CAP 17_VLADIA JAMILE DOS SANTOS.CDR

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COMPENSAÇÃO E ESTABILIZAÇÃO:
os substitutos a cura na saúde mental
Vládia Jamile dos Santos Jucá
Psicóloga pela Universidade Federal do Ceará; doutora em Saúde Coletiva
pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia; professora da Universidade de Salvador.
Resumo
O presente artigo apresenta alguns dos resultados da tese de
doutorado intitulada Os sentidos da cura em saúde mental, que
tinha como um dos objetivos centrais a investigação dos
significados da cura para psiquiatras e usuários de um ambulatório
de saúde mental. Na realização da pesquisa, foi utilizada a
metodologia denominada Signos, significados e práticas, de
caráter etnográfico, através da qual procuramos observar como os
sujeitos construíam concepções e expectativas acerca da cura a
partir de suas experiências com o sofrimento mental. Em linhas
gerais, os psiquiatras se mostraram reticentes em falar em cura.
Uma das descobertas da pesquisa diz respeito aos alvos
substitutos que eles encontravam para guiar sua atuação quando a
cura não se mostrava possível. Discutimos os dois principais
substitutos identificados – estabilização e compensação – sua
polissemia e suas implicações para a direção do tratamento dos
usuários que freqüentam o ambulatório.
Palavras-chave: saúde mental; ambulatório; cura.
Abstract
The present paper presents some results of the thesis The
meanings of healing in mental health that aimed at discussing the
ideas associated with healing in an outpatient psychiatric service.
Our methodological frame was the Signs, meanings and practices
theory, that is, an ethnographical approach developed to mental
health research. We tried to understand the conceptions and
expectations about healing built by the study participants through
their experiences with mental suffering. Physicians are noticeably
reticent in talking about a definitive solution. In the incurable cases,
we noticed that the treatment has new goals: compensation and
stabilization. We will discuss its plural meanings and its effects to the
treatment offered in the outpatient service studied.
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Keywords: mental health; outpatient service; healing.
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Introdução
Pensar em uma cura, na saúde mental, é uma questão delicada. Em
língua portuguesa, esse termo nos remete facilmente à noção de restabelecimento
da saúde e, facilmente, evoca a idéia de uma solução absoluta. O vocábulo cura
surgiu, na realidade, a partir do termo curae, que, em latim, designa cuidado ou
tratamento (Houaiss; Villar; Franco, 2001). Tais sentidos foram, no entanto,
esquecidos ao longo da história da medicina, e o ato de curar passou a ter uma
interpretação prioritária – o de debelar uma doença. Para os psiquiatras, que, em
sua prática profissional, precisam lidar com algumas doenças consideradas
crônicas e, portanto, incuráveis, a impossibilidade de cura tem efeitos específicos.
Um desses efeitos é a substituição da “cura” por novos alvos terapêuticos. Neste
artigo, estaremos discutindo os substitutos da cura que apareceram nas narrativas
de profissionais que atuam em um ambulatório psiquiátrico.
Antes de passarmos adiante e como uma preparação para o que
discutiremos em breve, é importante conhecer o estudo de Cogswell e Weir (apud
Dawson; Blum; Bartolucci, 1993, p.156). Os autores, considerando as diferenças
no curso do tratamento de doenças agudas e crônicas, destacam alguns
elementos que fazem diferença na relação médico-paciente quando o foco do
tratamento são doenças crônicas. Dentre as características levantadas por eles,
duas merecem destaque:
“(1) O objetivo terapêutico [...] é a contenção da disfunção
social e o controle dos sintomas mais do que a cura; (2) O
paciente cronicamente enfermo será sujeito a um contínuo
ajuste de seus papéis e expectativas” (tradução nossa).
Ante a impossibilidade da cura e o processo de cronificação da doença,
dois movimentos, então, ocorrem. O objetivo da intervenção se torna controlar os
sintomas e minimizar a “disfunção social”; por outro lado, as expectativas são
constantemente revistas, no decorrer do tratamento de longa durabilidade.
Tratando-se do campo psiquiátrico especificamente, para designar os
objetivos do tratamento que surgiram no lugar da cura outros termos são utilizados,
como remissão, compensação e estabilização. Em uma pesquisa realizada no
mesmo ambulatório no qual sediamos nosso trabalho de campo, Silveira (1996,
p.161) observou que:
“Como a maioria dos atendimentos são 'retornos' ou 'revisões',
a escuta da queixa se volta para o enquadramento do 'caso' a
sua frente, em três possibilidades de fluxo operacional:
melhorou/piorou/estabilizou. Compensado ou
descompensado? Essa é a terminologia preferida, onde já se
tem implícita uma idéia de cronicidade. Em psiquiatria, não se
fala em cura, em nenhum momento essa palavra foi utilizada
por ninguém”.
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A constatação da autora retrata com precisão as avaliações possíveis no
acompanhamento dos pacientes, no qual se delineia como principal objetivo da
intervenção psiquiátrica a compensação ou a estabilização dos quadros
patológicos. A cura realmente não aparece espontaneamente no discurso (dos
profissionais, vale assinalar), apesar de não estar completamente extinta da
prática psiquiátrica.
A redefinição dos alvos terapêuticos para a prática de “compensar” e
“estabilizar” os casos considerados incuráveis tem efeitos importantes tanto em
termos de definição das práticas institucionais quanto em termos de produção de
subjetividades para os que ocupam o lugar de paciente. Isso porque o olhar que o
profissional lança sobre seu paciente não é apenas um olhar que descreve, mas é
essencialmente um olhar que interpreta e antecipa possibilidades.
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Metodologia
Para a realização desta pesquisa, utilizamos uma modalidade de
etnografia denominada Signos, significados e práticas, desenvolvida para
trabalhos de investigação no campo da saúde mental (Almeida-Filho, Corin,
Bibeau, 1999; Almeida Filho, Corin, Bibeau, Caroso, Alves, Rabelo, Uchoa, 1998).
No texto Rethinking transcultural approaches to mental health research:
from epistemology to methodology (Almeida-Filho, Corin, Bibeau, 1999), os
fundamentos epistemológicos dessa proposta metodológica são apresentados e
expressos através de quatro categorias fundamentais: objeto-modelo, validade
relativa, “fraca representatividade” e sensibilidade ao contexto.
A noção de objeto-modelo representa a adoção de uma perspectiva coconstrutivista na concepção do que seria o objeto de pesquisa, não mais
compreendido apenas como uma realidade empírica a ser capturada pelo
pesquisador, mas como fruto de uma atividade dialógica. Nessa atividade, tanto
sujeito quanto objeto de pesquisa estão implicados em uma interação, através da
qual um modelo de interpretação da realidade emerge. Desse modo, “a ciência lida
com objetos-modelos, ou dispositivos interpretativos, delineados em referência ao
mundo concreto” (p.5, tradução nossa). Isso quer dizer que o objeto não é uma pura
invenção (ou construção) do sujeito da pesquisa, mas, na medida em que este
último dele se apropria, o objeto adquire uma configuração particular. No nosso
caso, haja vista que elegemos um tema tão controverso na área de saúde mental os sentidos da cura -, o caráter modelar do objeto tornou-se ainda mais visível, pois
não se tratava de investigar um fato de existência empírica comprovada, mas de
refletir sobre o tema em um exercício de constante diálogo com as percepções e
interpretações produzidas por sujeitos que estavam diretamente vinculados aos
processos de saúde-doença-cuidado, em um ambulatório psiquiátrico.
