sistematização do saber produzido pelo professor na

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SISTEMATIZAÇÃO DO SABER PRODUZIDO PELO PROFESSOR NA
PRÁTICA PEDAGÓGICA
VASCONCELLOS, Silvia Marques de – PUCPR
[email protected]
MARTINS, Pura Lúcia Oliver – PUCPR
[email protected]
Área Temática: Formação de Professores
Agência Financiadora: CNPq
Resumo
O objeto desse estudo é a didática prática desenvolvida pelos docentes em um momento de
significativas transformações sociais. A educação é desafiada a favorecer igualdade de
condições, contemplando a realidade e as necessidades do sujeito, possibilitar a participação e
o acesso aos saberes em todas as classes sociais. O objetivo é levantar as ações docentes para
sistematizar as práticas que se propõem a desenvolver uma ação alternativa, estruturá-las
teoricamente considerando suas implicações pedagógicas e organizacionais e socializá-las por
meio da elaboração de cadernos de experiências de ensino. A pesquisa é de abordagem
qualitativa, modalidade estudo de caso. A coleta de dados foi feita por meio de análise
documental e observação participante com registros etnográficos. Participaram da pesquisa
três professoras de Ensino Fundamental de uma escola da rede particular. Foram considerados
o tempo de experiência no magistério (mais de 20 anos) e a participação na construção do
projeto político-pedagógico da escola como critério de escolha dos sujeitos. O estudo apóia-se
nos estudos de Veiga, Vygotsky e Martins e toma como eixo de análise dos dados a
concepção da teoria como expressão da prática. O estudo revela que (i) o engajamento dos
professores na construção do projeto pedagógico, reflete no processo de ensino aprendizagem
e das ações coletivas observadas; (ii) a riqueza de material que foi registrado no caderno de
experiência de ensino possibilitou a troca em momentos significativos; (iii) nesses momentos
de troca as professoras sentiram-se valorizadas e a reflexão sobre o trabalho as motivou a
registrarem novas experiências; (iv) as professoras foram despertadas a reconhecer em seu
trabalho a possibilidade de produzir conhecimento e socializá-lo de forma democrática
estabelecendo uma organização diferenciada de trabalho onde o próprio grupo constrói seu
conhecimento e reflete sobre suas práticas.
Palavras-chave: Ação Docente; Didática prática; Teoria- Prática.
Introdução
No atual momento histórico, a escola não pode ficar alheia à necessidade de oferecer
aos seus alunos uma formação que possibilite a construção do conhecimento de forma crítica,
reflexiva, autônoma e que leve em conta a realidade histórica e social.
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A interação e a intervenção do professor como mediador destas relações possibilitam a
concretização de uma educação comprometida que priorize a formação de cidadãos
autênticos, críticos e autônomos, bem como a discussão das relações e da forma como a
escola organiza o seu trabalho. A mudança nas relações sociais estabelecidas na escola
oportunizará as mudanças no plano pedagógico.
Esse movimento vem sendo feito por professores que buscam a superação e
ultrapassam, em sua prática, o processo de ensino centrado no eixo de transmissãoassimilação do conhecimento. Suas iniciativas aproximam-se do ensino pautado na
sistematização coletiva do conhecimento onde professor e alunos são agentes do processo,
alterando as relações sociais no processo de ensino.
Como objetivos desta pesquisa levantei as ações docentes, procurando detectar e
analisar práticas que se propõem a desenvolver uma ação alternativa, dentro das atuais
condições de trabalho. Estruturei teoricamente essas iniciativas considerando suas
implicações
pedagógicas
e
organizacionais
com
o
objetivo
de
socializar
esse
conhecimento. Elaborei um caderno de experiências de ensino como forma de envolver os
agentes oportunizando a sistematização do conhecimento que foi sendo gerado ao longo do
processo.
O registro das iniciativas, neste processo foi relevante para que as professoras
envolvidas tivessem a oportunidade de refletir sobre a sua prática docente. O registro escrito
foi uma forma de concretizar as experiências e sistematizá-las de forma consciente e
fundamentada teoricamente.
