plasticidade morfológica de árvores e sua aplicação na

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA
CÍNTIA CARDOSO PINHEIRO
PLASTICIDADE MORFOLÓGICA DE ÁRVORES E SUA
APLICAÇÃO NA RESTAURAÇÃO DA CAATINGA
NATAL, RN
2016
CÍNTIA CARDOSO PINHEIRO
PLASTICIDADE MORFOLÓGICA DE ARVORES E SUA
APLICAÇÃO NA RESTAURAÇÃO DA CAATINGA
Tese apresentada ao programa de PósGraduação em Ecologia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como parte
das exigências para a obtenção do título de
Doutor em Ecologia.
Dra.
Orientadora:
Gislene Maria da Silva Ganade
NATAL, RN
2016
2
CÍNTIA CARDOSO PINHEIRO
PLASTICIDADE MORFOLÓGICA DE ÁRVORES E SUA
APLICAÇÃO NA RESTAURAÇÃO DA CAATINGA
Tese apresentada ao programa de PósGraduação em Ecologia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como parte
das exigências para a obtenção do título de
Doutor em Ecologia.
Data da defesa:
Resultado: ____________________
____________________________
Dr.
____________________________
Dr.
____________________________
Dr.
____________________________
Dr.
____________________________
Dr. Gislele Maria da Silva Ganade
(Orientadora)
3
Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Biociências
- CB
Pinheiro, Cíntia Cardoso.
Plasticidade morfológica de árvores e sua aplicação na restauração
da Caatinga / Cíntia Cardoso Pinheiro. - Natal, 2017.
81 f.: il.
Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Centro de Biociências. Programa de Pós-Graduação em Ecologia.
Orientadora: Profa. Dra. Gislene Maria da Silva Ganade.
1. Restauração da Caatinga - Tese. 2. Plasticidade - Tese. 3. Caatinga Tese. I. Ganade, Gislene Maria da Silva. II. Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. III. Título.
RN/UF/BSE-CB
CDU
574
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que de alguma forma estiveram envolvidos com as
várias
etapas
deste
orientadora Gislene
processo,
Ganade que
principalmente
tem
minha
sido meu grande
exemplo de vida e de ciência ao longo destes 11 anos de
amizade e orientação.
Agradeço à minha família pela confiança e apoio, mesmo de longe, ao
longo de toda a minha trajetória de busca pessoal e
profissional, amo vocês! Principalmente, agradeço à minha
amada filha Clara, que nasceu e se criou neste meio científico
sendo uma das pessoas que eu mais confio e admiro no
mundo. Por vezes ela que foi minha mãe. Tu és a melhor parte
de mim. Te amo profundamente.
Minha segunda família, meus amigos. Lhes agradeço por escolherem
fazer parte da minha vida e fazer com maestria e altruísmo.
Agradeço à minha amiga/irmã Marina Fagundera. Passamos
por coisas semelhantes em tempos distintos e tu me ensinaste
coisas que nem os mais letrados deste mundo conseguiriam
descrever… Eu sei que você sabe que eu sei que você sabe
que é difícil te dizer. Te amo.
Gustavão, meu amigo, como eu te admiro! Você é um amigo grande,
grande de tamanho, grande sorriso, grande profissional,
grande músico e um coração que é enorme! Obrigada por
permitir que eu acompanhe as suas lutas diárias e ainda
ajudar nas minhas. Te amo!
5
Agradeço à Bibicksunt, Lica, Piulips, Talitão, Letícia, as tanquetetes:
Laura, Francisca, Pocas, à família (que é minha também!) mais
bonita da cidade: Marília (Como eu te admiro e amo!!!), Adrian
e as pequenas Alice queen e Luíza pulguinha! Obrigada por
atuarem
lindamente
na
minha
novela
mexicana
e
compartilharem desta montanha russa linda que é viver!
Agradeço à República internacional do tanquetão (Meu lar), República
Pinga Pinga e seus moradores amados!
Agradeço à Eugênia e Juank, pela ajuda em campo, pela amizade,
pelos apertões, pelo prazer de ter vocês em minha família e eu
nas suas. Obrigada seus fofinhos!
Agradeço à minha turma de pós, trade-off…. Tantas emoções! Sou a
última
deste
ciclo
que
encerra
parte
da
nossa
vida
acadêmica… Espero que vocês sejam muito felizes em toda e
qualquer escolha que vocês façam para as suas vidas!
Obrigada
por
compartilharem
um
pouquinho
da
minha
felicidade!
Agradeço à minha/nossa banda, Madame Xique-xique e as suas lindas
integrantes: Lili, Má, Maíra e Gis! Obrigada por enfeitar a
minha vida de música e poesia!! Arte como forma de escape,
arte como forma de desabafo, arte para chorar, arte para rir,
arte para abraçar…ser feliz…viver…Arte pela arte!
Ao grupo do Laboratório de Ecologia da Restauração da UFRN – LER,
em especial Léo, Felipe, Adler, Edjane e Bruna.
6
A equipe da Floresta Nacional de Assu, em especial ao Mauro, que me
permitiu realizar todo o meu trabalho de forma sempre
prestativa, mesmo em condições adversas de recursos. Aos
senhores, Irmão, Seu Antônio e Seu Zé Holanda, que foram
fundamentais para que eu pudesse aprender as espécies da
caatinga e pelos gerimuns cozidos levados até mim quando
estava sozinha em campo! Muito obrigada!
Agradeço ao programa de Pós Graduação em Ecologia da UFRN que
me
permitiu
aprender
e
crescer
profissionalmente
e
pessoalmente. Que me forneceu toda estrutura e profissionais
necessários para que minha tese fosse desenvolvida.
Agradeço a agência de fomento CAPES, que investiu em mim por
quatro anos para que eu me dedicasse a minha realização
profissional e assim poder contribuir com o meu país.
Agradeço aos demais que não estão listados aqui e que de alguma
maneira fizeram parte desta trajetória.
7
ÍNDICE
RESUMO GERAL….………………..…………………………………………....... 9
CAPÍTULO 1- Plasticidade morfológica e a performance de espécies
arbóreas
da
caatinga
em
programas
de
restauração .......................................................................................12
Resumo..............................................................................................13
Introdução......................................................................................... 14
Objetivos............................................................................................16
Métodos..............................................................................................18
Resultados......................................................................................... 26
Discussão...........................................................................................31
Referências........................................................................................33
CAPÍTULO 2- Estratégias de alocação de recursos em resposta à seca
em espécies arbóreas da caatinga..................................................37
Resumo..............................................................................................38
Introdução......................................................................................... 39
Objetivos............................................................................................41
Métodos............................................................................................42
Resultados.........................................................................................47
Discussão...........................................................................................55
Referências........................................................................................59
CAPÍTULO 3- Padrões de plasticidade em espécies lenhosas
distribuídas globalmente....................................................................61
Resumo..............................................................................................62
Introdução......................................................................................... 63
Objetivos............................................................................................67
Métodos..............................................................................................61
Resultados..........................................................................................68
Discussão...........................................................................................73
Referências....................................................................................... 77
8
RESUMO GERAL
A Plasticidade fenotípica em espécies de plantas tem se
demonstrado um bom mecanismo para explicar parte da distribuição
e
ocorrência
de
espécies
no
planeta.
Estudos
vêm
sendo
desenvolvidos para testar o papel da plasticidade em processos como
invasão de espécies exóticas e expansão geográfica de espécies para
locais heterogêneos, perturbados ou estressantes. Para tal, leva-se
em consideração a capacidade de uma espécie em modificar suas
estruturas frente à um ambiente independente do genótipo. Dentro
do contexto da biologia do desenvolvimento, a literatura tem utilizado
uma abordagem com linhagens de genótipos conhecidos, o que
chamamos de plasticidade fenotípica strictu sensu. Por outro lado,
estudos que tenham como foco aspectos ecológicos, tendem a
assumir como plasticidade qualquer modificação do fenótipo frente a
mudanças no recurso ambiental. Para esta abordagem ecológica, o
termo utilizado é a Plasticidade fenotípica latu sensu, onde são
incluídos
e
assumidos
como
mecanismos:
normas
de
reação,
variabilidade genética e a própria plasticidade strictu sensu, intra e
interespecífica. Neste caso específico, um bom delineamento na
coleta de dados é fundamental para que não ocorra algum viés
interpretativo. As características plásticas possuem uma grande
importância adaptativa. Através delas é possível compreender quais
estratégias morfológicas e fisiológicas permitem com que as plantas
lidem com perturbações pontuais e com ambientes altamente
estressantes. A compreensão destas estratégias pode trazer, além do
melhor entendimento das comunidades naturais, uma ferramenta útil
em programas de restauração. O semiárido brasileiro é um bioma
altamente estressante, caracterizado por um forte filtro ambiental de
estresse hídrico e altas temperaturas. Ademais, 53% de seu território
já foi desmatado, e os métodos de restauração utilizados possuem
baixa efetividade. A compreensão das estratégias de alocação de
biomassa das plantas neste sistema é urgente para que esses
métodos de restauração possam ser mais efetivos. Neste sentido, o
9
primeiro capítulo desta tese busca compreender as possíveis relações
entre padrões de plasticidade e a capacidade de espécies arbóreas
serem bem sucedidas em programas de restauração. Pôde-se
observar
que
espécies
diferiram
significativamente
em
sua
capacidade plástica no que diz respeito à alocação de biomassa em
raiz versus parte aérea. As espécies mais plásticas apresentaram em
geral um maior potencial de sobrevivência em campo, demonstrando
que a flexibilidade na alocação de biomassa, desempenha um
importante papel em ambientes estressantes. Grime (1977) em seu
trabalho clássico aponta 3 principais estratégias de captação e uso de
recursos que plantas utilizam para lidar com diversas pressões
ambientais: Ruderais, Competidoras e Estresse-tolerantes. Sabe-se
que plantas Competidoras tendem a apresentar maior plasticidade
fenotípica
enquanto
que
em
plantas
Estresse-tolerantes
a
plasticidade é menos expressiva. Pouco se compreende sobre como
estas estratégias de captação de recurso funcionam no semiárido
brasileiro. Da mesma forma, ainda permanece como uma lacuna
entender se existe variação plástica das espécies com estratégias
distintas em diferentes situações de disponibilidade de recurso. Por
isto,
no
segundo
capítulo
buscou-se
testar
se
características
morfofuncionais dessas espécies vegetais estariam correlacionadas
com suas estratégias de resposta à seca e se espécies arbóreas
diferem nas suas estratégias de alocação em raiz e parte aérea
quando enfrentam situações de estresse hídrico. Espera-se que as
espécies “Competidoras” tendam a apresentar maior capacidade de
realocação de biomassa frente as alterações abióticas do que as
espécies com características “Estresse-tolerantes”. As estratégias de
crescimento e alocação em raiz e parte aérea das espécies lenhosas
estudadas diferiram de acordo com as disponibilidades de recursos.