Desse modo, a validade do conhecimento produzido é uma validade
relativa, determinada simultaneamente pela modelação do objeto e pelo contexto
no qual o conhecimento é produzido. Aliás, considerar o contexto social, histórico e
cultural no qual o estudo de um dado objeto se realiza, tanto na produção quanto na
interpretação dos dados, é de fundamental importância nessa perspectiva teórica.
O compromisso com a construção de um saber contextualizado revela uma
valorização do “êmico” que não inviabiliza a reflexão acerca dos universais, mas
que enfatiza o mergulho no particular como um ponto de partida necessário. Por
esse motivo, é possível falar em uma sensibilidade ao contexto.
Em termos metodológicos, mais especificamente, a nomenclatura
adotada – Signos, significados e práticas – delimita claramente três instâncias
investigadas durante a pesquisa, dimensões que foram pensadas com o auxílio da
semiótica e da hermenêutica de base fenomenológica. Para esclarecer o sentido
de cada uma, é importante destacar que os “signos” se referem aos sinais que são
socialmente considerados como indicadores de um determinado fenômeno,
passível de interpretações que correspondem ao nível dos “significados”. Por
último, temos a dimensão pragmática, extremamente valorizada a partir dessa
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Outro elemento importante, em termos de caracterização epistemológica
do método, é que se trata de uma abordagem essencialmente qualitativa, na qual
os grupos a serem entrevistados são escolhidos pelo seu potencial de representar
as heterogeneidades, e não por procedimentos estatísticos de amostragem
(Almeida-Filho, Corin, Bibeau, Caroso, Alves, Rabelo, Uchoa, 1998). Por isso falase em “fraca representatividade”. Na realidade, poderíamos afirmar que temos uma
“forte representatividade” a partir de outra perspectiva, diferenciada da pesquisa
quantitativa, Uma representatividade que acentua a multivocalidade, ou seja, que
revela a polissemia presente nos vários discursos sociais (Barthes, 1992).
metodologia, na qual se considera que a produção cultural é factualmente
orientada, ou seja, a cultura se realiza não como um evento mental, mas como fruto
da imersão dos sujeitos no mundo, propiciada pela experiência de cada um. Em
decorrência dessa valorização, a metodologia S/ssp, em sua aplicação, envolve a
procura de casos concretos e enfatiza a experiência dos sujeitos entrevistados, no
lugar de questões que poderiam priorizar o campo da reflexão distanciada.
O trabalho de campo foi realizado em um ambulatório de saúde mental o
qual pertence a um dos mais tradicionais hospitais psiquiátricos na cidade de
Salvador. Desse modo, a pesquisa se caracterizou como um estudo de caso de
caráter etnográfico e, na sua realização, foi utilizada a observação participante
como parte da estratégia metodológica de produção de dados. As entrevistas e as
observações foram realizadas em um intervalo de nove meses, tendo sido iniciadas
em julho de 2001 e finalizadas em abril de 2002.
Na instituição que nos serviu como campo para pesquisa, foram
entrevistados dez psiquiatras (identificados pela sigla PSQ). Trabalhamos, ainda,
com a narrativa de outros profissionais do ambulatório, para melhor conhecer o
serviço: uma enfermeira (E1), uma terapeuta ocupacional (TO1), três psicólogos
(P1, P2 e P3) e uma assistente social (AS1). Onze usuários e cinco familiares
integraram o grupo de nossos entrevistados. Todos os participantes ficaram cientes
dos objetivos da pesquisa e consentiram em colaborar conosco.
Utilizamos nomes fictícios para nos referir aos usuários e familiares.
Evitamos fazer o mesmo com os profissionais para não produzir equívocos em
relação à identificação dos nomes fictícios com nomes de outros profissionais que
atuam na cidade. Vale ressaltar que, apesar de a pesquisa ter como foco os
psiquiatras e os usuários do serviço, optamos por incluir alguns familiares e outros
profissionais do ambulatório, por acreditarmos que esses “atores coadjuvantes”
poderiam auxiliar-nos a melhor compreender o contexto investigado. Todas as
narrativas foram submetidas à análise do discurso, a partir do estabelecimento de
categorias analíticas que facilitaram a organização e a discussão do material
colhido durante as entrevistas.
Para o presente artigo, optamos por um recorte – observar os significados
dos substitutos da cura –, o que nos levará a priorizar o discurso dos psiquiatras e
outros profissionais do ambulatório. Dividimos a análise e a discussão dos dados,
apresentadas a seguir, em dois eixos: 1) a polissemia que reveste os termos
destacados como alvos terapêuticos e 2) as metáforas utilizadas pelos
profissionais no momento de nos explicarem os significados de tais termos. Tais
metáforas se mostraram extremamente elucidativas, no sentido de clarificar a
lógica presente na construção semiótica dos termos centrais.
Resultados e discussão
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Compensação e estabilização: uma explosão polissêmica
Na ausência de cura, ou mesmo de alta, o objetivo do tratamento é manter
os pacientes “compensados” ou “estabilizados”. Mas o que exatamente significam
esses termos tão utilizados no cotidiano do hospital e sobre os quais não
encontramos nenhuma reflexão teórica? Antes de explorarmos seus sentidos, é
importante sublinhar que, apesar de serem termos muito utilizados na prática,
tendo nela uma importância crucial, na medida em que determinam a orientação
terapêutica, eles não aparecem com a mesma freqüência nos textos psiquiátricos.
Apesar disso, a compensação e a estabilização nos interessam particularmente
por terem sido esses os dois termos que mais se destacaram na redefinição dos
objetivos terapêuticos para os profissionais do ambulatório. Pelos contatos
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anteriores com a área, tínhamos, desde o início, a expectativa de ouvir, dos nossos
entrevistados, referências aos ditos pacientes compensados e estabilizados. No
entanto não deixamos de nos surpreender, por um lado, com a polissemia e, por
outro, com a imprecisão na distinção dos termos. Tentaremos apresentar a seguir a
proliferação semântica e a borrosidade conceitual que encontramos em campo.
Um primeiro uso do termo compensação diz respeito à saída do estado
agudo e ao controle dos sintomas, que, na crise, aparecem intensificados:
“Quando a gente fala de paciente compensado é basicamente
compensação clínica; o paciente saiu do quadro agudo. Ele
entrou no hospital [...] O paciente produtivo, delirando, com
aquela produção toda, ou então agressivo. Ele sai do quadro
inicial que motivou a vinda dele para o hospital [...] É aquele
paciente que pode ser levado de volta ao convívio e não vai
causar dano a outro ou a si mesmo” (PSQ1).