Weffort (1996) entende que “a escrita materializada, dá concretude ao pensamento,
dando condições de voltar ao passado, enquanto se está construindo a marca do presente”
(p.41).
Inicialmente foi realizado o levantamento da realidade da escola, por meio da análise
de documentos, dados fornecidos pela secretaria e entrevista com a equipe administrativopedagógica onde foram pesquisados os seguintes elementos: a) localização, estrutura
administrativo-pedagógica, espaço físico, utilização de tecnologias, mecanismos de ação
coletiva, número de alunos por séries, nível sócio econômico, rotina da escola (organização
do tempo), projeto político-pedagógico, corpo docente (formação acadêmica, formas de
ingresso e promoção), proposta de formação continuada, projetos desenvolvidos pela escola,
recursos financeiros.
10793
Contudo, a forma como o projeto pedagógico da escola foi construído, partindo do
desejo de um grupo de professores em mudar a proposta pedagógica, foi relevante para definir
os rumos da pesquisa.
Isto porque, o processo de construção e a participação dos professores na elaboração
do projeto político-pedagógico, ainda que extremamente relevantes, são pouco freqüentes em
nossas escolas. José Carlos Libâneo (2003) denuncia essa precariedade e apresenta uma
reflexão sobre a importância de um planejamento abrangente de todas as atividades das
escolas. Segundo o autor:
“A efetivação da prática de formulação coletiva do projeto pedagógico ainda é, na
maior parte dos casos bastante precária. Vigora mais como um princípio educativo
do que como instrumento concreto de mudanças institucionais e do comportamento
e das práticas dos professores. Em boa parte das escolas, predomina o modelo
burocrático de gestão: decisões centralizadas, falta de espírito de equipe, docentes
ocupados apenas com suas atividades de aula, relações de professores e alunos ainda
formais e regidas por regras disciplinares.”(LIBÂNEO,2003,p.357).
Assim, a prática desta escola selecionada para a pesquisa, com este significativo
diferencial, apontou novas questões: De que forma o projeto político-pedagógico reflete na
organização do trabalho escolar? Como os compromissos efetivados coletivamente alteram o
conjunto das ações docentes executadas no interior da escola? Esses compromissos produzem
ações que expressam melhoria na qualidade de ensino? Como acontece a manutenção de uma
proposta que resulte da reflexão e do trabalho coletivo em torno de um projeto específico?
Encontrei em Veiga (2001) reflexões sobre a preocupação de educadores,
pesquisadores e instituições educacionais com a construção do projeto político-pedagógico
como forma de organizar as relações da escola e melhorar a qualidade de ensino. A autora
conceitua o projeto pedagógico, apresenta seus princípios norteadores, a forma como essa
construção poderá se efetivar e suas finalidades.
Para Veiga (2001), a concepção de um projeto pedagógico deve apresentar
características tais como: Ser processo participativo de decisões; preocupar-se em instaurar
uma forma de organização de trabalho pedagógico que desvele os conflitos e as contradições;
explicitar princípios baseados na autonomia da escola, na solidariedade entre os agentes
educativos e no estímulo à participação de todos no projeto comum e coletivo. Além disso,
conter opções explícitas na direção de superar problemas no decorrer do trabalho educativo
voltado para uma realidade especifica e explicitar o compromisso com a formação do cidadão.
Segundo Veiga (2001, p.11), a execução de um projeto pedagógico de qualidade deve
nascer da própria realidade, tendo como suporte: a explicitação das causas dos problemas e
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das situações nas quais tais problemas aparecem; ser exeqüível e prever as condições
necessárias ao desenvolvimento e à avaliação; ser uma ação articulada de todos os envolvidos
com a realidade da escola; ser construído continuamente, pois com produto, é também
processo.
Nesse sentido, o projeto pedagógico requer um comprometimento coletivo e um
compartilhar de responsabilidades, de maneira que a escola alcance um desenvolvimento
pleno em todos os aspectos, reconhecendo e valorizando o profissional e oportunizando o
desenvolvimento dos alunos, tendo como pano de fundo o desenvolvimento educativo.