Algumas espécies apresentaram respostas de maior acúmulo de
biomassa em raiz em relação à parte aérea quando irrigadas, outras
apresentaram maior investimento em biomassa em raiz quando em
tratamentos de seca. Em geral, a relação do investimento em raiz e
10
parte
aérea
não
demonstrou
estar
correlacionadas
com
características morfofuncionais de altura, SLA e densidade de
madeira,
no
entanto,
árvores
mais
altas
se
mostraram
mais
propensas a alongarem suas raízes em situações de seca. A
diversidade de estratégias que possuem as espécies da Caatinga
pode ser atribuída aos seus diferentes históricos de pressões, aliado
ao filtro ambiental que a Caatinga exerce, modulando um grupo de
estratégias que não podem ser completamente explicadas pelo
modelo do triângulo do Grime (1977). A compreensão em larga escala
de como os tipos de plasticidades morfológicas e fisiológicas e de
parte aérea e raiz variam de acordo com fatores abióticos ainda não é
clara. Por isto, no terceiro capítulo testamos se espécies que
apresentam maior plasticidade fisiológica apresentam também maior
plasticidade morfológica, se plantas são mais plásticas em atributos
fisiológicos ou morfológicos e se o tipo de recurso disponível, seja
este acima ou abaixo do solo poderia influenciar diferencialmente a
plasticidade de alocação em raiz e parte aérea. Vimos que de modo
geral não há diferença entre investimento de plasticidade entre
atributos fisiológicos e morfológicos. Pode-se também verificar que
existe diferença nos níveis de plasticidade entre espécies, porém
aquelas que são mais plásticas em atributos morfológicos também o
são em atributos fisiológicos. Adicionalmente, verificou-se que a
alteração de um recurso de solo como água e nutrientes leva a uma
maior alocação em raízes, enquanto que a alteração em recursos
acima do solo como luz e CO 2 leva a uma maior alocação de biomassa
em folhas e galhos. Esses resultados demonstram que plantas não só
diferem em sua capacidade de serem plásticas frente às alterações
ambientais, mas
que também o seu
maquinário fisiológico e
morfológico evolui conjuntamente para expressar características
plásticas. Adicionalmente, a plasticidade em plantas é usada como
um meio de intensificar a captura de um recurso quando este se
torna disponível.
11
CAPÍTULO 1
PLASTICIDADE MORFOLOGICA E A PERFORMANCE DE ESPÉCIES
ARBOREAS DA CAATINGA EM PROGRAMAS DE RESTAURAÇÃO
12
CAPÍTULO 1
PLASTICIDADE MORFOLÓGICA E A PERFORMANCE DE ESPÉCIES
ARBÓREAS DA CAATINGA EM PROGRAMAS DE RESTAURAÇÃO
RESUMO
A Caatinga se encontra entre os três ecossistemas mais degradados
do Brasil apresentando regiões com alto risco de desertificação. Desta
forma, torna-se urgente a reversão desse quadro através da
implementação de programas de restauração florestal. Métodos de
restauração florestal desenvolvidos para esse ecossistema são ainda
incipientes e raramente incorporam em suas práticas informações
científicas recentes sobre características das espécies vegetais que
possam melhorar a sua performance em programas de restauração. A
plasticidade de espécies arbóreas representa um processo promissor
porque consiste na capacidade de uma planta se adaptar
rapidamente a uma dada condição ambiental extrema. Desta forma,
estudos que tenham como foco a plasticidade de plantas elucidariam
a maneira pela qual determinadas espécies nativas estariam se
comportando após seu plantio em um ambiente degradado. Este
trabalho tem como objetivo principal investigar padrões de
plasticidade morfológica em quatro espécies arbóreas nativas da
Caatinga e discutir possíveis relações entre esses padrões de
plasticidade e a capacidade dessas espécies serem bem sucedidas
em programas de restauração. Quatro espécies arbóreas nativas da
Caatinga foram estudadas quanto à suas capacidades plásticas e
suas
performances
em
um
programa
de
restauração:
Anandenanthera colubrina (Angico), Myracodrum urundeva (Aroeira),
Mimosa tenuiflora (Jurema) e Poincianella bracteosa (Catingueira). A
capacidade plástica das espécies foi medida em casa de vegetação
utilizando o índice “Scope of plasticity response” que se baseou nas
diferenças em desenvolvimento de raiz e parte aérea das plantas
submetidas por 3 meses aos tratamentos de seca e água em 5 blocos
de repetição. Essas espécies foram também transplantadas em uma
área de Caatinga degradada e seu crescimento foi monitorado por
1ano. Houve uma tendência para que as espécies com maior
capacidade plástica apresentassem melhor performance de
crescimento durante a restauração. Este resultado é discutido como
uma evidência da relação positiva entre plasticidade morfológica e o
sucesso de estabelecimento da planta em ambientes degradados.
13
INTRODUÇÃO
Em ambientes naturais fatores abióticos como disponibilidade
de luz, água e nutrientes variam em pequena e larga escala. Nesses
ambientes altamente heterogêneos no espaço e no tempo as plantas
devem se aclimatar às condições adversas ou dispersar. Em situações
como essas, espécies vegetais recorrem a plasticidade fenotípica que
representa a capacidade de um dado genótipo alterar a sua
expressão morfológica e fisiológicas em resposta à variação em
condições ambientais (Schlicting e Pigliucci, 1998, Pigliucci, 2001).
Esta capacidade é particularmente vantajosa para organismos sésseis
(Bradshaw, 1965; Sultan, 2000). Embora os custos e limites da
plasticidade fenotípica não sejam tão bem compreendidos como os
seus benefícios (DeWitt et al, 1998; Givnish, 2002), a amplitude de
condições adversas suportadas por uma determinada espécie de
planta pode ser parcialmente explicada pela sua capacidade plástica
em relação às variações ambientais (Sultan, 2001; González e Gianoli,
2004; Saldaña et al, 2005). É reconhecido que capacidade plástica de
uma planta é definida geneticamente. Vários tipos de plasticidade
fenotípica
e suas
derivações
foram
descritas
em
estudos
de
plasticidade (Piersma and Drent, 2003; Sultan, 2004). De qualquer
forma, compreende-se que a capacidade de ser plástico e o tipo de
plasticidade está sob pressões seletivas ambientais que fazem com
que as plantas apresentem variações em suas respostas plásticas em
diferentes ambientes.
14
Programas
de
restauração
de
florestas
tropicais
frequentemente enfrentam altas taxas de mortalidade devido à
incapacidade de algumas espécies vegetais se estabelecerem em
ambientes degradados (Holl et al. 2000). Fatores que limitam a
sobrevivência de plântulas e o estabelecimento de regenerantes em
áreas restauradas e de sucessão secundária estão associados ao
estresse ambiental, à competição por recursos com a vegetação
estabelecida e limitação de sítios seguros para a germinação de
sementes (Holmgren e Scheffer, 2001; Janzen, 1970; Harper, 1983).
Já é consenso que para restaurar um ambiente, em primeiro lugar, é
preciso compreender algumas interações ecológicas-chave como
processos de aclimatação, colonização e interação entre espécies
(Connell et al, 1987; Hughes 1990; Gomez-Aparicio et al. 2005). O
próximo passo seria utilizar esse entendimento, a fim de garantir um
sucesso na sobrevivência inicial e, paulatinamente, restabelecer
processos essenciais do ecossistema original. No entanto, estudos
que tenham uma abordagem mais autoecológica das espécies são
ainda escassos e poderiam trazer avanços no entendimento dos
limites reais de tolerância das espécies introduzidas em condições de
campo.
A Caatinga é um ambiente semiárido situado no nordeste
brasileiro
que
se
apresenta
particularmente
suscetível
à
desertificação por apresentar baixos índices de precipitação durante
um longo período no ano. Além disso, modelos climáticos preveem
uma diminuição nas taxas pluviométricas dessa região até o final do
15
próximo
século
(Salazar
et
al.
2007),
fazendo
com
que
a
suscetibilidade à desertificação desse sistema aumente. A agricultura,
o pastejo intensivo, a exploração excessiva de madeira são atividades
amplamente praticadas nesse bioma (Marinho et al. 2016) o que
contribui para o processo de desertificação e para diminuição da sua
resiliência frente às alterações climáticas previstas (Leal et al. 2005).
