A estrutura de um artigo científico

Propaganda
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM NEUROEDUCAÇÃO
MÓDULO DE METODOLOGIA CIENTÍFICA
Prof. Ms. Luiz Felippe Matta Ramos
“A estrutura de um artigo científico”
NOTA DE DIREITOS AUTORAIS
Estimado (a) leitor (a).
O material que você tem em mãos foi produzido para que o seu
aproveitamento seja excelente e proveitoso. Ele é resultado de sério trabalho
de docência e investigação intelectual.
Em conformidade e obediência ao Código Penal em seu artigo 184 e à
Lei 9.610/98 em seu artigo 104 divulgados pela ABDR – Associação Brasileira
de Direitos Reprográficos –, reproduzir material sem prévia permissão do autor
é crime. Portanto agradeço pelo seu gesto de cidadania em cumprir e fazer
cumprir a legislação em vigor.
Para
efeitos
exclusivamente
acadêmicos,
AUTORIZAMOS
A
REPRODUÇÃO XEROGRÁFICA DESTE TRABALHO, desde que o mesmo
não sofra alterações em seu conteúdo por parte do leitor e/ou reprodutor
destes originais.
Um convite que faço a você: visite o site da ABDR: www.abdr.org.br. Vale
a pena! Esclarecemos também que o presente artigo foi reproduzido a partir
da fonte citada e sofreu modificações de formatação para efeitos exclusivos de
conhecimento da estrutura de um artigo científico. O conteúdo das idéias
apresentadas não sofreu modificações e também não significa que o curso e o
docente concordem implicitamente com as idéias da autora.
Boa leitura e que este material lhe seja útil em sua vida pessoal e
profissional.
Saudações Acadêmicas
O autor
__________________________________________________________
Fonte do artigo reproduzido:- Cadernos de Psicopedagogia. Volume 3,
número 6. São Paulo, junho de 2004. In: http://pepsic.bvs-psi.org.br/ ISSN
1676-1049.
Linguagens e pensamento: introdução a uma abordagem interdisciplinar
entre a psicopedagogia e a semiologia para a compreensão da construção do
pensamento.
Eliana Branco Malanga Instituto de Psicopedagogia, Universidade de Santo
Amaro.
RESUMO
Este trabalho é uma primeira abordagem ao estudo da intensa relação
entre o desenvolvimento do pensamento, em seres humanos, e seus
mecanismos. Especialmente ele focaliza o papel das linguagens nesse
processo, principalmente a linguagem verbal, falada e escrita. Vigostsky fez
pesquisas importantes sobre a questão do desenvolvimento do pensamento
infantil. Usamos seus estudos, bem como os de Paim e Jarreau, pelo lado da
Psicologia e da Psicopedagogia. E tentamos pensar interdisciplinarmente
usando esses autores e os pesquisadores de Semiótica e Linguistica Peirce,
Saussure e Chomsky.
Palavras-chave: Linguagem, Psicopedagogia, Pensamento, Semiologia.
ABSTRACT
This work is a first approach to the study of the intense relationship
between the development of thought, in human beings, and its mechanisms.
Especially it focuses to the role of languages in this process, mainly the verbal
language, spoken or written. Vigotsky did important researches about the
question of child thought development. We use his studies, as well as those of
Paim and Jarreau, by the field of Psychology and Psychopedagogy and we try
to think in an interdisciplinary away using those authors and the Semiotics and
Linguistics researchers Peirce, Saussure and Chomsky.
Keywords: Language, Psychopedagogy, Thinking, Semiotics.
Se aceitarmos que o objeto de estudo da Psicopedagogia seja a autoria
do pensamento, temos como passo seguinte a compreensão de que o
pensamento humano se formula através de uma linguagem, geralmente a
linguagem verbal1. A linguagem verbal é talvez a forma mais característica da
comunicação humana, mas não a única. Existem também as linguagens não
verbais: o desenho, a pintura e a escultura, a música, a dança, o teatro (este
misturando a linguagem verbal e a não verbal), a mímica, e, mais
modernamente, o cinema e a televisão, que tal como o teatro, incluem também
o uso da linguagem verbal, o desenho animado e a fotografia. Isso sem falar na
linguagem gestual cotidiana.
