UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE - FACS PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM ANÁLISES CLÍNICAS E GESTÃO DE LABORATÓRIO Marcus Aurélio Vieira Pitol LEISHMANIOSE VISCERAL: ASPECTOS CLÍNICOS E EPIDEMIOLÓGICOS Governador Valadares 2011 MARCUS AURÉLIO VIEIRA PITOL LEISHMANIOSE VISCERAL: ASPECTOS CLÍNICOS E EPIDEMIOLÓGICOS Trabalho de conclusão de curso apresentado a Universidade do Vale do Rio Doce (UNIVALE), para obtenção do título de Especialista em Análises Clínicas e Gestão de Laboratório. Orientador: Profª. Claudine de Menezes Pereira Santos Governador Valadares 2011 MARCUS AURÉLIO VIEIRA PITOL LEISHMANIOSE VISCERAL: ASPECTOS CLÍNICOS E EPIDEMIOLÓGICOS Trabalho de conclusão de curso apresentado a Universidade do Vale do Rio Doce (UNIVALE), para obtenção do título de Especialista em Análises Clínicas e Gestão de Laboratório. Governador Valadares, _________de ________________ de _________. __________________________________________ Profª. Claudine de Menezes Pereira Santos – Orientadora UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE __________________________________________ Dedico este trabalho aos meus familiares e amigos, principalmente a minha noiva, pelo apoio recebido. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus pela força nesta longa caminhada. Agradeço à minha orientadora Profª. Claudine de Menezes Pereira Santos pela dedicação. Aos meus familiares pela paciência e carinho. A minha noiva Linara pelo incentivo e apoio na realização deste trabalho. A todos que, de alguma forma contribuíram para que este trabalho fosse possível. RESUMO A Leishmaniose Visceral (LV) é uma doença endêmica no Brasil, caracterizada pela infecção do Sistema Fagocítico Mononuclear (SFM) em especial pelo protozoário Leishmania chagasi e o principal vetor é o flebotomíneo da espécie Lutzomyia longipalpis. A infecção é expressa por episódios febris associados à hepatoesplenomegalia grave, emagrecimento, anemia, podendo ocorrer manifestações intestinais e fenômenos hemorrágicos. O presente trabalho teve como objetivo realizar um estudo de revisão da literatura da atual situação da Leishmaniose Visceral humana dando ênfase nos aspectos clínicos e epidemiológicos. O número de casos de leishmaniose visceral está aumentando globalmente a taxas alarmantes e as leishmanioses estão entre as principais doenças emergentes, apesar das medidas de controle. O caos ecológico causado pelo homem e este que por sua vez, afeta os níveis de sua exposição aos vetores, migração civil, imunodepressão causada por medicamentos e infecções virais, globalização do trabalho e de lazer, são algumas situações que contribuem para a disseminação e/ou aumento da doença no Brasil e no mundo. O tratamento no Brasil é feito com os antimoniais pentavalentes (antimoniato de N-metil-meglumina) e estibogluconato de sódio são ainda as drogas de primeira linha para o tratamento da LV. Palavras-chave: Leishmaniose Visceral. Epidemiologia. Diagnostico. Tratamento. ABSTRACT Visceral Leishmaniasis (VL) is an endemic disease in Brazil, characterized by infection of mononuclear phagocytic system (FMS) and the protozoan Leishmania chagasi is the main vector species of sandfly Lutzomyia longipalpis. The infection is expressed by episodes of fever associated with severe hepatosplenomegaly, weight loss, anemia, intestinal manifestations may occur and hemorrhagic phenomena. This study aimed to conduct a literature review of the current situation of human visceral leishmaniasis, with emphasis on clinical and epidemiological aspects. The number of cases of visceral leishmaniasis is increasing globally at an alarming rate and leishmaniasis are among the main emerging diseases, despite the control measures. The ecological chaos caused by man and that this in turn affects the levels of their exposure to vectors, civilian migration, immunosuppression caused by medications and viral infections, globalization of work and leisure are some situations that contribute to the spread and / or increased disease in Brazil and worldwide. The treatment is done in Brazil with pentavalent antimony (antimony-N-methyl meglumine) and sodium stibogluconate are still the first-line drugs for the treatment of VL. Keywords: Visceral Leishmaniasis. Epidemiology. Diagnosis. Treatment. LISTA DE TABELAS E FIGURAS FIGURA 1 - Letalidade da leishmaniose visceral no Brasil, 2000 a 2009 ..............................15 FIGURA 2 - Letalidade de Leishmaniose Visceral em Minas Gerais, 2000 a 2009 ...............15 FIGURA 3- Forma flagelada ou Promastigota ........................................................................16 FIGURA 4 - Forma sem flagelo externalizado ou Amastigota ...............................................16 FIGURA 5 - Ciclo biológico da leishmaniose..........................................................................19 FIGURA 6 - Quadro comparativo da evolução clínica da leishmaniose visceral, quanto aos exames laboratoriais complementares .....................................................................................25 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS LV- Leishmaniose Visceral SFM - Sistema Fagocítico Mononuclear WHO - World Health Organization MS - Ministério da Saúde AIDS - Acquired Immunodeficiency Syndrome RIFI - Reação de imunofluorescência indireta NNN - Novy, Nicolle e McNeal ELISA - Enzyme-Linked Immunosorbent Assay LIT - Liver Infusion Triptose EV - Endovenosa IM - Intramuscular DDT - diclorodifeniltricloroetano SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................10 2 OBJETIVOS ......................................................................................................................11 2.1 OBJETIVO GERAL ........................................................................................................11 