Foi estimado que até 50% desse bioma pode estar sob efeitos
antrópicos e que 15% da área do bioma Caatinga se encontra em
processo de desertificação (Leal et al. 2005). Adicionalmente, seus
serviços
ecossistêmicos
não
se
encontram
adequadamente
protegidos em Unidades de Conservação (Manhães et al. 2016).
Experimentos de introdução de sementes e plântulas em áreas
degradadas de Caatinga revelam taxas muito altas de mortalidade
(Paterno et al. 2016). Desta forma, seria de extrema urgência o
desenvolvimento de técnicas de restauração para esse sistema.
OBJETIVOS
Objetivo Geral
O
presente
trabalho
investiga
padrões
de
plasticidade
morfológica em quatro espécies arbóreas típicas da Caatinga e
discute possíveis relações entre esses padrões de plasticidade e a
capacidade dessas espécies serem bem sucedidas em programas de
restauração.
16
Objetivos específicos
1. Investigar padrões de respostas plásticas de espécies arbóreas
da Caatinga frente a alterações na disponibilidade de água.
Hipótese: Esperamos que as espécies sejam diferentes em
sua capacidade plástica e que possuam uma maior resposta
plástica em suas raízes pelo fato do fator limitante da Caatinga ser
a água.
2. Discutir se o grau de plasticidade dessas espécies arbóreas
poderia estar relacionado com a sobrevivência e crescimento
destas espécies em um experimento de restauração.
Hipótese: Esperamos que espécies que apresentam maior
plasticidade terão maior sobrevivência em campo.
17
MÉTODOS
Local de Estudo
Experimentos
de
plasticidade
e
de
restauração
foram
implementados, respectivamente, em casa de vegetação e em campo
na Floresta Nacional de Açu (FLONA de Açu), uma Unidade de
Conservação do Instituto Chico Mendes (ICMBio) localizada na cidade
de Açu, Rio Grande do Norte. A FLONA de Açu possui 413,52 ha, e se
localiza na região central do estado (05º35’2’’S, 36º56’42’’ O)
representando um importante remanescente de vegetação nativa em
uma região que sofre constante pressão antrópica. De acordo com o
PAN-Brasil (MMA 2005), a FLONA de Açu está localizada na região das
áreas suscetíveis à desertificação principalmente por apresentar alta
incidência de secas. A formação vegetal que cobre a unidade é
predominantemente arbório-arbustiva densa e se encontra em
grande parte preservada. Apesar disso, dentro dessa unidade existem
áreas com histórico de intenso desmatamento e baixa resiliência.
A casa de vegetação onde o experimento de plasticidade foi
conduzido se localiza ao lado da sede dessa Unidade, tem dimensões
de 20 x 15 metros, é completamente protegida por uma camada de
tela de nylon preta, possui sistema de irrigação controlada e recebe
irradiação direta durante todo o dia. O local da casa de vegetação
onde o experimento foi conduzido possui dimensões de 6 x 4 metros,
é coberto por telha transparente, e a irrigação local é realizada
manualmente.
18
O local de campo onde o experimento de restauração foi realizado
se encontra em uma área de 5 ha que foi impactada no passado por
cultivo agrícola. Apesar de abandonada há cerca de 10 anos, esta
área ainda apresenta características de extrema degradação com
ausência de espécies arbóreas e solos completamente expostos
durante a estação seca.
Experimento em casa de vegetação
Coleta de sementes
Foram
coletadas
sementes
das
espécies
arbóreas
Anandenanthera colubrina, Myracodrum urundeva, Mimosa tenuiflora
e Poincianella bracteosa, essas espécies de agora em diante no texto
serão referidas pelo seu nome popular (Tabela 1). As sementes foram
coletadas de 5 indivíduos adultos de cada espécie. Essas árvores
matrizes selecionadas em campo se localizavam nas imediações da
FLONA de Açu, região da condução do experimento. As sementes
foram processadas para a retirada da estrutura de dispersão, e
deixadas por 24 horas em local arejado e temperatura ambiente para
secagem parcial. Posteriormente foram armazenadas a 18 °C por um
período que variou entre 1 e 3 meses. As sementes foram germinadas
em casa de vegetação em sementeiras e posteriormente as plântulas,
19
de aproximadamente 5 cm de altura, foram transferidas para o
experimento.
Tabela1. Informações sobre nomenclatura das espécies de árvores nativas
utilizadas nos experimentos de casa de vegetação e de campo.
Nome científico
Família
Nome popular
Anadenanthera macrocarpa
Fabaceae - Mimosoidae
Angico
Myracrodruon urundeva
Anacardiaceae
Aroeira
Mimosa tenuiflora
Fabaceae-Mimosoideae
Jurema Preta
Poincianella bracteosa
Fabaceae-Caesalpinioideae
Catingueira
Delineamento do experimento de casa de vegetação
O experimento foi estruturado utilizando 5 blocos de repetição.
Em cada bloco um indivíduo de cada uma das quatro espécies foi
alocado para o tratamento Alta Disponibilidade de Água e um
indivíduo de cada uma das quatro espécies foi alocado para o
tratamento Baixa Disponibilidade de Água. As diferentes combinações
de
espécies
e
tratamento
de
disponibilidade
de
água
foram
aleatoriamente posicionadas dentro de cada bloco, totalizando 40
plantas utilizadas no experimento. Para cada espécie, 10 plântulas
com
no
máximo
duas
folhas
além
dos
cotilédones
foram
transplantadas das sementeiras para tubos de PVC com 1m de
comprimento protegidos por potes plásticos na base para evitar o
contato com o solo. A fim de garantir a sobrevivência das plântulas
assim como o crescimento das raízes, todos os indivíduos foram
irrigados por um mês. Após esse período, no tratamento de alta
disponibilidade de água, as plantas foram mantidas com regas diárias
20
para manter a saturação hídrica do solo em 100% (capacidade de
campo do solo). No tratamento baixa disponibilidade de água as
plantas foram mantidas sob a condições de saturação hídrica do solo
de 15% da capacidade de campo. A capacidade de campo do solo foi
calculada a partir da diferença de peso entre terra seca e terra
totalmente saturada utilizando 5 tubos de 1m x 0,075m totalmente
preenchidos de solo. Os pesos dos tubos referentes à 15% da
capacidade de campo do solo foram utilizados como parâmetro para
definir a frequência de rega manual de 5 minutos 2 vezes por semana
para a o tratamento “seca”.
Medidas de plasticidade
Ao final do terceiro mês de crescimento todos os indivíduos de
cada espécie em cada tratamento foram removidos dos potes e a
altura e o comprimento das raízes foram medidos. Para cada planta
foram também pesadas a biomassa fresca da raiz e a biomassa fresca
da parte aérea que inclui folhas (parte fotossintética), galhos e tronco.
As raízes foram lavadas em água para remoção de partículas de solo
aderidas antes da pesagem. Os dados de biomassa úmida foram
utilizados para se calcular a variável Razão: raiz/parte aérea
(biomassa úmida de raiz dividida pela biomassa úmida da parte
aérea). Essa variável representa a estratégia de alocação de
biomassa para captura de recursos pela planta. Uma alta razão
raiz/parte aérea representa um maior investimento em captura de
água e nutrientes do solo, enquanto que uma baixa razão raiz/parte
21
aérea representa um maior investimento em captura de luz para
fotossíntese.
Um índice de plasticidade foi calculado para cada uma das
variáveis medidas (altura da planta, comprimento da raiz e razão de
alocação em biomassa de raiz em relação à parte aérea). O índice
calculado utilizou uma fórmula baseada na métrica intitulada “Scope
of plasticity response” onde a plasticidade foi calculada em cada
bloco de repetição a partir do valor medido no tratamento com alto
recurso (Alta Disponibilidade de Agua) menos o valor medido no
tratamento com baixo recurso (Baixa Disponibilidade de Agua)
(Stearns, 1992; Valladares et al 2006).
Estudos de plasticidade, na literatura, que utilizam clones ou
indivíduos selecionados de uma mesma matriz são raros. Neste
sentido, é intuitivo pensar que os genótipos foram imperfeitamente
replicados para ambientes naturais experimentais. Assumimos que as
diferenças na expressão fenotípica entre os tratamentos podem ser
advindas de variações genéticas entre os indivíduos, normas de
reação e plasticidade fenotípica. Se, no entanto, as plantas a partir de
uma dada população (ou espécie) expressam consistentemente seus
diferentes
fenótipos
em
diferentes
ambientes,
a
plasticidade
fenotípica pode ainda ser analisada. As estimativas de plasticidade
resultantes terão uma maior incerteza do que os baseados na
medição de genótipos replicados (veja Funk 2008). Por outro lado, o
uso de apenas alguns genótipos poderia resultar em uma má
22
representatividade dos níveis de plasticidade disponível dentro de
uma dada espécie, ou mesmo, se existem níveis moderados ou
elevados de variação genotípica na plasticidade fenotípica entre
populações. Para o presente trabalho, não há nenhuma tendência
evidente na forma como as plantas (com seus específicos genótipos)
foram escolhidas para os tratamentos de crescimento, por isso não
deve haver desvio sistemático na medida resultante da diferença de
plasticidade entre tratamentos.
Experimento de restauração em campo
Foi implementado um experimento de restauração de Caatinga
degradada em campo onde indivíduos jovens das quatro espécies
estudadas foram transplantados em uma área de Caatinga degradada
presente na FLONA de Açu (veja descrição do local de estudo). O
experimento foi implementado em março de 2013, início da estação
chuvosa. Os indivíduos transplantados apresentavam altura padrão
de aproximadamente 30 cm e foram produzidos seguindo as técnicas
de produção dos viveiros da região, onde as plântulas crescem em
sacos plásticos de 12 cm de diâmetro por 16 cm de altura, em
substrato contendo 1/3 de areia, 1/3 de terra barrada e 1/3 de adubo.
