Os Filhos de Humberto POR RODRIGO TEIXEIRA Humberto Espíndola A matriz A polca-rock - último sopro de vanguarda da Moderna Música de Mato Grosso do Sul -, começou com Humberto Espíndola. Parece uma incoerência um artista plástico influenciar a música contemporânea do estado, mas é isso mesmo! O criador da Bovinocultura fez com os pincéis, o que Manoel de Barros realizou com as palavras: criou um universo artístico próprio utilizando como matéria-prima à natureza que o rodeia. A reflexão que Humberto propunha através de seus quadros era de uma ironia e provocação digna do mais puro rock'n roll. Humberto, que fez questão de permanecer em sua própria aldeia, afrontou a repressão militar e questionou o preconceito de uma sociedade arcaica e ruralizada. Ainda em 1967, estreou nacionalmente no Salão de Brasília, representando o interior do Brasil. Já era engajado na luta pela descentralização cultural, hoje ainda tão necessária e que a construção da Capital Federal em pleno Brasil Central não solucionou. Entre 1968 e 1972, Humberto foi premiado nos mais importantes salões do país e participou de Bienais internacionais. Só não foi à VI Bienal de Paris, em 1969, porque a representação brasileira foi impedida de sair do país pela censura imposta pelo governo militar. A idéia de usar o universo bovino como metáfora para questionar os valores da época, em plena ditadura é genial. Sem contar que a própria técnica de pintura impressiona em quadros como “Boi-Pirata” e “Boi-Bandeira”, ambos de 1968, e se torna magnífica com o passar do tempo. "Nos Jardins do Nirvana", de 1987, é um dos meus preferidos. Humberto funcionou como um mestre. Ele fez a cabeça de Tetê, Alzira, Celito, Geraldo, Jerry, Simões, Roca... Mais do que isso, era e ainda é a prova viva de que é possível se destacar mundialmente enfocando temas regionais. Geraldo Roca lembra que, aos 14 anos, já era amigo de Paulo Simões e Geraldo Espíndola. E assume: "O Humberto falava nas reuniões que se a gente queria ser compositor, tinha de fazer pelo menos uma música por dia. O Humberto era nosso guru e foi quem abriu o caminho para toda a nossa geração". A crítica de arte e produtora cultural Aline Figueiredo escreve: "Com o eco emblemático da Bovinocultura, o Centro-Oeste e toda uma criação brasileira de dentro, situaram-se...” "E, amparada quem sabe na generosidade do boi, a Bovinocultura atrai artistas em seu entorno. Abre as perspectivas do enfoque temático, conscientiza a região, questiona, irrita mas abre um diálogo com a sociedade. Situa. Começam a aparecer músicos dentro da casa do pintor do boi, que ali anima os irmãos e os amigos de som. O rock rural estava presente. ‘Deixei meu Matão’, de Geraldo Espíndola, é de 1972. Os irmãos Espíndola, Geraldo Roca, Paulo Simões, Almir Sater, cantam o campo com nova visão de mundo". Humberto é a nossa matriz! Precisa ser muito mais festejado e pesquisado. Tetê e o Lírio Selvagem Primeira geração Virou clichê falar que o primeiro disco de polca-rock foi “Tetê e o Lírio Selvagem”, de 1978, e que a primeira polca-rock gravada seria “Na Catarata”, presente neste trabalho. Isso não é totalmente correto! Este disco é um precursor do que viraria a ser a polca-rock e tem lampejos do gênero dentro do repertório de 12 músicas que mesclam compassos ternário e quaternário. Na verdade, “Tetê e o Lírio Selvagem” dá início ao que chamo de Fase Germinal ou Inconsciente da Polca-rock. Eles já faziam, sem saber que estavam fazendo. E era um pedaço do trabalho e não o todo. A polca-rock estava encruada entre as dezenas de chipas musicais que saíam da cabeça de Geraldo Espíndola desde final da década de 60. Junto com Paulo Simões http://www.paulosimoes.com.br/, lá por 1968 (isso mesmo 68!), Geraldo Espíndola formou o grupo Os