Em teoria da comunicação a linguagem eqüivale ao código, o qual
permite a elaboração das mensagens, que são emitidas por uma fonte e
transmitidas através de um canal ou meio, atingindo um receptor, conforme
ilustrado na figura abaixo.
Vigotsky (1997, pp. 37 e segs.) ressalta que existem formas de
pensamento operativo que são desvinculadas da linguagem verbal, podendo
ser anteriores a esta e sendo observáveis mesmo em alguns animais. Esse tipo
de pensamento estaria ligado ao uso de ferramentas e outros meios materiais
que permitem atingir objetivos práticos. Para ele, também algumas atividades
relacionadas ao trabalho manual, inclusive agrícola, estariam ligadas a esse
tipo de pensamento. É preciso ressaltar que Vigotisky se propôs, junto com
outros pesquisadores soviéticos, a desenvolver uma psicologia marxista, e que
para os marxistas, o caráter distintivo do ser humano se desenvolveu
sobretudo pelo trabalho. Isto, contudo, não invalida sua observação a respeito
do pensamento não verbal.
PSICOPEDAGOGIA E LINGUAGEM
A psicanálise, em cujos fundamentos teóricos a psicopedagogia se apoia
em grande parte para estudar os aspectos afetivos que se relacionam à
cognição, valoriza os sonhos, que são manifestações do inconsciente através
de imagens, mas que podem incluir fala. Nesse caso, não se pode falar em
pensamento, no sentido de elaboração mental que visa à comunicação. Tratase de um outro processo, de comunicação intra-pessoal, mas que foge,
inclusive à regra desta, porque o processo de comunicação não é, via de regra,
regido pelo inconsciente, embora possa, involuntariamente ser influenciado por
este.
A comunicação, além de ser intra-pessoal pode ser interpessoal, grupal
e de massa. Na comunicação interpessoal há uma troca de mensagens entre
duas ou mais pessoas, que trocam entre si as funções de emissor e de
receptor das mensagens. Embora essa permuta de papéis não ocorra
obrigatoriamente, pois um dos interlocutores pode ouvir calado, ela é
possível,dada a proximidade física (real ou intermediada por instrumentos
como o telefone) dos interlocutores. Na comunicação grupal, também há um
contato direto entre emissor e receptores da mensagem, mas estes são mais
numerosos, de modo que tende a haver uma menor quantidade de troca de
papéis. É a situação de uma aula ou de um espetáculo de teatro. O que
distingue a comunicação grupal da comunicação de massa, é justamente essa
possibilidade de que o receptor da mensagem se torne emissor de uma
resposta, chamada de feed back ou retroalimentação pela teoria da
comunicação. Na comunicação de massa, ao contrário, a via é de mão única.
O telespectador, o leitor de um livro, jornal ou revista, quem observa um cartaz
na rua, não podem se comunicar com o emissor daquela mensagem,
utilizando-se do mesmo meio de comunicação através do qual estão recebendo
a mensagem. Para tal precisam recorrer a outro meio, por exemplo, o telefone,
uma carta etc.. Nos estudos referentes à relação entre o desenvolvimento do
pensamento e a linguagem, interessam-nos especialmente os dois primeiros
tipos de comunicação: a interpessoal, que o bebê terá com sua mãe e com os
que o cercam na primeira infância e a intrapessoal.
