RODRIGO MARTUCCI O PROCESSO DE MORTE NA VISÃO DOS ENVOLVIDOS E PACIENTES COM ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA: REVISÃO DA LITERATURA. Monografia apresenta à Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina para obtenção do título de especialista em Intervenção Fisioterapêutica nas Doenças Neuromusculares. São Paulo 2008 RODRIGO MARTUCCI O PROCESSO DE MORTE NA VISÃO DOS ENVOLVIDOS E PACIENTES COM ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA: REVISÃO DA LITERATURA. Monografia apresenta à Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina para obtenção do título de especialista em Intervenção Fisioterapêutica nas Doenças Neuromusculares. Orientador: Prof. Antonio Geraldo de Abreu Filho Co-orientadora: Ms. Francis Meire Fávero São Paulo 2008 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA Setor de Investigação de Doenças Neuromusculares Chefe de Departamento: Alberto Alain Gabbai Coordenadores do curso de especialização Intervenções Fisioterapêuticas nas Doenças Neuromusculares: Prof. Dr. Acary Souza Bulle de Oliveira, Profª. Ms. Francis Meire Fávero Ortensi, Profª. Drª. Sissy Veloso Fontes. São Paulo 2008 RESUMO A Esclerose Lateral Amiotrófica é uma doença neuromuscular de fundo multifatorial em estudo na atualidade, mas que até o momento não apresenta prognóstico de cura. Esse quadro faz com que pacientes, cuidadores e profissionais enfrentem o obscuro caminho do processo de morte. Todos, sem exceção, podem influenciar neste processo de acordo com orientações recebidas. Na discussão, verificou-se que tanto profissionais quanto cuidadores não sabem como lidar com esse processo pelo fato de que cada um não tem essa questão resolvida consigo mesmo, gerando sentimentos que influenciam de forma negativa os pacientes e contribuem para uma final de vida agonizante. O autor deste trabalho propõe em sua conclusão um estudo aprofundado do paciente, cuidador e familiares para verificar de que forma eles encaram e influenciam o processo de morte do paciente com Esclerose Lateral Amiotrófica. SUMMARY The Amyotrophic Lateral Sclerosis is an illness to neuromuscular of deep multifactorial in study in the present time, but that until the moment it does not present cure prognostic. This picture makes with that patient, cuidadores and professionals face the obscure way of the death process. All, without exception, can influence in this process orientações in accordance with received. In the quarrel, it was verified that in such a way professional how much cuidadores do not know as to deal with this process for the fact of that each one does not have this decided question I obtain exactly, generating feelings that influence of negative form the patients and contribute for one end of agonizing life. The author of this work considers in its conclusion a deepened study of the patient, cuidador and familiar to verify of that he forms they they face and they influence the process of death of the patient with Amyotrophic Lateral Sclerosis. INTRODUÇÃO INFORMAÇÕES SOBRE A ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA: Considerada uma patologia de origem multifatorial e ainda em estudo pela comunidade científica em todo mundo, a Esclerose Lateral Amiotrófica é uma das doenças neuromusculares de progressão sintomática mais acintosa e fatal, pois provoca a morte de neurônios localizados no córtex, tronco cerebral, e medula espinhal, culminando na perda de força progressiva, insuficiência respiratória e óbito ¹. Paralelo a esse episódio, a perda de força pregressa de membros impossibilita a realização de atividades cotidianas e de vida diária. E durante todo esse período, o indivíduo mantém a cognição e a lucidez íntegras, observando e vivenciando a progressão da doença, como se estivesse preso em seu próprio corpo. É uma questão ambígua, pois o individuo poderá ser estimulado a usar essa lucidez tanto para a angústia, quanto para a motivação, dependendo das influências exercidas sobre ele ². Desde os primeiros relatos da doença por Sir Charles Bell até a época de Lou Gehrig, onde se deu a grande expansão popular da Esclerose Lateral Amiotrófica, a ciência investiu mais de 70 anos de estudos e pesquisas para esclarecer as causas da mutação genética e, principalmente, da expressão dos