RELATÓRIO SOBRE A SITUAÇÃO DE LAVOURAS DE SOJA DA REGIÃO DE PALMEIRA DAS MISSÕES (RS) SAFRA 2001/2002 CULTIVADAS COM CULTIVARES CONVENCIONAIS E COM CULTIVARES TRANSGÊNICAS RELATÓRIO SOBRE A SITUAÇÃO DE LAVOURAS DE SOJA DA REGIÃO DE PALMEIRA DAS MISSÕES, RS, SAFRA 2001/2002, CULTIVADAS COM CULTIVARES CONVENCIONAIS E COM CULTIVARES TRANSGÊNICAS Rubens Onofre Nodari, professor de Genética e Melhoramento da Universidade Federal de Santa Catarina ([email protected]) e Deonisio Destro, professor de Genética e Melhoramento da Universidade Estadual de Londrina ([email protected]) Introdução Este relatório está baseado nos levantamentos feitos em nove lavouras e nas informações coletadas em uma reunião com agricultores, ambos realizados no período de 5 a 6 de março de 2002, na região de Palmeira das Missões, RS. O convite foi feito pelo Movimento dos Pequenos Agricultores –MPA- que tem o contato com os pequenos agricultores da região, face ao fato de que ao semearem sementes de cultivares de Soja, supostamente transgênicas, verificaram muitos problemas como baixa percentagem de germinação, precocidade no florescimento e pouco desenvolvimento vegetativo e conseqüentemente, esperança de rendimento reduzido. A Organização Action Aid apoiou a iniciativa. Para avaliar estas questões, foi estabelecido de comum acordo a realização desta visita, com a finalidade de identificar as principais hipóteses sobre as causas dos problemas identificados pelos agricultores. Metodologia O trabalho foi dividido em duas partes. Inicialmente foi feito o levantamento de campo que consistiu-se da visita a propriedades, entrevista com o produtores, coleta de dados relacionados ao cultivo, registro fotográfico e coleta de tecidos foliares. Os dados coletados foram os seguintes: nome do Município, nome do produtor, nome da cultivar, região de origem do cultivar, área cultivada, quantidade de semente utilizada, vendedor da semente, data da semeadura, data do florescimento, distribuição das chuvas, adubação utilizada, número e época de aplicações e dose do herbicida Roundup, reação das plantas daninhas, altura média das plantas de soja e outras informações relacionadas ao cultivo e o motivo da escolha da cultivar transgênica (Tabela 1, Anexo 1). A segunda parte consistiu numa reunião com oito agricultores de diferentes comunidades, onde também foram coletadas informações relacionadas as questões acima levantadas. Sempre que possível, os mesmos dados acima mencionados foram o foco da reunião. Resultados Os nomes das cultivares encontradas Os nomes das cultivares supostamente transgênicas são na verdade nomes de fantasia. Assim, o nome de “Mercedes 70” foi dado em função de que um carregamento desta cultivar contrabandeada da Argentina teria sido feito em um caminhão Mercedes, ano 70. Da mesma forma, a cultivar “Maradona”, também chamada de “Ligeirinho”, foi dado em função da alta precocidade, pois geralmente floresce 30 dias após à semeadura e apresenta baixa estatura. Posteriormente, fomos informados por agricultores de outras regiões de que o nome “Maradona” se referia também ao “dogradito”, pois a cultivar também estaria sendo drogada pelo herbicida. Duas cultivares chamaram a atenção, uma por ser chamada de “FT8” (Figura 1), com aspecto diferente das demais, mas de mesma adaptação e outra, sem nome, de adaptação complemente diferentes daquelas consideradas de procedência Argentina. Adaptação das cultivares supostamente transgênicas Os cultivares de soja transgênicos “Mercedes 70”, “Maradona” (ou Ligeirinho) e “FT8”, desenvolvidos na Argentina e avaliados em cinco lavouras apresentam altura da plantas de aproximadamente 50 cm. Isto evidencia que estes cultivares não são adaptados ao Rio Grande do Sul. Portanto, o seu cultivo acarreta enormes perdas de produtividade aos produtores rurais, por não serem adaptados às condições climáticas da região. Esta baixa estatura é um indicio de que de fato se trata de cultivares desenvolvidas para regiões de maior latitude, Argentina no caso. Assim, quando cultivadas em latitudes menores (neste caso, RS, mais ao norte), como o comprimento do dia no período de cultivo é menor, as plantas respondem a este sinal e entram em floração mais precocemente do que se estivem sendo cultivadas em locais cuja quantidade de horas de luz fosse maior (Argentina). Desta forma, seu desenvolvimento é reduzido e a produtividade baixa. Além deste problema, em pelo menos duas lavouras, o estande estava aquém do que normalmente é encontrado em lavouras de soja (Figuras 