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ...........................................................................................11 3 JUSTIFICATIVA...............................................................................................................12 4 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA..........................................................................................13 4.1 HISTÓRICO .....................................................................................................................13 4.2 ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS .................................................................................14 4.2.1 Situação Epidemiológica ..............................................................................................14 4.3 AGENTE ETIOLÓGICO ..................................................................................................16 4.4 RESERVATÓRIOS ...........................................................................................................17 4.5 VETOR ..............................................................................................................................17 4.6 TRANSMISSÃO ...............................................................................................................17 4.7 PATOGENIA ....................................................................................................................19 4.8 PERÍODO DE INCUBAÇÃO ...........................................................................................20 4.9 ASPECTOS CLINICOS ....................................................................................................20 4.10 DIAGNÓSTICO...............................................................................................................21 4.10.1 Diagnóstico Clínico .....................................................................................................22 4.10.2 Diagnóstico Laboratorial ...........................................................................................22 4.10.2.1 Diagnóstico Parasitológico ........................................................................................23 4.10.2.2 Diagnostico Imunológico ...........................................................................................23 4.10.2.2.1 Reação de Imunofluorescência Indireta (RIF) ........................................................24 4.10.2.2.2 Ensaio Imunoenzimático – ELISA .........................................................................24 4.10.2.2.3 Teste Rápido Imunocromatográfico (TRALD; RICH) ...........................................25 4.10.2.2.4 Outros testes ............................................................................................................25 4.11 TRATAMENTO SEGUNDO MANUAL DE VIGILÂNCIA E CONTROLE DA LEISHMANIOSE VISCERAL – MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010 .....................................26 4.11.1 Antimoniais ................................................................................................................ 26 4.11.2 Anfotericina B ............................................................................................................ 27 4.11.3 Outras drogas .............................................................................................................28 4.12 MEDIDAS DE CONTROLE ........................................................................................ 28 4.13 MEDIDAS DE PREVENÇÃO .........................................................................................29 5 CONCLUSÃO .....................................................................................................................31 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................32 10 1 INTRODUÇÃO A Leishmaniose é uma doença infecciosa causada por protozoários do gênero Leishmania, que acomete pele, mucosas e vísceras (REY, 1991). A Leishmaniose Visceral (LV) é uma doença crônica, debilitante caracterizada pela infecção intracelular obrigatória das células de defesa do Sistema Fagocítico Mononuclear (SFM) do baço, fígado, medula óssea, pulmões, intestinos, gânglios linfáticos e pele, com uma forma flagelada ou promastigota do protozoário L. chagasi (GOMES, 1999). A infecção é expressa por episódios febris associados a hepatoesplenomegalia grave, emagrecimento, anemia, micropoliadenia, podendo ocorrer manifestações intestinais e fenômenos hemorrágicos. A doença apresenta um caráter consuntivo que leva a um quadro de emagrecimento progressivo, edema, alterações na queda dos cabelos e outras manifestações associadas (MARZOCHI et al.,1981). A Leishmaniose visceral ou Calazar é uma zoonose com ampla distribuição, tanto no “Velho Mundo” como nas Américas. Foi descrita em 1835 na Grécia e na Índia em 1882. Nas Américas, Leishmania chagasi é a espécie responsável pelas formas clínicas da leishmaniose visceral. Na época, chamou-se atenção para um aspecto típico do calazar na Índia, porém de manifestação pouco usual no Brasil, que é o escurecimento da pele. Daí deriva o primeiro nome dado à patologia, febre negra, kala-jwar ou kalazar (REY, 1991). Com mortalidade global em 59.000 óbitos por ano (WHO, 2002), as leishmanioses constituem um grupo de doenças que permanecem como um importante problema de saúde pública em pelo menos 88 países, sendo 16 países desenvolvidos e 72 países em desenvolvimento. Atualmente, encontra-se entre as seis endemias consideradas prioritárias no mundo (DESJEUX, 2004). Segundo Torres (2006), dentre as várias formas clínicas de leishmaniose, destaca-se a leishmaniose visceral que geralmente é fatal quando não tratada. Sua letalidade pode alcançar 10% quando não se institui o tratamento adequado. Em áreas de endemia antiga, são acometidas, em geral, crianças com idade inferior a dez anos ou eventualmente adultos portadores de outras patologias onde acontece a imunossupressão. Em áreas onde a endemia é recente, no entanto, pode ser observada uma diferença menor na freqüência do acometimento entre adultos e crianças. (MARZOCHI et al.,1985a) . 