sintomas clínicos progressivos, fator que mais assusta os pacientes e profissionais envolvidos nesta busca. Nos últimos anos, várias hipóteses de mecanismos etiopatológicos que desencadeiam a doença foram levantadas: morte celular por agressão autoimune nos canais do cálcio e incremento do cálcio intracelular, infecção viral, estresse oxidativo, dano por radicais livres, neurotoxicidade por glutamato e disfunção das mitocôndrias ou dos mecanismos de transporte axonal, mas estes relatos não progrediram tanto quanto a evolução clínica da doença 3. Embora os relatos dizem a respeito de propriedades genéticas interferindo na expressão dos sintomas da doença, até hoje não foi relatado com precisão qual fator faz com que o indivíduo apresente a mutação, qual fator predispõe o indivíduo a expressar fenotipicamente a doença ou qual agente desencadeia o início dos sintomas 4. A Esclerose Lateral Amiotrófica é tema de vários simpósios e congressos nacionais e internacionais e, paralelamente à busca pela cura, estudiosos e profissionais se empenham em detectar como melhorar a qualidade de vida dos pacientes que possuem a patologia, analisando como ela interfere no cotidiano do paciente, parentes e profissionais que estejam envolvidos no tratamento. Essa busca envolve revisões de literatura, investigações de casos isolados e investigações de características de grupos de pacientes na tentativa de identificar quais são as melhores estratégias para minimizar o sofrimento do paciente 5. Não obstante, existe um sofrimento de parentes e terapeutas envolvidos com os cuidados do paciente; uma abordagem pouco relatada em artigos científicos 6,7. Mesmo com a realização de várias ações para divulgação da Esclerose Lateral Amiotrófica, até o presente momento não se sabe o que origina a doença e nem há prognóstico de cura. A ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA E A FISIOTERAPIA: Diante do quadro obscuro relacionado à etiologia e cura da patologia, os profissionais da saúde envolvidos diretamente com os cuidados dos pacientes com Esclerose Lateral Amiotrófica perceberam a necessidade de desenvolvimento de projetos e pesquisas para a manutenção do seu bem estar físico, visando qualidade de vida e, conseqüentemente, aumento da sobrevida destes pacientes baseados na evolução dos sintomas clínicos fisioterapia, propriamente dita, busca em geral cuidar de aspectos relacionados: 8,9 .A • Ao sistema osteo-muscular: manutenção da movimentação ativa, manutenção do comprimento muscular e conseqüente prevenção de deformidades articulares, manutenção da postura e adequação ao quadro clínico do paciente, treino de função adaptada as AVD 10; • Ao sistema respiratório: manutenção de volumes e capacidades pulmonares buscando manter a integridade da complacência pulmonar e suas propriedades viscoelasticas, auxiliar o paciente na higiene brônquica uma vez que ele perde força da musculatura respiratória e capacidade de gerar um alto fluxo de ar para expectoração, manutenção da força e resistência da musculatura respiratória 11; • A orientações para pacientes e familiares no sentido de se adaptarem a cada fase da doença, levando em consideração o caráter progressivo da doença, por exemplo, adaptações das residências para atenderem as demandas das atividades de vida diária do paciente, visando a maior independência possível de acordo com a progressão da patologia 12. E por se tratar de uma enfermidade progressiva, em um determinado momento, o paciente se tornará totalmente dependente de seu cuidador, principalmente para questões de sobrevivência como higiene, alimentação e cuidados respiratórios; isto é de suma importância do ponto de vista clínico, pois o paciente tem dificuldades, por exemplo, para eliminar a secreção pulmonar que é uma das grandes causas de infecções pulmonares recorrentes e piora acelerada do quadro geral 13. SOFRIMENTO DO PACIENTE COM ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA Mesmo se prestada a assistência como citado no item acima, o paciente com Esclerose Lateral Amiotrófica tem uma sobrevida em média de quatro anos após o diagnóstico fechado da doença, obtido inicialmente através de exames clínicos e, posteriormente, através de exames laboratoriais 14 . Dentre os exames mais importantes está a