Vigostsky (1993) considera a comunicação intrapessoal o elemento
essencial para o desenvolvimento do pensamento. Para ele, a linguagem se
inicia pelo uso social, de contato com outros seres humanos, ou seja, a
comunicação interpessoal. A partir disso, a criança desenvolve a fala
egocêntrica, que eqüivale a um pensar alto, e, posteriormente, esta se
interioriza. Vigostsky (1993, pp. 15 e segs.) estudou crianças em idade préescolar e em idade escolar, colocando-as diante de situações de pequenos
problemas para realizarem os desenhos que deveriam fazer durante o
experimento. Ele verificou que diante de um problema, como a falta da cor
desejada, a criança em idade pré-escolar fala mais consigo mesma,
raciocinando na busca de uma solução que quando está no transcurso normal
da atividade. Em crianças um pouco mais velhas, a fala egocêntrica foi
substituída por períodos de silêncio. Quando o pesquisador perguntava a elas
o que estavam pensando, o conteúdo da resposta se assemelhava ao da fala
das crianças menores. Essa fala egocêntrica é econômica em informações, já
que a fonte e o receptor da mensagem são a mesma pessoa, a qual está
devidamente informada sobre o contexto a que se refere a mensagem. Limitase, portanto, a comentários lacônicos, como “vou usar este” ou “vou fazer mais
forte”. Essas mesmas crianças, em situação de comunicação interpessoal
elaboram frases mais completas.
Antes de falar em simbolização, cabe entender as três formas de
unidades de representação simbólica de acordo com a Semiologia:
a) Os índices, que apresentam uma relação causal com aquilo que
representam, indicam ou significam. Por exemplo, o suor indica que a pessoa
está sentindo calor, o trovão indica a iminência de chuva e assim por diante.
Para que o receptor seja capaz de decodificar essa mensagem é preciso que
ele conheça essa relação de causa e efeito.
b) Os ícones guardam uma relação de semelhança visual ou estrutural com a
coisa representada. Por exemplo, o desenho ou a foto de uma casa, não
representa a casa com exatidão pois é bidimensional, mas, por reproduzir
aspectos
estruturais
representado.
semelhantes,
permite
a
identificação
do
objeto
c) Os signos têm uma relação arbitrária entre o que é representado
(significado) e a forma de representar (significante). Formam códigos
estabelecidos por um determinado grupo social para permitir a comunicação. É
o caso da linguagem verbal, por exemplo.
"UM SIGNO NÃO É UMA ENTIDADE SEMIÓTICA FIXA, mas antes o
local de encontro de elementos mutuamente independentes, oriundos
de dois sistemas diferentes e associados por um correlação
codificante. (...) Assim, os signos são o resultado provisório de regras
de codificação que estabelecem correlações transitórias em que cada
elemento é, por assim dizer, autorizado a associar-se com outro
elemento e a formar um signo somente em certas circunstâncias
previstas pelo código (Eco, 1991a, p. 40).
O filósofo norte-americano Charles Peirce (1995), que foi o primeiro a
tratar da Semiologia como uma ramo autônomo do conhecimento, utilizou o
termo símbolo utilizado para designar o que mais comumente se costuma
chamar de signo, tal como exposto acima. De um modo geral, o termo símbolo
é entendido como um signo ou um grupo de signos que adquiriram uma
amplitude e uma quantidade de significados muito acima do padrão normal. Um
símbolo acumula tal carga de significados em um processo social e histórico,
no qual também influi nossa vida psíquica. Os símbolos estão ligados ao
conhecimento dos conteúdos do inconsciente, mas também ao estudo das
culturas, da arte, e, das religiões.
Quando dentro do universo da linguagem verbal, a linguagem simbólica
costuma ser classificada a partir dos recursos utilizados em cada segmento do
texto: alegoria, metafóra, metonímia, parábola, hipérpole, personificação etc..
Esta lista, contudo, não dá conta de explicar a linguagem simbólica, pois os
símbolos possuem uma grande carga emocional, eles ultrapassam as
fronteiras do racional. E aí se encontra sua especificidade, pois permitem a
expressão de realidades humanas que não podem ser comunicadas pela
linguagem referencial. É importante a relação entre a estrutura da linguagem
poética e da obra de arte em geral e o símbolo, embora um não possa ser
usado como sinônimo do outro. Mesmo porque, o símbolo pode ser usado em
mensagem que não sejam artísticas. Esse uso, contudo, tende a desgastá-lo,
esvaziá-lo de sua riqueza, na medida em que procura limitar seus significados.