11 2 OBJETIVOS 2.1 OBJETIVO GERAL Este trabalho teve como objetivo realizar uma revisão da literatura da Leishmaniose Visceral humana com ênfase aos aspectos clínicos, diagnósticos e epidemiológicos. 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS • Levantar os dados epidemiológicos da LV no Brasil e em especial em Minas Gerais. • Relacionar os métodos diagnósticos clínicos e laboratoriais da doença. • Identificar e correlacionar fatores ambientais, sócio-demográficos, epidemiológicos que possam influenciar a expansão da LV. 12 3 JUSTIFICATIVA Atualmente, a LV é endêmica em 62 países, com um total estimado de 200 milhões de pessoas sob risco de adquirirem a infecção. Aproximadamente 90% dos casos ocorrem em 5 países: Índia, Bangladesh, Nepal, Sudão e Brasil. A doença atinge principalmente as populações pobres desses países. Embora existam métodos de diagnóstico e tratamento específicos, grande parte da população não tem acesso a estes procedimentos, elevando os índices de mortalidade. No Brasil, a importância da leishmaniose visceral reside não somente na sua alta incidência e ampla distribuição, mas também na possibilidade de assumir formas graves e letais quando associada ao quadro de má nutrição e infecções concomitantes. A crescente urbanização da doença ocorrida nos últimos 20 anos coloca em pauta a discussão das estratégias de controle empregadas. A leishmaniose visceral é uma doença infecciosa sistêmica, em que as manifestações refletem o desequilíbrio entre a multiplicação dos parasitos nas células do sistema fagocítico mononuclear (SFM), a resposta imunitária do indivíduo e as alterações degenerativas resultantes desse processo. A LV destaca-se entre as outras Leishmanioses, pois quando não tratada pode ser fatal e sua letalidade pode alcançar 10% quando não se institui o tratamento adequado. Como conseqüência principalmente dos desmatamentos, os flebotomíneos passaram a circular no peri e intradomicílio rural e, atualmente, urbano, aumentando a incidência da LV em cães e humanos. Com a expansão da área de abrangência da doença e o aumento significativo no número de casos, a LV passou a ser considerada pela Organização Mundial da Saúde uma das prioridades dentre as doenças tropicais. 13 4 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 4.1 HISTÓRICO A Leishmaniose visceral foi descrita na Grécia em 1835 quando então era denominada “ponos” ou “hapoplinakon”. Foi na Índia em 1869 que recebeu o nome “kala-jwar” que quer dizer febre negra ou “kala-azar” que significa pele negra em virtude do discreto aumento da pigmentação da pele ocorrido durante a doença (MARZOCHI et al., 1981). Em 1900, William Leishman identificou um protozoário no baço de um soldado que havia vindo a óbito na India, em decorrência de uma febre local conhecida como “febre “Dum Dum” ou “Kala-azar”. Suas anotações não foram publicadas até 1903 quando Donovan encontrou o mesmo parasito em outro paciente. Ainda no mesmo ano, Laveran & Mesnil descreveram o protozoário com o nome de Piroplasma donovani. Leonard Rogers, em 1904, foi o primeiro a conseguir cultivar o parasito e observou que nas culturas ele era visto sob a forma flagelada. Patton, em 1907 observou as formas leishmanias (amastigotas) em monócitos e as formas leptomonas (promastigotas) no intestino de insetos que eram alimentados sobre pacientes com calazar (in FAUST et al. 1974). O primeiro caso no Brasil foi descrito por Migone em 1913. O paciente era um imigrante italiano que vivera muitos anos em Santos, SP e após viajar para Mato Grosso, adoeceu, tendo sido diagnosticada a doença no Paraguai (ALENCAR, 1977). Foi Penna (1934), um patologista do Instituto Oswaldo Cruz, quem iniciou os estudos sobre a distribuição geográfica da Leishmaniose Visceral nas Américas, quando comprovou parasitologicamente, 41 casos dentre as 40.000 viscerotomias examinadas para febre amarela provenientes de vários estados do Brasil. Em 1953 surgiram numerosos casos da doença, principalmente no Ceará, o que levou à criação da “Campanha contra a Leishmaniose Visceral”. Foram Deane e Mangabeira que em 1954 incriminaram a Lutzomyia longipalpis como responsável pela transmissão da L. (L.) chagasi e, a partir de 1957, propuseram o uso do DDT como combate ao inseto vetor, numa tentativa de romper o ciclo da doença. 14 4.2 ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS 4.2.1 Situação Epidemiológica A Leishmaniose Visceral se manifesta nas populações tropicais e subtropicais da América Latina sob forma endêmica (TESH & PAPAEVANGELOU, 1977). A epidemiologia da LV vem se alterando através do tempo. Inicialmente a doença mantinha um perfil rural, de transmissão peridomiciliar, onde as crianças eram as mais acometidas, daí denominada “calazar infantil”. Degradações ambientais, migrações de populações carentes para a periferia dos grandes centros, fixando-se em locais sem infraestrutura de saneamento básico e em promiscuidade com animais domésticos, contribuem para o processo de urbanização da doença. Tudo isso acrescido da adaptação de determinados flebotomíneos a ambientes alterados pelo homem (GOMES, 1994). Em áreas de endemia antiga, são acometidas, em geral, crianças com idade inferior a dez anos ou eventualmente adultos portadores de outras patologias onde acontece a imunossupressão. Em áreas onde a endemia é recente, no entanto, pode ser observada uma diferença menor na freqüência do acometimento entre adultos e crianças. (MARZOCHI et al.,1985a). Aos poucos a doença veio adquirindo característica peri urbana e hoje se encontra em plena urbanização estando presente em bairros bastante urbanizados de grandes cidades, entre elas o Rio de Janeiro – RJ, Teresina - PI, São Luís - MA, Belo Horizonte e Montes Claros – MG (MARZOCHI et al.,1994; TESH,1995). Duas décadas após o registro da primeira epidemia urbana em Teresina, no Piauí (COSTA et al, 1990), o processo de urbanização se intensificou com a ocorrência de importantes epidemias em várias cidades da região Nordeste (São Luís, Natal e Aracaju), Norte (Boa Vista e Santarém), Sudeste (Belo Horizonte e Montes Claros) e Centro Oeste (Cuiabá e Campo Grande) (MS, 2001). Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais, ilustra claramente o processo de urbanização da LV nas cidades brasileiras. Desde 1993, a cidade convive com a leishmaniose visceral, introduzida a partir de um município vizinho (PROFETA et al, 2001). Observa-se que, nos últimos anos, a letalidade da LV no Brasil vem aumentando gradativamente, passando de 3,2 % no ano de 2000 para 5,8 % em 2009, o que representa um 15 incremento de 80 % (FIGURA 1). Enquanto no estado de Minas Gerais a letalidade da LV era de 2,8 % no ano de 2000 passando para 13,6 % em 2009, o que representa um aumento de 385 % (FIGURA 2). A análise parcial dos dados demonstrou aumento na letalidade desta doença. 9 8 7 6 5 Letalidade 4 3 2 1 0 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Figura 1 - Letalidade da leishmaniose visceral no Brasil, 2000 a 2009 Fonte: Sinan/SVS/MS - atualizado em 09/07/10 16 14 12 10 8 Letalidade 6 4 2 0 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Figura 2 - Letalidade de Leishmaniose Visceral. Minas Gerais. 2000 a 2009 Fonte: Sinan/SVS/MS - atualizado em 09/07/10 16 4.3 AGENTE ETIOLÓGICO A leishmaniose visceral ou Calazar é primariamente uma zoonose que afeta outros animais além do homem. É causada por um protozoário heteroxênico, intracelular obrigatório, que infecta as células do sistema fagocítico mononuclear (SFM) de diversas espécies animais (TORRES, 2006). Os agentes etiológicos da leishmaniose visceral são protozoários tripanosomatideos do gênero Leishmania, que apresentam forma flagelada - Promastigota (FIGURA 3) encontrada no tubo digestivo do inseto vetor, e forma sem flagelo externalizado - Amastigota (FIGURA 4), presente nos tecidos dos vertebrados. Das espécies encontradas no Brasil a Leishmania chagasi é a mais comum. FIGURA 3 - Forma flagelada ou Promastigota FIGURA 4 - Forma sem flagelo externalizado ou Amastigota 17 Segundo Costa et al. (1995), é importante lembrar que embora a presença do agente causal seja uma condição para o desenvolvimento da leishmaniose visceral, a simples presença do parasito não é suficiente para causar a doença, visto que uma grande proporção de indivíduos pode infectar-se sem desenvolvê-la. 4.4 RESERVATÓRIOS Na área urbana, o cão (Canis familiaris) é a principal fonte de infecção. A enzootia canina tem precedido a ocorrência de casos humanos e a infecção em cães tem sido mais prevalente do que no homem. No ambiente silvestre, os reservatórios são as raposas (Dusicyon vetulus e Cerdocyon thous) e os marsupiais (Didelphis albiventris). No Brasil, as raposas foram encontradas infectadas nas regiões Nordeste, Sudeste e Amazônica. Os marsupiais didelfídeos foram encontrados infectados no Brasil e na Colômbia. 4.5 VETOR O modo de transmissão é através do repasto sanguíneo de dípteros pertencentes à subfamília Phlebotominae (OTSUKA, 1999). A espécie de maior importância epidemiológica no Brasil, pertence ao gênero Lutzomyia, para leishmaniose visceral, enquanto outras espécies de flebotomíneos (mosquito palha, cangalhinha, tatuquira e etc.) também são responsáveis pela transmissão de várias espécies de Leishmania (GOMES, 1999). 4.6 TRANSMISSÃO O principal mecanismo de transmissão da L.chagasi nas condições naturais e de importância epidemiológica universal ocorre normal através do repasto sanguíneo da fêmea de Lutzomyia longipalpis. 18 Conforme estudos de laboratório, no ciclo biológico da L. longipalpis, ocorre uma fase larvária terrestre, na qual as fêmeas fazem a ovoposição. De ovo a adulto decorre um período de aproximadamente 30 dias. As fêmeas têm hábitos ecléticos com referência à alimentação. Apesar de sua antropofilia, pode ser encontrada fazendo repasto sanguíneo em várias espécies animais no ambiente doméstico e silvestre, sem que haja preferência evidente por uma fonte alimentar determinada (REY, 1991). Dentre as principais espécies acometidas pelo repasto sanguíneo do L. longipalpis, estão descritas: homens, eqüídeos (MACPHERSON et al, 2000), roedores (MACPHERSON et al, 2000; LANGOHR, 2000), gato doméstico (GONÇALVES, 1999), cão doméstico (MACPHERSON et al, 2000), canídeos silvestres, marsupiais didelfídeos (gambás) (REY, 1991), tamanduá e bicho preguiça (USSUI, 2007). Ao se alimentar em um animal infectado, o inseto ingere sangue juntamente com células do SFM parasitados por formas amastigotas da Leishmania. No tubo digestivo do inseto, elas se transformam em promastigotas em aproximadamente 13 a 15 horas, multiplicando-se rapidamente por divisão binária (AMATO NETO, 2008). As formas promastigotas passam então a colonizar os tratos digestivos médio e anterior do inseto. Essas formas secretam enzimas quitinoliticas que danificam funcionalmente o cárdia (válvula pró-ventricular), que permanece aberto e incompetente. No próximo repasto sanguíneo, o flebotomíneo regurgita, no local da picada, as formas promastigotas presentes na faringe e no esôfago do inseto. Essas células são fagocitadas por células do SFM, onde ocorre a transformação de promastigotas em amastigotas. Essas últimas multiplicam-se no interior do vacúolo fagocitário dos macrófagos, rompem-se liberando novas amastigotas que serão fagocitadas por outros macrófagos (FIGURA 5) (AMATO NETO, 2008). 19 FIGURA 5 - Ciclo biológico da leishmaniose. 