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ARTIGO ORIGINAL/ RESEARCH REPORT/ ARTÍCULO
Revista
- Centro Universitário São Camilo - 2011;5(3):282-290
Envelhecimento: um desafio para o século XXIa
Being Old: a challenge for the 21st century
Envejecimiento: un desafío para el siglo veintiuno
George J. Agich*
RESUMO: Neste artigo, argumentamos que a Bioética tem contribuído pouco para resolver os profundos problemas éticos, sociais e políticos associados ao envelhecimento. Primeiramente, apresentamos evidências de que a Bioética tem apenas minimamente abordado o envelhecimento e as
muitas questões que surgem com ele. Quando a Bioética aborda o envelhecimento, tende a fazê-lo a partir de um conjunto de pressupostos bastante
convencionais associado ao conceito do tempo normal de vida humana. Em segundo lugar, argumentamos que alguns dos pressupostos fundamentais
associados a entendimentos convencionais do ciclo de vida restringem, se não eliminam, possibilidades criativas para o entendimento do envelhecimento e do ser velho e da relação do ser velho na sociedade em geral. Como resultado, os desafios que o envelhecimento traz são apenas superficialmente abordados dentro dos significados tacitamente aceitos da vida humana. Em terceiro lugar, argumentamos que a questão central para os muitos
problemas éticos, econômicos, políticos e sociais que o envelhecimento traz é a realidade da extensão da vida e o surgimento de novas formas de ser
velho, que desafiam profundamente a compreensão padrão da vida humana. Se a Bioética deve ser relevante para esses problemas, então ela deve
abraçar uma compreensão mais ampla do que significa para os seres humanos envelhecer e ser velho.
PALAVRAS-CHAVE: Envelhecimento. Bioética. Fases do Cilco de Vida.
ABSTRACT: In this paper, we argue that bioethics has contributed little to addressing the deep ethical, social, and political problems associated with
aging. We first offer evidence that bioethics has only minimally addressed aging and the many issues that it poses. When bioethics has addressed
aging, it has tended to do so from a rather conventional set of assumptions associated with the concept of the normal human life span. Second, we
argue that some of the key assumptions associated with conventional understandings of the life span restrict, if not eliminate, creative possibilities
for aging and being old and the relationship of being old to society in general. As a result, the challenges that aging poses are only superficially addressed within the tacitly accepted meanings of the human life span. Third, we argue that central to the many ethical, economic, political, and social
problems that aging poses is the reality of life extension and the emergence of new ways of being old that deeply challenge the standard understanding
of the human life span. If bioethics is to be relevant to these problems, then it must embrace a more nuanced understanding of what it means for
humans to age and to be old.
KEYWORDS: Aging. Bioethics. Life Cycle Stages.
RESUMEN: En este artículo, sostenemos que la bioética ha contribuido poco para ayudar a decidir a cerca los problemas éticos, sociales y políticos
más profundos asociados al envejecimiento. En primer lugar, ofrecemos evidencias que la bioética ha abordado muy mínimamente el envejecimiento
y las muchas cuestiones que se ligan a él. Cuando la bioética sí acerca al envejecimiento, ella tiende a hacerlo a partir de un sistema de principios
convencionales asociados al concepto del tiempo normal estimado de una vida humana. En segundo lugar, sostenemos que algunas de las estimaciones básicas asociadas a los acuerdos convencionales a cerca el ciclo vital restringen, si no eliminan, las posibilidades creativas de la comprensión del
envejecimiento y de ser viejo así bien la relación del ser viejo en la sociedad en general. Consecuentemente, los desafíos que el envejecimiento trae
se enfocan solo superficialmente dentro de los significados tácitos aceptados de la vida humana. En tercer lugar, sostenemos que la cuestión central
para los muchos problemas éticos, económicos, sociales y políticos que el envejecimiento trae es la realidad de la extensión de la vida y del brote de
nuevas formas de ser viejo que desafían profundamente la comprensión estándar de la vida de los seres humanos. Si la bioética tiene que tener cierta
importancia en lo que concierne a estos problemas, ella debe desarrollar una comprensión más amplia y más profunda de lo que significa que los seres
humanos envejezcan y sean viejos.
PALABRAS-LLAVE: Envejecimento. Bioética. Etapas del Ciclo de Vida.
* Professor de Filosofia (Aposentado). Bowling Green State University. E-mail: [email protected]
a. Este artigo é baseado em Agich, George J. Implicações do Paradigma do Envelhecimento para a Bioética. In: David N. Weisstub, C. David Thomasma, Serge Gauthier, George
F. Tomossy, editores. Envelhecimento: Saúde, Cultura e Mudança Social. Dordrecht, Holanda e Boston: Kluwer Academic Publishers; 2001. p. 15-28.