Foram plantados em 5 blocos distribuídos na área de estudo, um
indivíduo de cada uma das quatro espécies estudadas, em um total
de
20
plantas.
As
mudas
foram
plantadas
em
linha
com
distanciamento de 2 m. A localização do indivíduo de cada espécie foi
aleatorizada dentro de cada linha, representada por um bloco. A
23
vegetação herbácea estabelecida na área foi previamente removida
com trator antes do plantio. Todas as plantas receberam irrigação por
gotejamento durante o primeiro mês após o plantio e após este
período a irrigação foi suspendida. O número de folhas e a altura das
plantas foram contabilizados no momento do plantio para se obter o
tamanho inicial da planta. Essas mesmas variáveis foram medidas
após um ano de crescimento.
Análise Estatística
Para testar se houve diferença no grau de plasticidade das 4
espécies arbóreas estudadas, foi realizado um teste de ANOVA para
cada uma das três variáveis medidas (altura da planta, comprimento
da raiz, razão raiz/parte aérea). O índice de plasticidade calculado
para cada variável foi utilizado com variável resposta e a identidade
das espécies como variável explanatória categórica. As diferenças
entre as médias das espécies foram testadas utilizando o teste post
hoc de Tukey.
Para testar se as diferentes espécies apresentaram performances
distintas no experimento de restauração em campo, foi realizado um
teste de ANOVA para cada uma das duas variáveis medidas
(crescimento em altura e número de folha). A variável resposta
crescimento em altura foi calculada a partir da diferença entre a
altura inicial no momento do transplante e a altura final após um ano
de crescimento. O mesmo procedimento foi realizado para a variável
24
resposta número de folhas. As diferenças entre as médias das
espécies foram testadas utilizando o teste post hoc de Tukey.
Através destas análises foram discutidas as possíveis relações
entre a plasticidade morfológica das espécies medida em casa de
vegetação e a sobrevivência e o crescimento das mesmas espécies
medidas em um experimento de campo.
25
RESULTADOS
As espécies diferiram significativamente em sua capacidade
plástica no que diz respeito à alocação de biomassa em raiz versus
parte aérea, e ao comprimento da raiz, sendo que essas diferenças
foram apenas marginalmente significativas para a altura da planta
(Tabela 2).
A plasticidade no investimento de biomassa em raiz em relação
à parte aérea foi, segundo o teste de Tukey, 4 vezes maior para
Jurema em relação à Catingueira (p< 0,01), Aroeira (p< 0,01) e
Angico (p< 0,01, Figura 1a), sendo que as outras comparações entre
espécies não se apresentaram significativas. Já a plasticidade em
comprimento de raiz, segundo o teste de Tukey, foi 4 vezes maior em
Catingueira em relação ao Angico (p<0,05), não havendo diferença
significativa na comparação entre as outras espécies (Figura 1b).
Quanto à plasticidade em altura, apesar das diferenças serem apenas
marginalmente significativas, vale salientar que Jurema apresentou a
maior amplitude de respostas se mostrando a espécie mais plástica
(Figura 1c).
Quanto ao crescimento em campo, as espécies apresentaram
diferenças significativas em sua capacidade de crescimento em altura
e número de folhas (Tabela 3). Em relação à altura, o teste de Tukey
indicou que a Jurema apresentou o maior crescimento sendo
significativamente diferente do Angico (p =0.05).
Após um ano, as
plantas de Jurema cresceram em média 0,5 metro sendo que plantas
26
de Angico chegaram a diminuir em altura em relação ao seu tamanho
inicial. As outras espécies se mantiveram com altura semelhante ao
momento do plantio (Figura 2a).
Em relação ao crescimento em número de folhas, o teste de
Tukey indicou que o crescimento de Jurema foi sete vezes maior que
o crescimento de Angico (p< 0,01) e de Catingueira (p< 0,01) e três
vezes maior do que o crescimento de Aroeira (p< 0,05). O
crescimento
em
número
de
folhas
não
se
apresentou
significativamente diferente entre Catingueira, Aroeira e Angico. É
interessante notar que Angico apresentou um crescimento negativo
(Figura 2b).
27
Tabela 2. Tabela de ANOVA comparando a plasticidade de 4 espécies arbóreas da
Caatinga quanto as seguintes variáveis: biomassa de raiz:parte aérea, comprimento
de raiz e altura.
Plasticidade de biomassa razão Raiz:Parte aérea
Fonte de variação
Espécie
gl
SQ
MQ
F
P
3 797.6 265.88 11.672 <0.001
Bloco
4 198.7 49.68
Erro
11 250.6 22.78
2.181
0.1383
F
P
Plasticidade Comprimento da Raiz
Fonte de variação
Espécie
Bloco
Erro
gl
SQ
MQ
3 3732 1243.8 5.003
0.0177
4
0.846
0.5228
MQ
F
P
876
2.606
0.0999
0.798
0.549
841
210.2
12 2983 248.6
Plasticidade Altura
Fonte de variação
Espécie
gl
SQ
3 2628
Bloco
4 1073 268.3
Erro
12 4033 336.1
28
Figura 1. Plasticidade em alocação de biomassa de raiz : parte aérea (a),
comprimento de raiz (b) e altura da planta (c) de 4 espécies arbóreas da Caatinga
descritas na Tabela 1. As barras de variação representam + 1 erro padrão. As letras
minúsculas acima das barras distinguem as diferenças significativas entre médias
pelo teste de Tukey.
29
Tabela 3. Tabela de ANOVA para a comparação de crescimento em altura e número
de folhas de 4 espécies arbóreas da Caatinga utilizadas em um experimento de
restauração em campo.
Altura
Fonte de variação gl
SQ
MQ
F
P
Espécie
3 2.054 0.684 3.516
0.049
Bloco
4 0.64250.1606 0.825
0.534
Erro
12 2.337 0.1947
Número de Folhas
Fonte de variação gl
Espécie
Bloco
Erro
SQ
MQ
F
P
3 212.16 70.72 10.11
0.001
4
0.191
50.65 12.66 1.81
12 83.97
7
Figura 2. Performance de crescimento em altura e número de folhas de 4 espécies
arbóreas da Caatinga descritas na Tabela 1 utilizadas em um experimento de
restauração em campo. As barras de variação representam + 1 erro padrão. As
letras minúsculas acima das barras distinguem as diferenças significativas entre
médias pelo teste de Tukey.
30
DISCUSSÃO
Esse estudo indica uma possível relação positiva entre a
plasticidade morfológica de árvores da Caatinga e sua chance de
sucesso em programas de restauração. Jurema, a espécies que
apresentou
maior
plasticidade,
foi
também
a
espécies
que
apresentou maior taxa de crescimento em altura e produção de
estruturas fotossintéticas. Por outro lado, Angico, a espécie que
apresentou pior performance no campo apresentou restrições em sua
capacidade
plástica,
principalmente
no
que
diz
respeito
ao
alongamento da raiz.
A capacidade de aumentar o investimento em raiz em resposta a
alterações de água no solo ocorreu em duas das espécies estudadas.
Este pode ser um padrão comum, dado que o investimento em raiz
em relação à parte aérea é maior na Caatinga quando comparado a
outras florestas secas (Costa et al. 2014). Vale ressaltar que apesar
de não apresentar crescimento expressivo no campo, Catingueira,
uma árvore que é frequentemente encontrada em áreas degradadas,
apresentou grande plasticidade no alongamento de suas raízes. Essa
capacidade de alongamento das raízes possibilita o acesso a regiões
mais úmidas do solo em períodos de seca, permitindo que essa
espécie acesse fontes de água em regiões mais profundas que seriam
indisponíveis para espécies com raízes superficiais. Este resultado
pode ser considerado mais um evidencia da relação positiva entre
plasticidade morfológica e o sucesso de estabelecimento da planta
em ambientes inóspitos que se encontram degradados.
31
Esse estudo indica que a amplitude de condições adversas
suportadas por uma determinada espécie de planta pode ser
parcialmente explicada pela sua capacidade plástica em relação às
variações ambientais (Sultan , 2001; González e Gianoli, 2004;
Saldaña et al, 2005). A abordagem desse estudo contribui como um
primeiro passo na compreensão de como o mapeamento de uma
característica auto-ecológica, nesse caso a plasticidade morfológica
da espécie, poderia elucidar o comportamento de espécies vegetais
frente às condições adversas enfrentadas durante programas de
restauração de ambientes degradados (Paterno et al 2016). Futuros
trabalhos
deveriam
ampliar
o
conhecimento
sobre
como
características plásticas estariam correlacionadas com o sucesso de
estabelecimento de uma grande variedade de espécies vegetais da
Caatinga, para desta forma, contribuir de maneira efetiva para o
desenvolvimento de técnicas de restauração para esse sistema.