4.7 PATOGENIA A leishmaniose visceral é transmitida através de um vetor, inseto hematófago flebótomo da espécie Lutzomia longipalpis, mosquito de pequeno porte, cor de palha e grandes asas pilosas. Seu habitat é o domicílio e peri-domicílio, onde se alimenta de sangue humano, do cão, além de outros mamíferos e aves (PESSÔA & MARTINS, 1988). O hospedeiro vertebrado é infectado com promastigotas, quando picado pelo vetor. As promastigotas penetram nos macrófagos circulantes e multiplicam-se como amastigotas antes de iniciarem a resposta inflamatória. Há a migração de células dendríticas dérmicas para o linfonodo e a apresentação de antígenos derivados do parasito para linfócitos CD4 e CD8. Estas células se acumularão no local da inflamação e promoverão a destruição dos macrófagos, com a liberação das amastigotas que irão infectar outros macrófagos. O vetor ingere macrófagos infectados durante o repasto sanguíneo. As amastigotas são liberadas no intestino do mosquito e multiplica-se como promastigotas, fechando, assim, o ciclo. 20 Não ocorre transmissão direta da leishmaniose visceral de pessoa para pessoa. A transmissão ocorre enquanto houver o parasitismo na pele ou no sangue periférico do hospedeiro (MS, 2004). 4.8 PERÍODO DE INCUBAÇÃO Segundo MS, 2010, o período de incubação é bastante variável tanto para o homem como para o cão: • No homem: 10 dias a 24 meses, com média entre 2 a 6 meses. • No cão: bastante variável, de 3 meses a vários anos com média de 3 a 7 meses. 4.9 ASPECTOS CLINICOS A infecção causada por L. chagasi apresenta um espectro clinico amplo, que varia desde formas completamente assintomáticas, passando por varias formas clinicas com sintomatologia discreta ou moderada, até aquelas de apresentação mais grave. A infecção por L. chagasi pode ser dividida em aparente e inaparente (AMATO NETO, 2008). Os pacientes que apresentam a forma aparente, as manifestações clínicas são discretas, como hepato ou esplenomegalia e febre, que podem permanecer durante 3 a 6 meses, evoluindo para uma cura espontânea ou para a forma clássica (BADARÓ & DUARTE, 1996). A forma inaparente é sempre assintomática e mais comum em pacientes oriundos de áreas endêmicas onde há evidência epidemiológica e imunológica da infecção. Não apresentam nenhuma manifestação clínica, entretanto tem sorologia positiva para leishmaniose. Estes indivíduos não são notificados nem tratados (MS, 2003). Do ponto de vista clínico-evolutivo, as formas aparentes da leishmaniose visceral podem ser divididas em: Período inicial – essa fase da doença, também chamada de “aguda” por alguns autores, caracteriza o início da sintomatologia, que pode variar de paciente para paciente, mas na maioria dos casos inclui febre com duração inferior a 4 semanas, palidez cutâneo-mucosa e hepatoesplenomegalia. Em área endêmica, uma pequena proporção de indivíduos, geralmente 21 crianças, pode apresentar quadro clínico discreto, de curta duração, aproximadamente 15 dias, que frequentemente evolui para cura espontânea (forma oligossintomática). A combinação de manifestações clínicas e alterações laboratoriais, que melhor parece caracterizar a forma oligossintomática, é febre, hepatomegalia, hiperglobulinemia e velocidade de hemossedimentação alta (MS, 2010). Período de estado – nessa fase exarcebam-se os sinais e sintomas da fase inicial descritos anteriormente (AMATO NETO, 2008). O paciente apresenta febre irregular, geralmente associada a emagrecimento progressivo, palidez cutâneo-mucosa e aumento da hepatoesplenomegalia. Apresenta um quadro clínico arrastado, geralmente com mais de 2 meses de evolução, na maioria das vezes associado a comprometimento do estado geral (MS, 2010). Período final – caso não seja feito o diagnóstico e tratamento, a doença evolui progressivamente para o período final, com febre contínua e comprometimento mais intenso do estado geral. Instalam-se a desnutrição (cabelos quebradiços, cílios alongados e pele seca) e edema dos membros inferiores, que pode evoluir para anasarca. Outras manifestações importantes incluem hemorragias (epistaxe, gengivorragia e petéquias), icterícia e ascite. Nesses pacientes, o óbito geralmente é determinado por infecções bacterianas e sangramentos (MS, 2010). As principais causas de óbitos são as pneumonias, sepses, insuficiência cardíaca (cor anêmico), gastroenterites e hemorragias digestivas agudas (AMATO NETO, 2008). 4.10 DIAGNÓSTICO Nos últimos dez anos, apesar dos recursos de tratamento intensivo e da rotina estabelecida para o tratamento específico da leishmaniose visceral constatou-se aumento na letalidade da doença em diversas regiões do Brasil. Um dos principais fatores que contribuíram para o aumento dessa letalidade é o diagnóstico tardio (MS, 2006). O diagnóstico e tratamento dos pacientes devem ser realizados precocemente e sempre que possível à confirmação parasitológica da doença deve preceder o tratamento. Em situações onde o diagnóstico sorológico e/ou parasitológico não estiver disponível ou na demora da liberação dos mesmos, o início do tratamento não deve ser postergado (MS, 2004). 22 O encontro do parasito constitui o requisito básico para o diagnostico de leishmaniose visceral. A sorologia é útil para uma triagem de casos, quando for difícil demonstrar a presença de leishmânias, bem como em inquéritos epidemiológicos (REY, 2002). 4.10.1 Diagnóstico Clínico Baseia-se nos sinais e sintomas apresentados pelos pacientes associados a historia de residência em área endêmica (NEVES, 2005). O diagnóstico clínico é complexo, pois a doença no homem pode apresentar sinais e sintomas que são comuns a outras patologias presentes nas áreas onde incide a LV, como, por exemplo, Doença de Chagas, Malária, Esquistossomose, Febre Tifóide e Tuberculose. Pacientes com LV apresentam febre prolongada, esplenomegalia, hepatomegalia, leucopenia, anemia, hipergamaglobulinemia, tosse, dor abdominal, diarréia, perda de peso e caquexia (GONTIJO, 2004). Nos pacientes com AIDS, portadores do vírus HIV, de doenças malignas, como linfomas e lúpus eritematoso em uso de drogas contra a rejeição, os sinais e sintomas do calazar podem ser influenciados e modificados, de forma que as manifestações clinicas não mantenham as suas características. Em particular, nos paciente com AIDS, os sintomas mais relatados são as lesões de pele, manifestações hemorrágicas gastrointestinais e respiratórias, por vezes, na completa ausência de febre e esplenomegalia (NEVES, 2005). 