eletroneuromiografia, que identifica se ainda existe ação da inervação motora sobre a área muscular clinicamente afetada, uma vez que a Esclerose Lateral Amiotrófica faz com que haja perda da inervação central para a periferia. O diagnóstico é transmitido ao paciente pelo médico, que muitas vezes é abordado com questões concernentes à gravidade e progressão da doença, como em qualquer outra patologia. E como a Esclerose Lateral Amiotrófica não tem cura até o momento, e o prognóstico é de difícil aceitação por parte do paciente e principalmente por parte dos familiares, que em sua grande maioria são os cuidadores. Estes passam a buscar incansavelmente respostas para as perguntas do paciente e para suas próprias perguntas, passando a ocupar a maior parte do seu tempo envolvido nessa questão e aumentando a sobrecarga emocional, gerando sofrimento e estresse. Com o passar do tempo, surgem as dificuldades de aceitação das situações causadas pela progressão da doença, gerando mais sofrimento e sobrecarga por parte dos familiares que deixam de viver suas próprias vidas para viverem em função do paciente, ficando muitas vezes mais debilitados do que o próprio paciente. Assim como os terapeutas que, independente da questão profissional, passam a fazer parte da rotina do doente 6,8. Durante esse período, há uma busca de informações por parte do cuidador, bem como da família, de como lidar com o paciente no período mais crítico de sua vida: o período em que o paciente entra no processo de morte-morrer. A partir deste período até o momento do óbito, terapeuta, cuidador e paciente vivenciam e convivem dias após dias com essa realidade até que o óbito se estabeleça. Para alguns familiares, mesmo após um longo período em busca de respostas, enquanto o paciente vive, ainda existe esperança para resolver questões 15. Essa situação permanece até que o óbito se estabeleça e, mesmo após o óbito, existe um período descrito em literatura de sete a oito meses em média para que os envolvidos concluam o processo de luto e retomem suas vidas 16 . Após alguns anos convivendo e dando assistência ao paciente portador de Esclerose Lateral Amiotrófica, este é o primeiro momento em que cuidadores, familiares e profissionais estão sem o paciente. OBJETIVO O presente trabalho tem o objetivo de realizar um estudo através de um levantamento bibliográfico de como cuidadores, familiares e profissionais envolvidos com os pacientes com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) encaram o processo de morte-morrer. MÉTODO Trata-se de uma revisão bibliográfica de artigos que tratam da abordagem do processo de morte-morrer pelos parentes, profissionais e cuidadores de pacientes portadores de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). • Critérios de inclusão: Foram selecionados artigos indexados publicados de 2001 a 2007 nas bases de dados Medline, Pubmed, Lilacs e Scielo. Descritores na língua portuguesa (esclerose lateral amiotrófica, fisioterapia, morte, sofrimento, mortemorrer, processo de morte) e inglesa (amyotrophic lateral sclerosis, physiotherapy, death, suffering, end-of-life) foram utilizados juntamente com os boleanos AND e OR, além de buscas manuais de referências citadas nos artigos encontrados. RESULTADOS De acordo com os critérios de busca indicados, o autor deste trabalho selecionou os seguintes artigos, organizados na tabela abaixo pelo título, autor e ano de publicação. TÍTULO AUTOR PERIÓDICO / ANO DE PUBLICAÇÃO The ALS patient care database: insights into end-of-life care in ALS. Mandler RN, Anderson FAJ, Miller RG, Clawson L, Cudkowicz M, Del Bene M; ALS C.A.R.E. Study Group. Amyotroph Lateral Scler Other Motor Neuron Disord 2001 Bioética nas questões da vida e da morte Kovács MJ. Psicologia USP 2003 Conflicts of interest: experiences of close relatives of patients suffering from amyotrophic lateral sclerosis. Bolmsjö I, Hermérn G. Nurs Ethics 2003 Dependência e morte da "mãe de família": a solidariedade familiar e comunitária nos cuidados com a paciente de esclerose lateral amiotrófica Borges CF. Psicologia em Estudo 2003 Promoting excellence in end-of-life care in ALS. Mitsumoto H, Bromberg M, Johnston W, Tandan R, Byock I, Lyon M, et al. Amyotroph Lateral Scler Other Motor Neuron Disord 2005 Management strategies for