32
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36
CAPÍTULO 2
ESTRATÉGIAS DE ALOCAÇÃO DE RECURSOS EM RESPOSTA À SECA EM
ESPÉCIES ARBÓREAS DA CAATINGA
37
CAPÍTULO 2
ESTRATÉGIAS DE ALOCAÇÃO DE RECURSOS EM RESPOSTA À SECA EM
ESPÉCIES ARBÓREAS DA CAATINGA
RESUMO
Ao longo do seu histórico evolutivo plantas desenvolveram diversas
estratégias para utilizar diferentes tipos de recursos e lidar com
diferentes pressões ambientais. Estas estratégias foram selecionadas
tanto para raízes quanto para parte aérea. De modo geral, as plantas
podem ser caracterizadas em dois grupos estratégicos distintos:
Estresse-tolerantes e Competidoras. Estes dois grupos foram
selecionados por ambientes com diferentes pressões, o primeiro com
baixo recurso e baixa frequência de perturbação e o segundo com
muito recurso e alta frequência de perturbação. A Caatinga apresenta
características distintas destas descritas e uma alta diversidade de
estratégias, deixando uma lacuna nesta área de conhecimento. Por
isto, neste trabalho, (1) caracterizamos as estratégias de alocação de
recurso entre parte aérea e raiz, (2) testamos se estas alocações
diferem dependendo da disponibilidade de recurso e (3) testamos se
estas mudanças estão relacionadas às estratégias estresse-tolerante
e competidoras. Para isso, um experimento utilizando 10 espécies
arbóreas da Caatinga com 30 indivíduos foi conduzido. Os indivíduos
foram germinados e submetidos a tratamentos com alta
disponibilidade hídrica e seca. A cada mês, 5 indivíduos de cada
espécie foram amostrados e suas biomassas aéreas e de raiz foram
medidas. Características gerais de alocação de biomassa entre raiz e
parte aérea foram descritas e utilizando as diferenças entre
tratamentos de irrigação e seca calculou-se um índice de plasticidade.
Para compreender se as estratégias de alocação raiz e parte aérea
diferiam entre si, foi utilizado o teste de ANOVA. Para compreender se
as respostas plásticas estão relacionadas com as características
morfofuncionais das espécies, foi utilizada a seleção de modelos de
Akaike. Verificamos que as espécies da Caatinga possuem uma
grande diversidade de respostas plásticas alocando mais raízes tanto
no tratamento de maior disponibilidade hídrica quanto no tratamento
de seca dependendo da espécie. De acordo com a seleção de
modelos, esta alocação de recursos não está relacionada às
estratégias de tolerância a estresse ou competição das espécies.
Acreditamos que as características selecionadas na Caatinga podem
estar representando uma outra dimensão de estratégias para além
das classicamente consideradas de forma binária como estressetolerantes ou competidoras.
38
INTRODUÇÃO
Espécies
de
plantas
desenvolveram
diversas
estratégias
morfológicas e fisiológicas para lidar com estresses ambientais.
Dentre essas estratégias, a realocação de recursos entre parte aérea
e raiz cumpre uma importante função para a otimização do
funcionamento da planta em locais que possuem alta sazonalidade
marcada pela ausência periódica de recursos (Van der Putten, et al
2013). Em espécies vegetais, algumas estratégias de alocação de
biomassa são esperadas dependendo do tipo de recurso que se
encontra escasso no ambiente. Por exemplo, espera-se um maior
investimento da planta em parte aérea em locais onde o recurso
limitante é a luz (Chapin 1980, Aerts 1999; Coley et al, 1985). Por
outro lado, espera-se um maior investimento em raiz se o recurso
limitante no ambiente for a água (Colasanti & Hunt 1997, Aerts &
Chapin 1999). Porém estudos experimentais que testem o quanto as
estratégias de realocação de recursos estão relacionadas ao tipo de
estresse ambiental ainda são escassos.
Grime (1977) em seu trabalho clássico, apresentou estratégias
ecológicas básicas das plantas, agrupando-as em 3 classes de tipos
funcionais: 1) “Competidoras”: espécies de crescimento rápido, alta
capacidade de captura de recursos, capazes de desenvolver rápidas
alterações morfológicas e associadas a ambientes ricos em recurso; 2)
“Tolerantes
a
capacidade
de
stress”:
captura
espécies
de
de
crescimento
recursos,
lento,
apresentam
baixa
alterações
39
morfológicas lentas e se encontram associadas a ambientes pobres
em recurso; 3) “Ruderais”: rápido crescimento vegetativo nos
momentos onde existem pulsos de disponibilidade de recursos,
espécies de vida curta; desvio de recursos para a produção de
sementes.
Essas
estratégias
ecológicas
estão
muitas
vezes
associadas a características morfológicas das plantas (Lambers &
Poorter,
1992,
Grime
&
Mackey,
2002).
Como
exemplo,
as
características de alta área específica da folha (SLA), baixa densidade
de madeira e estatura alta estão em geral relacionadas com plantas
do tipo “competidoras” (Reich 2014). Adicionalmente, Grime &
Mackey (2002) argumentam que plantas do tipo “competidoras”
teriam uma maior plasticidade morfológicas por estarem mais
adaptadas à captura rápida de recursos.
Tendo como base este mesmo modelo, vários experimentos
chegaram à conclusão que o espectro de respostas morfológicas de
plantas varia entre dois extremos de tipos funcionais opostos:
“Competidoras” e “Tolerantes ao Estresse”. Espera-se que as
espécies “Competidoras” tendam a apresentar maior capacidade de
realocação de biomassa frente as alterações ambientais (Lambers &
Poorter, 1992, Reich et al, 1992, Grime & Mackey, 2002). Essas
previsões podem, no entanto, não funcionar na Caatinga, onde
espécies arbóreas de vida longa evoluíram em um ambiente com
pulsos de secas extremas alternadas a pulsos de alta disponibilidade
de chuvas, características ambientais que não se enquadram neste
triângulo.
Sendo
assim,
estudos
que
tenham
como
foco
a
40
compreensão de estratégias de alocação de biomassa em espécies
vegetais da Caatinga, podem elucidar diferentes maneiras pelas quais
determinadas espécies nativas estariam se comportando frente às
alterações ambientais em seu ecossistema de origem.
OBJETIVOS
1. Descrever padrões de taxa de crescimento em raiz e parte aérea
de 10 espécies arbóreas da Caatinga.
Hipótese: Esperamos uma maior alocação em raiz do que em
parte aérea pelo fato do recurso limitante do sistema ser a água.
2. Testar se essas espécies arbóreas diferem nas suas estratégias
de alocação de raiz e parte aérea quando enfrentam situações
de estresse hídrico.
Hipótese: Esperamos que as plantas quando confrontadas
com estresse hídrico invistam em biomassa de raiz em busca de
água.
3. Investigar se características morfofuncionais relacionadas a
estratégias
estresse-tolerantes
e
competidores
estariam
correlacionadas com suas estratégias de alocação em resposta
à seca.
Hipótese:
Esperamos
que
espécies
que
possuem
características morfofuncionais competidoras tenham respostas
mais ativas nas alocações de recursos.
41
MÉTODOS
Coleta de sementes
Foram coletadas sementes de dez espécies arbóreas da
Caatinga (Tabela 1).
As sementes foram coletadas de 5 indivíduos
adultos de cada espécie localizados nas imediações da FLONA de Açu.
As sementes foram processadas para a retirada da estrutura de
dispersão, e deixadas por 24 horas em local arejado e temperatura
ambiente para secagem parcial. Posteriormente foram armazenadas
a 18 °C por um período que variou entre 1 e 3 meses. As sementes
foram
germinadas em
casa de
vegetação em
sementeiras
e
posteriormente as plântulas foram transferidas para o experimento.
Experimento
Para cada espécie, 3 conjuntos de 10 plântulas com no máximo
duas folhas além dos cotilédones foram transplantadas para tubos de
PVC com 1m de comprimento e 7,5 cm de diâmetro, dispostas em 5
blocos, com um total de 30 plântulas para cada espécie, 300
plântulas no total. A fim de garantir a sobrevivência das plântulas
todos os indivíduos foram irrigados por um mês antes do início do
experimento que durou 3 meses (4 meses no total). Posteriormente,
cada bloco recebeu 2 tratamentos: “Alta disponibilidade de água” e
“Baixa
disponibilidade
de
água”.
No
tratamento
de
alta
disponibilidade de água as plantas foram mantidas com regas diárias,
2 vezes por dia por 5 minutos para manter a saturação hídrica do solo
em 100%. No tratamento baixa disponibilidade de água as plantas
42
foram mantidas com irrigação de 2 vezes por semana por 5 minutos
para manter a saturação hídrica do solo de 15% da capacidade de
campo. A capacidade de campo do solo foi calculada a partir da
diferença entre o peso seco e o peso de terra em máxima saturação
de água no solo. As medidas foram realizadas utilizando os mesmos
tubos do experimento. Para compreender a frequência de rega
necessária para a manutenção de 15% ou 100% da capacidade de
campo do solo, 5 tubos aleatorizados em cada tratamento foram
pesados com pesola digital de mão. A irrigação ocorreu até que o
peso dos tubos se equiparasse ao peso calculado anteriormente para
15% e 100% da capacidade de campo do solo para calibrar a
frequência de rega necessária para manter os tratamentos.
Caraterísticas mensuradas
Para a caracterização do padrão de alocação em raiz e parte
aérea de cada espécie ao longo dos 3 meses, indivíduos aleatorizados
foram mensalmente retirados do tratamento com alta disponibilidade
de água. As plantas foram retiradas dos tubos, e os comprimentos
foram imediatamente registrados tanto de raiz quanto de parte aérea.
As raízes foram lavadas e alinhadas de forma a se permitir a medição
do comprimento das raízes para além do comprimento de 1 metro do
tubo.