Com base nesses elementos a investigação da prática pedagógica desenvolvida pelos
docentes colocou-se a necessidade de verificar a coerência entre as ações dos docentes e a
fundamentação teórica da concepção de aprendizagem que a escola apresentava em seu
projeto pedagógico que é sócio-interacionista. Para isso, autores como Piaget e Vygotsky
serviram de apoio.
A escolha das professoras teve como critério o tempo de experiência no magistério
(mais de 20 anos) e a participação na construção do projeto pedagógico da escola. Todas as
atividades, nas diferentes turmas, foram acompanhadas e um diário de campo foi construído
com base nestas observações.
No diário de campo, anotei todas as atividades desenvolvidas, as dinâmicas de
relacionamento, as falas, as soluções de conflitos, as formas de avaliação, a participação dos
alunos, as atividades extra-classe, enfim, todas as atividades realizadas pelas professoras num
processo de registro etnográfico.
A forma como fui escrevendo e sistematizando as atividades teve uma repercussão no
trabalho destas professoras. Apesar de estarem registrados em seus planejamentos, muitos
elementos eram inseridos no decorrer do trabalho e estes não eram sistematizados. Com a
organização, estes dados tomaram forma e concluímos que poderiam ser enriquecidos ou
estruturados em projetos bem mais abrangentes e até mesmo trazerem outras disciplinas para
um trabalho coletivo.
A riqueza de material que foi registrado possibilitou a troca de experiências em
momentos bastante significativos. Essa iniciativa das professoras é significativa e positiva,
uma vez que foram despertadas a reconhecer em seu trabalho a possibilidade de gerar trocas e
socializar de forma democrática estabelecendo uma organização diferenciada de trabalho
aonde o próprio grupo constrói seu conhecimento e reflete sobre suas práticas.
10795
Articulação teoria e prática.
Acompanhando a prática pedagógica desenvolvida pelos professores sujeitos da
pesquisa foi possível perceber uma estreita articulação entre a proposta do projeto pedagógico
da escola e suas ações didáticas. O projeto da escola pauta-se numa abordagem sóciointeracionista, fundamentalmente na teoria de Vygotsky. E os fundamentos dessa abordagem
teórica da educação se fazem presente nas práticas pedagógicas dos professores envolvidos na
pesquisa.
Assim, após as observações e participando de cada uma das atividades pude verificar o
gosto e o envolvimento das crianças. Cada uma das professoras dentro das especificidades e
da área do conhecimento em que trabalham se utilizou de referências do cotidiano para
responderem perguntas, resolverem conflitos ou exemplificar o conteúdo que estava sendo
estudado.
Pude perceber que as práticas desenvolvidas eram habituais, ou seja, não eram raros os
trabalhos em grupo, as crianças trabalhavam de forma cooperativa, tinham autonomia e o
diálogo com os professores era uma constante. Os questionamentos e desafios sempre
estiveram presentes. A preocupação com as notas existia, entretanto não era a prioridade,
percebi na fala tanto das professoras como dos alunos.
As atividades propostas pelas professoras legitimaram a concepção pedagógica
proposta pela escola, na medida em que as atividades eram contextualizadas. Em nenhum
momento observei conteúdos que foram trabalhados descolados do cotidiano e dos interesses
das crianças. A participação na escolha das atividades e nos processos de elaboração destes
sempre foi oportunizada pelas professoras, as respostas aos questionamentos eram devolvidas
ao grupo, o papel do professor era de mediar à construção desse conhecimento por meio das
experiências concretas, da pesquisa e da interpretação.
A questão do erro foi tratada em todos os momentos como algo a ser resolvido com
muita tranqüilidade e percebi que as crianças não se mostravam tímidas em falar, dar as suas
respostas e em participar expondo suas idéias e opiniões.
Toda a produção era tratada como algo que estava em processo e nunca acabada.
Quando as crianças produziram os textos sempre tiveram a oportunidade de refletirem depois
das observações feitas pela professora e puderam reescrever corrigindo erros de ortografia,
acrescentando informações e alterando as formas de apresentação do seu texto. Não observei
10796
nenhum trabalho corrigido com caneta vermelha, sempre com lápis e anotações que
primeiramente valorizavam o que havia sido realizado e depois fazia sugestões e apontavas
equívocos que deveriam ser reescritos.