Bizarros, numa alusão clara ao The Beatles, e estava dada a largada para o que se transformou na efervescente terra de compositores que é o Mato Grosso do Sul. No disco “Tetê e o Lírio”, a canção “Na Catarata”, de Alzira e Carlos Rennó, sempre citada, é esclarecedora. A música só recebeu aquela introdução de rock por causa da banda que estava acompanhando os Espíndola. Quando os músicos ouviram, acharam que "a música tinha um lance diferente e decidiram criar uma introdução". Na verdade, o rife que virou a marca de “Na Catarata” não era original do arranjo, conforme a própria Alzira confirma. Na verdade, o som do Lírio foi turbinado pela banda, com o objetivo de aproximar o trabalho do que seria mais comercial para a época. O som dos irmãos tinha um caráter acústico, em clima zen (mais para Crosby, Stills, Nash and Young do que Rolling Stones), como acabou virando o segundo disco de Tetê, já sem o Lírio. Ou seja: “Tetê e o Lírio Selvagem” é germinal, é pré-polca-rock. A postura deles, como a Bovinocultura do irmão e mestre Humberto, esta sim, era roqueira naturalmente. Não ofendia. Incomodava. Tetê, Celito, Alzira e Geraldo http://www.espindolacanta.com.br/ vestiam colãs retratando bichos do Pantanal e tinham cabelos estranhos. Apareceram assim no clipe da música “Bem-te-vi”, exibido no Fantástico, e que vai estar disponível no DVD que será lançado da Família Espíndola. Geraldo Roca, Paulo Simões e Geraldo Espíndola Tríade fundamental No repertório do “Tetê e o Lírio” já estava presente o compositor Geraldo Roca, magistralmente interpretado por Geraldo Espíndola em “Santa Branca”. Geraldo Roca é um dos que mais contribuíram com músicas, letras e harmonias para a formatação da polca-rock. Na minha opinião, ele é seguramente o pioneiro da polca-rock. E em 1997, lançou “Litoral Central”, o primeiro disco da Fase Consciente da Polca-rock, embora o próprio não o reconheça como tal. Vamos aos fatos: No mesmo ano (1978) do “Tetê e o Lírio”, Geraldo Roca lançou um compacto com duas músicas: “Flor do Asfalto” e “Japonês Tem Três Filhas”. O disquinho saiu pelo selo Clack, da emissora Bandeirantes, em São Paulo. Segundo Roca, ele estava embriagado quando gravou o vocal das duas canções. A sessão foi matutina, regada a wisky e o resultado final foi péssimo. Nunca escutei. Mas o fato é que este compacto também pode ser apontado como o primeiro registro sonoro de uma polca-rock. Com o detalhe que “Japonês Tem Três Filhas” é realmente uma polca, tem uma harmonia já moderna e mistura na letra o guarani com o português. Além da própria idéia central de um bugre pantaneiro namorando a filha do fazendeiro japonês retratar a miscigenação do Mato Grosso, que ficou não só no plano étnico, mas sonoro também. E as quebradas/breques da música são típicas do rock. Este disco do Geraldo Roca tocava nas rádios de Campo Grande e atingiu pessoas da geração de Jerry Espíndola, por exemplo, que era adolescente na época e lembra ter ouvido as músicas, o que de alguma forma o influenciou. Eu, particularmente, chegaria só em 1979 no recém-criado Mato Grosso do Sul, com 10 anos. Continuando com o Roca, vale ressaltar que ele fez ao lado de Paulo Simões a música mais emblemática da região guaicuru: “Trem do Pantanal”. Esta música foi composta em 1975 dentro do trem após estourarem um ‘charro’ no vão dos vagões em movimento. O destino dos dois era os Andes, no Peru. O nome original era “Através do Pantanal” e a harmonia clássica de blues em 12 compassos. Roca afirma que faltou criarem uma parte B na música e que ficou assim mesmo. Ele não apostava na canção, que Paulinho Simões não cansava de tocar, e que acabaria tornando-se o primeiro ‘hit’ de Almir Sater e o maior de sua discografia até hoje. Paulinho estava certo com sua inteligência