43
Tabela1. Espécies de árvores nativas germinadas e cultivadas em tratamentos com distintas disponibilidades hídricas. Valores
morfofuncionais das espécies estudadas de Altura Máxima, Densidade de Madeira e Área Específica da Folha (SLA) foram retiradas da
literatura
Nome
popular
SLA
Fabaceae - Mimosoidae
Angico
45.74
0.80
7
1
Anacardiaceae
Aroeira
11.08
0.71
5
0.98
Fabaceae - Mimosoideae
Jurema Preta
16.25
0.80
5.5
1
Fabaceae - Caesalpinioideae
Catingueira
10.73
0.88
6
1
Pityrocarpa moniliformis
Fabaceae - Mimosoideae
Catanduva
10.73
0.79
8
0.86
Amburana Cearensis
Fabaceae- Papilonoideae
Cumaru
42.8
0.60
10
0.81
Capparaceae
Feijão-Bravo
5.79
0.74
3.5
0.78
Malvaceae
Imbiratanha
12.93
0.29
6
0.80
Fabaceae - Caesalpinoideae
Jucá
11.12
0.77
15
1
Apocynaceae
Pereiro
10.69
0.69
7
0.95
Anadenanthera macrocarpa
Myracrodruon urundeuva
Mimosa tenuiflora
Poincianella bracteosa
Cynophalla hastata
Pseudobombax marginatum
Libidibia ferrea
Aspidosperma pirifolium
Densidade
Altura
da madeira máxima
Comprimento médio
da raiz em 3 meses
(m)
Família
Nome científico
44
Para compreender os padrões de resposta à seca das espécies
ao final do terceiro mês 10 indivíduos foram amostrados por espécie,
5 no tratamento de “Alta disponibilidade de água” e 5 no tratamento
de “Baixa disponibilidade água”. As plantas foram retiradas dos tubos,
a parte aérea foi separada da raiz e ambas foram imediatamente
medidas e seu peso úmido registrado. A partir deste procedimento,
foram obtidas medidas de 1. Biomassa da raiz; 2. Biomassa da parte
aérea (parte fotossintética, galhos e tronco); 2. Comprimento da raiz
e 4. Comprimento da parte aérea. Para medidas de biomassa úmida
foi calculada a proporção de alocação raiz:parte aérea.
Para investigar se características morfofuncionais das plantas
estariam correlacionadas com suas estratégias de resposta à seca,
primeiramente, foi gerado um índice de capacidade plástica das
espécies frente às condições de seca “Scope of Plasticity Response”
(Valladares et al 2006). Este foi calculado subtraindo-se os valores de
comprimento de raiz, comprimento de parte aérea e razão de
biomassa raiz/parte aérea entre os tratamentos de alta e baixa
disponibilidade de água. Posteriormente, foram obtidas da literatura
as seguintes características morfofuncionais utilizadas na análise:
densidade de madeira, área especifica da folha (SLA) e altura máxima
das espécies arbóreas estudadas (Tabela 1).
Análise estatística
Para descrever os padrões de alocação de raiz e parte aérea das
espécies estudadas valores mensais médios de comprimento e
biomassa de raiz e parte aérea foram plotados para as 10 espécies
em condições ótimas de irrigação.
Para testar se as alocações de recurso da parte aérea e raiz das
espécies estudadas são influenciadas pela disponibilidade de água, as
vaiáveis Y1: comprimento de raiz, Y2: comprimento de parte aérea e
Y3: razão raiz/parte aérea foram comparadas entre os tratamentos X1:
de alta e baixa disponibilidade de água e X2: identidade da espécie,
utilizando ANOVA fatorial em bloco.
Para
investigar
a relação
entre
capacidade
plástica
das
espécies e suas características morfofuncionais, os índices de
plasticidade em resposta à seca calculados para: altura da parte
aérea, comprimento de raiz e razão da biomassa raiz/parte aérea,
foram utilizados como variáveis resposta e altura, SLA e densidade de
madeira foram utilizadas como variáveis preditoras em um processo
de seleção de modelos pelo método de “AIC”. Todas as possíveis
combinações de modelos entre as variáveis respostas e preditoras
foram contrastadas entre si, e contrastadas com o modelo nulo (sem
variável preditora). De acordo com esse método, assumimos como
melhor modelo aquele com menor AIC. Todas as análises estatísticas
foram realizadas utilizando o programa R (R Core Team 2015, Vienna,
Austria. URL https://www.R-project.org/). Para o processo de seleção de
modelos pelo critério de AIC foi utilizado o pacote MuMIn (Bartoń 2016).
46
RESULTADOS
Padrões de alocação raiz parte aérea ao longo do tempo
Todas as espécies estudadas apresentaram maior investimento
em comprimento de raiz do que em parte aérea, e todas foram
capazes de crescer suas raízes até valores próximos ou maiores de 1
metro ao longo do período de 3 meses (Fig. 1). No entanto, algumas
espécies como Catanduva, Feijão Bravo e Imbiratanha (Fig. 1c, 1f e
1g, respectivamente) só alcançaram o seu maior crescimento em raiz
no terceiro mês, enquanto que outras como Jurema, Catingueira e
Jucá (Fig. 1i, 1h e 1d, respectivamente) alcançaram valores próximos
a 1 m de raiz logo no primeiro mês de crescimento.
O
investimento
médio das espécies em comprimento da raiz em 3 meses foi de
93.57cm, sendo M. tenuiflora (Jurema) a espécie que mais investiu
em raiz com 108.6cm e Feijão-Bravo a espécies que menos investiu
com 66.8cm
As espécies diferem em sua capacidade de crescimento em
parte aérea, sendo que espécies como Jurema (Fig. 1i) e Jucá (Fig. 1h)
cresceram de maneira bem mais pronunciada em relação as demais
espécies alcançando cerca de 0,5 m logo no primeiro mês de
monitoramento
(Fig.1).
Por
outro
lado,
Feijão
bravo
(Fig.1f),
Imbiratanha (Fig. 1g) e Pereiro (Fig.1j), foram as espécies que tiveram
um menor crescimento aéreo total, apresentando valores de cerca de
10 cm de altura ao final do experimento.
47
48
Figura 1. Investimento em crescimento de raiz e parte aérea em cm em plantas
cultivadas em casa de vegetação com irrigação frequente (100% da capacidade de
campo do solo), ao longo de três meses de desenvolvimento. Nomes científicos das
plantas e suas características morfofuncionais se encontram na Tabela 1. Barras de
erro representam + 1 erro padrão.
Resposta à seca
As estratégias de crescimento e alocação de recursos em raiz e
parte aérea das espécies lenhosas estudadas diferiram tanto entre
espécies como entre diferentes tratamentos de irrigação (Tabela 2,
Fig. 2). Plantas em geral acumularam mais biomassa em raiz em
relação à parte aérea quando irrigadas (F=11.88, gl=1:74, p<0.001,
Fig. 2). Espécies também diferiram em sua capacidade de alocação
em raiz (F=15.55, gl=9:74, p<0.001), Angico, Cumaru e Imbiratanha
apresentam alocação de biomassa em raiz mais expressiva do que
Catanduva, Catingueira, Feijão Bravo e Pereiro (Fig 2 a). Na maior
parte dos casos a razão de investimento de biomassa raiz/parte aérea
foi de cerca de 2.7, sendo a espécie Imbiratanha a que mais investe
na proporção biomassa raiz/parte aérea com 5.78 e a espécie
49
Catanduva a espécie com menor investimento proporcional em
biomassa de raiz com 0.64.
Em relação ao comprimento de raiz, uma interação significativa
entre os tratamentos espécie e irrigação demonstrou que as espécies
diferem em suas estratégias de alongamento de raiz em resposta à
seca (F=3.768, gl=9;74, p<0.001, Tabela 2). Enquanto algumas
espécies como Catingueira, Feijão Bravo, Imbiratanha e Jurema
tiveram alongamento mais pronunciado de suas raízes com maior
irrigação, espécies como Catanduva alongaram mais as suas raízes
em condições de seca (Fig. 2b). As outras espécies estudadas não
modificaram expressivamente o alongamento de suas raízes quando
expostas à seca (Fig. 2b).
Em relação à altura das plantas, uma interação significativa
entre os tratamentos espécie e irrigação demonstrou que as espécies
apresentaram diferentes investimentos em altura da parte aérea
dependendo do estresse hídrico a que estas foram submetidas
(F=2.397, gl=9;74, p=0.019, Tabela 2). Espécies como Jurema,
Angico e Aroeira diminuíram seu investimento em altura na seca,
sendo que em Jurema essa diminuição foi mais drástica (Fig. 2c). Por
outro lado, as outras espécies arbóreas estudadas não apresentaram
modificações claras em seu investimento em altura quando colocadas
em condições de seca (Fig. 2c).
50
Tabela 2. Tabela de ANOVA, medidas de investimento em raiz e parte aérea em
tratamentos de alta disponibilidade de água e baixa disponibilidade água.
Biomassa raiz:parte aérea
Fonte de variação
gl
Espécie
9
Tratamento
SQ
MQ
F
P
171.9
15.54 <0.00
19.103
3
9
1
1 14.59 14.594
11.87 <0.00
9
1
Bloco
4
7.45 1.862 1.516 0.206
Espécie*Tratamento
9
9.64 1.071 0.872 0.554
Erro
74 90.92 1.229
Comprimento Raiz
Fonte de variação
gl
SQ
MQ
F
P
Espécie
9 24874 2763.7
16.33 <0.00
5
1
Tratamento
1 1921 1921.4
11.35
0.001
6
Bloco
4 2317 579.2 3.423 0.012
Espécie*Tratamento
Erro
9 5738 637.5 3.768
<0.00
1
74
Altura Parte aérea
Fonte de variação
Espécie
gl
SQ
MQ
9 13983 1553.7
F
P
15.42 <0.00
3
1
Tratamento
1
432
432.1 4.29 0.041
Bloco
4
113
28.3 0.281 0.889
Espécie*Tratamento
Erro
9 2173 241.4 2.397 0.019
74 7455 100.7
51
Figura 2. Estratégias de alocação de biomassa em 10 espécies da Caatinga em
tratamentos de alta e baixa disponibilidade de água (veja Tabela 1 para resultados
estatísticos). a) Razão de investimento de biomassa fresca de raiz:parte aérea. b)
Comprimento das raízes. c) Altura da parte aérea. Barras azuis representam
tratamentos com alta disponibilidade de água e barras vermelhas representam
tratamento com baixa disponibilidade de água. Barras de erro representam + 1 erro
padrão.