Por outro lado, quanto ao paciente descompensado:
“O descompensado que a gente chama é o que tá em fase
aguda, né? Tá alucinando, delirando, inquieto, agressivo,
apragmático, etc. Isto tudo é o descompensado. Aí, quando
desaparecem os sintomas, o paciente compensou; tá
compensado. Aí é ambulatório” (PSQ2).
Essa forma de significar o que seja a compensação é muito recorrente e,
curiosamente, corresponde, de certo modo, à idéia de remissão (dos sintomas ou
da patologia). Assim sendo, é compreensível que o paciente compensado seja o
paciente ambulatorial. Ao contrário, o paciente em crise está prioritariamente
relacionado à internação. Encontramos, portanto, dois espaços diferenciados pela
terapêutica e seu objetivo. Enquanto na internação o mais importante é conter a
crise e controlar os sintomas, no ambulatório o tratamento visa à manutenção da
compensação atingida pela estadia no hospital. Por esse motivo, os critérios
usados para reconhecer o paciente compensado estão intimamente relacionados
com os critérios de alta.
Afirmar que a psiquiatria (biológica) não leva em consideração o social
não parece, portanto, apropriado. Talvez a psiquiatria não problematize o social da
forma como nós, pertencentes ao campo das ciências humanas, qualificaríamos
como uma percepção “crítica”. Para nosso incômodo, o social aparece com
freqüência sob a forma do controle. As possibilidades de reconstrução de laços
sociais raramente é motivo de preocupação. Geralmente, na internação, trata-se
de resolução imediata de problemas: a questão é saber se o paciente e a família
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Outro dado interessante é que, no discurso dos psiquiatras, encontramos
dois eixos para qualificação do paciente como compensado, a saber: a redução (ou
o desaparecimento) dos sintomas e, em íntima relação com isso, a possibilidade de
convivência social sem riscos de auto ou hetero-agressividade. O entrelaçamento
entre os dois eixos – redução de sintomas e convívio social – é ilustrativo da
impossibilidade de uma psiquiatria biológica que, em sua efetivação, esteja
centrada apenas no corpo do sujeito. Há sempre corpos em relação, ou seja, há
sempre o espectro do social em jogo – tanto no reconhecimento do patológico
como na definição, senão da cura, da compensação. Os sintomas de
agressividade talvez sejam os mais visíveis em termos da presença de
preocupações com a sociabilidade no campo da psiquiatria. Para alguns
psiquiatras, a diminuição desses sintomas é o critério mais importante no momento
de decidir pela alta: “O parâmetro principal; existem vários outros parâmetros, mas
o parâmetro principal seria o paciente não estar correndo risco de vida nem
causando risco de vida potencial a outras pessoas também” (R1).
estão em condições de conviver novamente. No ambulatório, as características do
atendimento colocam a manutenção no centro das atenções e o processo de
reinserção social, quando acontece, depende de uma conjunção de fatores ao
acaso, que não estão articulados sob a forma de um projeto terapêutico.
A importância que os psiquiatras darão ao controle dos sintomas ou às
possibilidades de convívio social é variável tanto na definição da compensação
como na dos critérios de alta. O acento pode recair sobre os critérios clínicos ou
não, mas, de qualquer modo, persiste sempre uma mixagem dos dois eixos, que
permanecem indissociáveis como as duas faces de uma mesma moeda. Para além
desses eixos que temos ressaltado, existem ainda outras formas de definir a
compensação. Uma delas implica pensá-la como um momento que se contrapõe à
fase aguda da doença, também conhecida como crise, ou surto. Havíamos
introduzido essa percepção quando apresentamos o relato do psiquiatra
identificado como PSQ2, segundo o qual a internação é o lugar do paciente em
crise, enquanto o ambulatório é o espaço destinado aos pacientes compensados.
Tal compreensão é reforçada pelo discurso de um outro psiquiatra, que nos diz: “a
maioria dos pacientes que a gente atende em psiquiatria são pacientes que têm
crises ou surtos, ou fases; quando não estão na crise, no surto, ou fase, a gente diz
que estão compensados” (PSQ3).
Outro modo de compreender a compensação diz respeito à manutenção
do paciente com o uso da medicação. Para isso, é necessário descobrir a
medicação e a dose certa para cada paciente. Vejamos alguns trechos de
entrevista que caminham nesse sentido. Para a psiquiatra PSQ7, por exemplo, o
compensado pode ser um paciente em remissão total que mantém a droga para
evitar novas crises ou um paciente em remissão parcial que permanece com o
mesmo quadro por um período considerável: “Eu tenho alguns pacientes que ficam
assim... na ondinha, e você fica tentando manter ele na ondinha pra ele não subir
nem descer muito, né?” Um raciocínio similar é sustentado pela médica R2, quando
nos diz:
“Isto é ele estar compensado: ele tá com aquela dose e aquela
dose não está fazendo variações e ele tá, pelo menos, em
condição de se cuidar e não agredir [...] de fazer o mínimo por
ele mesmo, entendeu? Isto é estar compensado”.
A partir das duas narrativas, podemos acrescentar: o paciente
compensado é também aquele que se apresenta estável a partir da droga
adequada, na dosagem correta, o que nem sempre se consegue com facilidade,
como expressa outra médica: “um compensa com 10mg, outro só compensa com
20. Pra gente saber isso?” (PSQ1).
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No caso da PSQ7, a imagem da “ondinha” é de grande riqueza para se
compreender o que seja a compensação, por condensar algumas idéias
fundamentais: a de estabilidade, a de variações que se mantêm dentro de um
espectro esperado e controlável e, como decorrência dessas duas, a ruptura com
os excessos, expressos na linguagem psiquiátrica como “sintomas produtivos e
negativos”1. Em psiquiatria, a compensação é mais do que um mecanismo de
complementação daquilo que falta. Ao mesmo tempo que pode nos remeter a uma
idéia de déficit, ela se torna sinônimo de equilíbrio e, por isso, é facilmente utilizada
como sinônimo de estabilização ou de quadro estável.
Até agora, apesar das diferenças de ênfase, observamos certa linha que
caracteriza o pensamento psiquiátrico, segundo a qual o paciente compensado é
aquele que: está com os sintomas controlados, assim é mantido através do uso de
uma determinada medicação (em uma dosagem específica); e tem possibilidades
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de conviver socialmente (o que não implica integrar-se na sociedade de modo
ativo). No entanto as variações de ênfase já demarcam a existência da polissemia,
que se exacerba no emprego dos adjetivos “compensado” e “estabilizado” (ou
estável).
A compensação apresenta-se como distinta da estabilização, para
alguns psiquiatras. A fronteira é delimitada pela possibilidade de remissão total dos
sintomas. Quando esta se faz presente, fala-se em compensação, mesmo que a
remissão total não seja atingida em um determinado momento. Os pacientes
compensados teriam, por assim dizer, uma alternância mais visível entre as crises
e os períodos de controle sintomático. A estabilização (ou quadro/paciente estável)
diria respeito aos casos em que existe sempre a persistência de um quadro
sintomático que resiste à intervenção médica. Nesses casos, os pacientes podem
até ter seus sintomas intensificados em um dado momento, mas, com o uso da
medicação, o resultado máximo obtido seria chegar-se ao retorno do quadro “de
base”.