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INTRODUÇÃO
Reflexões sobre o envelhecimento em bioética têm
sido influenciadas por um único paradigma do que envelhecer implica, nomeadamente, o chamado modelo
de tempo de vida. Esse modelo envolve um conjunto de
crenças normativas sobre o envelhecimento que o concebem como um processo convencional de desenvolvimento por meio de estágios ou fases distintas, cada uma
composta por um conjunto de características ou tarefas.
Esse modelo opera nas discussões bioéticas tradicionais
do impacto sobre a sociedade de uma população alargada
de idosos dependentes, cuja necessidade de serviços de
saúde levanta preocupações sobre a distribuição justa dos
recursos entre as gerações. Por conveniência, nos concentraremos no trabalho de Daniel Callahan1,2 e de Norman
Daniels3,4, para, a partir desses estudos, desenvolver uma
crítica dos pressupostos construídos no conceito de tempo de vida com atenção para os aspectos que reforçam a
autonomia da pesquisa do envelhecimento e as mudanças
demográficas e sociais que afetam ser velho.
TRATAMENTO DO ENVELHECIMENTO EM BIOÉTICA
O tratamento do envelhecimento em bioética tende
a se concentrar em questões de alocação de recursos médicos e questões de tomada de decisão no final da vida
contra o cenário do conceito normativo do tempo de
vida humana. Parece haver um consenso entre os bioeticistas que o problema de recursos é eticamente central
com o envelhecimento da nossa população1,3,4,5,6,7,8,9,10,11.
Da mesma forma, a atenção para as decisões de final de
vida frente à perda de autonomia pessoal, associada com
ser velho, é uma preocupação paralela. Dois pensadores
oferecem exemplos paradigmáticos da forma que as suposições sobre o tempo da vida humana afetam o pensamento bioético: Daniel Callahan1,2 e Norman Daniels3,4.
Embora Callahan argumente a partir de uma perspectiva
comunitária, e Norman Daniels a partir de uma perspectiva liberal ou Rawlsiana12, Thomas Cole13 apontou que,
apesar de suas contas, teoricamente divergentes, ambos
contam com uma visão para o tempo da vida humana que
não tem sido examinada.
Para Callahan, a velhice representa uma barreira biológica que deve ser respeitada como um limite natural e
moralmente relevante da existência humana. Como uma
barreira biológica, a idade avançada (e o processo de envelhecimento) fornece um quadro normativo dentro do
qual a vida pessoal e moral são vivenciadas. Embora ele
considere o envelhecimento como um fenômeno biológico, Callahan se opõe à manipulação biomédica do envelhecimento e, pelo contrário, insiste que o envelhecimento impõe limites morais e práticos sobre a existência
humana.
Callahan apresenta uma queixa frequentemente repetida de que o envelhecimento perdeu o seu significado
e propósito social. Argumenta que isso cria problemas
para a sociedade e para os idosos. Essa avaliação é feita
categoricamente e sem dados empíricos para apoiar essa
reivindicação. Dada essa visão, o compromisso da medicina em produzir medidas agressivas para prolongar a vida
de pessoas idosas é posta em causa. Sua chamada para
a ação e reflexão sobre o compromisso mal direcionado
para o suporte de vida na velhice é, portanto, enquadrada
pelo que ele vê como uma necessidade moral de entrar em
acordo com as características normativas assumidas como
parte do “ciclo de vida natural”.
Essa orientação natural da lei supõe que a moralidade
envolva três reivindicações relacionadas: primeiro, que a
moralidade é natural para seres humanos; segundo, que a
moralidade pode ser conhecida, naturalmente, por meio
da reflexão humana e pelo conhecimento tradicional; e
terceiro, que a moralidade humana é baseada na realidade de nossa natureza humana comum14. A noção de uma
natureza humana comum, é claro, não implica automaticamente um compromisso questionável metafísico, mas
pode ser baseada em observações empíricas e científicas
de que todos os tipos de busca humana para o florescimento refletem um conjunto comum de propriedades (p.
76)14. Essas propriedades comuns compreendem a perspectiva de tempo de vida natural que Callahan defende.