insistente. Para Roca, “Trem do Pantanal” e “Cunhatai Porã”, de Geraldo Espíndola, esta composta em 1976, são as duas músicas-chave para surgir (agora na minha opinião) a Moderna Música do MS. Que tem um tripé de sustentação: Geraldo Roca, Geraldo Espíndola e Paulo Simões. É a tríade humbertiana. Estes foram os ‘guris’ que Humberto Espíndola ‘fez a cabeça’ e que conseguiram criar um novo tipo de gênero na Música Popular Brasileira. Eles utilizaram amálgamas regionais de forma inédita dentro do panorama musical do Brasil dos anos 70. E esta música do MS ainda está represada em nosso estado e, mesmo com o fenômeno Almir Sater http://www.almirsater.com.br/ na década de 90, ainda pode ser considerada desconhecida para o grande público, apesar de gozar de certo prestígio junto a intelectuais. O repertório criado por estes caras (Deixei Meu Matão, Sonhos Guaranis, Quyquyho, Polca Outra Vez, Santa Branca, Comitiva Esperança, Vida Cigana...) acabou influenciando uma moçada mais nova que estava começando a se destacar na cena musical de Campo Grande na primeira metade dos anos 80. Poranguetê... A Segunda Onda 1982. Campo Grande, cinco anos depois de Mato Grosso virar Mato Grosso do Sul. Estamos próximos de iniciar a Fase Madura ou Consciente da Polca-rock. Começa a entrar em cena a segunda geração oriunda do Pai Humberto. Em maio deste ano, foi gravado no Teatro Glauce Rocha, na Universidade Federal de MS, o “Prata da Casa”. O disco reuniu Tetê, Almir, Celito (Coração Solitário), Geraldo Espíndola (Quyquyho), Paulo Gê e Juni, João Figar (Solidão), Carlos Colman (Coração Ventania), Guilherme Rondon (Horizontes), Acaba... O Poranguetê surgiu logo em seguida a gravação do Prata da Casa, após Antônio Porto e Pedro Ortale deixarem o grupo Bem-Virá e se juntarem a Geraldo Ribeiro e Lenilde Ramos para formarem o novo grupo. O Poranguetê era Antônio Porto (contrabaixo), Pedro Ortale (violão), Geraldo Ribeiro (percussão e violão), Lenilde Ramos (sanfona), Cacá (bateria) e Celso Cordeiro (flauta). Rolava canções-manifesto como “Rabo de Arara”, “Programa de Índio” e “Ervilha”. O Poranguetê foi a primeira banda campo-grandense a se apresentar no Circo Voador, no Rio de Janeiro (talvez a única até hoje! Geraldo Espíndola tocou no circo com o grupo Lodo...) O show foi no dia 22 de julho de 1982. A abertura foi de Marlui Miranda, depois tocou o Poranguetê e, fechando a noite, a lendária banda de funk carioca Black Rio. O compositor Alfredo Karan e o guitarrista Torquato Mariano deram canjas no show do Poranguetê. E Cacá, o baterista, reclamava de um calo na mão e, por isso, pouco antes do show, comprou às pressas uma luva, de noiva, para tocar, como lembra Antônio Porto. A apresentação fez parte do projeto "show-baile" promovido as sextas pelo Circo Voador (a todo vapor na época, quando surgiram Barão Vermelho, Titãs, Paralamas, Legião...) O objetivo era mesmo dar oportunidade para grupos do interior (!) do Brasil. Fui testemunha, sentado na arquibancada coberta do estádio Morenão, da performance do Poranguetê na abertura do show de Kleiton e Kledir, astros na época! A imagem que me vem é a de uma banda de rock rural. Me remetia inclusive ao som do Almôndegas, banda que Kleiton e Kledir tinham no Sul antes de virar dupla famosa. Mas a fusão do regional com a MPB e a postura roqueira estavam ali. O fato de o Poranguetê batizar o próprio som de 'Rock de Botina' evidenciava a vontade de nomear um estilo e se diferenciar da produção sonora do Prata da Casa. A segunda geração dos Filhos de Humberto apresentava criações artísticas que refletiam em direções nunca percorridas no MS. Como o Poranguetê não tem registros sonoros, a prova dos nove aconteceu agora, mais de duas décadas após a criação do grupo. Os ex-integrantes Antônio Porto