patients with amyotrophic lateral sclerosis from diagnosis through death. Simmons Z. Neurologist 2005 Autonomia: viver a própria vida e morrer a própria morte. Ribeiro DC. Cad Saúde Pública Rio de Janeiro 2006 Identificação das fases do processo de morrer pelos profissionais de Enfermagem. Susaki TT, Silva MJP, Possari JF. Acta Paul Enferm 2006 A abordagem do processo do morrer e da morte feita por docentes em um curso de graduação em enfermagem. Bellato R, Araújo AP, Pereira HF, Rodrigues PF. Acta Paul Enferm 2007 DISCUSSÃO Diante da revisão da literatura e dos artigos abordados pelo autor deste trabalho, houve possibilidade de diferenciar três diferentes indivíduos ou grupo de pessoas que acompanham e influenciam de forma direta e indireta o processo de morte do paciente com Esclerose Lateral Amiotrófica: o paciente; dado como sujeito principal do processo a partir do momento do diagnóstico; o cuidador; que geralmente é um profissional da saúde ou uma pessoa próxima empenhada em diretrizes e cuidados para com o paciente; os familiares, que independente se um membro da família seja o cuidador do paciente ou não, exerce influência fundamental no processo de morte morrer do paciente. E todos, sem exceções, necessitam de cuidados e orientações para poder lidar com esse processo. O paciente: luta precoce, mudanças na vida e fase terminal Desde o momento que o paciente com Esclerose Lateral Amiotrófica nota mudanças e percebe os sintomas da enfermidade em seu corpo, passa a procurar respostas para suas questões. E quando falamos de mudanças, são momentos do cotidiano dessas pessoas que são desconhecidos para elas. Momentos esses que geram medo e insegurança e fazem o indivíduo procurar ajuda. A partir daí, inicia-se todo processo de luta, com envolvimento de familiares e busca de auxilio com um profissional qualificado. Geralmente este profissional é um médico que será responsável pelo acompanhamento do paciente e, conseqüentemente, responsável em transmitir o diagnóstico. Como citamos, desde antes do contato inicial com o médico até o diagnóstico fechado, o paciente sempre estará em busca de informações sobre o que está ocorrendo com seu corpo e dos possíveis problemas que ele poderá enfrentar caso suas hipóteses sejam confirmadas. Em paralelo, realiza uma gama variada de exames e estudos para confirmar o diagnóstico sobre seu problema. Com o diagnóstico fechado, o médico tem o dever de transmiti-lo ao paciente e este é um ato fundamental para determinar a reação do paciente com Esclerose Lateral Amiotrófica, pois é geralmente nesse momento o medico enfrenta dificuldades justamente pelo fato de não encara o processo de morte como continuação da vida, gerando uma frustração por entenderem que são fracassos de um esforço terapêutico ou da luta pela cura. Existe também uma situação desconhecida pela possibilidade de ser questionado pelo paciente com perguntas de difícil resposta. Por isso o preparo deve ser eminente e deve-se transmitir segurança ao paciente neste momento, oferecendo a ele todo suporte necessário para que ele fique sempre próximo ao médico, proporcionando um pleno acompanhamento e, conseqüentemente, uma boa monitoria da sua qualidade de vida 13. Após a noticia do diagnóstico, muitos pacientes intensificam a busca por informações e a luta pela vida, levando em consideração as informações já obtidas antes do diagnóstico e as hipóteses levantadas pelos próprios pacientes. Como a progressão da Esclerose Lateral Amiotrófica é muito rápida, existe uma frustração por parte do paciente por querer lutar contra um prognóstico desfavorável para a cura e por vivenciar a cada momento uma dependência maior de cuidados e de pessoas que façam suas tarefas as quais não pode mais executar devido à incapacidade gerada pela enfermidade. Podemos analisar então a visão do paciente frente a diversas situações expostas pela progressão da Esclerose Lateral Amiotrófica: o sofrimento do paciente advém principalmente pelo fato que sua consciência está íntegra e ele observa pouco a pouco a progressão dos sintomas e se sente incapaz já que ao seu ver não pode desempenhar nenhuma tarefa de forma satisfatória devido o comprometimento físico causado pela enfermidade. No decorrer do processo de morte, surgem vários sentimentos que podem