52
Características morfofuncionais e resposta à seca
No processo de seleção de modelos seguindo o método de AIC,
somente o modelo que envolveu o alongamento de raiz em resposta
à seca como variável resposta e a altura máxima da árvore como
variável morfofuncional preditora não foi descartado. Este modelo e o
modelo nulo se mostraram igualmente possíveis (Tabela 3).
Todos os outros modelos foram descartados por apresentarem
delta AIC maior que 2 quando contrastados ao modelo de menor AIC
(Modelo nulo). Esses modelos continham a altura da parte aérea ou a
razão
da
biomassa
raiz:parte
aérea
como
variáveis
resposta
contrastadas com todas as possíveis combinações das variáveis
preditoras: altura, SLA e densidade de madeira.
Tabela 3. Modelos finais definidos pelo método AIC que se mostraram igualmente
possíveis. A variável resposta representa a plasticidade de comprimento de raiz
(comprimento de raiz na água – comprimento de raiz na seca), e a variável
morfofuncional preditora representa a altura máxima da árvore. O modelo nulo não
contém variáveis preditoras. Delta AIC representa as diferenças em AIC de cada
modelo em relação ao modelo com menor AIC. Modelos com Delta AIC maiores do
que 2 foram descartados.
Modelo
β
gl
AIC
Delta
Peso
r2
0.425
0
AIC
Nulo
Altura
árvore
-7.614
2
89.3
0
3
89.4
0.15
0.394 0.25
53
Figura 3. Relação entre plasticidade de comprimento de raiz (comprimento
de raiz na água – comprimento de raiz na seca), e a variável morfofuncional
preditora altura máxima da árvore. A flecha lateral que aponta para baixo
indica as espécies que alongaram suas raízes em tratamento de seca
(resposta à seca), e a flecha lateral que aponta para cima indica as espécies
que alongaram suas raízes em tratamentos de maior disponibilidade de
água (resposta à água).
A relação entre comprimento da raiz e altura máxima da árvore,
demonstra que árvores mais altas como: Catanduva e Jucá investem
mais na extensão da raiz em situações de seca. Por outro lado,
árvores com menor estatura como: Feijão Bravo, Aroeira, Jurema,
Imbiratanha e Catingueira, estendem as suas raízes somente quando
ocorre adição de água (Fig. 3).
54
DISCUSSÃO
O grande investimento em raiz observado nas 10 espécies
arbóreas da Caatinga estudadas reforça a ideia de que plantas em
ambientes com restrição hídrica tendem a investir mais em raiz do
que em parte aérea. O maior investimento em raiz não parece estar
restrito aos primeiros meses de vida das plantas, dado que as
espécies do semi-árido Brasileiro apresentam uma proporção de
investimento em biomassa de raiz maior em relação à parte aérea
quando comparadas com outras florestas secas (Costa et al. 2014).
Adicionalmente, Grime e Mackey (2002), discutem que modificações
na raiz seriam menos custosas do que modificações na parte aérea
das plantas e desta forma mais prováveis de ocorrerem. Isto se deve
ao fato do investimento em raiz representar um investimento em
estruturas vegetais de vida longa que apresentam menor custo de
manutenção para a planta do que folhas.
Adicionalmente, o
investimento em folhas incorre em um custo extra porque essas
estruturas serão perdidas durante a estação seca nesse ambiente
semiárido (Barbosa et al. 2009).
A alocação diferenciada das plantas em relação ao seu
comprimento de raiz em resposta à seca demonstrou que algumas
espécies têm estratégias de fuga, isto é, procuram por água para
manter seu status hídrico (Pérez-Ramos et al. 2013). Espécies que
claramente apresentaram essa estratégia foram: Catanduva, que em
situação de seca alongou mais as suas raízes do que quando irrigada;
e Angico e Jurema que reduziram seu crescimento em altura mas
55
mantiveram o maior alongamento da raiz. O fato das outras espécies,
quando irrigadas, terem investido mais em raiz ou mantido o mesmo
padrão de crescimento, revela a ocorrência de uma multiplicidade de
adaptações das plantas da Caatinga em resposta à seca, o que pode
ser comum em sistemas semiáridos mais diversos (Pérez-Ramos et al.
2013).
Em termos de alocação de biomassa pode-se detectar que as
plantas maximizam a chance de captura de água investindo mais em
biomassa de raiz quando a água se torna mais disponível. Vale
ressaltar que plantas como Angico, Imbiratanha e Cumaru, que
investem mais em biomassa de raiz quando expostas à maior
disponibilidade de água são aquelas que também investem mais em
biomassa de raiz quando expostas à condição de seca. Desta forma,
não podemos descartar a existência de uma restrição alométrica de
crescimento em que as plantas quando crescem nesse sistema
semiárido investem proporcionalmente mais biomassa em suas raízes.
Desta forma, é possível que não seja a maior disponibilidade de água
que provoque a maior alocação em raiz e sim o fato das plantas
crescerem mais rapidamente com maior irrigação, e ao crescerem
automaticamente investirem em maior biomassa na raiz.
Esperava-se que espécies com atributos morfofuncionais típicos
de
plantas
densidade
com
de
estratégias
madeira
e
competidoras
maior
altura)
(maior
SLA,
apresentassem
menor
maior
plasticidade de alocação em raiz e parte aérea em resposta à seca
(Grime e Mackey 2002). No entanto, esses atributos morfofuncionais
56
em sua maioria não se mostraram correlacionadas com estratégias
de alocação em raiz nos indivíduos jovens. Isto, no entanto não
descarta a possibilidade que outras características morfofuncionais
como por exemplo capacidade de estoque de água em caule e raiz
influenciem de maneira mais efetiva as estratégias de enfrentamento
ou tolerância à seca dessas espécies (Pérez-Ramos et al. 2012).
Vale salientar que a altura máxima da árvore se mostrou
correlacionada com a capacidade de alocação em raiz dos indivíduos
jovens em resposta à seca. Este estudo demonstrou que árvores com
maior altura investem mais na extensão da raiz em situações de seca,
enquanto que árvores menores respondem ao pulso de recurso
estendendo as suas raízes somente quando ocorre adição de água.
Árvores mais altas necessitam de um maior volume de água
disponível para que esta tenha pressão suficiente para atingir folhas
localizadas nos extremos de sua copa, desta forma estratégias de
intensificação de procura por água devem ser melhor adaptadas as
suas necessidades.
As espécies arbóreas da Caatinga, em geral, apresentam
grande
investimento
em
estrutura
de
raiz.
No
entanto,
elas
apresentam diferentes estratégias de alocação de recursos entre
parte aérea e raiz, da mesma forma que apresentam diferentes
maneiras de lidar com o estresse hídrico em se tratando de mudar
seus investimentos em comprimento de raiz e altura de parte aérea
em resposta à seca. Características morfofuncionais das espécies
como SLA, altura máxima e densidade de madeira não se mostraram
57
importantes preditores das respostas plásticas dessas espécies à
condição de seca. O único padrão morfofuncional reconhecido foi o
fato de plântulas de árvores mais altas tenderem a apresentar um
maior alongamento de suas raízes quando expostas a condições de
seca. O bioma Caatinga é caracterizado por forte estresse abiótico e
pulsos de recurso hídrico pouco previsíveis ao longo do ano, o que
segundo Grime (1977) selecionaria espécies com estratégias ruderais.
Porém as espécies arbóreas são indivíduos de vida longa que a priori
possuiriam estratégias de tolerância ao estresse ou competidoras. A
Caatinga é composta por espécies oriundas de 3 biomas vizinhos:
Cerrado, Mata Atlântica e Amazônia, cada um com diferentes
pressões ambientais. A diversidade de estratégias que possuem as
espécies da Caatinga pode ser atribuída aos seus diferentes históricos
filogenéticos de colonização, aliado ao filtro ambiental que o
ambiente de Caatinga exerce, com secas periódica, mas com solos
ricos em nutrientes e pluviosidade intensa na estação chuvosa. Esses
fatores modularam um grupo de estratégias de plantas que não
podem ser completamente explicadas pelo modelo do triângulo do
Grime (1977).
58
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59
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the past, the present and future challenges. Journal of Ecology.
60
CAPÍTULO 3
PADRÕES DE PLASTICIDADE EM ESPÉCIES LENHOSAS DISTRIBUIDAS
GLOBALMENTE
61
CAPÍTULO 3
PADRÕES DE PLASTICIDADE EM ESPÉCIES LENHOSAS DISTRIBUIDAS
GLOBALMENTE
Resumo
A Plasticidade das plantas é um importante mecanismo que permite
com que estas ocupem diferentes biomas e resistam aos seus fatores
de estresse. Diferentes estudos têm abordado a plasticidade das
espécies de forma integrada, com um valor de plasticidade para cada
espécie. Porém sabe-se que as plantas possuem estratégias que
diferem dentro do próprio indivíduo, como alterações de plasticidade
em raiz ou parte aérea, ou mesmo alterações na plasticidade
morfológica e fisiológica. A maneira como esses comportamentos
plásticos se expressam nas espécies do globo ainda é uma
importante questão em aberto. Além disto, poucos estudos analisam
como as relações entre raiz e parte aérea se dão e quais são os
fatores abióticos que interferem nesta razão. Neste capítulo,
testamos se (1) as plantas são mais plásticas em atributos fisiológicos
ou morfológicos, se (2) espécies que apresentam maior plasticidade
fisiológica apresentam também maior plasticidade morfológica, e se
(3) a plasticidade de alocação de biomassa em raiz ou parte aérea
depende do recurso alterado se encontrar acima ou abaixo do solo.