Dentro da concepção Interacionista em que a escola fundamenta sua proposta, a
mediação é o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação; a relação
deixa de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento. O contato do homem com outros
homens e com o meio em que vive é sempre mediado por alguma experiência e ou
conhecimento, anteriormente assimilado. (apud, OLIVEIRA, 1993, p.25).
Na teoria de Vigotysky, (OLIVEIRA, 1993 p. 30) fica clara sua preocupação em
entender o homem como um sujeito histórico que por meio do trabalho, intervém no meio
ambiente cria cultura e desenvolve-se. É pelo trabalho coletivo o homem estabelece relações
sociais com os outros e cria instrumentos que facilitam a transformação do meio em beneficio
da sua sobrevivência.
Percebi que o uso do livro didático não é uma prática da escola. As professoras usam o
livro como um material de apoio. Utilizam muito material, atual publicado em revistas e
buscam em fontes muito variadas as informações de que necessitam para fundamentarem seus
conteúdos.
As observações que realizei, participando das atividades, oportunizou a visão do
conjunto da escola em todas as suas especificidades. O trabalho se ampliou tendo em vista a
necessidade do aprofundamento e fundamentação para a discussão das práticas ocorridas.
Essas práticas apontam para a relação com a teoria de Vygotsky, (OLIVEIRA, 1993 p.
78), quando diz que:
...para Vygotsky, as funções psicológicas superiores, típicas do ser humano, são, por
um lado, apoiadas nas características biológicas da espécie humana e, por outro
lado, construídas ao longo de sua história social. Como a relação do indivíduo com o
mundo é mediada pelos instrumentos e símbolos desenvolvidos no interior da vida
social, é enquanto ser social que o homem cria suas formas de ação no mundo e as
relações complexas entre as várias funções psicológicas. Para desenvolver-se como
ser humano o homem necessita, assim, dos mecanismos de aprendizado que
movimentarão seus processos de desenvolvimento. Na concepção que Vygotsky tem
do ser humano, portanto, a inserção do indivíduo nem determinado ambiente
cultural é parte de sua própria constituição enquanto pessoa. É impossível pensar o
ser humano privado do contato com um grupo cultural, que lhe fornecerá os
instrumentos e signos que possibilitarão o desenvolvimento das atividades
psicológicas mediadas, tipicamente humanas. O aprendizado, nesta concepção, é o
processo fundamental para a construção do ser humano. O desenvolvimento da
espécie humana e do indivíduo dessa espécie está, pois, baseado no aprendizado
que, para Vygotsky, sempre envolve a interferência, direta ou indireta, de outros
indivíduos e a reconstrução pessoal da experiência e dos significados.
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É relevante apontar, nesta experiência, a grande produção dos alunos desta escola.
Tanto na quantidade e variedade de materiais e técnicas desenvolvidas quanto na qualidade do
conteúdo e das linguagens utilizadas. A utilização de elementos variados como desenho,
pintura, modelagem, montagens e da utilização de matérias reaproveitados são, no meu
entendimento fruto de um trabalho onde as diferentes formas de expressão e de aprendizagens
são utilizadas de forma significativa e apontam para uma abertura de possibilidades, trazidas
pelos alunos e acatadas pela escola. Esses elementos enchem de significados o processo de
ensino aprendizagem e mostram de forma clara a identidade desta comunidade.
Considerações Finais
Muito tem se discutido sobre a questão do projeto pedagógico como um instrumento
que deva auxiliar na organização do trabalho da escola, partindo de princípios de igualdade,
qualidade e liberdade promovendo a gestão democrática expressando os interesses,
necessidades e os desejos do conjunto dos elementos da comunidade escolar. Essa
organização irá refletir significativamente na comunidade onde estes alunos estão inseridos e
promovendo as transformações da realidade.
A escola pesquisada construiu de forma democrática e participativa o seu projeto
político-pedagógico. O fato da reformulação do documento ter partido do desejo dos
professores por uma concepção de educação diferente da que havia foi um dos elementos
mais significativos da pesquisa.