descrever como o paciente encara este processo. Elisabeth Klüber-Ross descreve cinco estágios que o paciente pode vivenciar durante o processo: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Não há uma ordem de acontecimentos e não há uma obrigatoriedade do paciente expressar um desses sentimentos, sendo que ele pode até expressar vários sentimentos de uma vez. Ela descreve também que são mecanismos para enfrentar o processo desconhecido da morte e que podem interferir diretamente no relacionamento de todas as pessoas envolvidas com paciente 7,17 . . Compreender o que está por traz de cada sentimento é importante para proporcionar uma morte tranqüila ao paciente e é o grande desafio dos cuidadores e profissionais envolvidos nos cuidados dos pacientes com Esclerose Lateral Amiotrófica. Mandler verificou em seu estudo que há uma eficácia nas orientações transmitidas e nas informações obtidas pelos pacientes, pois quase a mesma porcentagem de pacientes com morte tranqüila também tiveram orientações. Esta informação é de grande importância para conscientização do processo do fim da vida dos pacientes com Esclerose Lateral Amiotrófica e como se preparar para ela. Sugere-se uma discussão aberta entre pacientes, familiares e profissionais sobre os métodos paliativos e como eles podem intervir no processo do final de vida. Este tipo de diálogo associado ao método paliativo pode ajudar a diminuir a ansiedade e estresse gerado pelo quadro de Esclerose Lateral Amiotrófica e trazer uma morte tranqüila ao paciente. Familiares: mudanças na vida e desequilíbrios Uma vez transmitido o diagnóstico, cuidadores e familiares, conforme a progressão da doença e conseqüente incapacidade do paciente, gradualmente se re-estruturarão de tal forma a mudar completamente a dinâmica familiar. É imprescindível a participação de todos neste processo, pois a doença desestrutura a família e gera um desequilíbrio. Esse desequilíbrio advém principalmente do estresse gerado pela modificação da rotina familiar, da ocupação de novos cargos e funções para substituição dos papéis familiares, do aumento de custos, das inseguranças geradas pela doença e manifestação de sentimentos novos. Isso gera uma nova organização familiar, que se reflete na sua identidade, mesmo porque os cuidados paliativos geram um prolongamento do processo de morrer, sendo que os recursos familiares financeiros e de prestação de cuidados podem se esgotar, colocando as necessidades de outros membros da família em segundo plano. Um dos fatores agravantes deste desequilíbrio familiar e decisivo para o processo de morte morrer do paciente é o luto antecipatório, que faz com que os familiares se libertaram de seus elos emocionais com o paciente, por entenderem antecipadamente que seu familiar irá a óbito por conta da doença. Este processo pode ou não ocorrer, e quando ocorre, gera um distanciamento quase irreversível do paciente em relação à família, pois quebra vínculos afetivos. Por este processo poderá passar também o paciente, desde o momento que percebe que sua morte será inevitável, procura através de sentimentos de angústia e dor da separação, hostilidade, culpa, depressão, tristeza, ódio, afastar os laços afetivos que matem com sua família 6. Segundo estudo de Borges, mesmo que haja um grave desequilíbrio, algumas famílias reagem de maneira surpreendente, como se a adversidade forçasse uma tomada de decisões para que haja um consenso frente à situação. Já outras famílias buscam apoio no grupo social onde está inserida, onde existem pessoas que estão realmente empenhadas em ajudar, criando um vínculo e suprindo a falta de recursos e pessoas qualificadas a lidar com esse tipo de paciente. De certa forma, também suprem uma parte do vazio deixado pela sobrecarga e desestruturação familiar. Tratando-se de qualificação da família, não se inclui a responsabilidade a eles por doenças crônicas como a Esclerose Lateral Amiotrófica, mas não se exclui a necessidade de apoio e instrução às famílias que, do esforço do seu entendimento, cuida do paciente à sua forma. Por conta desses fatores, o esclarecimento e acompanhamento de familiares se fazem necessário para haja laços estreitados e que o processo de morte morrer do paciente seja digno e tranqüilo. Cuidador: onde está o cuidado? Não