Assim, as características essenciais do ser humano são
mais bem vistas não examinando as ações humanas individuais ou escolhas específicas ou comunidades humanas
ou tradições, mas por refletir a ordem natural das coisas,
que é baseada na “melhor sabedoria” dos seres humanos,
adquirida ao longo das gerações (p. 77)14. Embora revelada na reflexão coletiva social dos seres humanos, a conta
de extensão natural da vida não deixa de ser natural e, em
virtude de ser natural, tem um significado normativo para
Callahan. Isso o levou a considerar o tempo de vida e as
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tarefas normativas associadas a cada fase como a base para
a análise ética. Para Callahan, a idade avançada, no tempo
contemporâneo, perdeu sua finalidade social e espiritual;
restaurar esse propósito é, de fato, a preocupação central
de sua abordagem. Processos sociais são considerados apenas na medida em que criam ou fomentam os problemas do envelhecimento, mas não na medida em que as
tradições da família, comunidade e fé desempenham um
papel importante na formação, não só da reflexão sobre o
envelhecimento, mas da maneira como o envelhecimento
é realmente vivido.
De forma semelhante, Norman Daniels depende do
conceito de ciclo de vida como estrutura para sua análise. Em contraste com Callahan, Daniels argumenta que
os recursos devem ser distribuídos para diferentes faixas
etárias, com base em princípios imparciais que permitem
a liberdade máxima para os indivíduos decidirem como
caminhar com base em uma visão pessoal de entendimento de vida boa dentro de cada fase. Cabe aos indivíduos
usarem as oportunidades oferecidas a eles em cada fase da
vida. Em geral, a preocupação de Daniels é fornecer uma
teoria que justifique a distribuição justa de oportunidades
durante todo o ciclo de vida. Imparcialidade é o requisito
essencial para tal teoria, na medida em que se baseia na
Teoria da Justiça de John Rawls12. Daniels destaca o fato
de que à medida que as gerações passam por suas fases de
vida, os recursos para a sociedade são distribuídos entre
diferentes grupos de indivíduos, mas ele argumenta que
essa forma de definir o problema é equivocada (p. 4065)4. Em vez disso, o problema de alocação de recursos
é perceber que, ao longo da vida, cada indivíduo é um
membro de cada grupo etário. Ao contrário dos grupos
que são baseados na família, comunidade, raça ou etnia,
aos quais os membros permanecem filiados, os grupos de
membros em cada etapa da vida mudam com a idade.
Assim, argumenta Daniels, devemos pensar em fases da
vida, em vez de grupos etários ao abordarmos a questão
da alocação de recursos.
Desse ponto de vista, os programas de alocação com
base na idade não consideram como distribuir os recursos de um grupo etário para outro, mas deveriam funcionar como mecanismos sociais destinados a permitir uma
poupança suficiente para uma alocação prudente dos recursos a todas as diferentes etapas que compõem o ciclo
de vida. Esta chamada “conta prudente da expectativa de
vida” é uma tentativa de atenuar o problema de confli-
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to entre grupos competindo por recursos, reconceituando o problema em termos de distribuição de recursos e
oportunidades para os indivíduos de cada estágio de suas
vidas. Daniels, assim, adota uma dinâmica ao invés de
uma abordagem categórica para o problema de alocação
de recursos que surge com a velhice. Essa abordagem efetivamente derruba a suposição de que porque os idosos
consomem um percentual proporcionalmente maior de
recursos de saúde do que outros grupos etários, estão recebendo mais do que é justo. Uma vez que todos seremos
velhos um dia, uma alocação de recursos para toda a extensão de vida é justificada se se disponibilizar recursos
suficientes para cada fase da vida através da qual cada pessoa irá passar.
Dessa forma, reclamar que uma fase da vida recebe
mais recursos do que outra é deixar de reconhecer que todos os indivíduos se beneficiarão de uma repartição equitativa dos recursos à medida que avançarem de um estágio
de vida para o próximo.
Subjacente a essa visão há um compromisso baseado
não nas obrigações entre as gerações, mas na obrigação social de fornecer de forma justa oportunidades iguais para
os indivíduos buscarem um plano de vida pessoal, em
cada fase da vida. Tal abordagem da expectativa de vida é
prudencial, porque, sob a condição de imparcialidade, os
indivíduos são levados a apoiar os programas sociais com
base em considerações de ordem prudencial e não em um
compromisso com ideais pessoais ou valores. À medida
que a expectativa de vida aumenta para a população como
um todo, todos nós participamos ao garantir que o envelhecer pressupõe um o tipo de apoio social que permitirá
que indivíduos prosperem independentemente dos valores que orientam suas escolhas individuais. Em conclusão,
a abordagem liberal de Daniels sobre o envelhecimento
considera a questão da alocação de recursos para os idosos como parte integrante de uma questão mais ampla
da distribuição de recursos ao longo do ciclo de vida dos
indivíduos.