A oportunidade de verificar as relações estabelecidas entre o processo de construção
do projeto e o reflexo nas práticas pedagógicas foi muito valiosa e rara.
As professoras envolvidas na pesquisa participaram efetivamente no processo de
construção e de reformulação do projeto ocorrido no interior da escola.
A escola oportuniza a manutenção destes acordos promovendo momentos de estudo e
de reflexão. Para manutenção desses acordos e o aprimoramento das formas de trabalho, a
escola vem oportunizando: troca de experiências, formação de grupos de estudo, investimento
em cursos e palestras, incentivando a participação dos seus professores em congressos e
outras iniciativas que possam ser socializadas e que resultem na melhoria da qualidade do
trabalho.
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Durante as observações constatei que o número de alunos na sala de aula era uma
contradição com a proposta pedagógica. Com uma média de 35 alunos em cada turma,
constatei ser este um fator dificultava o trabalho do professor. Com um número menor de
alunos a participação de cada um poderia ser maior. O atendimento individualizado e o
acompanhamento da produção individual seriam muito mais produtivos.
A avaliação também é prejudicada pelo grande número de alunos, desta forma o
professor não pode avaliar cada aluno e o estágio do processo de aprendizagem em que cada
um se encontra estabelecendo estratégias e novos desafios de acordo com a produção e as
necessidades de cada um.
A preocupação destas professoras, que foram observadas, em fazer um trabalho de
qualidade, inovador, contextualizado e que façam com que as crianças se motivem para
realizá-las é claramente verificada na qualidade de suas propostas de trabalho, na busca por
atividades que façam parte do universo dos seus alunos e possam ter uma utilização na vida
de cada um.
Tive oportunidade de participar das atividades, conversar com as crianças e auxiliar as
professoras.. Esta liberdade fez com que pudesse observar a produção das crianças e como, de
fato esse trabalho era construído. Os alunos realizavam as atividades com comprometimento e
as conversas em duplas ou grupos, na maioria das vezes eram sobre o assunto que estava
sendo trabalhado.
A questão da reescrita era encarada pelas crianças como um desafio e sempre
buscavam alternativas para melhorarem o seu texto.
As professoras participantes sentiram-se prestigiadas em seu trabalho e começamos a
registrar as atividades de forma cooperativa, em alguns momentos, por serem bastante
criativas sempre encontravam novas possibilidades para que a proposta de trabalho inicial
pudesse ter a colaboração dos alunos.
A forma como fui escrevendo e sistematizando as atividades teve uma repercussão no
trabalho destas professoras. Apesar de estarem registrados em seus planejamentos, muitos
elementos eram inseridos no decorrer do trabalho e estes não eram sistematizados. Com a
organização, estes dados tomaram forma e concluímos que poderiam ser enriquecidos,
tornando-se projetos interdisciplinares.
10799
Tive a possibilidade de apresentar os objetivos da pesquisa e os dados levantados, para
as demais professoras que se mostraram interessadas em ouvir as experiências das colegas,
este foi um grande momento desta pesquisa.
Senti o interesse e a valorização do trabalho por parte das professoras que não estavam
participando da pesquisa.
A socialização do conhecimento foi se estabelecendo e penso ter atingido ao grande
grupo quando ouvi de algumas delas que a troca de experiência deveria ser uma prática
constante.
Considerei necessário fundamentar a concepção pedagógica, enfatizando a ação
docente Interacionista e seus pensadores, com o objetivo de verificar se ação que seria
observada era legitimada pela prática desenvolvida no interior da escola.
Dentro desta teoria, Vygotsky enfatiza que os mecanismos de transformação das
funções responsáveis pela evolução do pensamento, têm suas raízes na sociedade e na cultura.
A linguagem é um sistema integrado de signos elaborados culturalmente, fundamental para a
alteração dos sistemas funcionais e, conseqüentemente, fator determinante da evolução do
pensamento.