e Geraldo Ribeiro (agora G. Ribeiro) finalmente lançaram seus respectivos discos solos em 2005. E Lenilde Ramos também lança seu primeiro solo este ano. O disco de G. Ribeiro resgata pérolas, como “Rabo de Arara”, de Lenilde Ramos e Joel Pizzini. Geraldão é uma das mais cabeças mais instigantes e provocativas do estado. Sua música é visceral e alucinada. Inteligente e irônica. Política. Sarcástica. Um compositor imprevisível. De pura linhagem humbertiana. Antônio Porto http://www.antonioporto.com/ provou com seu disco Nômade que a MPB não morreu. A sua pitada de africanidade é tão inventiva que vejo este disco como uma resposta ‘pantaneira’ à estética proposta por Gilberto Gil em Refestança e Refavela. Já o disco da Lenilde revela uma compositora ímpar e uma das vozes de maior personalidade da música do MS. Além de registrar composições próprias, tirou do baú uma letra de Manoel de Barros e reuniu músicos ligados a polca-rock para gravar a faixa. Aglutinadora. Uma vez, fui a um show da Lenilde com abertura da irmã dela, Lenilce, que mora na Itália. Lembro que fiquei impressionado com o jeito de Lenilce dedilhar o violão, misturando a batida da bossa nova com o da guarânea. Aquilo nunca mais saiu da minha cabeça. A harmonia e o jeito que toco "Tente Esquecer", minha e do Jerry, é fruto daquela experiência e uma homenagem a Lenilce, com quem nunca troquei uma palavra e me pareceu uma ‘Maysa pantaneira’. O lançamento do disco de Antônio, Lenilde e G é a retratação que só o tempo é capaz de promover. Finalmente retomamos o trilho da história. A estética sonora de Mato Grosso do Sul não parou no disco Prata da Casa. Jerry Espíndola, Caio Ignácio e Rodrigo Teixeira Nome aos Bois – Terceira Geração Bom, aqui estamos falando, ao contrário de todos citados acima, de músicos que assumem não só a paternidade da polca-rock como o próprio movimento ou gênero. Os primeiros a dizerem: "O que eu faço é polca-rock!" É a Fase Consciente. Em 1985, Jerry Espíndola e Ciro Pinheiro, seu companheiro de Os Incontroláveis, banda que Jerry tocava em São Paulo, compuseram “Colisão”. A música é ternária e, se nasceu batizada de polca-rock, só os compositores podem dizer. O fato é que pode ser considerada a primeira que recebeu um arranjo mais pesado, com a verve roqueira explicitada e, se não maior, na mesma medida dos ritmos fronteiriços. A questão é que “Colisão” (que, segundo Jerry, era tocada pelos Incontroláveis, embora o grupo não tenha incluído no LP) por um bom tempo foi a principal música do repertório de Caio Ignácio. Tanto que conheci “Colisão” tocando como guitarrista de Caio, isso em 1987. Nesta época, eu http://www.rodrigoteixeira.com.br/ e Caio passávamos horas conversando sobre uma música que mesclasse os ritmos ternários com uma vestimenta mais rock'n roll. A primeira vez que escutei o termo polca-rock saiu da boca de Caio Ignácio. Lembro que, inclusive, escrevemos um Manifesto da Polca-rock. Infelizmente não tenho este texto e nem sei se o Caio possui. Era 1988. Quando desmontamos o Olho de Gato em São Paulo, voltei a morar em Campo Grande no final de 1989 e comecei a minha carreira solo. Nesta época, compus “Mal Melhor”, a minha primeira polca-rock. Lembro que o Paulo Simões foi a um ensaio no Acalanto, escola que minha mãe tinha na 15 de Novembro e saiu dizendo que “aquilo não era polca nem aqui nem na China.” Jerry http://www.jerrycroa.com.br/ estava morando ainda em São Paulo e eu e o Caio em Campo Grande. A polca-rock, nesta época, tinha mais a ver com a idéia de se libertar do universo dos Prata da Casa, do Pantanal, dos bichinhos... Era acima de tudo um olhar urbano sobre o Mato Grosso do Sul sob o prisma de uma nova geração de músicos, que cresceu influenciada pela trupe de Paulo Simões, mas que buscava