O retorno ao quadro sintomático “de base”, na estabilização, seria um
equivalente ao retorno à normalidade na cura. A intervenção médica, pautada no
conhecimento prévio do paciente, teria, então, como objetivo, nesses casos, fazer
com que os sintomas fossem apaziguados até alcançarem seu núcleo irredutível.
Entre a compensação e a estabilização se desenharia certo desnível em termos de
expectativas e possibilidades de intervenção, maiores e melhores para os
pacientes que “compensam”.
É fundamental, aqui, considerar que a compensação e a estabilização
são diferentes, para alguns psiquiatras, como acima destacamos. Para outros,
esses termos são utilizados indiscriminadamente e significam a mesma coisa.
Compensar e estabilizar se torna, então, obter a remissão total ou parcial dos
sintomas. Em linhas gerais, seria manter o paciente “na ondinha”.
Os psicólogos entrevistados, por sua vez, preferem o termo estabilização
a compensação (que é também utilizado por esse grupo), sendo importante frisar
que a preferência se enraíza na adesão à psicanálise, teoria na qual a estabilização
seria uma “resolução” possível para os quadros de psicose (Freud, 1911). No
entanto a noção de estabilização conforme aparece na psicanálise não é
meramente reproduzida pelos nossos entrevistados. Ela é revisitada e desdobrada
em uma série de questões oriundas do exercício da profissão. A primeira psicóloga
que entrevistamos, por exemplo, mostra-se inquieta com o que se tornou uma idéia
corriqueira e repetida com certo grau de irreflexão no campo psicanalítico - a de
que o delírio, na psicose, estabiliza. Revendo o que se tornou quase um “jargão”
entre psicanalistas, ela nos diz que é preciso pensar um pouco melhor tal
proposição, posto que se aceitássemos tal idéia, se perderia, inclusive, a distinção
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Apesar do enfoque nas acepções de compensação e estabilização
desenvolvidas pelos psiquiatras, não podemos deixar de assinalar que se trata de
termos que circulam entre os vários profissionais do ambulatório. Esses
profissionais, no geral, reconhecem a existência da “compensação”, para os
psiquiatras, que corresponderia ao controle sintomático e, a tal concepção,
contrapõem suas percepções do que seria um paciente compensado. Por
exemplo: a assistente social entrevistada nos diz que os psiquiatras “falam
'compensado' quando o paciente tá obediente. Não fala do seu delírio” (AS1). Em
sua perspectiva, o paciente compensado é aquele que “tá aí, na vida, tá discutindo,
tá percebendo, tá questionando, tá brigando, não tá concordando.” O critério que
prevalece, no caso da assistente social, parece ser o de resistência, quando o
paciente se coloca de uma forma ativa e, mesmo, combativa na rede social.
entre o que é um paciente em surto e um paciente estabilizado, diferença
necessária para a própria realização do trabalho psicoterápico. Assim sendo, a
partir de sua experiência profissional, ela questiona e reconceitua a estabilização:
“[...] Eu sempre pensei a estabilização, mais ou menos, como
um paciente que eu tinha lá no consultório. Ele tinha uma
alucinação que ele via Van Gogh, etc., etc. ... todos esses
pintores conversando com ele. Pra ele, pra ele, aquilo era real,
mas no momento que ele tava com as outras pessoas, ele dizia
que ele sonhava. Quando o paciente consegue fazer esse
distanciamento do que é verdade pra ele e não é
necessariamente verdade pra outras pessoas, enfim, dizer a
verdade pode ser altamente complicado pra vida dele, quando
ele consegue fazer isso, ele tá estável, entendeu? Ele
consegue viver com esses dois mundos, mais ou menos. De
uma forma mais ou menos razoável. Sem negar o que ele
vivencia, [...] mas sem romper com a demanda da
normalidade. Pra mim, isso é estabilização, quando o paciente
consegue esse meio-termo, que é uma coisa extremamente
complicada e extremamente simples” (P1).
A angústia de pensar o que seria estabilização, além da repetição de que
o delírio estabiliza, é também compartilhada por outro psicólogo entrevistado (P2).
Este nos relatou o caso de um paciente esquizofrênico por ele acompanhado no
hospital que, aparentemente, estaria estabilizado dentro de um quadro delirante,
delírio do qual ele fala em terapia, mas que não ganha dimensões que impliquem
internação. No entanto seu paciente não trabalha, não tem uma parceira, ficando
seus vínculos sociais restritos ao hospital e à irmã com quem mora. A partir desse
caso e, no decorrer da entrevista, o psicólogo nos coloca uma série de inquietações
que, certamente, não são apenas suas. Uma primeira seria: o caso desse paciente
é um caso de estabilização? Manter-se com um delírio, mas ter uma vida restrita ao
circuito casa-hospital é sinal de estabilização? Talvez seja, no sentido psiquiátrico,
acima discutido, segundo o qual o paciente estabilizado é o que permanece com o
mínimo de sintomas que lhe é possível. No entanto, numa perspectiva
psicanalítica, ou mesmo, psicossocial, a questão se torna delicada e demanda uma
reflexão mais aprofundada no sentido de melhor considerar a inserção do sujeito
no seu contexto. Nessa perspectiva, uma indagação apresentada pelo psicólogo
diz respeito a que tipo de laço social se pode e se deve esperar do paciente
psiquiátrico. Sua preocupação poderia ser representada sob a forma da seguinte
questão: como evitar tornar o processo de integração social um dispositivo de
controle social?
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Apesar de as questões sobre o laço social permanecerem inconclusas,
na reconstrução do sentido da estabilização a primeira psicóloga que citamos
parece ter dado um passo interessante no sentido de pensá-la como uma janela
através da qual se comunicam o normal e o patológico. Nessa concepção, o
desaparecimento dos sintomas não é o mais importante. Conviver com o que se
considera “doença” seria possível. Como diz a P3, que desenvolve um conceito de
estabilização próximo ao da P1: “Pra mim, [estabilização] seria a convivência dele
com a doença. A convivência menos penosa pra ele”. Uma característica do
paciente estabilizado seria, nessa convivência, conseguir atender a demandas
sociais, ao mesmo tempo construindo laços que lhe sejam significativos.
A concepção estrutural adotada pelos psicólogos entrevistados é
responsável, em grande parte, pela diferença no modo de significar a
compensação e, especialmente, a estabilização, quando se compara esse grupo
com o dos psiquiatras. Numa concepção estrutural da patologia, não se pode
esperar que o sujeito se livre de modo absoluto dos seus sintomas como se lhe
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fosse possível desvencilhar-se de si mesmo. O que muda significativamente é a
convivência com a própria estrutura, por um lado, e com as demandas sociais, por
outro. No caso da psiquiatria, em que impera uma percepção fenomenológica
muito particular2, a patologia é o conjunto dos sintomas. Assim sendo, a remissão
total é uma possibilidade. O curioso e o paradoxal da nosologia psiquiátrica é que,
mesmo a patologia sendo definida pelo agrupamento dos sintomas, o
desaparecimento ou apaziguamento destes não significa o desaparecimento da
patologia.