Nessa perspectiva, o professor é um mediador, que tenha objetivos bem claros do que
irá trabalhar, ter conhecimento de sua área e fundamentalmente que estabeleça elos com o
grupo.O vínculo que o aluno irá ter com a aprendizagem, passa pelo professor e pelo próprio
ambiente da sala de aula. Esse ambiente deve oferecer ao aluno, liberdade para perguntar,
questionar, criar e errar.
É importante que o erro seja visto pelo professor como parte do processo ensinoaprendizagem, mas jamais pode ser ignorado. A correção é importante para que o aluno
perceba a necessidade de melhorar e de dedicar-se mais aos conhecimentos que ainda não
domina. Ao mesmo tempo esse mediador precisa despertar a curiosidade no aluno e
desenvolver o interesse por aprender. Além disso, o vínculo e a afetividade são fatores que
facilitam a aprendizagem.
O estudo mostrou um excelente vínculo dos alunos com os professores e que, a forma
como as crianças trabalham, e se articulam em grupos é fruto de um processo já trabalhado
em anos anteriores.
Por seu turno, o professor é um mediador do processo de ensino-aprendizagem, não
somente o facilitador, ele até pode em determinado momento oportunizar o acesso às
10800
informações, mas não somente o acesso, ele não facilita apenas, ele media esse processo. O
aprendizado, em uma abordagem dialética, entre professor-aluno, só fará sentido se o
professor oferecer ao aluno este conhecimento de uma forma crítica, reflexiva, construtiva e
dialógica.
Nessa mediação o professor criará a problematização e oferecerá meios para a
investigação com materiais e diversas fontes, e deverá participar deste processo, cujo objetivo
principal é que o aluno busque este conhecimento numa ação investigativa, cooperativa e
autônoma.
Nesse sentido, a interação com os colegas, o trabalho em grupo, além de estimular a
interação social, pode ser um bom momento para o amadurecimento das idéias e
aprimoramento dos conhecimentos. Entretanto, o contato individualizado entre professores e
alunos não pode ser dispensado, pois é o momento em que o professor pode detectar o
desenvolvimento real e proximal dos alunos.
As estratégias utilizadas pelas professoras foram as mais diversas tais como: Trabalhos
em grupo, projetos interdisciplinares, textos produzidos pelos alunos, pesquisas, experiências
e etc. Os alunos participaram fazendo questionamentos e colocando suas idéias e
experiências. Foi observado que o uso de livros didáticos é feito como um suporte para a
produção do aluno.
Há ainda que considerar que toda educação é direcionada para uma realidade
específica, e é a partir das peculiaridades culturais e sociais, de cada realidade, que as teorias
do conhecimento e da aprendizagem devem ser pensadas no âmbito da prática escolar. É um
erro pensar a educação descolada da vida cotidiana e imediata dos seus limites e de suas
possibilidades.
O estudo mostrou que o projeto pedagógico da escola, expressa a prática pedagógica
desenvolvida por seus professores no enfrentamento das contradições da prática cotidiana
quando esses professores participam de sua elaboração. Com efeito, os sujeitos da pesquisa
foram professores que participaram efetivamente do processo de construção do projeto
político-pedagógico da escola onde a investigação se deu e exercem o magistério em um
tempo superior a 15 anos. A prática desenvolvida por eles foi reveladora da importância desse
envolvimento na concepção do seu trabalho como também no controle dos seus resultados.
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Observando a ação pedagógica das professoras participantes da pesquisa, verifiquei
que o envolvimento destas na construção do projeto político-pedagógico altera as relações
estabelecidas no interior da escola e resulta na melhoria da qualidade de ensino.
Dentro da proposta pedagógica Interacionista, adotada pela escola pesquisada, o
professor orienta, problematiza, coordena, estabelece a relação pedagógica com o aluno
mediando o conhecimento.
Durante o processo de contextualização e fundamentação da concepção pedagógica da
escola pesquisada, a forma como o projeto pedagógico foi construído, partindo do desejo de
um significativo grupo de professores que atuavam no curso do magistério, consolidou meu
interesse em pesquisar e refletir sobre as práticas geradas pelo professor no interior da
instituição escolar. E, as formas de enfrentamento com as contradições presentes no seu
cotidiano, tendo em vista favorecer a socialização dessas iniciativas entre os professores que
buscam alternativas para o seu ensino.