EXPECTATIVA DE VIDA
A análise de Daniels, como a de Callahan, toma
como certo o conceito de ciclo de vida como uma estrutura determinada. Essa estrutura estabelece o quadro
para a questão da alocação de recursos entre gerações que
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impulsiona a aplicação da teoria da Justiça de Rawls por
Daniels. Daniels faz isso sem aceitar as características normativas que centralizam a orientação da “lei natural” de
Callahan, mostrando que sua visão pode parecer menos
problemática que a de Callahan, ao aceitar as fases da
vida como normativas. Assim, pode-se insistir na questão apresentada por Daniels, que, embora articulada em
termos de fases da vida, não é dependente deles, em qualquer sentido normativo. A única preocupação de Daniels
é que haja uma oportunidade justa de alocação ao longo
da vida, independentemente de como seja estruturada ou
dividida. Acreditamos que essa seja uma leitura sensível
e defensável de intenção de Daniels, mas não elimina os
problemas com os quais estamos preocupados. É essencial, para a teoria de Daniels, que o envelhecimento seja
composto de fases específicas, cada uma com características e funções sociais distintas. As fases da vida definem
como o sistema de distribuição de recursos, de forma justa para cada fase da vida, deve ser concebido. Isso é importante porque os recursos alocados servem como representantes das oportunidades que a teoria liberal da justiça,
fundamentalmente, preconiza. O ponto importante para
nossos objetivos é que a gama e o tipo de oportunidades
que devem ser igualmente distribuídos não sejam baseados em escolhas feitas por indivíduos reais ou hipotéticos, mas sobre as características aceitas da fase de vida
em questão considerada a partir de uma perspectiva social
idealizada construída na teoria Rawlsiana da justiça. Dessa forma, Daniels, bem como Callahan, implicitamente
aceita que as fases da vida têm características e funções
específicas, que, em geral, estruturam sua análise. Essas
características são mais evidentemente normativas sob
o ponto de vista de Callahan, porque é explicitamente
uma teoria do direito natural, mas são normativamente
presentes na visão de Daniel também, pois os indivíduos
não desempenham um papel por meio de suas ações ou
decisões na definição do significado das etapas que são supostamente definidas pelo social que constrói a chamada
alocação justa de recursos. Ambas as abordagens, portanto, compartilham a visão de longa data do curso da vida
humana, tendo como estrutura um conjunto de funções
e finalidades relativamente estáveis.
Tal visão tem várias características importantes que
podem ser atribuídas a fontes antigas. Cícero em De Senectute escreveu: “A natureza tem apenas um único caminho e esse caminho é executado apenas uma vez, e para
cada etapa da existência tem sido atribuído a sua própria
qualidade apropriada”. Da mesma forma, Eclesiastes expressa a visão de que as divisões naturais da vida humana
refletem uma ordem divina no universo que fornece um
quadro normativo a partir do qual os seres humanos devem procurar consolo: “Para tudo há uma estação e um
tempo para todo propósito debaixo do céu”. Thomas
Cole15 argumentou que essa antiga visão fornece uma
base para interpretar o ciclo de vida como o fornecimento de um sentido partilhado de estabilidade e ordem. Tal
esquema de organização tem sido especialmente importante no pensamento ocidental pelo menos desde os fins
da Idade Média (p. 381)15. Preocupações bioéticas sobre
o estabelecimento da justiça em todo o ciclo de vida, para
Callahan e Daniels, são, portanto, enquadradas em termos da ideia não considerada de uma divisão natural da
vida humana organizada em torno de expectativas gerais
compartilhadas, em vez de expectativas específicas definidas por localidade, família ou status. A ideia moderna do
ciclo de vida, portanto, define uma série característica de
tarefas e carreiras ligadas à idade que ambos os pensadores
acriticamente adotam, por exemplo, educação, trabalho e
aposentadoria.