obstante de cuidados está o cuidador, que, paradoxalmente, é afetado no processo de morte morrer do paciente. Por se tratar de uma pessoa que, a principio, está incumbida de cuidados paliativos que prolongarão a vida do paciente, tem sentimentos de frustração em relação ao prognóstico. Isso porque o cuidador nega o sentimento de morte, fazendo com que não haja uma abordagem abrangente sobre o processo, prejudicando a compreensão das necessidades do paciente. Os sentimentos que o cuidador pode esboçar além da frustração são tristeza, perda, impotência, estresse e culpa que, em geral, fazem com que ele se afaste da situação e não ofereça o suporte e compreensão necessária ao paciente. O cuidador, profissional da saúde ou familiar, deve ser orientado de como deve ser a abordagem do processo de morte. Se não tomado os devidos cuidados, o cuidador não poupará esforços para manter o paciente vivo; em contra partida isso pode gerar uma morte aflita e não em paz e pode, em alguns casos, ir contra o livre consentimento do paciente. Outro aspecto de fundamental importância para a compreensão das necessidades do paciente relacionado ao cuidador e é a questão do estresse. Por estarem sempre presentes e se colocarem a disposição do paciente em tempo integral, não lhes resta tempo para resolver questões pessoais e, até mesmo, para descanso da sobrecarga física e emocional o qual está exposto. Esta situação pode representar uma influência negativa na relação com o paciente, no bemestar e na qualidade de vida de ambos 6,7. Cuidados paliativos: limites entre eutanásia, distanásia e ortotanásia Segundo a Organização Mundial da Saúde, os cuidados paliativos afirmam a vida e encaram a morrer como um processo normal, não apressam a morte e procuram aliviar a dor e outros sintomas desconfortáveis; integram os aspectos psicossocial e espiritual nos cuidados do paciente e oferecem um sistema de apoio para ajudar a família a lidar durante a doença do paciente e no processo do luto. Sabe-se que os cuidados paliativos são essenciais para a sobrevida do paciente com Esclerose Lateral Amiotrófica, porém ainda existe uma grande discussão em torno desses cuidados, pois podem influenciar no processo de morte do paciente. Isso se deve ao fato que não é bem definido o limite entre a distanásia, ortotanásia e a eutanásia. Distanásia entende-se como conjunto de intervenções terapêuticas que adia o processo natural de morte e trazem sofrimento ao paciente; eutanásia é o processo de aceleração da morte a pedido do paciente; ortotanásia é o processo onde os pacientes só têm os cuidados considerados ordinários e nenhuma medida extraordinária e tomada para a manutenção da vida 15 . No auge da definição destes termos, levante-se algumas questões: os cuidados paliativos representam alívio ou prolongamento do sofrimento? Solução ou problema ao paciente? Esta resposta só poderá ser dada pelo próprio paciente. Não está baseada em experiências anteriores ou no processo de morte de outros pacientes, pois este processo é único e pessoal de cada indivíduo. Como citado nas linhas acima, uma melhor compreensão do processo de morte de cada pacientes beneficia tanto aos envolvidos no processo, que o encararão como natural e continuação da vida, quanto ao paciente, que será mais bem compreendido durante o processo de morte. Esta atitude pode viabilizar a ortotanásia e afastam a possibilidade de distanásia e eutanásia 17. Tomada de decisões, autonomia e pedido de morte Segundo a Carta aos Usuários do Sistema de Saúde, o paciente tem autonomia para tomada de decisões, inclusive decisões concernentes a seus tratamentos, sua saúde e sua vida. E o paciente com Esclerose Lateral Amiotrófica usa da sua lucidez nessa tomada de decisões, inclusive no que diz respeito a cuidados paliativos. A Suspensão de Esforço Terapêutico (SET) pode ser solicitada pelo paciente e trata-se de suspensão de tratamentos. A finalidade é deixar que a morte naturalmente se instale. Os profissionais, familiares e cuidadores têm o dever de respeitar a autonomia do paciente, inclusive para lhe dar alta “a pedido”, deixando que a morte ocorra no local, no tempo e em companhia de quem o doente quiser 15. Como já discutido, se as fases da morte não forem interpretadas e consideradas por aqueles