Este estudo possibilitou o registro de muitas iniciativas que foram observadas. A
riqueza de material que foi registrado possibilitou a troca de experiências em momentos
bastante significativos. Nesses momentos em que ocorreram os encontros as professoras
participantes sentiram-se valorizadas e a reflexão sobre o trabalho as motivou registrarem
suas experiências o que já está ocorrendo. Considero essa iniciativa das professoras
significativa e muito positiva, uma vez que se despertou o reconhecimento em seu trabalho, à
possibilidade de gerar trocas e socializar de forma democrática estabelecendo uma
organização diferenciada de trabalho aonde o próprio grupo constrói seu conhecimento e
refletindo sobre suas práticas.
Verificando se existia coerência entre a ação dos docentes e a fundamentação da
concepção de aprendizagem da escola em seu projeto pedagógico, concluí que há articulação
entre a teoria e a prática. O fato das professoras terem participado da construção do projeto
político-pedagógico, é elemento relevante para justificar suas práticas.
A participação na construção do projeto coletivo promoveu o comprometimento com
as ações estabelecidas e
reflete-se na organização do trabalho, efetivando ações que
expressam melhoria na qualidade de ensino.
Assim sendo, o estudo apontou que a escola pode promover a manutenção da sua
proposta em torno de um projeto específico estimulando ações que levem o professor a refletir
cada vez mais sobre as suas ações. E ainda mais, que o projeto pedagógico torna-se
10802
documento importante quando construído por todos os agentes envolvidos na instituição
ampliando a discussão sobre a organização do trabalho, os processos de ensino- aprendizagem
e as relações de trabalho no interior de escola .
Entendo que essa discussão precisa alcançar a Rede Pública de Ensino onde a
participação dos professores na construção de seu projeto pedagógico desenvolverá um
sentimento de pertença, de participação de todos os elementos em um projeto comum. Esse
comprometimento resultará em um trabalho mais organizado, contextualizado revelando
articulação entre a teoria e a prática, levando-os a enfrentar os desafios do cotidiano de forma
reflexiva e essencialmente participativa levando a efeito o projeto político–pedagógico e a
resignificação das relações.
Espero que esse estudo possa colaborar no sentido de mostrar ser impossível priorizar
o ensino fundamental, no Brasil, sem associar intrinsecamente empenho igual na pesquisa
universitária nessa área.
Gostaria, de concluir este estudo citando a educadora gaúcha Esther Pillar Grossi1, do
dia 2/10/1996, na Folha de São Paulo, onde comenta as contribuições de Piaget e Vygotsky
por razão de seus Centenários:
Sem uma inteligente reconstrução da escola, continuaremos também a acentuar,
dentro de nossas próprias fronteiras, a mais criminosa apartação social, em que as
imensas potencialidades de um contingente enorme de nossa população, os
adolescentes e as crianças muito criativos, também os de nossas classes populares,
ficam excluídos. Ficando excluídos do prazer que acompanha esse acesso,
certamente usarão sua criatividade para se propiciarem prazer à custa de qualquer
preço, em particular via transgressão das boas normas da sociabilidade. Felizmente,
há saídas teóricas para tais impasses, e há também enormes reservas de energia na
massacrada categoria profissional dos professores. Que a sociedade se conscientize e
conscientize dirigentes e governantes da urgência de um encaminhamento adequado
desse setor da vida do país, o da reconstrução da escola.
1
Esther Pillar Grossi, educadora brasileira, doutora em Psicologia da Inteligência pela Universidade de Paris
(França). Fundou em 1970, em Porto Alegre, RS o Grupo GEEMPA (Grupo de Estudos Sobre Educação,
Metodologia de Pesquisa e Ação), foi professora alfabetizadora, Secretaria da Educação de Porto Alegre de
1989 a 1992 e Deputada Federal pelo PT do RS de 1995 a 2002. Atualmente coordena o projeto “O Prazer de ler
e escrever de verdade” realizado pelas ONGs GEEMPA e THAMIS.
10803
REFERÊNCIAS
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