Thomas Cole15 argumenta que a carreira e as tarefas
típicas associadas a cada fase de vida ganharam ascendência histórica somente quando os papéis estabilizadores
baseados no status social, posição, ou ocupação foram
desmantelados no início do período moderno. Expressas
na linguagem do século XVIII de autonomia e igualdade,
as divisões sociais deveriam ser baseadas não na posição
social ou institucional, mas sim com base na ordem natural das idades, o que anulava outras formas de organizar o curso da vida humana. A participação em grupos
de qualquer espécie era irrelevante, considerando que o
curso da vida foi uma trajetória humana universal que,
uma vez aceita, assumiu um caráter imutável. No século
XIX, esse padrão de pensamento veio a constituir o que
tem sido chamado “economia moral” do curso de vida,
que formou a base para o planejamento e organização
da sociedade. Cole15 argumenta que essa concepção de
um curso de vida padrão ou universal fornece não apenas
um conjunto de tarefas desenvolvimentistas ou psicológicas para os indivíduos, mas também um quadro moral
e institucional que define um conjunto de expectativas
normativas para todos os indivíduos na sociedade. Esse
quadro totalizante supera outras formas de ver a expecta-
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tiva de vida. Mais importante, ele o faz de uma forma que
entende a expectativa de vida como um fenômeno humano universal e não como um artefato cultural, histórico e
social, que de fato é. Todos os indivíduos são, portanto,
esperados normativamente a passarem pelos estágios distintos da infância, idade adulta e velhice, durante os quais
amadurecem e ocupam funções diferentes. Esses estágios,
assim, definem o curso da vida distintamente burocratizado composto de educação, trabalho e aposentadoria. Na
opinião de Cole, a questão da justiça, as relações éticas
entre jovens e velhos em uma sociedade em processo de
envelhecimento e a questão da gama significativa de ações
e escolhas que estão abertas a pessoas à medida que passam por suas vidas são moldadas por essa lente histórico-normativa.
ENVELHECIMENTO, REVOLUÇÃO BIOLÓGICA E
EVOLUÇÃO SOCIAL
Por conveniência, nos referiremos a esse ponto de
vista histórico da previsão de vida como tendo estruturas distintas da visão convencional. Alguns dos pressupostos fundamentais associados a essa compreensão convencional do ciclo de vida restringem, se não eliminam,
possibilidades criativas para os indivíduos à medida que
envelhecem e que definem a gama de significados apropriados por “ser velho” e da relação do “ser velho” para
com a sociedade em geral. Como resultado, os complexos
desafios éticos que o envelhecimento representa para o indivíduo e suas famílias e comunidades são apenas superficialmente abordados nos significados tacitamente aceitos
da expectativa da vida humana. Eles são vistos apenas ou
principalmente como a questão de justiça na alocação de
recursos, mas não como questões éticas sobre o sentido da
vida e convivência com a finitude.
A perspectiva de que os estágios da vida podem passar
e estão passando por transformação significativa à medida que os processos de envelhecimento são alterados pela
evolução médica ou social, simplesmente não é considerada, mesmo diante da evolução científica, como o trabalho sobre a biologia do envelhecimento e mudança nos
padrões de envelhecimento devido às condições sociais e
econômicas. Enquanto o título de um livro de Kurtzman
e Gordon16, No More Dying: The Conquest of Aging and
the Extension of Human Life (Nada mais de morrer: a con-
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quista do envelhecimento e da extensão da vida humana), publicado em 1976, parece ser mais profético do que
científico, há uma crescente evidência científica de que o
processo de envelhecimento é passível de manipulação.
De fato, o envelhecimento envolve complexas mudanças
genéticas e celulares, cujo efeito cumulativo é visto de forma desenvolvimentista nos processos de maturação ou na
aquisição de diversas capacidades, bem como os processos
degenerativos associados ao envelhecimento e velhice. Os
processos biológicos associados ao crescimento e desenvolvimento humano nos primeiros e médios anos também estão associados à degeneração. Entender esses processos subjacentes poderia razoavelmente estender a vida
útil ou alongar certas fases de desenvolvimento com base
em várias estratégias, incluindo medicamentos, modificação genética, ou mudanças de estilo de vida, tais como a
restrição calórica. O potencial para esse tipo de trabalho
tem levado alguns a desenvolver uma visão excessivamente otimista do tratamento do envelhecimento16. Embora
esse entusiasmo seja historicamente novo, não é mais descontroladamente especulativo, mas baseado em pesquisas
científicas emergentes, que sugerem fortemente que os
processos biológicos do envelhecimento podem realmente ser passíveis de modificação16,17,18,19,20,21,22,23. Sendo assim, a estrutura da expectativa de vida pode ser significativamente alterada, provocando mudanças significativas
no curso de vida dos indivíduos.
