Trabalho completo

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UM LUGAR PARA O SUJEITO NO ENSINO DA MEDICINA
Autoras – Beatriz Cauduro Cruz Gutierra (Psicanalista, doutora USP, docente UNINOVE);
Gabriela Xavier Braga (Psicóloga), Paula Tatiane Pereira dos Santos (Psicóloga).
RESUMO
Nosso trabalho consiste em uma reflexão acerca do ensino da medicina nos primeiros anos
da formação médica e os efeitos deste modo de ensino no estilo de atuação do futuro
médico. Discutiremos a experiência do Grupo de Reflexão – Medicina... e agora? realizado
junto aos alunos ingressantes do Curso de Medicina numa universidade de São Paulo.
Neste inicio de curso os jovens sofrem um grande impacto, devido a necessidade de criação
de novas estratégias de estudo e de lidar com a pressão dos professores e avaliações. Com
base na escuta psicanalítica realizada por alunos concluintes do curso de Psicologia,
buscou-se ofertar um espaço de fala e intercâmbio entre os estudantes sobre as questões que
os afligiam o que permitiu que simultaneamente pudéssemos refletir sobre o estilo de
transmissão da medicina e suas conseqüências. Nota-se que a medicina contempla as três
fontes do mal-estar na civilização assinaladas por Freud (1930) – o próprio corpo, o mundo
externo e o relacionamento com os outros homens. Assim, sua transmissão inclui não
apenas os conhecimentos teóricos, mas também as estratégias que se criaram no campo
médico para lidar com o mal-estar. Se por um lado este mal-estar abriu espaço para
enigmas que instigam o avanço da medicina, tal qual o discurso da histérica promoveu o
avanço da psicanálise; por outro, se este saber se apresenta na transmissão como um saber
universitário, estático, temos como conseqüência um estilo de transmissão que “escraviza”,
à maneira do discurso do mestre. O estudante se transforma num a-studante (trocadilho
francês em Lacan, seminário 17), ou seja, torna-se puro objeto sendo sua singularidade
expelida do aprendizado, restando a ele assumir dogmaticamente os conteúdos
transmitidos. Estas estratégias de lidar com o mal-estar impressas na transmissão não são
sem conseqüências para o estilo de atuação do futuro médico... Assinalamos, como
conclusão, a importância de haver no curso de medicina um lugar para o sujeito e seu
discurso, seja através de grupos de acolhimento e incluída na dinâmica de transmissão de
saber no interior do curso de medicina. Afinal, “todos os avanços médicos não sanam o
mal-estar” (Freud, 1930,p. 107), no entanto, diante disto, o médico não precisa se
transformar num “deus de prótese” (Freud, 1930, p. 111).
Palavras chave – psicanálise, medicina, formação médica.
“O sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo,
condenado à decadência e á dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o
sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo, que
com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos
relacionamentos com outros homens.”(Freud, 1930, pg 95).
A busca incessante de aplacar estas três fontes do mal-estar assinaladas por Freud
(1930), inerentes à condição humana, tem na medicina seu grande aliado. Para nossa
felicidade a decadência e a dissolução do corpo sofrem um adiamento devido às estratégias
de saúde e prevenção descobertas pela medicina. Contra o terrível mundo externo é
possível, segundo Freud (1930, p. 96) – “tornar-se membro da comunidade humana e, com
o auxilio de uma técnica orientada pela ciência, passar para o ataque à natureza e sujeitá-la
à vontade humana”. A ciência médica, portanto, fornece elementos para o ataque às forças
externas de destruição, provenientes, por exemplo, de situações epidêmicas ou graves
infecções. Por fim, o avanço da Psiquiatria e das neurociências com sua presença maciça e
medicamentosa vêm aplacar o sofrimento psíquico advindo das relações humanas.
Apesar de todas estas frentes de enfrentamento do mal-estar, Freud (1930) assinala
que nenhum método - seja artístico ou cientifico – proporciona uma proteção completa
contra o sofrimento. Nunca dominaremos completamente a natureza, nosso organismo
corporal permanecerá sempre uma estrutura passageira e a civilização que criamos para
regular as relações com o outro também fracassa em sua promessa de felicidade.
