Bronquiolites: Segmento Anátomo – Clínico das Doenças Pulmonares Não-Tumorais & Complexidade Etiopatogénica Lina Carvalho Lição de Agregação Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra 2008 1 Lina Maria Rodrigues de Carvalho Bronquiolites: Segmento Anátomo - Clínico das Doenças Pulmonares Não -Tumorais e Complexidade Etiopatogénica SUMÁRIO da LIÇÃO Candidatura ao Título Académico de Professor Agregado em Anatomia Patológica Decreto – Lei nº 239/2007 de 19 de Junho (1ª Série – Nº116) Coimbra 2008 2 Bronquiolites: Segmento Anátomo-Clínico das Doenças Pulmonares Não-Tumorais & Complexidade Etiopatogénica Sumário: • • • • • • • Bronquiolites Cronologia morfológica Funcionalidade fisiológica Perspectiva do Patologista Classificação Histopatológica Bronquiolites nas Doenças Pulmonares A Clínica e o Diagnóstico Morfológico Biopatologia e Etiopatogenia Objectivos: • Valorizar as Bronquiolites como um grupo de doenças primárias e secundárias com sistematização etiológica • Definir uma Classificação Anátomo-Clínica com integração Imagiológica • Entender a etiopatogenia das Bronquiolites à luz dos conhecimentos actuais de biopatologia • Contribuir para o conhecimento da patologia molecular das Bronquiolites delineando áreas de investigação 3 Bronquiolites Cronologia Morfológica & Funcionalidade Fisiológica William Thurlbeck abordou a importância da morfologia/fisiopatologia das bronquiolites no The new England Journal of Medicine em 1968, enquadrada na doença pulmonar obstrutiva crónica – DPOC – e no seu tratado de patologia pulmonar, editado posteriormente. Este livro ainda hoje é consultado para estudo da Anatomia Patológica das doenças pulmonares mais comuns, então estudadas em casos de autópsia que permitiram entender a sua fisiopatologia e correlação anátomo-clínica, na sua forma básica, através da mcroscopia e observação histológica. Averill Liebow publicou em 1972 a primeira classificação das Pneumonias Intersticiais Idiopáticas, ponto de partida para o estudo das doenças pulmonares difusas, onde as bronquiolites, a pouco e pouco, preenchem um capítulo: a sua incidência e morbilidade aumentaram nos últimos 30 anos devido à poluição ambiental e profissional. Liebow descreveu a bronquiolite obliterante no contexto imagiológico – Raios X – dando visualização ao corpo de Masson, cujo contexto fisiopatológico permite chamar-lhe pólipo inflamatório miofibroblástico. Na década seguinte, surgem as primeiras classificações morfológicas, por parte de Patologistas e Pneumologistas Ingleses e Americanos, trabalhando em coordenação anátomo-clínica. Nos EUA surgem dois Patologistas: Thomas Colby e Anne-Louise katzenstein e no Reino Unido, dois Pneumologistas: Elizabeth Turner-Warwick e o Professor Davidson do Royal Brompton Hospital, hoje também conhecido como o Heart and Lung Institute da Universidade de Londres. Até 1992 as publicações e difusão do conhecimento médico das bronquiolites era efectuado no contexto clínico e imagiológico. Diseases of Small Airways-State of The Art, foi o primeiro trabalho de compilação do enquadramento morfológico das bronquiolites nos quadros clínicos das doenças pulmonares difusas primitivas, secundárias (e iatrogénicas). Este trabalho de quatro Patologistas Americanos foi posteriormente continuado com entusiasmo por Jefferey Myers que definiu as bronquiolites como diseases in which an isolated pathologic process is limited to bronchioles anatomically. 4 Bronquiolites 1968 – 2007 1968 – William Thurlbeck 1972 – Averill A Liebow – OB! 1983 – Epler & Thomas Colby - Davidson & E TurnerWarwick 1985 – Yousem & Colby 1987 – J Myers & A-L Katzenstein 1989 – Yousem & Colby 2000 – Helmut Popper 2001 – Yousem 2002 – du Bois – A-L Katzenstein 2003 – J Myers 2004 – Churg & Myers 2006 – C Robalo Cordeiro 1992 – Cagle &Colby &Myers &Churg – B Corrin 1998 – T Colby 1999 – du Bois & Colby & Nicholson Seguindo a definição de J Myers e com a possibilidade de observar mais biopsias pulmonares cirúrgicas, esforçámo-nos por entender e ordenar a resposta inflamatória observada ao longo dos eixos bronco-vasculares, de forma isolada e no contexto das doenças com compromisso lobular e das vias aéreas. Este trabalho foi preponderante a partir de 1998. Surgiam mais casos clínicos de bronquiolite: quadro clínico aparatoso, por vezes com necessidade de internamento do doente no Serviço de Medicina Intensiva e com características Imagiológicas e Morfológicas irrelevantes, para além da distensão alveolar, que não correspondia a enfisema. Aliás, a bronquiolite está na lista das doenças pulmonares em que o Patologista pode relatar o parênquima pulmonar como normal, numa biopsia cirúrgica. A fisiologia bronquiolar, de transição entre as vias aéreas de condução e o septo interalveolar da hematose, é biunívoca: apresenta-se sob a forma clínica obstrutiva e / ou restritiva. A contracção da célula muscular lisa da parede do bronquíolo terminal funciona como válvula, dificultando a expiração e assim, observa-se distensão alveolar nos exames imagiológicos. 