Por exemplo, se algumas fases de crescimento e desenvolvimento humano fossem capazes de ser manipuladas
por intervenção humana direta, seria difícil supor que a
expectativa de vida tivesse uma estrutura determinante
natural que define as normas éticas, e seria, portanto, difícil de aceitar que o envelhecimento tem um conjunto
de significados naturais como os que convencionalmente
estruturam a atual reflexão bioética. Além dos empreendimentos especulativos em biologia, os dados demográficos do envelhecimento mostram claramente uma forte
correlação entre melhores padrões de vida e a duração da
vida, o que sugere que a expectativa de vida é pelo menos
quantitativamente maleável, que implica na forma como
as fases da vida devem ser entendidas. Se os aumentos no
padrão de vida, que ocorrem como resultado de medidas
sociais, econômicas e de saúde, causarem um aumento
do tempo de vida, então as premissas de uma expectativa
de vida natural devem ser reexaminadas. O surgimento
de uma população jovem-velha entre os aposentados,
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por exemplo, tem forçado gerontologistas a reconceitualizarem a aposentadoria e introduzirem distinções que
desafiam os pressupostos que fundamentam a avaliação
de Callahan25. Mudanças econômicas e sociais associadas
com a economia global estão fazendo com que as sociedades reavaliem as políticas sociais que foram baseadas em
pressupostos associados com o que foi, até o século XX,
um período de expectativa e plano de vida tradicionalmente estável. Uma vez que muitos dos desenvolvimentos
que estão distorcendo concepções tradicionais sobre as fases da vida são dinâmicos e relativamente novos historicamente, as suas implicações para o curso de vida típico
de seres humanos nas sociedades desenvolvidas continuam bastante nebulosas. No entanto, a obra de Callahan
e Daniels, que reflete uma compreensão tradicional e
acrítica do tempo de vida como fixo e fora do domínio
do controle humano, serve como sinal de um problema
mais profundo no campo da bioética, nomeadamente a
sua tendência a tratar o envelhecimento e velhice a partir
da perspectiva da medicina de cuidados intensivos e ver
as questões do envelhecimento principalmente em termos
de morte e morrer, ou em termos da alocação de recursos
entre as fases da vida geracionalmente estável.
Callahan, pode-se apontar, certamente aborda a
questão do papel da medicina na conquista do envelhecimento, já que seu livro tem um capítulo com esse título.
Se assim for, pode parecer que nossas críticas devam ser
moderadas. No entanto, mesmo uma leitura superficial
desse texto mostra que ele não aborda as questões e preocupações que estamos apontando. Em vez disso, ele se
concentra exclusivamente em uma forma crítica sobre o
que observa como o compromisso irracional e antiético
da medicina contemporânea para o adiamento da morte
como o ponto final da vida humana, ao invés da questão
mais interessante do envolvimento da medicina, e talvez compromisso, de diminuir ou alterar o processo de
envelhecimento em si. Adiar a morte, para Callahan, é
sempre antiético quando a morte é natural, no entanto,
estamos menos confiantes do que ele na nossa capacidade de discernir quando é ou deveria ser. Está claro que
Callahan enquadra a questão do adiamento da morte,
que é o término inevitável de um ciclo de vida natural
que tem limites prefixados, do que a questão da extensão
da vida e valorização das capacidades humanas, que estão
comprometidas com o processo de envelhecimento ou de
doenças associadas principalmente com o envelhecimen-
to. Isso não é surpreendente, porque a noção de abrandar
ou alterar os processos de envelhecimento e, correlativamente, de abrir caminhos para a ação e escolha humana é
inconsistente com sua noção de uma expectativa de vida
que é natural, como Peter Singer apontou (p. 136)26. Se
os processos de envelhecimento são maleáveis, então um
conceito de envelhecimento que se presume ter características naturais normativas perde o seu apoio estabilizador.