4.10.2 Diagnóstico Laboratorial A anemia é normocrômica e normocítica, com hemoglobina na freqüência inferior a 10g%. A leucopenia é significativa, caracteristicamente acompanhada por neutropenia (as vezes, grave, <500 granulócitos), linfocitose relativa e eosinopenia. A plaquetopenia (geralmente, abaixo de 100.000 células/mm3) completa a clássica pancitopenia. A inversão albumina sérica e elevação policlonal das globulinas, à custa da fração gama. Apesar da ocorrência rara de icterícia, há elevação discreta das transaminases (duas a três vezes o basal) (HINRICHSEN, 2005). 23 4.10.2.1 Diagnóstico Parasitológico O diagnóstico parasitológico da LV pode ser feito por meio da visualização do parasito em cultura (formas promastigotas) ou em esfregaço de punção aspirativa ou em biopsia de tecidos (formas amastigotas) (AMATO NETO, 2008). Na observação direta do parasito em preparações de material biológico obtido preferencialmente da medula óssea (por ser um procedimento simples e representa menos risco para o paciente), do linfonodo, baço e fígado, através de esfregaços em lâmina de vidro, corados pelo Giemsa ou Panóptico, inoculados em meio de cultura NNN (Novy, Nicolle e McNeal). Quando obtidos por biopsia podem ser elaborados cortes histológicos de fragmentos dos órgãos para pesquisa do parasito (NEVES, 2005). O encontro das formas amastigotas do parasito é diretamente proporcional à qualidade do material aspirado da medula, à experiência do microscopista e ao numero de campos observados. Portanto, é necessário que a lâmina seja exaustivamente examinada, antes de ser considerada negativa (AMATO NETO, 2008). Além do exame direto, o material de punções aspirativas pode ser inoculado em meios especiais de cultura. O clássico meio de NNN contendo Agar e sangue desfibrinado de coelho é o mais comumente empregado. A utilização de uma interface liquida sobre o NNN, como o meio LIT (Liver Infusion Triptose) ou Schneider, aumenta e acelera a positividade da cultura. As culturas devem ser mantidas entre 24º-26ºC e observadas em microscópio óptico invertido semanalmente, por ate quatro semanas (AMATO NETO, 2008). A biopsia hepática oferece resultados questionáveis, em virtude da menor expressão do parasitismo do fígado. A punção do baço apresenta riscos, podendo levar à ruptura do órgão e a hemorragias fatais (NEVES, 2005). 4.10.2.2 Diagnostico Imunológico Uma característica clinica imunológica marcante da LV é que os testes sorológicos em geral apresentam boa sensibilidade em virtude da grande quantidade de anticorpos (principalmente Imunoglobulina G/ IgG) presentes na doença, policlonal de linfócitos B (AMATO NETO, 2008;NEVES, 2005). decorrentes da expansão 24 Os altos níveis de anticorpos produzidos pelos pacientes permitem a aplicação de uma variedade de técnicas sorológicas para o diagnóstico. Os testes apresentam sensibilidade e especificidade variáveis, entretanto devem ser a escolha imediata na suspeita clinica da doença, principalmente, pela ausência de riscos para o paciente (NEVES, 2005). No Brasil, as técnicas mais usadas são a imunoflorescência indireta (RIFI) e os ensaios imunoenzimáticos (ELISA, imunocromatografia) (AMATO NETO, 2008). 4.10.2.2.1 Reação de Imunofluorescência Indireta (RIF) Utiliza como antígeno formas promastigotas fixadas em lâmina. Trata-se de método de simples execução e que apresenta uma sensibilidade alta na detecção de casos de leishmaniose visceral, porém fornece reações cruzadas com outro tripanossomatídeos. Entretanto, no calazar os títulos de anticorpos são muito mais altos durante a doença. É o teste mais usado, inclusive na avaliação da resposta a terapêutica. 4.10.2.2.2 Ensaio Imunoenzimático – ELISA Metodologia que permite a realização de grandes números de exames em curto pedaço de tempo. Os antígenos utilizados são solúveis e o teste mostra sensibilidade muito alta na detecção de casos de calazar. O antígeno utilizado é produzido a partir de lisados de formas promastigotas do parasito, mostra reações cruzadas com outros triponossomatídeos. Este problema pode ser solucionado com o emprego de antígenos purificados e recombinantes. Dentre os antígenos purificados, as proteínas de superfície presentes na membrana do parasito representam grande perspectiva de uso, como recombinantes ou peptídeos sintéticos. Algumas variações do teste são utilizadas na pesquisa de anticorpos e/ou antígeno do parasito, dentre elas,o DOT-ELISA,o FAST-ELISA e ELISA FML (NEVES, 2005) 25 4.10.2.2.3 Teste Rápido Imunocromatográfico (TRALD; RICH) O teste é feito com base em imunocromatografia de papel, onde se utiliza o antígeno recombinante (rK39), fixado no papel. Este antígeno reconhece os anticorpos específicos antileishmania, do complexo donovani. Trata-se de um método sensível, especifico e de rápida execução (5-10 minutos) que pode ser usado nas condições de campo, porém, ainda se encontra em fase de avaliação (NEVES, 2005). 