2 e 3). Este fato corrobora com a observação feita pelos agricultores de que houve falhas de germinação. Isto se deve provavelmente a falta de observância dos princípios técnicos de produção e armazenamento de sementes. Pelo fato de serem transgênicas, os cuidados podem não ter sido seguidos. Outra causa desta baixa taxa de germinação pode ser decorrente do efeito do acúmulo de Roundup ou seus derivados nos grãos uma vez que muitos agricultores pulverizam o produto duas vezes. Contudo, o cultivar de soja transgênico, supostamente “Maradona”, levantado numa lavoura localizada no distrito de Santa Rosa, não deve ser “Maradona” e sim um cultivar adaptado ao Estado do Paraná com o gene para resistência ao Roundup já incorporado (transgênico). Isto é explicado pelo fato de que a altura média da planta alcançou 103 cm. Sabe-se que a faixa de altura média da planta bem adaptada varia de 70 a 100 centímetros. Desta forma, plantas de soja adaptadas ao Estado do Paraná, quando são cultivadas no RGS devem apresentar maior porte. As razões da escolha de soja transgênica RR A principal razão da escolha de cultivares transgênicas de soja RR deve-se ao fato da facilidade de manejo de áreas infestadas com plantas daninhas. E isto foi constatado em todas as propriedades visitadas, pois em todas elas, o agricultor sempre cultivou pelo menos uma parte de soja não transgênica e a área destinada a semeadura com soja RR era a mais infestada com plantas daninhas. A esperança de muitos deles é que com este sistema ele consiga diminuir a infestação de plantas daninhas na área cultivada com soja RR. Contudo, em alguns casos, os agricultores concluíram que o sistema com soja RR se tornaria mais barato que o convencional. Em outros, possivelmente não haveria esta diferença em função das altas doses necessárias e número de aplicações. A análise preliminar indica que estudos devem ser conduzidos para avaliar com maior profundidade esta questão dos custos de produção. Efeitos pleiotrópicos Já na primeira propriedade visitada foi constatado que as plantas de soja da cultivar denominada de Mercedes 70 estavam com rachaduras no caule. A penetrância era elevada e uma quantidade significativa de plantas apresentava o caule dobrado ou quebrado (Figura 4). Estes sintomas também foram observados em outras lavouras. Um produtor testemunhou que quando da aplicação do Roundup sobre a soja transgênica, as a maioria das plantas que eram dobradas pelas rodas do trator acabam quebrando. Mas isto ele não constatou quando as plantas eram de cultivares convencionais. Estes fatos corroboram com o que havia sido observado em lavouras nos Estados Unidos. Quando a temperatura do solo atinge 45?C e na presença de seca, os caules das plantas de cultivares RR racham com maior freqüência relativamente às cultivares convencionais. Isto se deve a maior presença de lignina presente nas transgêncas RR. A origem e o preço da semente As principais formas de aquisição da semente identificadas foram: compra de um vendedor, troca ou compra com um vizinho. Os agricultores entrevistados mencionaram pelo menos o nome de dois vendedores na região; mas disseram também que existem vários. Contudo, a semente “cedida pelo vizinho”, também é uma forma relevante de obtenção da semente de cultivares transgênicas. O preço pago pelas sementes variou de R$0,50 a R$4,00 o quilo. O preço das sementes das cultivares Mercedes 70 e Maradona são as mais baratas, provavelmente pela falta de adaptação, cuja produtividade é baixa. Contudo, na reunião que tivemos com os agricultores, foram mencionados preços pagos que chegam a 200 reais o saco de 50 quilos. Contudo, não tivemos acesso a esta lavoura, porque os donos não concordariam com nossa visita. Neste caso, pode ser levantado a hipótese de que se trata de sementes de uma cultivar adaptada, portanto, brasileira, de alta produtividade.. Quantidade de herbicida e custos da aplicação A maioria dos agricultores visitados utiliza o sistema de plantio direto. Assim, aplicam o herbicida Roundup, 2,5 a 3,0 litros por hectare, antes do plantio. Esta aplicação não está incluída na análise deste relatório. Em todas as lavouras visitadas foram necessárias duas aplicações do herbicida Roundup. Na reunião com os agricultores, eles mencionaram que são poucas as propriedades que uma aplicação consegue controlar adequadamente a presença de plantas daninhas. Ou seja, é relativamente comum a necessidade de duas aplicações de Roundup. A dose aplicada variou de 2,0 a 3 litros por hectare e duas formulações