Uma explicação para o paradoxo estaria nas hipóteses fisiológicas e
anatômicas lançadas pela psiquiatria biológica na tentativa de elucidar as
possíveis causas da doença mental. Tais hipóteses poderiam ter um efeito similar
ao de uma perspectiva estrutural, na medida em que apontam para processos
subjacentes à doença manifesta. No entanto isso não soluciona de todo o
paradoxo da psiquiatria contemporânea, na medida em que não resolve o enigma:
se a patologia é o conjunto de sintomas, por que a alteração nesse conjunto não
implica necessariamente o desaparecimento do quadro patológico? Por exemplo,
nos quadros de esquizofrenia, por mais compensado que se apresente o paciente
em um dado momento, há sempre a perspectiva de uma nova crise em seu
horizonte.
A remissão parcial será aceita e vivida de modo diferenciado pelos
psiquiatras, sendo importante lembrar que alguns deles têm uma proximidade com
a psicanálise, o que os deixa em uma posição intermediária, ou mesmo bem
diferenciada da de seus colegas. Esse é o caso da psiquiatra identificada como
PSQ8:
“Pra mim, paciente compensado é aquele que pode funcionar
de uma forma adequada, com ou sem sintomas na verdade [...]
que pretensão a nossa de acreditar que a gente possa fazer
desaparecer todos os sintomas com esse volume de
medicamentos! [risos]”.
Os profissionais do ambulatório, de modo geral, significam os substitutos
da cura - compensação e estabilização - com uma plasticidade teórica dada pelas
suas respectivas formações e linhas de atuação. E, para além dos direcionamentos
teóricos, percebemos também o potencial de recriação conceitual desenvolvido a
partir da inserção no cotidiano hospitalar, o que acontece em todas as categorias
profissionais. Desse modo, como era de se esperar, a polissemia existe entre os
profissionais e, de modo marcante, entre os psiquiatras, para os quais compensar
pode ou não ser um sinônimo de “estabilizar”. Além do mais, como vimos, a
compensação tem várias facetas no meio psiquiátrico – controle sintomático,
adequação da medicação e convívio social –, que são valorizadas com pesos
diferentes por profissionais distintos. A observação da polissemia no campo
psiquiátrico nos convida a repensar o modo reducionista de pensar os “psiquiatras”
como um grupo unívoco. Percebemos que as similaridades existem, mas que estas
não são suficientes para apagar as diferenças.
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Essa psiquiatra comenta, ainda, o que também é feito por outros
profissionais: que os pacientes facilmente aprendem a mentir, negam seus delírios
e outros sintomas, quando estes estão presentes. Para a médica em questão, o
controle sintomático não se torna mais a ação prioritária: “o que pra mim é muito
mais importante que o desaparecimento desses sintomas é compreender como é
que funcionam esses sintomas. Será que dá pra funcionar com ele? Dá pra
funcionar apesar dele?”
Metáforas elucidativas
Tendo encontrado no trabalho de campo uma produção de sentido tão
intensa em torno da compensação e da estabilização, surgiu a curiosidade de
compreender um pouco melhor a origem dos termos na psiquiatria. A curiosidade
se tornou ainda mais aguçada na medida em que não encontramos qualquer
empreendimento teórico que os discutisse ou os situasse historicamente.
Procuramos as pistas para resolver o enigma entre os próprios psiquiatras,
perguntando, durante as entrevistas, quando os termos eram citados, se eles
saberiam informar-nos acerca de sua origem. Invariavelmente, nossos
interlocutores se mostravam surpresos. Não exatamente com a natureza da
pergunta, mas ante seu próprio desconhecimento acerca de termos tão
empregados em seu cotidiano. Vencida a surpresa, alguns nos deram uma
primeira direção: a compensação não pertencia exclusivamente à psiquiatria,
sendo proveniente, na realidade, da clínica geral.
A questão nos acompanhou durante todo o trabalho de campo, ao longo
do qual os profissionais entrevistados nos ajudaram através de metáforas
utilizadas para traçar comparações entre seus pacientes e os portadores de outras
patologias, especialmente a diabetes e a hipertensão. Por exemplo, o psiquiatra
PSQ2, ao nos explicar o que seria um paciente compensado, observa:
“A esquizofrenia é a loucura, né? Quer dizer desaparecem os
sintomas, mas permanece a doença. Você pode comparar
esquizofrenia com diabetes, né? É uma doença, o paciente é
esquizofrênico e é doente para o resto da vida. Agora, em
determinado momento, ele descompensa, entra em fase
aguda”.
284
À mesma metáfora, recorre à psiquiatra PSQ6 que, pensando na
impossibilidade de uma cura definitiva, afirma que o paciente psiquiátrico
(especificamente, o psicótico) “É como o diabético. O diabético entrou em coma,
ficou no hospital, normalizou a glicemia dele, saiu de alta, mas ele não tá curado da
diabetes”. Outros psiquiatras, quando lembravam que a compensação estava
enraizada na clínica geral, logo comentavam que são comuns as referências a
diabetes descompensada e a hipertensão descompensada.
Cabe perguntar-nos os motivos pelos quais destacamos e valorizamos
como material de análise tais metáforas. Inicialmente, elas se constituíram como a
única pista com a qual contávamos para melhor esclarecer os substitutos da cura.
Mas é possível insistir: em que residiria o potencial elucidativo das metáforas?
Consideramos as metáforas um material de grande valor na nossa análise por
acreditar em seu potencial revelador dos nossos modos de perceber e assumir
posições nas relações interpessoais. As metáforas não se restringem, portanto, ao
campo da linguagem, mas são constituintes do pensamento e da ação
predominantes em uma determinada cultura. Assim sendo, não as
compreendemos como meras figuras literárias. “A essência da metáfora é
compreender e vivenciar uma situação nos termos de uma outra” (Lakoff, Johnson,
1980, p.5, tradução nossa). Assim sendo, o recurso metafórico implica a
transposição da lógica que nos permite compreender e experenciar um
determinado fenômeno para uma outra situação, fornecendo o substrato que
guiará nossa percepção e nossa conduta acerca dessa última3. Partindo dessa
leitura, quando a compensação, na doença mental, é comparada à compensação
na diabetes e na hipertensão, entram em jogo similaridades na forma lógica de
conceber as três patologias relacionadas.
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O emprego de tais imagens metafóricas – diabetes e hipertensão – não
foi de uso restrito dos psiquiatras. Elas reapareceram, fora do campo médico, no
discurso de duas psicólogas e no de um paciente. No caso das psicólogas, a
diabetes ora é relacionada com a compensação, ora com a estabilização: “A gente
acaba por hábito dizendo 'compensado', mas, se for pensar na palavra, a palavra
'compensado' é uma palavra esquisita, como se a gente estivesse compensando
alguma coisa. Me lembra diabético” (P1). É interessante observar aqui o uso do
termo compensado “por hábito”, o que reflete a incorporação de uma terminologia
da formação médica, por imersão no ambiente psiquiátrico. O uso do termo, no
entanto, não significa a adoção do sentido psiquiátrico majoritário. A psicóloga em
questão, quando fala em compensação, está se referindo à estabilização outrora
definida. Talvez por essa “torção” epistemológica, pela qual ela utiliza o
significante pertencente a um campo (psiquiátrico), dotando-o do significado
elaborado a partir de outro (psicanalítico), a P1 demonstra sentir certa estranheza
ao refletir sobre o termo.