4.10.2.2.4 Outros testes Considerando o aumento das globulinas, associado à perda de albumina, frequentes na LV a relação albumina/globulina pode ser acompanhada através da eletroforese de proteínas séricas. A curva eletroforética tende a se reverter para a normalidade diante da boa resposta à terapêutica especifica. A intradermorreação de Montenegro mede a imunidade mediada por células. Nos pacientes com LV este teste é negativo, entretanto torna-se positivo cerca de seis meses após a cura terapêutica. O diagnóstico diferencial deve considerar a febre tifóide, tuberculose, malária, esquistossomose, AIDS, mononucleose infecciosa, hepatite crônica, cirrose, leucemia, linfoma e endocardite bacteriana. FIGURA 6 - Quadro comparativo da evolução clínica da leishmaniose visceral, quanto aos exames laboratoriais complementares 26 4.11 TRATAMENTO SEGUNDO MANUAL DE VIGILÂNCIA E CONTROLE DA LEISHMANIOSE VISCERAL – MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010 No Brasil os medicamentos utilizados para o tratamento da LV são: o antimonial pentavalente e a Anfotericina B. O Ministério da saúde recomenda o antimoniato de antimoniato-N-metil glucamina como fármaco de primeira escolha para o tratamento da LV; no entanto, a escolha de cada um deles devera considerar a faixa etária, presença de gravidez e co-morbidades (MS, 2010). 4.11.1 Antimoniais O antimoniato N-metil glucamina é a única formulação disponível, que vem sendo distribuída pelo Ministério da Saúde em ampolas de 5 ml, contendo 405mg de Sb+5 (1 ml = 81mg de Sb+5) , recomenda-se o tratamento da leishmaniose visceral com a dose de 20mg de Sb+5 kg/dia, com aplicação endovenosa (EV) ou intramuscular (IM), por no mínimo 20 e no máximo 40 dias, utilizando-se o limite máximo de 2 a 3 ampolas/dia do produto com bons índices de cura (MS, 2010). Seu mecanismo de ação ainda não está totalmente elucidado, mas sabe-se que atua nas formas amastigotas do parasito, inibindo sua atividade glicolítica e a via oxidativa de ácidos graxos. Os estudos sobre farmacocinética dos Sb+5 mostram que esses compostos são rapidamente eliminados da circulação através dos rins (vida média de ± 2 horas) (MS, 2010). As aplicações de injeções dos antimoniais pentavalentes por via IM devem ser feitas em locais onde a massa muscular permita (por exemplo, região glútea). Deve-se dar preferência a via endovenosa nos pacientes desnutridos, com pouca massa muscular, e naqueles com trombocitopenia. Vale a pena ressaltar que não existe diferença nos níveis séricos da droga, em relação à sua via de administração. Nos casos de administração endovenosa, a infusão deve ser feita de forma lenta ao longo de 5 a 7 minutos. A dose pode ser diluída em solução glicosada a 5% para facilitar a infusão. Nos casos de recidiva da doença, deve ser instituído um segundo tratamento com a mesma dose, porém por tempo mais prolongado (no máximo 40 dias), antes de se rotular o caso como refratário ao tratamento com os antimoniais pentavalentes. Somente a partir de então, esquemas alternativos, com drogas 27 ditas de segunda linha, deverão ser tentados. Com o arsenal de drogas atualmente disponível, não existe mais indicação para a esplenectomia como medida terapêutica na leishmaniose visceral (MS, 2010). O principal efeito colateral do antimoniato-N-metil glucamina é decorrente de sua ação sobre o aparelho cardiovascular. Este efeito é dose e tempo dependentes e se traduz por distúrbios de repolarização (inversão e achatamento da onda T e aumento do intervalo QTC). Após o 20.º dia de tratamento, deve-se realizar eletrocardiograma semanal e uma cuidadosa ausculta cardíaca, diariamente, até o término do mesmo, sempre antes de cada infusão, com o objetivo de se detectar arritmias. Em caso de arritmias o medicamento deve ser imediatamente suspenso e o paciente tratado com drogas alternativas (MS, 2010). 4.11.2 Anfotericina B A anfotericina B é a droga leishmanicida mais potente disponível comercialmente, atuando nas formas promastigotas e amastigotas do parasito, tanto in vitro quanto in vivo. Seu mecanismo de ação se dá através da ligação preferencial com esteres (ergosterol ou episterol) presentes na membrana plasmática da Leishmania (MS, 2010). Nos casos de resposta insatisfatória aos antimoniais, a anfotericina B deve ser utilizada na dose de 1mg/kg/dia, em dias alternados (máximo de 3g de dose total). Doses acima das recomendadas podem ser usadas em casos especiais. Em crianças, a anfotericina B deve ser utilizada na dose total de 15 a 25 mg/kg de peso, administrada em dias alternados (MS, 2010). É comercializada sob a forma liofilizada em frascos contendo 50mg de desoxicolato sódico da droga. Em decorrência de sua baixa solubilidade a mesma deve ser reconstituída em 10ml de água destilada no momento do uso, podendo ser mantida em refrigeração (2°C a 8°C) por um período de até 7 dias. No momento da administração a solução deverá ser diluída em soro glicosado a 5% na proporção de 1mg para 10ml. Devido ao risco de precipitação, a anfotericina B não deve ser misturada a outros medicamentos ou soluções que contenham eletrólitos. Sempre administrá-la por via endovenosa em infusão lenta de 4 - 6 horas com limite máximo de 50mg/dose/dia (MS, 2010). Os efeitos colaterais da anfotericina B são inúmeros e freqüentes, todos, dosedependentes, sendo altamente tóxica para as células do endotélio vascular, causando flebite, considerada um paraefeito comum. Durante a infusão poderá ocorrer cefaléia, febre, calafrios, 28 astenia, dores musculares e articulares, vômitos e hipotensão. A infusão rápida (menos de 1 hora) é responsável pela instalação de hiperpotassemia, determinando alterações cardiovasculares, às vezes com parada cardíaca. Ao longo do tratamento, poderão surgir sobrecarga hídrica e hipopotassemia (MS, 2010). A Anfotericina B Lipossomal apresenta custo elevado, impossibilitando o seu uso na rotina do serviço. Está sendo indicada aos pacientes graves de leishmaniose visceral, que desenvolveram insuficiência renal ou toxicidade cardíaca durante o uso do Antimoniato de Nmetil glucamina e de outras drogas de escolha não obtendo melhora ou cura clínica. Para o tratamento de leishmaniose visceral, a dose recomendada é de 1,0 a 1,5 mg/Kg/dia durante 21 dias, ou como alternativa a dose de 3,0 mg/Kg/dia durante 10 dias (MS, 2010). 