Já a linguagem poética tende a criar permanentemente novos símbolos.
Epstein (1997, p. 68) considera que os símbolos sejam um subgrupo dos
signos.
Um
símbolo
não
seria
nunca
completamente
‘esclarecido’
explicitamente, isto é, sempre há um resíduo implícito. E existiria entre ele e o
que representa um certo grau de semelhança, contudo essa iconicidade ou
semelhança que existe entre o símbolo e a coisa simbolizada seria fruto de
uma maneira comum de refletir e que subsiste nas duas coisas.
Essa impossibilidade de “esclarecer” e explicitar completamente um
símbolo decorre da sua riqueza de significados. Para explicar um relação
simbólica em linguagem referencial faz-se necessário um texto muito longo, o
qual, por sua vez, não tem o poder de representação do original. Uma das
características do símbolo é, pois, a densidade de significados, ou, visto de
outro modo, seu poder de síntese.
"Os
símbolos
são
concentrações
de
idéias
expressas
taquigraficamente, numa imagem, numa expressão. Sua
característica mais geral é que envolvem sempre uma operação
semelhante à metáfora, pois os símbolos são objetos sensíveis que
são aplicáveis a entidades abstratas e não sensíveis. (...) Expandir
um símbolo, interpretá-lo, tornar explícitos os seus significados
equivale, no entanto, a descaracterizá-lo como símbolo. O
pensamento simbólico, ao contrário do pensamento científico, não é
analítico, mas condensa em um significante um punhado de
significados. Ao contrário dos signos da ciência, que demarcam um
campo contínuo e claro, os símbolos pressupõem uma ruptura de
plano, uma descontinuidade, uma passagem a uma outra ordem. O
paradoxo do símbolo consiste em que para interpretarmos o sentido
do símbolo precisamos expandi-lo, e isto é feito em termos de
sentenças literais. Aí perdemos o sentido do símbolo enquanto
símbolo." (Epstein, 1997, pp. 70-71).
A respeito da função simbólica, Pain (1987 / 1991, p. 67) ressalta que
para que o símbolo exista é necessário que haja uma superação da
univocidade entre significante e significado no signo. Embora esta relação
unívoca seja mais uma exceção do que uma regra na linguagem verbal, ainda
que na função referencial, a carga simbólica que uma palavra (ou gesto, ou
desenho ou som etc.) adquire depende de uma ampliação das possibilidades
de significado.
AS FUNÇÕES DA LINGUAGEM
Não se pode perder de vista, ao falar das linguagens na constituição da
autoria do pensamento, que estas podem atender a diversas funções, em
especial a linguagem verbal, oral ou escrita. A função mais comum da
linguagem é a referencial, que visa uma comunicação o mais possível exata e
despida de ambigüidade. A função fática visa o contato entre os seres
humanos, seu objetivo é diminuir o nível de ameaça diante da presença de
outro ser humano e manifesta-se através das fórmulas de cortesia comuns no
dia-a-dia da convivência social. Mas, a linguagem também pode servir à função
emotiva, centrada na expressão da emoção da fonte da mensagem. A função
conativa ou imperativa visa persuadir o receptor e influir no seu
comportamento. Finalmente, cabe mencionar a função estética, que no caso
da linguagem verbal pode ser chamada de função poética, e a função
metalingüística, que permite a elaboração do discurso a respeito da própria
linguagem.
A função poética (no caso da linguagem escrita) ou função estética (no
caso das demais linguagens) está centrada na própria mensagem, no
tratamento desta e no uso inusitado do código. Ela tem como uma de suas
características a multivocidade do sentido.