A medicina, no entanto, permanece enquanto uma ciência e um discurso que traz a
dimensão de esperança quanto ao enfrentamento deste mal-estar. A profissão médica é
absolutamente valorizada e o vestibular para a área constitui um dos mais concorridos
dentre os vestibulares brasileiros. Ter um filho médico na família é um signo do sucesso
dos pais, e o “ser doutor” constitui um sonho que muitos jovens sustentam às custas de anos
de cursinho, de abdicação da vida social e de uma alternância de emoções que vão desde a
certeza do sucesso até ao fracasso antecipado quanto à possibilidade de adentrar neste
idealizado curso superior.
Platão (Jorge Paleikat trad.,1999) já nos advertia sobre este papel idealizado da
função médica em seu Banquete , dentre seus diálogos, aquele dedicado ao tema do Amor.
Neste encontro ao redor da mesa, vários convidados se pronunciaram a respeito do tema,
inclusive
Eriximaco, médico de formação, que se dedica em apresentar a medicina
enquanto a “ciência do amor nos corpos”. O convidado discursa elegantemente:
“Toda a sabedoria do médico consiste em saber provocar o nascimento da amizade
entre os maiores inimigos recíprocos existentes no corpo do homem, e fazer-se
estabelecer um amor mútuo entre eles. Por maiores inimigos quero entender os
maiores contrários que no corpo habitam: o frio e o quente,, o amargo e o doce, o
seco e o molhado e assim por diante. Foi precisamente por haver alcançado este
ideal, por haver conseguido estabelecer amor e concórdia que Asclépio, nosso
antepassado, fundou a nossa arte, segundo nos contam os poetas e no que eu creio
firmemente.” (Platão/Jorge Paleikat trad., 1999, p. 92)
Lacan (1960/61) recorta esta dimensão de harmonia presente no discurso de
Eriximaco em seu Seminário sobre A transferência (Seminário 8), ressaltando que a noção
de acorde...acordo...harmonia...estaria aí para denunciar o ideal médico, a posição médica.
O próprio Eriximaco afirma que a harmonia, numa composição musical
“resulta de
elementos opostos entre os quais se estabelece um acordo” (Lacan, 1960/61,p.93). Assim
como a medicina, a arte musical visaria estabelecer uma concordância entre todos os
elementos, criando o Amor e a concórdia entre eles...
Certamente somos gratos em relação aos avanços médicos, que ao enfrentar a
desarmonia e o mal-estar com profundo espírito cientifico propiciaram conquistas
inigualáveis para a saúde humana, e este valor da função médica não passa desapercebido
quando os jovens adolescentes escolhem o curso de medicina. E freqüentemente é na busca
deste saber idealizado e harmônico que o aluno ingressa no almejado curso.
No entanto, ao ingressarem, deparam-se imediatamente com exigências de grandes
proproções, e o mal-estar se presentifica. Não são incomuns as desistências ou as
freqüentes reprovações, e é sabido que os alunos de medicina comportam um alto índice de
stress, efeito das pressões quanto ao estudo no decorrer do curso bem como devido ao
grande impacto emocional que a formação demanda. Particularmente em relação aos
ingressantes, Guimarães (2010) assinala que os jovens vivenciam uma experiência de
prazer e medo. Prazer advindo do fato de o jovem ter conquistado uma vaga tão sonhada e
medo devido ao fato de iniciarem uma nova fase da vida, que exige maturidade e dedicação
intensa. Além disto :
“Os estudantes trazem seus sonhos, o altruísmo e também a onipotência.
Acreditam que vão salvar o mundo e que nada poderá lhes acontecer. Aí
começam as primeiras avaliações e eles vão entrando em contato com a
realidade, desfazendo as fantasias onipotentes e começando a perceber que as
coisas não são tão fáceis quanto imaginavam” (Guimarães, 2010, p. 33).
Por fim, é muito freqüente que os estudantes venham de outras cidades,
considerando-se o número reduzido de cursos de medicina, e lidar com esta separação dos
pais e do lugar de origem também não é tarefa fácil. Deparam-se com uma nova dinâmica
de cidade e população, restando ao aluno a adaptação à convivência em um novo grupo ou
o isolamento numa tentativa de preservar a sua subjetividade e história de vida. Assim, as
transformações ocorridas e exigidas são intensas, e comportam a necessidade da criação de
novas estratégias de estudo até a condição de terem que lidar com a separação dos
familiares, assim como devem manejar a pressão dos professores e avaliações. Diante deste
cenário a autora assinala que, nesta fase, o acolhimento é essencial.