envolvidos com o paciente com Esclerose Lateral Amiotrófica, podem gerar conseqüências indesejáveis. Uma delas é o pedido para morrer do paciente. Os motivos que os pacientes pedem para morrer são vários, tais como: depressão, abandono por parte da família, por se sentirem como um peso para a família, por não receberem cuidados adequados, dor por falta de cuidados gerando sofrimento, depressão clínica, falta de apoio social, dificuldade de dar conta da própria vida. Além disso, algumas pessoas pedem para morrer ou cometem suicídio quando se vêem diante da possibilidade de dependência, aliada a um sentimento de perda de dignidade. Isso tudo pode ser gerado pela não compreensão dos seus desejos e necessidades por profissionais, cuidadores e familiares. O pedido de morte do paciente, pelo contrario do que se pensa, pode significar um pedido de ajuda, de alívio do seu sofrimento ou até uma forma de dizer que ele tem o direito a uma morte tranqüila. A questão é interpretar as emoções do paciente, que pode declarar esse pedido de forma desesperada ou serena, respectivamente 16. CONCLUSÃO Durante as entrelinhas, pode-se verificar que há uma falta de preparo e estudos do o processo de morte do paciente com Esclerose Lateral Amiotrófica e esse fator interfere de forma direta no bom andamento deste processo. Ao analisar a discussão proposta, o autor deste trabalho verificou que a abordagem do processo de morte entre as pessoas envolvidas nos cuidados dos pacientes com Esclerose Lateral Amiotrófica é semelhante, pois eles não encaram o processo de morte como continuação da vida. Profissionais e cuidadores entendem que houve um fracasso na tentativa de manter a vida e suscitam sentimentos de angustia e tristeza, influenciando negativamente o paciente. Sugere-se todos os envolvidas nos cuidados dos pacientes com Esclerose Lateral Amiotrófica resolvam a questão de morte consigo mesmo antes de tentar entender o paciente em fase terminal. Todos, na tentativa de prolongar a vida do paciente, mantém cuidados paliativos até mesmo com recursos extraordinários e, muitas vezes, podem ultrapassar a barreira do livre consentimento do paciente, gerando sofrimento e tumultuando o processo natural da morte. Segundo o estudo de Bellato, os docentes que foram indagados dos sentimentos sobre a própria morte ou de alguém próximo, expressaram medo, angústia e tristeza. Estes sentimentos podem emanar dos profissionais, familiares e cuidadores que, corretamente instruídos, podem discutir e colocado em questão o que esses sentimentos representam para eles, compartilhando experiências e dando a oportunidade de melhorar o cuidado dispensado ao paciente. Isso beneficia a todos, que podem expressar seus medos e angústias para melhor compreensão do difícil processo de morte. Cuidadores, familiares e profissionais devem observar que um momento de carinho acompanhado do alívio dos sintomas físicos da doença podem proporcionar momentos de conforto ao paciente terminal. Nas linhas abaixo, segue uma declaração de um paciente do Doutor Acary de Souza Bulle que nos fazem refletir sobre as questões deste trabalho: Paciente M.J.: “O que é pior? Morrer vivendo ou viver morrendo? Quero viver! Então, deixe-me morrer em paz. Estou pronta!” Concluindo, o autor propõe uma continuação prática deste levantamento bibliográfico, com um estudo transversal para investigar as últimas vinte e quatro horas de vida do paciente com Esclerose Lateral Amiotrófica. O objetivo é detectar como se apresentava o paciente no final do processo de morrer, verificar se as pessoas envolvidas estavam orientadas sobre como lidar com esse processo e se isso interferiu no processo de morte. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Levy JA, Oliveira ASB. Reabilitação em doenças neurológicas – guia terapêutico pratico. São Paulo: Atheneu 2003; 33-34. 2. Weiydt P, Moller T. Neuroinflammation in the pathogenesis of amyotrophyc lateral sclerosis. NeuroReport 2005;16:527-531. 3. Cassemiro CR, Arce CG. Comunicação visual por computador na esclerose lateral amiotrófica. Arq Bras Oftalmologia 2004;67(2):1-12. 4. Hallum A. Doenças Neuromusculares. In: Umprhred DA. Reabilitação neurológica. 4a ed. São Paulo: Manole 2004;384-405. 5. Zimmermann C. 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