorala e Sen (1998). 1. Produtos de carne processados Carne bovina fresca e congelada (0111) Carne de carneiro, etc fresca, refrigerada e congelada (0112) Carne de porco fresca, refrigerada e congelada (0113) Frango fresco, congelado e refrigerado (0114) Miúdos frescos, congelados e refrigerados (0116) 19 Meat fresh, chilled and frozen (0118) Carne de porco seca, salgada e defumada (0121) Carne seca, salgada e defumada (0129) Caldo e extrato de carne (0133) Embutidos e enlatados (0134) Carne preparada e preservas nes (0138) 2. Produtos lácteos Creme de leite, leite evaporado e condensado (0221) Leite em pó, blocos, ou outra forma sólida e creme desidratado (0222) Leite e creme de leite frescos (0223) Manteiga (0230) Queijos e coalhada (0240) 3. Produtos de peixe processados Peixe fresco, refrigerado e congelado (0311) Peixe seco, salgado e defumado (0312) Crustáceos e moluscos frescos e congelados (0313) Peixe enlatado e preparados (0320) 4. Farinhas e cereais Trigo etc torta ou farinha (0460) Torta e farinha de outros cereais exceto trigo (0470) Alimentos matutinos preparados, cereais em flocos, etc (0481) Malte, incluindo farinha de malte (0482) Macarrão outras massas (0483) Pães, biscoitos, bolos, e outros produtos de panificação (0484) Preparados de cereais, farinha e amido para alimentos (0488) 5. Frutas em conserva Frutas em conserva de açúcar (0532) Frutas, compotas e geléias (0533) Caldo de legumes ou suco de frutas, não fermentados (0535) Frutas, cascas de frutas, temporariamente em conserva (0536) Frutas e nozes em conserva (0539) 6. Vegetais em conserva Vegetal em conserva simples (0546) Vegetal desidratado, exclusive legumes (0551) Farinhas etc de frutas e vegetais (0554) Vegetais preparados em conserva (0555) 7. Açúcar e melaço Açúcar de beterraba e de cana (0611) Açúcar refinado etc (0612) Melaço (0615) Mel natural (0616) Açúcares e xaropes (0619) Preparados de açúcar excl achocolatado (0620) 8. Extratos de café, cacau e chocolate Essências e extratos de café (0713) Cacau em pó não adoçado (0722) Manteiga e pasta de cacau (0723) Chocolate e seus produtos (0730) 9. Ração animal em conserva Farelos e outros resíduos de cereais,etc (0812) Resíduos de óleos vegetais (0813) 20 Torta de carne ou de peixe (0814) Ração e restos de alimentos (0819) 10. Margarina e alimentos preparados Margarina, banha (0914) Alimentos preparados (0990) 11. Bebidas Bebidas não alcoólicas (1110) Vinho de uvas frescas (1121) Cerveja, ale, stout, porter (1123) Bebidas alcoólicas (1124) 12. Produtos do tabaco Cigarros e charutos (1221) Cigarrilhas (1222) Outros manufaturados de tabaco (1223) 13. Óleo Animal Óleo de peixe, baleia, etc (4111) Óleo animal, etc, excl banhas (4113) 14. Óleos vegetais Óleo de soja (4212) Óleo de amendoim (4214) Óleo de mostarda, colza, etc (4217) Óleo de linhaça (4221) Óleo de palma (4222) Óleo de coco (4223) Óleo de rícino (4225) Óleo de vegetais fixados (4229) Óleo vegetal e de process animal (4311) Óleo hidrogenado e banha (4312) Ácidos graxos, etc (4313) Cera animal e vegetal (4314) 21 As exportações brasileiras de produtos agro-alimentares processados: uma análise com o emprego de indicadores de comércio exterior Heloisa Lee Burnquist Luciana Torrezan Silveira Resumo Uma nova vertente de análise ainda pouco explorada para o caso brasileiro, mas que tem sido bastante enfocada no contexto internacional é a identificação de padrões de um país que estimula a participação no mercado de agro-alimentos, particularmente em países desenvolvidos, identificado como um dos mais dinâmicos nos últimos anos. As evidências recentes indicam que os países que têm maior chance de apresentar um bom desempenho nos mercados de produtos agro-alimentares são aqueles que dispõem de capital necessário para atender não apenas às exigências, como às preferências do mercado internacional. Isso não se trata de tarefa trivial para os países em desenvolvimento, particularmente quando se considera que os mercados com maiores taxas de crescimento são aqueles de países desenvolvidos. A combinação esperada de uma associação entre os resultados de índices para vantagens comparativas, especialização dos mercados e maior contribuição ao saldo comercial não se verificou. Ao contrário, os resultados obtidos para os indicadores sugerem uma grande dificuldade em identificar algum padrão para o comércio brasileiro de produtos agro-alimentares processados, o que pode sugerir a necessidade de uma reorientação de política comercial para estimular as exportações do setor. Palavras-chave: exportações, agro-alimentos, Brasil,