A função referencial e a função emotiva da comunicação relacionam-se,
respectivamente, às funções denotativa e conotativa do código lingüístico. A
denotação é o primeiro significado de uma palavra dentro de um idioma. A
conotação consiste em uma ampliação ou acréscimo dos significados, um
sentido figurado para uma palavra, que, naturalmente não pode existir antes
que ela possua um sentido próprio, a denotação. Portanto, existem palavras
que possuem apenas sentido denoatativo, mas o contrário não é possível, " O
que cosntituiu a conatação enquanto tal é o fato de que ela se instituiu
parasiatariamente". (Eco, 1991b, p.46)
COMUNICAÇÃO E CULTURA
Quando se fala em linguagens, cabe sempre lembrar que elas só
existem na situação de comunicação. Uma linguagem surge e se desenvolve
em função da necessidade de comunicação entre os membros de um grupo. A
comunicação ocorre dentro de uma cultura, e é ela que dá significado aos fatos
e à comunicação.
Se cultura, nas palavras do antropólogo Clifford Feertz, “são as redes de
significado” que giram em torno dos seres humanos, então as comunicações —
linguagem, arte, música, dança textos escritos, filmes, gravações, software —
são as ferramentas que os seres humanos usam para interpretar, reproduzir,
manter e transformar essas redes de significado"(Harvey, 2001, p. 112).
Para Edward T. Hall (Apud Harvey, 2001, p. 112) a comunicação
constitui o centro da cultura e, de fato, da vida em si. E Edmund Leach (Apud
Harvey, 2001. p. 112) afirmava que a cultura comunica.
Existe uma tendência de ver a comunicação como uma mera
transmissão de mensagens. Essa abordagem processual da comunicação se
refere, desenvolvida por Norbert Wiener e outros ciberneticistas das décadas
de 1940 e 1950 tratam da questão de como uma pessoa usa a comunicação
para afetar o comportamento ou o estado mental de outra pessoa (Harvey,
2001, p. 112). Já a escola antropológica, influenciada pela semiologia, vê a
comunicação como a geração de significados sociais por meio da transmissão
de textos.
A Semiologia surge com os estudos do filósofo norte-americano Charles
Saunders Pierce (1995), na segunda metade do século XIX. O lingüista suíço
Ferdinand Saussure (1970), em 1915 retoma a questão propondo que a
Lingüística seja parte de uma ciência maior que estudo as várias linguagens, e
não apenas a linguagem verbal. O objeto de estudo da Semiologia (também
chamada de Semiótica, embora Peirce denominasse “semiótica” ao fenômeno
de atribuição do significado e “semiologia” o ramo que estudo esse fenômeno)
é o estabelecimento dos significados, através da comunicação nos diversos
grupos sociais, ou seja estudam como as comunicações estabelecem
significado, reproduzem valores comuns e ligam pessoas em relacionamentos
sociais. (Harvey, 2001, p. 112).
Na realidade, “comunicação” e “comunidade” vêm do mesmo radical
“comum”, ou seja, compartilhado. Isto porque, as comunidades só existem
como tal porque compartilham significados. É por isto que os antropólogos
afirmam que as comunicações não podem ser divorciadas da comunidade e da
cultura. Uma não pode existir sem a outra. (Harvey, 2001. p. 113).
A LINGUAGEM COMO DETERMINANTE DO PENSAMENTO
O conhecimento objetivo e desapaixonado da realidade foi o objetivo de
estudiosos durante muitos séculos. A ilusão de atingi-lo foi a pretensão das
primeiras gerações de cientistas. Hoje, temos uma melhor compreensão de
como se dá a percepção da realidade e do quando nossas próprias crenças,
nem sempre racionais, interferem nesse processo.
Entre o objeto, aquilo que é representado, a realidade, e a
representação que dela se faz através do signo (no conceito de Pierce) ou do
significante (da terminologia de Saussure) existe sempre um conceito, uma
imagem mental, ou seja, uma construção mental a respeito da realidade
percebida, que é o significado.