um som já diferenciado, com mais guitarra e menos violão, mais bateria e menos percussão. Mais peso e menos harmonia. A polca-rock surgia rebelde no início da década de 90, como a Bovinocultura de Humberto no final de 60. Tinha um tom político, que buscava maior poder para uma nova geração de músicos da região, que ia de encontro aos Prata da Casa estabelecidos desde a década de 70 e, verdade seja dita, até hoje. Na época, o jornalista Alex Fraga chegou a criar o termo pejorativo “Jacarelândia” para se dirigir aos Prata da Casa. Em julho de 1990, por exemplo, eu e o Caio fizemos dois shows no Centro Cultural como pré-lançamento da Coosmap, Cooperativa Sul-matogrossense de Artistas Populares. A cooperativa acabou não saindo por total desarticulação da classe e por eu e o Caio estarmos isolados. Mas neste período conseguimos formatar, fazer um rascunho, juntar as peças para a expansão que Jerry promoveu anos depois, com uma nova geração de músicos. Ainda em 1990, quem ajudou a colocar em pé a polca-rock foi Fernando Bolão http://www.olhodegato.com.br/, baterista, e Pedro Ortale, baixista. Esta foi a primeira “cozinha” da polca-rock. Em 1991, acabei voltando a fazer faculdade de Jornalismo em Mogi das Cruzes e Caio também foi morar em São Paulo. Continuamos tocando junto. Em 1992, toquei guitarra com ele no Festival Ecológico em Campo Grande promovido pelo governo e a música era uma polca-rock. Mas faltava para a gente repertório e, para falar a verdade, nem estávamos tão interessados nisso. A gente tocava rock, reggae, afoxé, blues, balada, samba... A polca-rock era um pedaço do trabalho. E causava estranhamento na maioria das vezes. Jerry Espíndola voltou a morar em Campo Grande, em um movimento de vida contrário ao meu e do Caio. Jerry já era casado, pai de dois filhos... Nós solteiros, soltos no mundo. Mas demoraria pelo menos 10 anos para Jerry transitar da música pop para a exclusividade da polca-rock. Radicalizar a ponto de batizar o próprio disco com o nome do gênero. Na verdade, a retomada da polca-rock, que estava adormecida há anos, aconteceu em um dia que recebi a visita de Jerry em meu apartamento na rua Santa Clara, em Copacabana, no Rio de Janeiro. Era ano 2000. Estava mergulhado no jornalismo desde 1994, embora em 1998 tenha lançado com sacrifício meu primeiro disco “Sambone”. Jerry estava no Rio para fazer a masterização do “Pop Pantanal”. Chegou em casa com o disco embaixo do braço e cabreiro. Notei e disse: ‘Ce ta com o disco fresquinho e com esta cara. Que foi?’ E ele: ‘Fui mostrar o disco novo para o Paulinho Moska e ele detonou minha cabeça. Falou que tenho de esquecer a música pop que tem mil bandas fazendo e investir mais em músicas como Colisão, a única polca-rock do disco. Que este é o caminho’. Ou seja, o Paulinho Moska foi o cara que acendeu a fagulha novamente. Que viu um futuro naquele som novo para ele e tão conhecido para nós. Viu o óbvio, que está na nossa cara, talvez tão descaradamente que cega à visão da maioria das pessoas. Naquela noite em Copacabana, com Caio Ignácio em São Paulo, longe da polca-rock, eu e Jerry colocamos novamente a chalana para descer o rio. Conversamos e decidimos que tínhamos de investir em trabalhos que resgatassem a polca-rock e que fossem exclusivamente voltados para a proposta. Lembro que contactei nesta época - depois de vários anos sem se falar -, o Caio em São Paulo. Mas a polca-rock, no momento, não era a prioridade dele. Em fevereiro de 2001 gravei sete polca-rocks no Muziarte em Campo Grande e comecei o processo do POLCK, disco que acabei lançando só em maio de 2004, totalmente calcado na proposta. A direção musical foi de Antônio Porto, o maestro da polca-rock. Jerry começou a gravar um pouco depois o cd POLCA-ROCK, mas conseguiu