A segunda psicóloga, que conceituara a estabilização referindo-se à
convivência com a doença, comenta que o paciente psiquiátrico seria como um
diabético: “[…] não consegue estabilizar uma diabetes, gente? E tem as crises e
tem os altos, e tem os baixos que você volta e dá conta?” (P3). Novamente
encontramos a incorporação não apenas da terminologia, mas também da lógica
médica, da qual a psicóloga se distanciara ao diferenciar seu conceito de
compensação do comumente adotado pelos médicos:
“Compensado, pra ele [psiquiatra], é a remissão do sintoma.
Ele não tá fazendo sintoma, para o psiquiatra, no discurso
dele, ele tá compensado. [...] Só a remissão dos sintomas e ele
tá todo lá; ele tá sofrido; ele tá péssimo. Ele não grita, mas tá
parado? O sintoma dele era gritar, era espernear. Isso aí a
medicação conteve. Fez essa contenção química, mas isso aí
pra mim não é estabilização. Estabilização seria isso um pouco
que eu falei anteriormente; seria essa convivência mais
adequada, menos penosa, menos sofrida, entendeu? Ele ser
visto na comunidade dele, ele não ser doido. [...] Então a
estabilização pra mim não é a remissão do sintoma e no
discurso médico é a remissão do sintoma”.
Mesmo desenvolvendo um conceito de estabilização que se contrapõe à
compensação psiquiátrica, a psicóloga não deixa de aderir a uma metáfora médica,
quando detalha seu modo de conceber a estabilização – contradição
compreensível no contexto hospitalar, onde a convivência entre saberes e práticas
distintas promove momentos antropofágicos, em que os conceitos de um campo
são assimilados por sujeitos pertencentes a um outro campo.
“Diabetes tem muito a ver com a mente, por causa do açúcar.
Se o sangue não está muito bem sobe pra cabeça e a cabeça é
o poder central. Eu acho que a senhora estudou isso.
Diabetes, hipertenso”.
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285
A incorporação da lógica médica é compreensível tanto pela imersão no
ambiente psiquiátrico como por um efeito da circulação social do discurso
científico, no qual os meios de comunicação de massa têm um papel fundamental.
Ao se tornar público, o saber científico é apropriado de diversos modos. Na
pesquisa, por exemplo, o único paciente que empregou uma metáfora desse tipo –
Armando – apropriou-se do discurso científico para criar uma interpretação para a
doença mental bastante peculiar:
Essa interpretação da doença encontra eco no conhecimento popular, no
qual a qualidade do sangue e de sua circulação são indicadores de boa saúde, o
que, por si só, já implica uma ressignificação do saber científico.
Na fala dos profissionais, o que parece possibilitar o estabelecimento de
relações entre a doença mental, a diabetes e a hipertensão é a noção de equilíbrio:
paciente compensado é um paciente equilibrado, apesar das diferentes
interpretações do que seria esse “equilíbrio”, no âmbito da saúde mental.
Possivelmente, é graças à noção de equilíbrio que a compensação é, muitas
vezes, utilizada como sinônimo de estabilização. Aliás, o dicionário Houaiss
(Houaiss, Villar, Franco, 2001) apresenta a idéia de equilíbrio no primeiro sentido
dado ao termo: “ato ou efeito de estabelecer o equilíbrio entre duas coisas que se
complementam ou que são antagônicas”. Especificamente no campo da fisiologia,
segundo o mesmo dicionário, a compensação pode ser entendida como:
“1. Processo pelo qual o organismo contrabalança qualquer
defeito ou problema estrutural ou funcional; 2. Reação do
organismo tendente a restabelecer o equilíbrio alterado por um
defeito estrutural ou funcional; 3. Manutenção do fluxo
sanguíneo adequado, sem sintomas de exaustão, operado por
mecanismos cardíacos e circulatórios (p.ex. taquicardia ou
hipertrofia cardíaca) ou pelo aumento do volume do sangue,
por retenção de sódio e de água; 4. Na visão, fenômeno de
adaptação que faz com que as sombras apareçam menos
escuras e os pontos luminosos menos brilhantes do que são;
5. No campo das sensações, processo pelo qual um estímulo
anula, parcial ou totalmente, outro estímulo, ou quando dois
estímulos neutralizam-se reciprocamente” (p.774-775).
O apanhado dos sentidos de compensação nos mostra que o termo, em
fisiologia, pode estar relacionado a uma das seguintes idéias: (1) correção de uma
falta ou déficit; (2) restabelecimento do equilíbrio; (3) manutenção do equilíbrio
existente; (4) adaptação; e (5) estímulos que se neutralizam. Entre estes, o único
sentido que não parece estar diretamente vinculado ao uso do termo no campo
psiquiátrico é o último.
286
A compensação, compreendida como um processo de equilibração,
remonta à medicina grega, mas o vocábulo ganhou novo sentido no século XIX,
com a fisiologia de Claude Bernard, médico que ficou na história como o pai da
medicina experimental. Claude Bernard, estudando justamente o mecanismo de
auto-regulação da glicose, confirmou uma velha intuição da medicina hipocrática
segundo a qual haveria no organismo um potencial curativo, “Um tipo de
medicação natural ou de compensação natural das lesões ou dos problemas aos
quais o organismo pode ser exposto”, no dizer de Canguilhem (2002) (Tradução
nossa). Para esse autor, a originalidade de Claude Bernard em relação ao
processo de equilibração orgânico estaria na demonstração da existência de um
meio interior que é produzido - e, em parte, regulado - pelo próprio organismo.
O desenvolvimento da fisiologia, de base experimental, sistematizada por
Claude Bernard, juntamente com o desenvolvimento da anátomo-patologia (com
Broussais e Bichat) teriam levado, segundo Canguilhem (1990), a um modo de
distinguir o normal e o patológico pautado em variações quantitativas, no qual os
processos patológicos são definidos como uma exacerbação ou redução das
funções normais. Por isso o patológico seria compreendido como hiper ou hipo. A
compreensão da doença como excesso ou falta é muito presente no campo da
saúde mental, ficando evidente quando se fala de sintomas produtivos ou
negativos, ou ainda, quando se utilizam efetivamente os prefixos citados, como na
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“hipomania”. Começamos a compreender melhor por que a idéia de compensação
não se resume ao suprimento de uma falta, mas implica o processo de
reequilibração orgânica.
Assim sendo, os modelos terapêuticos condizentes com a perspectiva do
patológico, como exarcebação ou redução das funções normais, são os que
Laplantine (1991) denomina como modelos “aditivo” e “subtrativo”. Uma
terapêutica aditiva seria aquela na qual uma falta, causadora da doença, é suprida,
enquanto a terapêutica subtrativa teria como objetivo retirar do organismo o que lhe
é excessivo. O autor nos diz que subjaz a tais perspectivas terapêuticas um modelo
ontológico da patologia, que, no caso da psiquiatria, nos parece presente através
das hipóteses que destacam os desequilíbrios de substâncias, especialmente os
neurotransmissores, como responsáveis pela doença mental.
