PIB fraco muda debate sobre salário mínimo http://www.valor.com.br/imprimir/noticia_impresso/3858714 Imprimir () 14/01/2015 - 05:00 PIB fraco muda debate sobre salário mínimo Por Ligia Guimarães e Flavia Lima Gabriel Leal de Barros, economista do Ibre-FGV: "Até 2017, a melhor opção do ponto de vista fiscal é manter a atual regra" O crescimento fraco da economia brasileira observado recentemente motivou uma inesperada troca de posições entre economistas e sindicalistas na acirrada discussão sobre qual será a regra que determinará os reajustes do salário mínimo nos próximos anos. O modelo atual, que corrige o mínimo pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes, deixa de valer para o salário de 2016. Em 2015, o reajuste deve ter efeito adicional de R$ 38,429 bilhões sobre a renda de beneficiários do INSS, empregados e trabalhadores domésticos, beneficiando um total de 47 milhões de pessoas, na estimativa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Os que antes defendiam que a regra fosse mudada já em 2016, agora concordam com a manutenção, já que, na prática, a expansão pífia da economia em 2014, e provavelmente em 2015, fará com que o mínimo seja corrigido praticamente apenas pela inflação. Por outro lado, representantes das centrais sindicais passaram a considerar alternativas que "descolem" o ganho salarial dos efeitos da volatilidade da economia. Para o primeiro grupo, os custos fiscais da regra se sobrepõem aos seus efeitos mais benéficos, que tendem a perder força. Só na Previdência, por exemplo, o acréscimo de cada R$ 1 no salário mínimo tem impacto estimado pelo Dieese de R$ 285,84 milhões ao ano sobre a folha de benefícios. Dessa forma, a aumento de R$ 64 no mínimo - que passou a valer a R$ 788 - corresponde a um custo adicional ao ano de cerca de R$ 18,3 bilhões. No segundo grupo, as atenções se voltam para os impactos positivos especialmente sobre a renda dos mais pobres, como a possibilidade de compra de 2,22 cestas básicas com o mínimo atual - a maior registrada nas médias anuais desde 1979. "Até 2017, a melhor opção do ponto de vista fiscal é manter a atual regra", diz Gabriel Leal de Barros, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). Segundo ele, a estagnação da economia no ano passado, somada ao acúmulo de ajustes econômicos que precisarão ser realizados em 2015, reduziu a perspectiva de crescimento futuro e tornou a regra atual a melhor alternativa, sob a ótica fiscal, para corrigir o salário mínimo em 2016 e 2017. "O salário mínimo já está em patamares praticados em outros países do mundo, e em uma proporção mais próxima do rendimento médio da economia. A situação é bem mais razoável que antes e não justificaria essa política nos próximos anos, além dessa janela de transição", diz Barros. É justamente a economia estagnada que leva representantes dos trabalhadores a considerarem alternativas que protejam o 1 de 2 15/01/2015 10:57 PIB fraco muda debate sobre salário mínimo http://www.valor.com.br/imprimir/noticia_impresso/3858714 ganho salarial da volatilidade econômica. "Poderia se pensar na hipótese de, em vez de usar o PIB dos últimos dois anos, usar o PIB de um período mais longo, uma média do crescimento dos últimos cinco anos, por exemplo", diz o coordenador de relações sindicais do Dieese, José Silvestre. Embora as centrais ainda não tenham firmado posição sobre o tema e nem iniciado oficialmente os debates de 2015, a nova regra do mínimo está na pauta do Dieese, que espera compor a comissão interministerial e técnica, prevista em lei, que debaterá o assunto ao longo deste ano. "Pode haver mudança para aperfeiçoamento, desde que não se reduza a magnitude desse ganho", diz Silvestre. Não é o que pensa Barros, do Ibre. Para o próximo período de vigência da lei, ele diz que a regra ideal seria algo mais alinhado à produtividade do trabalho. "As empresas pagam salário maior do que o trabalhador consegue produzir. O setor de serviços repassa isso para preços, mas a indústria tem mais dificuldade", diz. Sobre a melhor forma de medir a produtividade, Barros diz que essa é uma questão que só será respondida com o amadurecimento do debate. Manuel Thedim, diretor do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), concorda. Segundo ele, reajustar o mínimo acima da produtividade do trabalho é criar uma fantasia. "Com o tempo essa vantagem desaparece. Salário mínimo muito acima da produtividade vai acabar tirando as pessoas do trabalho formal", diz. Segundo Thedim, nos últimos anos a formalidade se manteve firme no mercado de trabalho, porque o país passou por um círculo virtuoso de preços relativos internacionais e estímulo ao consumo. "Nesse período o grosso da queda da desigualdade foi em função do mercado de trabalho. Mas isso se esgotou", diz Thedim. Barros enxerga o equilíbrio das contas públicas como algo essencial para garantir a manutenção dos avanços sociais conquistados nos últimos 20 anos. "É fundamental que o ajuste fiscal tenha sucesso. Qualquer sinal de instabilidade nas contas públicas causará revisão de rating, o governo vai pagar mais juros para rolar sua dívida, e isso não se sustenta. Sou absolutamente a favor das políticas sociais, mas também sou a favor de ter contas públicas equilibradas, não estamos nessa situação", diz. Entre as demais alternativas em debate para a regra que poderia corrigir o mínimo no futuro, Barros, do Ibre, vê com ceticismo, por exemplo, a sugestão de se segurar os reajustes do salário mínimo e elevar o abono salarial, apresentada por Ricardo Paes de Barros, da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), em entrevista ao Valor. Isso porque a política de valorização do mínimo ampliou largamente o número de pessoas que têm direito ao abono. Segundo Barros, o número saltou de 7,9 milhões de beneficiados em 2003 para 22 milhões em 2014. "Certamente o custo dessa política não será pequeno", diz. Já Silvestre, do Dieese, diz que, à primeira vista, a política de se corrigir o salário mínimo parece mais abrangente que a hipótese se elevar o abono salarial. "O abono é pago para quem está formalizado. Já o mínimo tem um alcance maior e um efeito para a economia muito maior", diz. Para o professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, Claudio Dedecca, o governo se encontraria em uma situação difícil se optasse por mudar a regra, atenuando ainda mais o aumento do mínimo. "Querer mexer na lei sabendo do imbróglio político que ela carrega é temeridade enorme. O baixo crescimento já vai provocar um desgaste em termos de um crescimento lento do salário mínimo real com fôlego ainda menor para a queda da desigualdade." 2 de 2 15/01/2015 10:57