Na lingüística moderna, entretanto, a tendência dominante tem sido
considerar a língua como organizadora da estrutura conceitual do universo e já
se tornou lugar-comum afirmar que ela é “o molde do pensamento”, ou “o
instrumento de análise ou recorte da realidade” (...); trata-se, em última análise,
da tese clássica de W. von Hulboldt, para quem a língua é “o órgão construtor
do pensamento” (“das bildende Organdes Gedanken”) (Blikstein, 1983, p. 40).
Pelo esquema de Chomsky (Apud Blikstein, 1983. p. 50), entre o
estímulo externo e a percepção haveria a filtragem feita pelo sistema de
crenças, estratégias perceptuais e outros fatores. Resta a questão de como se
formaria esse sistema que seleciona e organiza a realidade percebida. Pode-se
afirmar que é através da socialização que o ser humano adquire os modelos
perceptivos através dos quais vê a realidade. Isto num processo individual de
adaptação à sociedade, mas esta também constrói modelos perceptivos
compartilhados a partir da práxis.
"Somente uma pequena parte das experiências humanas são retidas
na consciência. As experiências que ficam assim retidas são
sedimentadas, isto é, consolidam-se na lembrança como entidades
reconhecíveis e capazes de serem lembradas. Se não houvesse essa
sedimentação o indivíduo não poderia dar sentido à sua biografia. A
sedimentação intersubjetiva também ocorre quando vários indivíduos
participam de uma biografia comum, cujas experiências se
incorporam em um acervo comum de conhecimento. A sedimentação
intersubjetiva só pode ser verdadeiramente chamada social quando
se objetivou em um sistema de sinais desta ou daquela espécie, isto
é, quando surge a possibilidade de repetir-se a objetivação das
experiências compartilhadas. Só então provavelmente estas
experiências serão transmitidas de uma geração à seguinte e de uma
coletividade à outra." (Berger, Luckmann, 1976. pp. 95-96).
Existe, pois, uma relação direta entre a experiência concreta e a
organização do pensamento. Entretanto, não se trata de um contato direto e
único. Os grupos sociais organizam sua experiência em forma de
conhecimento com a finalidade de preserção da vida. Entretanto, essa
experiência, ao organizar-se utiliza-se da mediação da linguagem, e, de certo
modo, cristaliza-se, de maneira que, as novas experiências tendem a ser
organizadas de acordo com os padrões pré-estabelecidos. A mudança desses
padrões é um processo longo e cheio de atritos.
Por que organizamos nossa percepção desse modo? Porque a realidade
é caótica e pouco significativa, a menos que seja filtrada e organizada pelo
observador. Assim sendo, na dimensão da práxis vital, o homem cognoscente
desenvolve,
para
existir
e
sobreviver,
mecanismos
não-verbais
de
diferenciaçãao e de identificação: dentro do próprio grupo social a que
pertence, o indivíduo estabelece e articula traços de diferenciação e de
identificação. A partir deste é que ele se torna capaz de discriminar, reconhecer
e selecionar, por entre os estímulos do universo amorfo e contínuo do “real”, as
cores, as formas, as funções, os espaços e tempos necessários à sua
sobrevivência. (Blikstein, 1983, p. 60).
Os traços adquirem valores positivos e meliorativos ou negativos e
pejorativos, transformando-se assim em traços ideológicos, os quais vão
configurar os corredores semânticos ou isotopias. Os corredores semânticos
formam os “óculos sociais” que vão dirigir a percepção e a cognição. É através,
pois dos estereótipos de percepção que vemos a realidade.
Blikstein (1983, p. 63) explica a formação do aparelho perceptivo,
através do qual a realidade será filtrada, e construída, ou como ele prefere
dizer, fabricada.