A abordagem tradicional de bioética ao envelhecimento também parece aceitar que envelhecer garante a
intervenção médica apenas na medida em que a doença estiver envolvida. Se o envelhecimento não fosse devidamente considerado como uma doença, ou não fosse
compreensível em termos de processos de doença, ficaria
fora do alcance legítimo da medicina; dado esse ponto
de vista, é fácil ver por que a bioética teve muito pouco
interesse na ética complexa e nos problemas sociais associados ao envelhecimento e cuidados de longa duração,
exceto para o tratamento médico no fim da vida. A visão
da relação da medicina e da doença que está por trás dessa atitude pode estar em uma confusão conceitual, que
limita a intervenção médica para os estados ou condições
de doença, como Caplan27 argumentou. Mesmo que o
envelhecimento não envolva processos patológicos, ainda
pode ser um objeto adequado para intervenções médicas
e manipulação28. Tendo em vista que os processos biológicos do envelhecimento são cada vez mais diferenciados dos processos de doença, sua modificação pode ser
de fato um objetivo eticamente legítimo. Sendo assim,
como Peter Singer26 argumenta, retardar o processo de
envelhecimento pode muito bem proporcionar benefícios aos indivíduos atualmente existentes, de forma a não
criar problemas que questionem a legitimidade de tais
intervenções. Mesmo que o envelhecimento seja um processo natural e não uma doença, as limitações que o envelhecimento impõe sobre a significativa ação, escolha e
pensamento humano podem ser suficientes para justificar
a busca de tratamentos ou uma “cura” para o envelhecimento. O ponto importante é que, se o envelhecimento é
passível de manipulação, então a aceitação da bioética das
estruturas e dos valores normativos associados à visão natural da expectativa de vida é problemática. Mesmo que o
envelhecimento não fosse sujeito à manipulação direta de
medicina, as mudanças históricas nas condições materiais
de vida têm inegavelmente afetado os processos de envelhecimento e têm ajudado a reformular os valores que
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definem os estágios da vida, de modo que falar da expectativa de vida como sendo natural simplifica um conjunto
muito mais complexo de fenômenos em que uma ampla
gama de questões bioéticas espreitam. Infelizmente, uma
vez que esses fenômenos são esquecidos ou marginalizados nos principais tratamentos de bioética do envelhecimento, estamos muito longe de ter uma bioética robusta
do envelhecimento.
A aceitação tácita do conceito de expectativa de vida
por parte da bioética significa que seus pressupostos subjacentes conceituais e de valor não tenham sido objeto de
análise crítica ainda. Isso é surpreendente, porque as mudanças históricas no entendimento das fases da vida, como
a infância e a velhice, são razoavelmente bem conhecidas.
Apesar disso, a reflexão bioética parece se apegar a uma visão tradicional e fixa de envelhecimento e das fases da vida.
Evidências sugerem que o envelhecimento deve ser concebido como um conceito maleável, e não como um determinado quadro cultural ou natural que tem uma estrutura
normativa fixa. Se isso é assim, então o quadro tradicional que valoriza negativamente o envelhecimento pode ser
passível de modificação. Alguns dos significados opressivos
associados à compreensão tradicional do envelhecimento
e “ser velho”, na verdade, ganham sua cogência a partir da
própria estrutura a que eles tão frequentemente se opõem,
ou seja, um quadro que vê o envelhecimento como primariamente um processo de perda29. Tal entendimento do
envelhecimento reflete a atitude negativa da nossa cultura em relação a qualquer existência que não é socialmente
produtiva ou socialmente capaz de ação produtiva econômica, mas as mudanças demográficas e econômicas desde a
Segunda Guerra Mundial no mundo ocidental estão desafiando diretamente esse entendimento. Tradicionalmente,
era natural pensar que quando a ação produtiva é menos
provável ou impossível, a existência é negativamente valorizada não só por outros, mas por si mesmo. Nesse contexto, a
morte é vista como natural, porque a natureza é vista como
fornecedora da base para o que é realmente uma construção social ou um conjunto de condições30. A ideia do ciclo
de vida natural como é normativamente aceito na bioética,
portanto, reflete uma visão que preza a razão instrumental
e dá primazia à finalidade (re)produtiva da vida humana
sobre outros ideais, como a realização de autorrealização
pessoal ou conhecimento para seu próprio bem. Como as
pessoas idosas têm cumprido as suas funções socialmente
definidas de paternidade e não são mais economicamente
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produtivas, se tornam um grupo “natural” de se nomear
para a chamada morte “natural”. Tal compreensão biologizada da morte como natural reforça a crença cultural que
outros tipos de morte ou de morte em outras faixas etárias
não são aceitáveis ou não são naturais. Assim, questões sobre a adequação do custo elevado de intervenções no início
da vida, por exemplo, de cuidados intensivos neonatais, cirurgia por graves anomalias congênitas, ou transplante de
órgãos não são frequentemente levantadas, mas a atenção
crítica ao uso de recursos é focada na idade “naturalmente”
vista como menos produtiva e, portanto, menos valiosas.
Ironicamente, as mudanças reais na expectativa e capacidade de vida têm aumentado a população de idosos, que são
geralmente saudáveis e social e economicamente produtivos. Sua situação existencial desmente as próprias suposições sobre o envelhecimento em relação o qual o conceito
de expectativa natural de vida se baseia. O interesse pela
vida e a rejeição da morte natural, combinados aos seus
números de crescimento, são uma poderosa força motriz
para o trabalho na biologia do envelhecimento.