Ao adentrarem no curso o mal-estar se instala... e uma pergunta não cessa de não se
inscrever em uma resposta unívoca: Medicina...e agora?
É este o título do grupo de acolhimento que ofertamos desde o inicio de 2012 junto
a um curso de medicina da cidade de São Paulo. A demanda por esta proposta adveio
justamente da coordenação que estava sintonizada com as grandes dificuldades
vivenciadas pelos alunos e da necessidade deste espaço de fala e acolhida. A proposta
constitui-se de cinco encontros que ocorrem semanalmente na faculdade de medicina, junto
aos alunos do primeiro semestre do curso, com 1.30h de duração sob orientação de alunos
concluintes do curso de psicologia e supervisão psicanalítica realizada na clínica- escola do
curso de Psicologia. Nestes grupos, compostos por 12 a 15 alunos, é aberto um espaço para
que os alunos falem sobre este tempo de formação, o que permite um espaço para que
sejam simbolizados aspectos deste mal-estar que se impõe na formação ao entrarem em
contato com seus desejos, com suas inseguranças, bem como com seus ideais e suas
experiências cotidianas. Evitamos fechamentos ou conclusões precipitadas, sustentando o
não-sabido, o singular (o sentido para cada um), e extraindo conseqüências singulares dos
paradoxos presentes na formação. Neste sentido, a proposta constitui uma possibilidade de
entrada de uma escuta psicanalítica (em extensão) dentro do universo de saber todo
universitário presente na formação médica.
E foi ao ouvir estes alunos que nos deparamos com a dificuldade que eles
encontram em sua relação com os professores. Diante dos mestres supostamente detentores
do saber alguns destes alunos se vêem massacrados, escravizados, e até localizam um “Q”
de gozo sádico nas atitudes de alguns professores, ao exigirem tarefas impossíveis como
desenhar 200 músculos em X dias para o acréscimo de 0,5 ponto na média, ou até pular
uma aluna ao entregar as provas, deixando-a por último, exatamente depois de uma aula
onde a aluna ousou questionar uma proposta pedagógica.
Os alunos falavam sobre as demonstrações do poder do professor como detentor da
educação e da profissão, havendo uma pressão para se pensarem no futuro iguais a estes
mestres, que se apresentam enquanto ideal absoluto, caracterizando a falta de espaço para o
desenvolvimento da sua subjetividade, de uma inscrição singular na prática médica . Aqui
fica claro o quão penoso para este aluno manter-se livre das exigências impostas pela
cultura, pois a medicina, através de seus (alguns) mestres carrega uma bagagem histórica de
pleno saber.
Entendemos que este sofrimento de alguns alunos ingressantes através de duas
vertentes. A primeira diz respeito à sustentação do ideal médico que os torna escravos do
curso, realizando como autômatos as exigências que por vezes podem ser questionadas ou
no mínimo não levadas tão a serio. Sofrem, portanto, visando cumprir seu ideal. Agora, por
outro lado, as criticas que existem quanto a postura autoritária e de mestria de alguns
professores indicam a existência de um sofrimento real, efeito, sim, desta relação professoraluno bastante desarmônica.
Se na formação do aluno de medicina se presentifica maciçamente um discurso que
exclui o sujeito (aluno), temos por hipótese que esta relação de poder e autoridade não será
sem conseqüências na futura assunção do papel de médico por parte destes agora alunos
junto aos seus pacientes, papel este que temos por hipótese estar por este lugar de saber que
escraviza o outro e exclui seu discurso.
Nos cursos médicos não é incomum a ironia entre grupos de alunos – R2 em
relação ao R1 - ou entre professores e alunos, havendo como eixo desta ridicularizarão a
sustentação do ideal massificante de Tudo Saber. Saber suposto a todo médico...mesmo
àqueles em formação. Temos noticias de uma médica que, ao relatar seus anos de
formação, diz que em todo este período a frase que mais ouviu foi – “Mas você não sabe
isto?”.