O referente, que normalmente identificamos com a coisa, ser ou objeto
percebido, não é, pois, a realidade propriamente dita, mas a realidade
percebida através dos “óculos sociais” que permanentemente utilizamos. A
compreensão de que a cognição se dá de forma tão complexa e mediatizada é
um instrumento útil quando se a autoria do pensamento, que embora seja
subjetiva na medida em que o indivíduo dá ao seus saberes uma carga de
emoção, baseada nas suas vivências sociais, é marcadamente social e cultural
em seus limites e contornos.
Em seu estudo sobre a questão da linguagem e seu desenvolvimento na
infância, Souza (1997) ressalta a influência do meio social e do sistema
ideológico na construção do sujeito, apoiando-se em Bakhtin.
“Bakhtin sugere, assim, que a distorção que o sujeito opera na
compreensão da realidade não pode ser explicada exclusivamente
pela história individual de um psiquismo, como pretende a psicanálise
e busca as conexões esclarecedoras da verdade do sujeito nos
sistemas ideológicos sedimentados no contexto social e que este se
encontra submetido” (Souza, 1997, p. 62).
Mesmo quando se trata da manifestação artística como um caminho
terapêutico, existe uma influência do meio cultural. Os afetos que se
manifestam através do fazer artístico de crianças e adultos em situação de
arte-terapia não estão totalmente desvinculados da influência do seu meio
cultural. Assim como a linguagem (que só existe numa determinada cultura e
grupo social) possibilita, limita e conduz o pensamento, também o código
simbólico iconográfico é influenciado pela cultura.
A seleção dos temas, o valor dos contrastes, a utilização de certas cores
ou materiais, a busca da textura, de luminosidade ou de horizonte, assim como
tentativas de negação de todos esses valores tradicionais constituem diversas
modalidades de representação próprias a uma cultura. (Pain & Jarreau, 1996,
p. 44).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo das relações entre as linguagens e o pensamento é amplo e
oferece inúmeras possibilidades ao pesquisador da área de Psicopedagogia.
Esta breve discussão sobre o tema não passa de um primeiro levantamento,
que visa, principalmente suscitar o debate multidisiciplinar e interdisciplinar
entre aqueles que se dedicam a essa área de estudo tão nova e tão promissora
que é a Psicopedagogia.
Tudo está por fazer, porque o ser humano em sua complexidade é ainda
para
nós
um
mistério.
A
contribuição
da
Semiótica,
em
estudos
interdisciplinares com a Psicopedagogia poderá ajudar a levantar um pouco
mais a ponta desse véu, desvelando aspectos inesperados da cognição e da
afetividade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bakhtin, M. M. (1981). Marxismo e filosofia da linguagem. In S. J. Souza,
Infância e linguagem; Bakhtin, Vigoksty, Benjamin. Campinas: Papirus.
Berger, P. I., & Luckmann, T. (1976). A construção social da realidade.
(4a. ed.) Petrópolis, Vozes.
Berlo, D. K. (1963). O processo da comunicação. Rio de Janeiro: Fundo
de Cultura.
Blikstein, I. (1983). Semiose não-verbal e pensamento visual. In I.
Blikstein (Ed.), Kaspar Hause ou a fabricação da realidade ( p. 65-75).
São Paulo: Cultrix-EDUSP.
Eco, U. (1991a). Obra aberta. (8.ed.) São Paulo, SP: Perspectiva.
—————. (1991b). Tratado geral de semiótica. (2. ed.) São Paulo:
Perspectiva.
Epstein, I. (1997). O signo. (5.ed.) São Paulo, SP: Ática.
Fernandez, A. (1990). Lugar do corpo no aprender. In A. Fernandez, A
inteligência aprisionada; abordagem psicopedagógica clínica da criança
e sua família (p. 57-64). Porto Alegre: Artes Médicas.
Gimeno-Sacristán, J. (2000). Educar y convivir en la cultura global.
Madrid: Ediciones Morata.
Harvey, D. (1992). Condição pós-moderna. (10. ed.) São Paulo: Loyola.