Os estudos de Claude Bernard tiveram, ainda, duas repercussões
importantes para a nossa discussão – o surgimento do conceito de homeostase e o
aparecimento da noção de equilíbrio eletrolítico. O primeiro desses conceitos
ressalta a capacidade do organismo de conviver com as mudanças ambientais e
com as que se processam em seu interior. Para melhor compreender tal
capacidade, Walter Cannon (1963), um biólogo americano, decidiu nomear a
plasticidade adaptativa do organismo de homeostase, em uma obra intitulada The
wisdom of the body. O autor afirma ter formulado o conceito no lugar de utilizar a
idéia corrente de equilibria pelo fato desta se encontrar associada a estados físicoquímicos relativamente simples em sistemas fechados. Por sua vez, a homeostase
acrescentaria, à idéia de equilíbrio, seu caráter dinâmico, não havendo, portanto,
processo de equilibração orgânica dissociado da possibilidade de mudança.
A sabedoria do corpo, revelada pela homeostase, tornou-se o princípio
natural de moderação, equilíbrio e controle. Por este motivo, Canguilhem (2002)
afirma tratar-se de um termo que possui dupla conotação - fisiológica e moral:
“Direi que a idéia de sabedoria seria essencialmente a idéia de
medida, de controle e de domínio na condução da vida. Seria
isto que preserva o homem do império da desmesura, tentação
permanente do desvio, da aberração e do desprezo pelo limite”
(p.70, tradução nossa).
Na fisiologia médica, o equilíbrio também ganha um caráter, relacionado
ao mecanismo hidro-eletrolítico4. O equilíbrio, nesse caso, é determinado pela
existência de um número equivalente de cátions e ânions, ou seja, de eletrólitos
com cargas positivas e negativas nos vários compartimentos do corpo, onde a
água se faz sempre presente. Lembramos novamente a descoberta de Bernard
sobre a existência de um meio interno e sua capacidade de auto-regulação. O
equilíbrio eletrolítico pressupõe esse meio interno e também um externo, entre os
quais as trocas de líquido acontecem segundo a regra de compensação do líquido
perdido, o qual deve ser reposto na mesma proporção. A ruptura do equilíbrio hidron. 32 2007 p. 275-291
287
Essa proximidade do fisiológico e do moral está presente nas avaliações
da compensação dos nossos entrevistados, conforme discutimos na seção
anterior. É fundamental destacar que tal associação não é propriedade da
psiquiatria, pertencendo ao campo médico de modo geral. No entanto, no campo
psiquiátrico, adquire maior visibilidade. Neste, tanto a doença implica as
experiências de ausência de equilíbrio e desmesura quanto o tratamento almeja
uma reequilibração orgânica e adaptação social. Outra observação é que, se a
homeostase implica uma sabedoria do corpo que se auto-regula, a doença parece
ser, de algum modo, a perda dessa sabedoria, quando se abre o espaço para que o
saber médico venha a intervir.
eletrolítico está associada a uma série de patologias, entre as quais destacaremos
a diabetes e a insuficiência cardíaca. Sobre a diabetes, já havíamos apresentado
trechos de entrevista e realizado alguns comentários. Vamos agora observar como
as doenças cardíacas aparecem relacionadas à idéia de compensação:
“Vem mais da cardio [o termo compensação], que tudo quanto
é termo da medicina, vem da cardiologia, eles são os
inventores do termo. Então, é aquela coisa, compensar é a
quantidade que entra, o débito cardíaco tem que ser a mesma
coisa do retorno venoso. Se tá descompensado é sinal de que
um tá maior do que o outro. Então, o paciente apresenta
sintomas quando está descompensado e, quando está
estabilizado, não. [...]. A sensação que me dá é que o que ele tá
recebendo e o que ele tá emitindo é o adequado ao meio todo
que ele está, entendeu? Ele não tá na ponta. Ele não tá agitado
demais. Ele não tá embaixo demais. Ele tá no meio, ali entre
todas as pessoas, normal [...]. Assim como tem o compensado
na clínica geral tendo o equilíbrio hemodinâmico, basicamente
equilíbrio hemodinâmico, o compensado da psiquiatria vem do
equilíbrio social mesmo” (R2).
288
Esse foi o único caso em que se recorreu à especialidade médica da
cardiologia para ilustrar a compensação. No entanto o trecho merece destaque por
sua riqueza. Encontramos, na fala da residente, primeiro a compensação como
uma equalização entre o que entra e o que sai – isso logo nos remete ao equilíbrio
eletrolítico (como vimos, realmente importante na manutenção do funcionamento
cardíaco). Em seguida, aparece a distinção entre a clínica geral e a psiquiatria,
posto que o equilíbrio nesta última é de ordem social – o que o sujeito recebe do
meio deve equivaler às respostas que ele emite. A diferença esboçada não apaga a
lógica subjacente, que permite, inclusive, a comparação. Nessa lógica, médica, a
compensação implica o equilíbrio entre estímulos ou substâncias que entram e
saem, num jogo de trocas interior ao corpo ou entre o corpo e o mundo. O equilíbrio
social implicaria, segundo a entrevistada, uma adequação, considerando-se as
respostas que o sujeito emite. A adequação se refere realmente a algo mais do que
o equilíbrio fisiológico e, mesmo social, onde entramos, como apontava
Canguilhem (2002), na discussão sobre a homeostase no terrreno das normas
morais, segundo as quais se espera que o sujeito aja de acordo com os costumes
ou com as regras de conduta admitidas em uma sociedade5.
Tanto compensação como estabilização são termos merecedores de
uma “arqueologia semântica” bem mais refinada. O que fizemos aqui foi apenas
assinalar alguns caminhos que podem auxiliar-nos no entendimento do sentido
que os termos adquirem no campo da saúde mental. Nesse esboço arqueológico,
vimos que compensação e estabilização são termos provenientes da clínica geral,
como bem indicaram nossos entrevistados, não sendo, portanto, exclusivos da
saúde mental. Suas origens remontam à medicina hipocrática, na qual a noção de
equilíbrio já era de importância fundamental, mas ganham uma força particular a
partir do advento da medicina experimental de Claude Bernard, quando surge a
idéia de meio interior e o princípio da auto-regulação. Com a fisiologia
sistematizada por Bernard, o tema do equilíbrio ganhou novas formas e forças
como na conceituação de homeostase e na discussão sobre equilíbrio hidroeletrolítico. A história dos termos se dissipa na própria história da medicina, mas
tem efeitos específicos no campo da saúde mental, quando a busca pelo equilíbrio,
ou seja, pela compensação, é menos visível pela regulação do que se supõe
desordenado organicamente (os neurotransmissores) do que pela regulação da
conduta moral e social.
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Considerações finais
As dificuldades teóricas e práticas, decorrentes da carga semântica da
qual se reveste a cura no campo psiquiátrico, levou a sua substituição, no
ambulatório pesquisado, por novos alvos, que seriam a compensação e a
estabilização dos usuários. No entanto a polissemia que envolve os termos era
significativa e revelava a inexistência de uma semântica compartilhada e de um
projeto terapêutico em torno dos quais os profissionais poderiam estar aglutinados.