4.11.3 Outras drogas Diversos medicamentos têm sido usados no tratamento da leishmaniose visceral, entre eles as pentamidinas (isotionato e mesilato) principalmente na Europa e África. Sua eficácia é inferior a dos antimoniais pentavalentes e anfotericina B e seus paraefeitos maiores (MS, 2010). A dose utilizada é de 4mg/kg/dia em dias alternados no total de 15 doses, não devendo ultrapassar a 2g como dose total. Seus efeitos colaterais mais comumente encontrados são anorexia, astenia, náusea, dor abdominal, hipoglicemia prolongada, taquicardia e outras arritmias, insuficiência renal em 25% dos pacientes, geralmente reversível e pancreatite que pode levar ao aparecimento de diabetes mellitus, em 10 a 15% dos casos (MS, 2010). Recentemente uma droga oral (miltefosine) vem sendo utilizada na Índia, com resultados promissores no tratamento do calazar indiano (MS, 2010). 4.12 MEDIDAS DE CONTROLE O controle da leishmaniose visceral tem como objetivo principal interromper a cadeia de transmissão da doença em uma população (HERMONT, 2008). Um maior conhecimento científico sobre o papel específico de cada elemento da cadeia de transmissão (agente 29 etiológico, vetor, o ser humano e os reservatórios silvestres e domésticos) representa um dos maiores desafios para o aprimoramento das estratégias de controle. As medidas de controle usualmente empregadas não tem apresentado efetividade suficiente para redução da prevalência, ainda que importantes avanços tenham sido alcançados na redução da letalidade (FUNASA, 2002). Para Rey (2001) o controle desta doença deve ser baseado no conhecimento prévio das condições epidemiológicas de cada região para que se possa elaborar um plano que se enquadre a cada ecossistema e aos recursos disponíveis. O Ministério da Saúde (2006) recomenda o diagnóstico precoce e tratamento dos casos humanos, diagnóstico e sacrifício dos animais soropositivos, a identificação e eliminação do vetor e a educação em saúde da população como medidas de controle da doença. Todo caso humano suspeito deve ser submetido à investigação clínica, epidemiológica e aos métodos auxiliares de diagnóstico. Caso seja confirmado, inicia-se o tratamento segundo procedimentos terapêuticos padronizados fazendo o acompanhamento dos pacientes mensalmente para avaliação da cura clínica. O controle químico por meio da utilização de inseticidas de ação residual é a medida de controle vetorial recomendada no âmbito da proteção coletiva. Esta medida é dirigida apenas para o inseto adulto e tem como objetivo evitar e/ou reduzir o contato entre o inseto transmissor e a população humana e canina consequentemente, diminuindo o risco de transmissão da doença (MS, 2006). Devem se realizar atividades de educação em saúde, visando a participação ativa da comunidade e com isso obtenham informações sobre o atendimento precoce das pessoas com diagnóstico positivo da doença, bem como contribua, de forma participativa, para as medidas de controle da doença (manejo ambiental, controle vetorial, controle do reservatório entre outras) (MS, 2006). 4.13 MEDIDAS DE PREVENÇÃO O Ministério da Saúde (2010) afirma que os programas preventivos são voltados para população humana, para o vetor e para a população canina. Com relação aos humanos, as medidas mais comuns para evitar os riscos de transmissão se baseiam no uso de mosquiteiros impregnados com inseticida, uso de 30 repelentes, telas nas janelas e portas e evitar exposição aos horários de atividade do vetor nos locais em que são descritos a presença destes insetos. O combate ao vetor não é um método fácil, se realizado apenas pelo controle químico, por isso torna-se necessário a limpeza de quintais, terrenos e praças públicas para possivelmente evitar condições que favoreçam o desenvolvimento de criadouros de formas imaturas do vetor. A captura de cães errantes é essencial, especialmente em áreas urbanas, por ser fonte disseminadora de diversas doenças de importância médico-sanitária, entre elas a LV. No caso das doações de cães, é recomendada a realização de exames sorológicos antes da doação destes animais, principalmente em áreas de transmissão da LV. Outro fator importante a ser considerado é o uso de telas em canis individuais ou coletivos nos canis domiciliares, de clínicas veterinárias, pets shops, abrigos de animais, hospitais veterinários e com isso prevenir a entrada dos insetos vetores da doença. 31 5 CONCLUSÃO A leishmaniose visceral é uma doença de grande importância epidemiológica devido à alta incidência, ampla distribuição e do surgimento de formas graves que conduzem ao óbito se não tratadas. A LV esta se urbanizando e novas epidemias ocorrem mesmo com os avanços nas estratégias de controle. A doença humana acomete principalmente crianças com menos de 10 anos de idade e o cão doméstico é um elemento de extrema importância no ciclo epidemiológico da LV, pois age como hospedeiro do parasito, sendo, portanto, um dos alvos para as estratégias de controle. O diagnóstico diferencial é complexo, uma vez que a doença no homem pode apresentar sinais e sintomas que são comuns a outras patologias presentes nas áreas onde incide a LV, como, por exemplo, Doença de Chagas, Malária, Esquistossomose, Febre Tifóide e Tuberculose. O tratamento no Brasil é feito com os antimoniais pentavalentes (antimoniato de N-metilmeglumina) e estibogluconato de sódio são ainda as drogas de primeira linha para o tratamento da LV. 32 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALENCAR, J.E., 1977 / 78. Leishmaniose Visceral no Brasil. Revista de. Medicina da Universidade Federal do Ceará. 17/18: 129-148. AMATO NETO, Vicente et al. Parasitologia: uma abordagem clínica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. xix, 434 p. BADARÓ, R.; DUARTE, M.I.S. Leishmaniose visceral (Calazar). In: VERONESI, R.; FOCACCIA, R. (Ed.) Tratado de infectologia. São Paulo: Atheneu, v. 2, cap. 97, 1996, p. 1234-1259. COSTA, J.M.L.; et al. 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