Assim, alterações do envelhecimento, mesmo que
biologicamente produzidas, fundamentalmente rejeitam
a análise Procrustiana do envelhecimento em termos do
modelo normativo da medicina27,28. A associação do tratamento do envelhecimento com a medicina reflete a tendência moderna de medicalizar a vida31, mas a explicação
da medicalização pode obscurecer os processos mais importantes que estão moldando a maneira como a bioética
tende a lidar com o envelhecimento. Como discutido anteriormente, certos elementos na chamada expectativa de
vida natural são claramente criações sociais. Por exemplo,
a infância e suas atividades distintas e propósitos são conceitos distintamente modernos que refletem as atitudes
burguesas para o valor social dos indivíduos, bem como
atitudes culturais sobre a diferenciação de papéis entre os
sexos. Infelizmente, a bioética ainda não tem concordado
adequadamente com os processos históricos que moldaram o sentido e o valor do envelhecimento. Ao aceitar o
tempo de vida e o envelhecimento como normativamente
“naturais”, a bioética tende a ignorar as formas complexas em que as famílias, comunidades e tradições religiosas
oferecem em termos de uma diversidade de visões e significados do envelhecimento. Tal descuido é problemático, uma vez que essas influências formam os problemas
práticos do envelhecimento e devem ser acomodados em
qualquer teoria ética adequada.
Envelhecimento: um desafio para o século 21
Revista
- Centro Universitário São Camilo - 2011;5(3):282-290
CONCLUSÃO
Se a estrutura e os significados da vida humana não
são universalmente fixos, então perguntas sobre a natureza
e o propósito da existência humana sob a nova situação
de envelhecimento que a expectativa de vida tradicional
considera são questões éticas extremamente importantes.
Bioeticistas devem estar na liderança da abordagem das
questões emergentes nessa área. Ao considerar esse ponto, é importante ressaltar que a bioética não será capaz de
responder a essas questões difíceis se confiar acriticamente
sobre o conceito de expectativa de vida, que normaliza os
limites para a ação humana e aspiração e define os termos
para a política social relativa ao envelhecimento. Aumentos
na duração da vida, a estabilidade do estado de saúde e recursos na velhice, pelo menos para algumas pessoas de idade, têm criado novas oportunidades e novos estilos de vida,
em que a busca de sentido da vida na velhice é a questão
ética central. No entanto, pressões econômicas sobre um
número maior de pessoas idosas estão causando o adiamento da aposentadoria ou criando a necessidade de emprego,
a fim de manter mesmo modestos estilos de vida; como
consequência, estamos vendo um apagamento crítico dos
pressupostos tradicionais sobre a aposentadoria, à medida
que um grupo de idosos desfruta de novas oportunidades
e outros enfrentam novos desafios e problemas. O muitas vezes criticado oxímoro aposentadoria ativa representa
menos uma contaminação da aposentadoria legítima pela
cultura da juventude do que uma radical re-conceituação
do significado da fase final da vida. Um período de participação ativa em projetos e atividades que realizam visões
individualizadas da boa vida pode substituir, para alguns
indivíduos, a tradicional compreensão da velhice como um
tempo para a retirada e acomodação para a perda, mas não
para todas as pessoas de idade. Essa mudança é frequentemente reprovada pelos bioeticistas que veem os problemas
sociais associados com a alocação de recursos como primordiais, mas pode ser melhor considerada como envolvendo
modificações nas expectativas normativas da vida humana
que bioeticistas precisam repensar. Ao invés de envolver
um conjunto de etapas determinadas, o envelhecimento é
indeterminado e seus significados não são definidos universalmente, mas moldados por tradições complexas e por um
processo evolutivo, que precisam ser analisados antes que
sua importância ética possa ser avaliada. Envelhecimento e
seu significado são, portanto, mais complexos e diversificados do que a bioética parece apreciar.
A corrente mais tradicional da bioética simplesmente
não tem concordado com um conceito tão matizado do
envelhecimento. Não leva a sério o grau em que a expectativa de vida e seus significados estão abertos à interpretação
e são moldados por forças econômicas, históricas e processos políticos e sociais. Contraditoriamente, a bioética aceita
tacitamente o envelhecimento como um processo que envolve etapas predefinidas naturais e estruturas de significado, sem questionar se o pressuposto de uma estrutura normativa única e universal do desenvolvimento humano e da
existência é coerente. A superação dessa forma de pensar é
um desafio importante para o campo da bioética e relevante para abordar os problemas reais que o envelhecimento e
“ser velho” envolvem no século XXI.
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Recebido em: 04 de julho de 2011.
Aprovado em: 28 de julho de 2011.
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