Dentre os sentidos explorados, a compreensão segundo a qual
compensar se resume a controlar dos sintomas graças ao uso das medicações
disponíveis nos pareceu a mais problemática. Tal interpretação estava articulada a
uma prática na qual o remédio aparecia como o principal agente terapêutico,
ficando outros elementos, como a relação com os profissionais e as estratégias de
reinserção social, relegados a um segundo plano.
Refletindo-se sobre a direção do tratamento, caso se deseje levar o
paciente a obter algo mais do que a compensação e a estabilização, é preciso
definir com clareza objetivos para o trabalho ambulatorial, o que,
reconhecidamente, não é tarefa fácil. Mesmo que os problemas estruturais (como o
número insuficiente de profissionais) fossem sanados, vários motivos ainda
tornariam a empreitada delicada; por exemplo, podemos destacar: a diversidade
de patologias atendidas, as diferentes formações dos profissionais que atuam e,
principalmente, a dificuldade de se transformar a cultura ambulatorial, no sentido
de torná-la mais receptiva para abraçar projetos novos e desenvolver ações
integradas (entre profissionais, com outros setores e outras instituições). Não
podemos esquecer, ainda, que, por mais que se definam critérios gerais que
efetivamente guiem a conduta dos profissionais no ambulatório, tais critérios terão
sempre que ter a flexibilidade necessária para se atualizarem na clínica, onde
novas definições acontecem entre paciente e profissional. Nesse sentido, a
psiquiatra PSQ8 afirmou que, na relação paciente e psiquiatra, é muito comum que
o primeiro repasse para o médico uma demanda que é de sua família e de sua
comunidade:
O ambulatório em questão não possuía, por ocasião da pesquisa, uma
direção do tratamento definida como projeto conjunto capaz de orientar não
apenas os profissionais, mas a população atendida. Construir esse projeto não é
tarefa fácil, mesmo no cotidiano da clínica, entre médico e paciente. O que não
significa dizer que seja tarefa impossível; pelo contrário, mostra-se necessária. No
entanto, durante o período em que estivemos imersos no ambulatório, observamos
que: os profissionais agiam prioritariamente de modo isolado ou em circuitos
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289
“Existe também uma cobrança de funcionamento que é muito
tensa e que ele [paciente] acaba lançando isso pra você. Ele,
por uma questão dos familiares, de não sei quem, do vizinho,
de não sei da onde, quer a todo preço voltar ao funcionamento
anterior, digamos, ou melhor. [...]. Ele não consegue voltar. Ele
não consegue voltar porque sofre, faz sofrer essa posição que
ele tava antes, né? Mas ele lhe lança todo esse tempo essa
questão, ele quer voltar e ele tá o tempo todo insatisfeito e se o
médico não tomar o cuidado de entender essa coisa, ele fica
nessa, eles ficam nessa briga, sabe, uma briga que é levar o
indivíduo lá. E não tem cura, não tem cura, não tem nada. Eu
acho que é trabalho também do médico aí poder trabalhar esse
desejo do que é, aonde você quer ir, aonde, o que é o nível
optimal desse indivíduo, aonde é realmente que ele pode ir.
Será que a gente pode se dar satisfeito alguém chegando a
esse nível?”
relacionais pautados em vínculos afetivos; o remédio era o ator mais importante na
dinâmica ambulatorial; e a direção do tratamento – se for possível falar de uma –
ocorria no sentido da compensação e da estabilização. Desse modo, a
permanência indefinida dos pacientes no ambulatório tendia a levar à cronificação,
da qual alguns se salvavam por um ou mais dos seguintes motivos:
estabelecimento de vínculos significativos com seus psiquiatras e/ ou outros
profissionais (psicólogos, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais,
principalmente) em atendimentos individuais ou grupais, ou, ainda, porque
encontravam motivos na própria vida para resistir a um tratamento que se
configurava como cronificante.
Os substitutos da cura, especialmente a compensação e a estabilização,
determinam alvos para a prática institucional que acabam incidindo sobre as
subjetividades dos sujeitos que procuram, no ambulatório, um alívio para seu malestar e encontram, por vezes, apenas o controle dos sintomas. O impacto
normatizador reduz a direção do tratamento à tentativa de manter o sujeito distante
daquela que seria uma situação de risco para si próprio e para os outros. No
entanto cabe nos perguntarmos se não é possível, em saúde mental, criarmos
dispositivos que possam ir além, no sentido de melhor trabalhar os laços sociais do
sujeito para que ele não fique aprisionado nem no sofrimento nem tampouco no
sistema que deveria dele cuidar.
NOTAS
1
“Os sintomas positivos parecem refletir um excesso ou distorção de funções normais, enquanto os sintomas
negativos parecem refletir uma diminuição ou perda de funções normais. Os sintomas positivos [...] incluem
distorções ou exageros do raciocínio lógico (delírios), da percepção (alucinações), da linguagem e
comunicação (discurso desorganizado) e do controle comportamental (controle amplamente desorganizado
ou catatônico). Esses sintomas positivos podem compreender duas dimensões distintas, que, por sua vez,
podem estar relacionadas a diferentes mecanismos neuronais e correlações clínicas subjacentes: a
'dimensão psicótica' inclui delírios e alucinações, enquanto a 'dimensão da desorganização' inclui discurso e
comportamento desorganizados. Os sintomas negativos [...] incluem restrições na amplitude e intensidade
da expressão emocional (embotamento de afeto), na fluência e produtividade do pensamento (alogia) e na
iniciação de comportamentos dirigidos a um objetivo (avolição)” (DSM-IV, 2002, p.304-305).
2
Afirmamos ser particular, pois a fenomenologia pode ser compreendida de diversos modos. A tradição
filosófica na qual o termo foi forjado não tem nenhuma relação com a nosologia psiquiátrica hoje
predominante. Na psiquiatria, houve uma tradição fenomenológica inaugurada por Karl Jaspers que, apesar
de incorporar algumas das idéias filosóficas, também não pode com esta tradição ser equalizada e, mesmo
assim, a psiquiatria contemporânea não mais segue o caminho aberto por Jaspers. A qualificação de
“fenomenológica” para a psiquiatria atual diz respeito, única e exclusivamente, a sua natureza
eminentemente descritiva.
290
3
Lakoff e Johnson (1980) nos fornecem um exemplo elucidativo do papel estruturante da metáfora em uma
dada cultura, explorando a metáfora americana “argument is war” e seus derivados, tais como: “He attacked
every weak point in my argument”; “I demolished his argument”; “If you use that srategy, he will wipe you out”
(p.4). O autor ressalta que não se trata de meras comparações. O modelo da batalha seria não apenas um
modo de pensar as trocas argumentativas, mas uma forma incorporada de efetivamente argumentar e
contra-argumentar (que poderia ser contra-atacar).
4
Ver Mecanismo hidro-eletrolítico, 2003
5
Sobre o conceito de “moral”, ver Lalande, 1996.
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291
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n. 32 2007 p. 275-291
292
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