comerciais foram mencionadas: uma, a convencional e a formulação granulada foi mencionada por um agricultor. Ele testemunhou de que foi informado que para a soja transgênica tinha que ser usado esta formulação, que custa o dobro da outra. O preço do herbicida variou de 8 a 10 reais o litro, enquanto a formulação granulada custava 17 reais o litro. Desta forma, o custo para o controle de plantas daninhas no sistema em que se utiliza a soja transgênica é variável. Contudo, não é tão baixo como normalmente é noticiado pela imprensa. Considerando que o custo da operação chega a 6 reais o hectare (naquela região), o custo de duas aplicações de 2,5 litros atingiria aproximadamente 35 reais sem considerar o custo inicial antes da semeadura. Se for levado em conta que a aplicação de Roundup causa a quebra de plantas, pelo menos das cultivares mencionadas, o custo se torna ainda maior do que aquele mencionado devido a quebra do rendimento. Contudo, em algumas propriedades, as doses aplicadas são maiores: 3 litros por hectare. A razão é que as populações de pelo menos três espécies já não são tão susceptíveis a doses recomendadas de Roundup. Assim, o custo pode facilmente superar 70 reais por hectare. Eficiência do controle químico No conjunto de propriedades visitadas pode se concluir que na região já existem populações de pelo menos três espécies que de uma forma ou outra já não são tão susceptíveis a doses comerciais do Roundup. São elas: corda-deviola ou curriola (Ipomea purpurea), leiteira ou amendoim bravo (Euphorbia heterophylla) e estrela africana (provavelmente Cynodon plectostachys). Estas estão ilustradas na Figura 5. Um agricultor nos afirmou que se não for utilizado pelo menos três litros em cada aplicação, um número razoável de plantas destas espécies sobrevivem. Além disso, os agricultores também observaram que o herbicida Roundup faz pouco efeito na corda-de-viola quando ela tem mais do que seis folhas. Uma das lavouras que visitamos estava totalmente infestada de plantas daninhas, especialmente corda-de-viola (Figura 6). Contudo, não encontramos o proprietário para tomar as informações necessárias para identificar as prováveis causas. Emergência de doenças e pragas Numa propriedade verificamos a existência de uma infestação generalizada de Lagria villosa (Coleoptera: Lagriideae), um inseto denominado pelos agricultores de burrinho (Figura 7). Os adultos têm corpo alongado, com 10 a 15 mm de comprimento, coloração metálica bronzeada. As larvas são do tipo elateriforme com 10 a 15 mm, de coloração escura e com setas longas. Por se alimentar, provavelmente, de folhas mortas ou bordas de lesões nas folhas com tecido morto, este inseto não deveria causar danos às lavouras de soja. Contudo, na reunião que tivemos com os agricultores, fomos informados que isto está ocorrendo em várias propriedades, mas não em todas. Segundo os mesmos, até agora este inseto não atacava plantas de soja. Os mesmo acreditam que quando o efeito do herbicida é total, não restaria alimento de outras plantas e então este inseto passaria a se alimentar da soja. Combinado estas informações com de outros agricultores, não é possível descartar a hipótese de que este inseto já está atacando a soja, e que poderia se tornar uma praga com possibilidade de causar dados econômicos consideráveis. Em duas propriedades, plantas de soja de cultivares supostamente transgênicas continham em suas raízes colônias de fungos, provavelmente do gênero Fusarium. Neste caso também há a necessidade de que se conheça cientificamente qual a dinâmica da biota do solo sob o sistema soja RR comparativamente ao convencional. Transferência do transgene Um outro aspecto que chama a atenção é a proximidade de diferentes cultivares em cultivo numa mesma propriedade. Na maioria dos casos, verificamos que a cultivar de soja transgênica resistente ao herbicida Roundup estava sendo cultivada lado a lado ou a poucos metros de distância de variedades convencionais (Figuras 8 e 9). Isto é suficiente para que ocorram cruzamentos entre ambas, pois a taxa de cruzamento entre variedades de soja pode chegar a 3%. Cruzamentos entre variedades transgênicas e não transgênicas também já foram comprovadas experimentalmente por pesquisadores da EMBRAPA. Ou seja, é possível que a transferência do gene de resistência do herbicida Roundup já esteja disseminado em milhares de plantas de cultivares, que não eram transgênicas. Considerações finais Em função das altas dosagens (acima de 3 litros/ha por aplicação) e de pelo