5 Bronquiolites – Fisiologia Bronquíolo < 2 mm de diâmetro Bronquíolo Membranoso – células musculares lisas e fibroblasto Bronquíolo Terminal – fibroblastos e célula muscular lisa Lóbulo ou Ácino Pulmonar – Basic Unit of Gas Exchange Bronquíolos Respiratórios – 2 a 5 gerações < 0,5mm diâmetro Ductos Alveolares Sacos Alveolares Alvéolos Lóbulo Pulmonar – Função Respiratória • Os bronquíolos não perturbam a resistência aérea no pulmão normal – a área total de corte sagital das vias áreas pequenas é muito maior que a área total de corte sagital das vias aéreas superiores / centrais • Mas: anormalidades no plano das vias aéreas pequenas contribuem para aumento desproporcionado da resistência das vias aéreas pequenas 6 Lóbulo Pulmonar – Função Respiratória • Anormalidades no plano das vias aéreas pequenas contribuem para aumento desproporcionado da resistência destas vias aéreas • Porque: - Bronquíolo Membranoso - Bronquíolo Terminal apresentam células musculares lisas na parede Padrão Obstrutivo – Efeito Valva - Bronquíolo Respiratório integra a unidade básica de troca gasosa Padrão Restritivo – Dispneia Adaptativa Perspectiva do Patologista & Classificação Histopatológica Nos últimos 15 anos, os tratados de patologia pulmonar passaram a abordar as bonquiolites num capítulo independente, fundamentalmente entendidas como doenças das vias aéreas pequenas, então de forma isolada ou no contexto de outra doença pulmonar. Na literatura médica em geral e na área da Anatomia Patológica em particular, a morfologia das bronquiolites surge geralmente interpretada à luz da clínica, quer como resposta a agente conhecido, quer como elemento interpretativo no contexto clínico e morfológico. Entendemos que o contributo da Anatomia Patológica para o entendimento fisiopatológico e morfológico das bronquiolites pode ser específico e aplicável ao contexto clínico em geral, contribuindo para entendimento mais fácil destas doenças e interpretação correcta do quadro clínico. Com esta convicção, podemos classificar as bronquiolites em Específicas e Não – Específicas. Esta linguagem segue a fórmula corrente da linguagem morfológica: as Bronquiolites Específicas caracterizam-se pela identificação de um marcador histológico e as Bronquiolites NãoEspecíficas, apresentam infiltrado inflamatório não específico na parede bronquiolar. 7 Bronchiolitis – Histopathological Classification • Specific Bronchiolitis – with a morphological marker Acute Bronchiolitis Constrictive Bronchiolitis Obliterans Bronchiolitis Diffuse Panbronchiolitis Respiratory Bronchiolitis Eosinophilic Bronchiolitis Follicular Bronchiolitis Granulomatous Bronchiolitis Dust Airway Disease – Mineral and Non-Mineral Diffuse Aspiration Bronchiolitis • Non – Specific Bronchiolitis – Without a morphological marker Acute and Chronic Bronchiolitis Chronic Bronchiolitis Bronchiolitis – Histopathological Classification • Specific Bronchiolitis – W ith a morphological marker Acute Bronchiolitis granulocytes Constrictive Bronchiolitis collagen Obliterans Bronchiolitis inflammatory myofibroblast polyp Diffuse Panbronchiolitis interstitial macrophage Respiratory Bronchiolitis pigmented macropage Eosinophilic Bronchiolitis eosinophils Follicular Bronchiolitis lymphoid follicles Granulomatous Bronchiolitis granulomata Dust Airway Disease – Mineral and Non-Mineral silicates …/ nylon … Diffuse Aspiration Bronchiolitis giant cells - macrophages • Non – Specific Bronchiolitis – Without a morphological marker Acute and Chronic Bronchiolitis Chronic Bronchiolitis lymphocytes / granulocytes lymphocytes Bronquiolites nas Doenças Pulmonares & 8 A Clínica e o Diagnóstico Morfológico É conveniente integrar os conceitos anátomo-patológicos das bronquiolites na linguagem clínica para reconhecimento de uma classificação que seja aceite e interpretada de igual forma por Pneumologistas, Patologistas, Imagiologistas, Cirurgiões Cárdio-Torácicos e em geral, por todos os Médicos. Esta afirmação decorre da existência de duas classificações paralelas, de Anatomia Patológica e Clínica, para as Pneumonias Intersticiais Idiopáticas, resultantes de trabalho conjunto entre a ERS – European Respiratory Society e a ATS – American Thoracic Society, em 2000/2001. São entendíveis mas dispensáveis, para facilitar a compreensão anátomoclínica de um capítulo difícil para Pneumologistas e Patologistas. Os padrões morfológicos das Bronquiolites Específicas e das Bronquiolites Não-Específicas, podem ser observados no contexto de outras doenças. Então, a