A dimensão de um Saber Todo, unívoco, toma consistência imaginária na formação
médica e invade as relações entre professores e alunos. Os alunos ingressam no curso
supondo que a formação lhes trará a condição de adquirir este saber harmônico ( retomando
a discussão do Banquete) , que permitiria que eles se transformassem no “House”, médico
da série de TV americana, que, a despeito de quaisquer habilidades sociais ou emocionais,
consegue desvendar os enigmas de diagnóstico, portando em si o SABER absoluto.
O estilo de ensino médico ainda parece alimentar este ideal, e a relação professor –
aluno restringe-se à transmissão de conteúdos e da idéia de que de tudo se deve saber,
desde ontem, sempre...O lugar para o não-saber que movimenta o espírito cientifico muitas
vezes não tem espaço na formação, assim como o lugar para o mal-estar, para o saber que
não é sabido (inconsciente). Inclusive atualmente, no Ensino por Problemas adotado nas
formações médicas, apesar de o método ter uma metodologia aparentemente Socrática em
seu bojo, nas entrelinhas verificamos que tem havido a transmissão do imperativo “tem que
saber”! O discurso da Universidade se sedimenta nesta transmissão, não havendo lugar para
o sujeito, dado sua dimensão universalizante.
Lacan em seu seminário 17 (1969/70) discorre sobre os discursos que fazem laço
social, composto por posições significadas diferentemente em cada discurso.
Agente → outro
Verdade produto/perda
Os elementos que circulam nestas posições são: S1 (significante mestre); S2 (o
saber – bateria de significantes); S (sujeito dividido) e o objeto a (o mais de gozar). As
mudanças de posições destes elementos nos lugares acima descritos produzem os quatro
discursos, a saber: Discurso da Universidade, Discurso do Mestre, Discurso da Histérica e
Discurso analítico.
No Discurso da Universidade, por sua vez, temos a seguinte montagem:
U = S2 → a
S1
S
Aqui o saber (S2) está no lugar do agente do discurso, sustentando os saberes
universais, científicos. Há uma tirania do saber sobre o outro, lugar de a. Aqui o saber
sistemático, racional e dessubjetivado é autoridade máxima. O produto ou a perda é o sujeito
dividido, assim, o sujeito do inconsciente é produzido mas automaticamente é excluído. O que
fica oculto é o S1, a verdade, sendo a racionalização o seu disfarce.
Neste sentido, o imperativo epistemológico presente na formação médica inscreve-se da
seguinte forma- “sobre tudo se sabe, sobre tudo se tem que saber” – acaba por revelar que :
é o significante-mestre que ocupa todo o lugar da verdade no discurso
universitário e por isso mesmo ele a rejeita (S1). A verdade no discurso
universitário – a verdade do sujeito – é rejeitada em prol do mandamento de tudo
saber. (Quinet, 1999).
No lócus da universidade, Lacan (1969/70) assinala que “[...] o a está no lugar de
quê? No lugar, digamos, do explorado pelo Discurso Universitário, que é facilmente
reconhecível – trata-se do estudante”.(p. 139).
Ou seja, o próprio estudante na Universidade, submetido passivamente aos
conteúdos transmitidos, também é tomado como “a”, puro dejeto, sendo o Sujeito (S)
produzido e imediatamente perdido, assim como sua verdade. Ao discutir este lugar do
estudante no discurso da Universidade, Lacan cria um neologismo nomeando o estudante,
na Universidade, como “astudé”, traduzido como astudado – mas que em francês traz o
jogo de palavras que Lacan enfoca: estudante – na verdade, estudado, enquanto a, dejeto =
a-studado.
O a-studante é puro objeto, sendo sua singularidade expelida do discurso
universitário, restando a ele assumir dogmaticamente os conteúdos transmitidos.
O sujeito que responde ao Discurso da Universidade é o sujeito da crença. Trata-se de
uma certa divinização do saber promulgada pela idealização do Discurso da Universidade. O
Discurso da Universidade sobre o “saber todo” a respeito da doença e do doente constitui o
material dogmático sobre o qual os alunos se conformam e fundamentam e sustentam sua
futura pratica a despeito da subjetividade e verdade do paciente (e de si próprios).