menos duas aplicações para o controle da curriola (corda-de-viola), dentre outras plantas daninhas, há necessidade de rigorosos estudos de resíduos nos grãos antes da liberação da soja transgênica. Necessita-se de estudos detalhados referentes aos efeitos da soja transgênica RR devido ao seu maior teor de lignina no caule, o que a torna mais quebradiça quando são feitas as aplicações de agrotóxicos com trator ou na presença de seca por período prolongado. As plantas tombadas não retornam à posição ereta. São também necessários estudos relacionados a avaliar os demais impactos ambientais e sócio-econômicos do cultivo sucessivo da soja RR. As lavouras visitadas são de pequenos agricultores. Sabe-se que a soja em pequenas áreas não é economicamente viável ou de economicidade vulnerável. Caso persista esta situação, o indicativo é de que os pequenos agricultores terão que vender suas propriedades por falta de lucratividade. O prejuízo desta safra com plantas transgênicas será de fato muito grande. Este fato se agrava quando se considera que os pequenos agricultores desconhecem os efeitos do plantio de cultivares não adaptadas a região, sendo um deles o menor desenvolvimento, que é marcante e generalizado nesta safra (Figura 10), o que proporciona um rendimento medíocre comparado ao potencial das cultivares já desenvolvidas. Outras alternativas deverão ser buscadas visando dar sustentabilidade às pequenas propriedades. A produção de grãos de forma agroecológica se constitui numa alternativa de grande potencial. Soja e outros grãos produzidos de forma orgânica podem contribuir para a melhoria da saúde do ambiente e saúde humana, além de possibilitar retorno econômico aos agricultores. A ampliação do projeto de frango orgânico pode ser uma alternativa viável para a inclusão de um maior número de pequenos produtores, tendo em vista o uso da soja orgânica na alimentação dos frangos e o menor custo de produção no sistema orgânico. Tabela 1. Resumo dos dados coletados nas propriedades visitadas Localidade Cerro Grande Idem Nome / origem da cultivar/ quantidade e preço da semente RR Mercedes 70 / Vendedor de Cruz Alta / 2 sacos Coodetec 205/ Copalma/ 8 sacos Data plantio/ floração/ Chuvas Densidade de semeadura ∼ 30/10/01 ∼ 30/11/01 Out e nov – normal 05/12/01 15/02/02 Duas fracas em 23/12/2001 e 10/2/2002 Número de aplicações eAltura média das plantas /Produtividade esperada quantidade de Roundup adubação 2 x 2,5 l (8,00/l) Corda-de-viola resistente Palmeira das RR Maradona ? / 15/11/ 01 Missões / Distrito deVizinho/ 15/01/02 Santa Rosa, Vila 7 sacos de 60 kg (R$30,00) 23 sementes por metro Azeredo linear / entre linhas:45cm Idem Coodetec 201/ 15/11/2001 Própria / ? 8 sacos 60kg 18 sementes por metro linear São Pedro das RR FT – 8 ?/ 20/11/2001 Missões Vendedor / 01/12/2001 20 sacos em 10 ha 25 sementes por metro linear / entre linhas:36cm Idem RR Mercedes 70 28/11/2001 Vendedor / ? 10 sacos em 7 ha 25 sementes por metro (R$50/50kg) linear /entre linhas: 36cm Bem distribuídas Idem nov – bom; dez – três1 x 2 l (R$8,50/l) chuvas; jan e fev – 2 1 x 2 l (R$17,00/l a 3 mm; 05/03/2002– (granulado) 50mm RR Mercedes 70/ 20/12/2001 Vendedor / ? 1 saco de 50 kg / R$50,00 2 x 3 l (R$ 9 / l ) Bem distribuídas nov – bom; dez – três1 x 2 l (R$8,50/l) chuvas; jan e fev – 2 1 x 2 l (R$17,00/l a 3 mm; 05/03/2002– (granulado) 50mm nov – bom; dez – três1 x 2 l (R$8,50/l) chuvas; jan e fev – 2 1 x 2 l (R$17,00/l a 3 mm; 05/03/2002– (granulado) 50mm Palmeira das RR Maradona ? Missões / Distrito de ?? Santa Terezinha 17 hectares ? ? Pouca chuva ? Palmeira das Fundacep 38 / Missões / Distrito de Copalma / Santa Terezinha 2 sacos 15/12/2001 Pouca chuva; chuva ? boa em 05/02/2002 20-22 sementes por metro Capina manual linear; / entre linhas: 45 cm Area infestada com corda-de-viola 48 cm/ Sem adubação 30 sacas / ha 84 cm / 1 de esterco de peru : 1 de 08-16-24 /saco de semente 103 cm Esterco de peru / (70 reais a t) e adubo 00-2020 (500 reais/t) 86 cm Idem Pouca quebra devido a seca Alta. Sem previsão de quebra 54 cm 250 kg/ha de 02-20-20 Sistema radicular pouco desenvolvido 53 cm 250 kg/ha de 02-20-20 Sistema radicular pouco desenvolvido; Baixa altura da planta e baixa produtividade de grãos 61 cm Sistema radicular pouco 250 kg/hectare de 02-20- desenvolvido; 20 Baixa altura da planta e baixa produtividade de grãos 40 cm Baixa altura da planta e baixa produtividade de grãos 74 cm 120 kg de orgânico / 50 kg 02-20-20 Total = 250 kg Excelente altura da planta e alta produtividade de grãos