Classificação das Bronquiolites em geral, será condicionada pelas formas Primária, se em quadro clínico isolado de bronquiolite e Secundária, quando no contexto de uma doença pulmonar e / ou das vias aéreas e quando do compromisso pulmonar de uma doença sistémica. Bronchiolitis Clinical & Pathological Classification • Primary Bronchiolitis Specific Bronchiolitis Non-specific Bronchiolitis • Secondary Bronchiolitis to Parenchimal Diseases Bronchial Disease Non-Pulmonary Disease 9 Bronchiolitis – Clinical & Pathological Classification • Primary Bronchiolar Diseases Specific Bronchiolitis Non-Specific Bronchiolitis • Secondary Bronchiolar Diseases To Parenchimal Diseases Bronchial Diseases Non-Pulmonary Diseases Morphology of Primary Bronchiolar Diseases As doenças pulmonares difusas caracterizam-se por apresentar morfologia inflamatória variável de acordo com a resposta inflamatória e imunitária previsível para o agente, quando identificável. A inflamação bronquiolar está presente de forma dispensável para o diagnóstico. 10 Ao quadro geral das doenças pulmonares difusas há que acrescentar as pneumonias infecciosas, as vasculites e a hipertensão pulmonar primária (e secundária). Nestas doenças, a bronquiolite está presente e pode ser o factor mais importante na sintomatologia e sinais da clínica. As doenças dos brônquios, pela fisiopatologia e gravidade de compromisso, relegam para segundo plano, a importância clínica do compromisso bronquiolar secundário. Biopatologia e Etiopatogenia No contexto Português, o exemplo seguinte é elucidativo: numa biopsia transbrônquica, um granuloma epitelióide não necrosante é suficiente para o diagnóstico da sarcoidose, no contexto clínico. Numa biopsia transtorácica ou cirúrgica, efectuada para esclarecimento do quadro clínico, o mesmo granuloma epitelióide, pode também ser indicativo de tuberculose e de alveolite alérgica extrínseca / pneumonia de hipersensibilidade. Assim: localizado na parede de um vaso do eixo bronquíolo-vascular, indica sarcoidose, justa-bronquiolar / brônquico, indica tuberculose e adjacente ao septo inter-alveolar, ocupando o espaço alveolar, corresponde a resposta inflamatória a agente inalado, orgânico – AAE/PH ou inorgânico – poeiras minerais. Como resposta a medicação, nomeadamente a quimioterapia, este granuloma epitelióide pode também ser observado na parede bronquiolar! Outro exemplo, abrangente ao compromisso pulmonar em geral, é a resposta inflamatória pulmonar aos constituintes do tabaco, cuja morfologia é evidente e ainda sem entendimento fisiopatológico esclarecido. Há resposta variável de indivíduo para indivíduo e a Bronquiolite Respiratória, já está identificada em não fumadores e crianças (fumadores passivos – inalação de outras substâncias – ?) Marcadores preditivos de resposta terapêutica e de evolução fisiopatológica para as bronquiolites, têm o mesmo valor e necessidade de ser identificados como para o carcinoma bronco-pulmonar. As bronquiolites como doenças crónicas, são progressivas e comportam-se como doenças degenerativas que conduzem à perda da função respiratória, quando o agente causal não é eliminado. As Bronquiolites Agudas fazem parte da patologia pediátrica e são alvo de estudos fisiopatológicos muito importantes na literatuta internacional porque ainda são causa de mortalidade importante, nomeadamente em Portugal. As crianças mais jovens, até aos dois anos de idade, demonstram 11 reactividade bronquiolar muito exuberante aquando de infecções virusais e onde o neutrófilo tem acção preponderante. Objectivos Pretende-se que se cumpram os Objectivos definidos para o entendimento das Bronquiolites como doenças ambientais e profissionais específicas, com variabilidade e susceptibilidade individual. De forma genérica, delineámos uma Classificação das Doenças Bronquiolares, englobando os conceitos morfológicos, fisiopatológicos, clínicos e biopatológicos. Referências Visscher DW, Myers JL. Bronchiolitis: the pathologist’s perspective. Proc Am Thorac Soc 2006: 3(1):41-7. Cordeiro CR. Airway involvement in interstitial lung disease. Curr Opin Pulm Med 2006: 12:337-341. 12 Macedo M, Precioso J. Evolução da epidemia tabágica em adolescentes portugueses escoilarizados e vias para o seu controlo – Uma análise baseada nos dados do Health Behaviour in School – Aged Children (HBSC). Revista Portuguesa de Pneumologia 2006: XII(5): 525-538. Cordier J-F. Bronchiolites. Enciclopédia Médico-Cirúrgica. Paris; 2005; 6-034-A10:1-10. Nicholson AG, Addis BJ, Bharucha H, Clelland CA, Corrin B, Gibbbs AR, Hasleton PS, Kerr KM, Ibrahim NBN, Stewart S, Wallace WAH, Wells AU. Interobserver variation between pathologists in diffuse parenchymal lung disease. Thorax 2004; 59:500-505. 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