Assim sendo, os alunos banhados pelo Discurso da Universidade, transmitido de
forma autoritária e fechada, onde há a exclusão do sujeito e da verdade de sua divisão,
tendem a assunção do discurso do mesmo tipo em sua vida profissional.
Nosso desafio enquanto psicanalistas que se presentificam na formação do aluno de
medicina consiste em cavar espaços para promover os giros necessários para abalar o
Discurso da Universidade, abrindo espaço para que o Discurso do Analista se insinue, de
forma evanescente, sim, mas convidando á abertura para o saber não-todo que se apresenta
na fala e no discurso. Atentando, para a antipatia e conseqüente dificuldade entre as duas
situações, considerando que a universidade privilegia os saber coerente e que comporta
certa estabilidade, enquanto que a situação analítica se interessa pelo ato falho, pelo
equívoco, pela impossibilidade de um dizer todo.
Assim, a proposta do grupo de acolhimento pode ser uma porta de entrada para que
dentro da formação medica universitária às experiências possam ser pensadas não mais a
partir do Discurso Universitário, mas sim havendo a produção de giros discursivos, em
última instância , sob a égide do Discurso Psicanalítico, sendo possível abordar as
experiências incluindo o real, o não-saber no cerne da experiência, pois “perder o nada seria
um empobrecimento”...como afirma Manoel de Barros em seu Livro Sobre o Nada.
Entendemos que a possibilidade de serem criados espaços de escuta que permitam o
desenrolar da linguagem, das angústias, dos anseios, dos impasses...do mal-estar presente
na formação do estudante de medicina, é uma aposta no sentido de que este futuro médico,
que teve oportunidade de adentrar na Outra Cena, no saber não sabido do desejo, possa
sustentar esta dimensão do desejo e do mal-estar em sua prática. Certamente é nisso que
deve consistir a humanização na medicina, onde seja levado em conta o mal-estar, o nãosabido, a linguagem.
O grupo – Medicina...e agora? tem permitido que estes alunos compartilhem sua
experiência deste encontro com o mal-estar da medicina , tendo auxiliado especialmente na
circulação de sentidos, promovendo a re-significações, abrindo campo ao singular.
As possibilidades desta oferta no curso de Medicina são inúmeras – grupos de
acolhimento, grupos de reflexão sobre a experiência do internato, plantão de escuta de
alunos realizado por psicanalistas, discussão com os professores sobre a formação do
médico, sempre marcando que a presença da psicanálise nestes espaços vem a sustentar a
hiância no Saber Todo, um lugar “êxtimo”, trazendo a “peste” da função do desejo, como
assinala Lacan em seu texto de 1966 - “ O lugar da psicanálise na medicina”:
“Existe um desejo porque existe algo de inconsciente, algo da linguagem que
escapa ao sujeito em sua estrutura e seus efeitos; há sempre no nível da
linguagem alguma coisa que está além da consciência. É aí que pode se situar a
função do desejo.” (Lacan, 1966, p. 10).
Cabe haverem espaços para que o aluno de medicina fale sobre este (des) encontro,
onde o saber sobre o corpo e seu funcionamento não suporta o saber não sabido sobre o
desejo e o gozo, do próprio médico e de seu paciente. Espaços que podem começar pela
sala de aula, numa relação não-toda com o saber, onde o discurso universitário viesse
atravessado pelo discurso analítico, que abre espaço para o sujeito e sua hiância,
sendo
ultrapassado o estilo de transmissão que CRÊ absolutamente no saber todo do tipo
universitário...
Longe de uma formação que aponta para a possibilidade de se formar um House,
um “Deus de prótese” (Freud, 1930), mas uma formação que se abre para o fato de o sujeito
humano “não ser dono de sua própria casa” (House), sendo possível uma certa abertura
para a hiância, o não sabido do desejo e do gozo, sustentando a idéia de que algo ali está em
ruptura com a idéia de um corpo e de um saber harmonioso. Um lugar para o sujeito no
ensino da medicina...
BIBLIOGRAFIA
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<http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC000000003200
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Disponível em <www.estadosgerais.org>.
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