lançar antes do POLCK e ainda por um selo, Elo Music, de uma multinacional, a Sony. Na verdade, Jerry Espíndola foi quem expandiu a polca-rock e iniciou o processo de consolidação do gênero (a polca-rock ainda precisa ser consolidada). Com o lançamento do disco POLCA-ROCK, Jerry conseguiu apoios artísticos importantes – Ney Matogrosso, Paulo Moska, Zé Ramalho, Arthur Maia, Paulo le Petit... –, lotou o Palácio das Artes com capacidade para mil pessoas, tocou polca-rock no Rio, São Paulo, Brasília, interior paulista, interior do MS, no Sesc Pompéia, em Niterói, Fnac, Temporadas Populares, Festival de Bonito, Festival América do Sul, foi notícias de sites especializados, foi escolhido com uma polca-rock para o projeto Itaú Cultural, que mapeia a produção dos estados, foi enfocado em reportagem do Jornal Hoje, da Globo... Ou seja, foi quem mais fez a polca-rock circular! E, na minha opinião o mais importante, criou um repertório de polca-rock, até então minguado. Seguindo os ensinamentos do irmão e mestre Humberto, foi capaz de fazer a cabeça de uma nova geração de músicos - a quarta geração -, que vestiu fanaticamente a camisa da polca-rock. É preciso destacar a atuação crucial de Adriano Maggo, Sandro Moreno e Marcelo Ribeiro. Eles mergulharam com sede no universo da polca-rock, criando levadas, fusões, expressões e símbolos para o gênero. Maggo tem várias parcerias com Jerry (Sei Lá, por exemplo, uma guarânea-reggae, já é história). Os meninos deixaram de ser os Toms, para formarem o genial Croa. Sem eles, eu e Jerry não conseguiríamos ir adiante com nosso objetivo. Bola estava reativando o Olho de Gato e Pedrinho em outras guigues. No disco POLCK, Sandrinho toca bateria e Adriano Maggo, os teclados. O Croa foi o pelotão de frente da polca-rock, a sustentação sonora da retomada do movimento. O Presente e o Futuro O lançamento do disco instrumental do Croa é importantíssimo. Fui testemunha ocular da sensação que causaram em bares de música instrumental no Rio de Janeiro. Nos quiosques jazzísticos da Lagoa Rodrigo de Freitas e no Severina, onde havia canjas e freezeiras musicais, a reação foi entusiasmada nas performances do trio. O som do Croa tem um grande futuro! Na verdade, 2005 já é histórico para a polca-rock! G Ribeiro, Antônio Porto, Lenilde Ramos, Croa, Filho dos Livres... Todos com CDs novos na praça. Guilherme Rondon terá uma compilação de luxo produzida pela Kamikaze Records. A gravadora de Willy Suchar vai reunir os dois discos solos de Rondon, com duas faixas-bônus inéditas recém gravadas pelo compositor em Assunção. E eu ainda gravei um disco ao vivo finalmente registrando a dobradinha Bola-Ortale, a cozinha mais ‘nervosa’ da polca-rock. O cantor Gílson Espíndola com o show ‘O Três por Quarto’ também mira novamente na direção da música ternária e resgata o clima de bandas como Bem-Virá e Terra, fundamentais também na década de 70 e 80. E artistas até então distantes do gênero, já arriscam incluir uma ou outra polca-rock no repertório, como Vaticano 69, O Bando do Velho Jack e o compositor Márcio de Camillo. Se não bastasse, na conexão cada vez mais próxima com os músicos de Assunção, descobri Rolando Chaparro! Ele lançou também em 2005 o conceitual DVD/CD “Afropolca”. O músico paraguaio já vinha fazendo polca-rock desde os anos 80 e ninguém em Campo Grande havia sequer ouvido falar. Há pouco chegou a notícia de que existe outro grupo de Assunção, La Secreta, que está fazendo algo muito próximo da polca-rock. Estranha coincidência ou hora da verdade? E ainda vem o disco instrumental de Gabriel Sater, já representando a quinta geração. Sem contar, Dani Black, o caçula dos Espíndola. A sexta geração humbertiana... Tocamos polca-rock, somos Filhos de Humberto! * Comentários: [email protected]