Païn, S., & Jarreau, G. (1996). Teoria e técnica da arteterapia: A
compreensão do sujeito. Porto Alegre: Artes Médicas.
——————. (1987/1991). A função da ignorância. As estruturas
inconscientes do pensamento. Porto Alegre: Artes Médicas.
Peirce, C. S. (1995). Semiótica. (2.ed.) São Paulo: Perspectiva.
Rifkin, J. (2001). Comunicação e cultura. In J. Rifkin, A era do acesso.
(p. 112-113). São Paulo: Makron Books.
Saussure, F. (1970). Curso de lingüística geral. (2.ed.) São Paulo:
Cultrix.
Souza, S. M. (1997). Infância e linguagem; Bakhtin, Vygoksty, Benjamin.
3. reimp. Campinas: Papirus.
Vigotsky, L. S. (1993). Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins
Fontes.
———————————. Luria, A. R., & Leiontiev, A. N. (1988).
Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone /
Editora da Universidade de São Paulo.
REGISTRO DE ESTUDO DE CASO
Registro no. 001/2007
Período de atendimento: 3.1.2006 a 15.4.2006. Encontros semanais.
Identificação:- Marcelo Augusto de la Fuentes.
Neuro-educadora:- Silvia de Oliveira Magalhães.
Mediante a realização da entrevista da anamnese identificou-se
que a criança (10 anos) apresentou fatos significativos em seu histórico
familiar. Aos sete anos de idade sua família foi submetida a uma mudança de
cidade em decorrência dos compromissos profissionais do pai. Com isso o
círculo de amigos foi interrompido e substituído por novos vínculos no local
onde agora a criança reside. Importante considerar a relutância da mãe em
participar do processo de mudança. O nascimento da irmã há um ano também
foi identificado como elemento desencadeador de um possível distúrbio de
oposição. Os procedimentos adotados no tratamento foram ( Susan, agora eu
preciso que você especifique o que seria feito terapeuticamente ) e após três
encontros
constatou-se
mundanças
comportamentais
significativas
no
relacionamento interpessoal na escola, em casa, bem como no aumento de
amigos que a criança estabeleceu.
_______________________________________________________________
REGISTRO DE ESTUDO DE CASO
Registro no. 002/2007.
Período de atendimento:- 2.3.2007 a 23.4.2007.
Identificação:- Patrícia Gomes da Silva.
Neuro-educador:- Francisco de Souza.
A alegação que os pais apresentaram ao trazerem a criança foi o de que
a mesma apresentava um diagnóstico de hiperatividade estabelecido por uma
psicopedagoga há cerca de um ano. Neste período a criança (11 anos)
apresentava um comportamento extremamente inconstante, desafiador e
sobremaneira desrespeitoso, questionando a autoridade tanto dos pais quanto
dos demais profissionais, como a professora, a coordenadora pedagógica e a
diretora. Termos chulos e palavras de baixo calão eram ditos sem o menor
constrangimento da criança que ao observar a reação assustada do público,
ficava mais motivada a se superar nas ofensas.
No histórico escolar observou-se que a criança foi alfabetizada aos 4
anos de idade sem maiores objeções por parte da mesma (choros,
indiferença). Seu aproveitamento escolar está acima da média da escola (7.0).
A análise do histórico familiar aponta para uma família que não possui
organização de horários e comprometimento com o cotidiano. Os pais não
participam da vida da criança sob alegação de que não possuem tempo
suficiente para “colocar a vida em ordem”. A mãe demonstra uma postura
procrastinadora e o pai registra uma insegurança emocional extremada diante
de fatos novos e desafiadores.
Os procedimentos de atendimento foram os seguintes: ( Susan, agora
eu preciso que você especifique o que seria feito terapeuticamente ). Após os
encontros observou-se de que a criança não possui um quadro de
hiperatividade e sim desconhecimento de regras domésticas e de convivência
interpessoal.
Download