Para tal, utilizamos dados da literatura de 51 espécies distribuídas
globalmente com dados de plasticidade fisiológica e morfológica. E
realizamos testes de análise de variância para responder as
perguntas 1 e 3 e um teste de correlação para responder a pergunta
2. Ao contrário do esperado, não encontramos diferenças entre
plasticidades fisiológicas e morfológicas. Pôde-se também verificar
que existe diferença nos níveis de plasticidade entre espécies, porém
aquelas que são mais plásticas em atributos morfológicos também o
são em atributos fisiológicos. Adicionalmente, verificou-se que a
alteração de um recurso de solo como água e nutrientes leva a uma
maior alocação em raízes, enquanto que a alteração em recursos
acima do solo como luz e CO2 leva a uma maior alocação de
biomassa em folhas e galhos. Esses resultados demonstram que
plantas não só diferem em sua capacidade de serem plásticas frente
às alterações ambientais, mas que também o seu maquinário
fisiológico e morfológico evolui conjuntamente para expressar
características plásticas. Adicionalmente, a plasticidade em plantas é
usada como um meio de intensificar a captura de um recurso quando
este se torna disponível. Ressaltamos aqui que as estratégias
plásticas das plantas individuais são de grande relevância para
entendermos adaptações locais e padrões globais, desta forma
sugerimos que essas estratégias sejam consideradas em futuros
estudos.
62
INTRODUÇÃO
A
Plasticidade
fenotípica
em
espécies
vegetais
tem
se
demonstrado um bom mecanismo para explicar parte da distribuição
e ocorrência de espécies em diferentes localidades (Sultan 2000,
Valladares et al 2006). Bradshaw (1965), definiu como plasticidade o
fato de um dado genótipo ser capaz de alterar sua expressão por
influências
ambientais.
A
plasticidade
é
vista
com
diferentes
abordagens na literatura, sendo a strictu sensu baseada em uma
linhagem genética pré-definida. Em outra abordagem, mais ecológica,
a plasticidade fenotípica latu sensu é nada mais que o conjunto de
variações gerados por normas de reação e variabilidade genética.
Para ambos, a plasticidade é extraída dos valores fenotípicos médios
expressos por um único genótipo (ou genótipos afins) em duas ou
mais condições ambientais (via e Lande, 1985; Schlichting, 1986;
Schlichting e Pigliucci, 1998). A maior parte da extensa literatura
sobre o significado ecológico e evolutivo da plasticidade (Schmitt e
Wulff, 1993; Scheiner, 1993; De Jong, 1995;. Via et al, 1995; Sultan e
Spencer, 2002;. Pigliucci et al, 2003;. Schmitt et al, 2003) assume
uma visão do indivíduo como um todo em sua relação com o
ambiente, no momento em que este expressa um único fenótipo
(Winn, 1996a, 1996b). Este artigo analisa como a plasticidade se
expressa
em
diferentes
estruturas
da
planta,
enfocando
uma
abordagem que não é comumente vista na literatura.
Experimentos comparativos medindo a forma e extensão das
respostas das plantas aos fatores ambientais são escassos no que diz
63
respeito à distinção ecológica entre a plasticidade de características
morfológicas e fisiológicas. Embora pouco abordado em trabalhos
experimentais, sabe-se que os dois tipos de plasticidade estão
associados à diferentes conjuntos de características da planta e
podem ter papéis distintos ao longo do gradiente de produtividade
(Grime, 2002). A explicação mais provável para esse fenômeno é que
há limites regidos por custos diferenciados que envolvem a regulação
da capacidade plástica entre diferentes características (morfológicas
ou fisiológicas). Esses custos podem definir se o tipo de plasticidade
que os organismos podem desenvolver seriam mais baseados em
alterações morfológicas (que requerem mais recurso em termos de
carbono) ou fisiológicas (Wright, 2002; DeWitt et al , 1998; Utz et al,
2014).
A heterogeneidade na disponibilidade de recursos ocorre,
também, de maneira distinta acima e abaixo do solo (Van der Putten,
2013). Desta maneira é intuitivo pensar que, em um ambiente onde o
recurso limitante seja luz, as plantas tenderiam a ser mais plásticas
em características morfológicas e fisiológicas relacionadas à parte
aérea, como por exemplo: alta taxa relativa de crescimento, baixa
proporção raiz / parte aérea, alta área específica da folha (Chapin
1980, Aerts 1999; Coley et al, 1985). De outra maneira se o recurso
limitante for água ou nutrientes, a planta direcionará seus recursos
64
para alterar a fisiologia e morfologia da raiz (Colasanti and Hunt 1997,
Aerts and Chapin 2000).
OBJETIVOS
Este
trabalho
plasticidade
em
tem
como
plantas,
objetivo
entendendo
investigar
como
esses
padrões
padrões
de
se
expressam em termos fisiológicos e morfológicos, e compreendendo
como as plantas alteram sua plasticidade frente à disponibilidade do
tipo de recurso que lhe é oferecido. Mais especificamente, o trabalho
traz como principais perguntas:
1. Testar se as plantas são mais plásticas em atributos fisiológicos ou
morfológicos
Hipótese: Espera-se que plantas sejam mais plásticas em seus
atributos fisiológicos pelo fato do investimento por unidade de
mudança
ser
mais
barato
para
essas
alterações
fisiológicas
(alterações de baixo custo) do que para alterações morfológicas cuja
mudança envolve gastos estruturais maiores, principalmente em
carbono (alterações de alto custo).
2. Testar se espécies que apresentam maior plasticidade fisiológica
apresentam também maior plasticidade morfológica
Hipótese: Espera-se que a capacidade plástica seja dependente
da espécie. Plantas mais plásticas, serão mais plásticas em quaisquer
que sejam os seus atributos, morfológicos ou fisiológicos.
65
3. Testar se a plasticidade de alocação de biomassa em raiz ou parte
aérea depende do recurso alterado se encontrar acima ou abaixo do
solo.
Hipótese: A plasticidade de alocação de biomassa em raiz ou
parte aérea pode ter relação com o tipo de recurso que está
disponível de duas maneira: 1) Se o recurso que está sendo oferecido
é utilizado pela planta acima do solo e a planta aloca mais em parte
aérea, a planta estaria promovendo modificações que aumentam sua
capacidade de obtenção do recurso disponível, o mesmo se aplica se
a adição de recursos do solo levar a um comportamento de maior
alocação em biomassa de raízes. Este comportamento caracterizaria
uma plasticidade para intensificação do forrageamento pelo recurso
disponível no presente; 2) Alternativamente, se o recurso é oferecido
no solo e a planta investe mais sua biomassa em parte aérea (ou o
recurso é oferecido para parte aérea e a planta investe sua biomassa
em raiz) esse comportamento plástico caracterizaria uma resposta de
otimização do seu crescimento futuro, porque a planta estaria
tentando aumentar a obtenção de um recurso que no momento se
encontra limitante, mas que uma vez encontrado multiplicaria sua
capacidade de crescimento.
66
MÉTODOS
Para
se
testar
estabelecimento
de
o
papel
plantas
da
em
plasticidade
gradientes
fenotípica
ambientais
no
foram
utilizados dados de artigos publicados na literatura. Os dados
estavam disponíveis em 46 estudos, que mediram 362 características
em 125 espécies de 72 países distribuídos em todos continentes
(Davidson, 2011). Para cada estudo foram extraídas as médias de
cada tratamento, os desvios padrões e o tamanho amostral. A partir
destes dados, foram calculadas o Heges g (Hedges, 1981) que
constitui na diferença das médias estandardizadas, os dados foram
transformados em módulos para termos somente o tamanho dos
efeitos de forma comparável. Nesta meta-análise a autora separou
as espécies em nativas e exóticas. Para o presente estudo as
espécies foram agrupadas independentemente de sua classificação
de invasibilidade.
Para responder se as plantas são mais plásticas em seus atributos
fisiológicos ou morfológicos, primeiramente separamos todas as 51
espécies que apresentavam medidas para ambos os atributos. Como
atributos morfológicos considerou-se: Biomassa, comprimento da raiz,
biomassa de raiz, proporção raiz/parte aérea, SLA e taxa relativa de
crescimento.
Constituindo
encontram-se
as
seguintes
o
grupo
variáveis:
de
atributos
Conteúdo
de
fisiológicos
Nitrogênio,
Eficiência no uso de nitrogênio, Taxa fotossintética, Eficiência de uso
de água. Calculou-se uma média de atributos para cada grupo por
67
espécie. Os dados foram analisados através de uma ANOVA onde as
espécies foram utilizadas como bloco. Posteriormente foi feita uma
correlação
entre
variáveis
morfológicas
e
fisiológicas
para
compreender como estas estariam relacionadas.
Para responder se o investimento em biomassa da razão
raiz/parte aérea difere com o tipo de recurso experimentalmente
modificado (acima ou abaixo do solo), foram separados os recursos
capturados pela parte aérea da planta como luz e CO2 e os recursos
do solo capturados pela raiz como água e nutrientes. Os dados foram
analisados através de uma ANOVA onde a variável resposta foi o
tamanho do efeito da plasticidade na proporção raiz/parte aérea e
variável preditora o recurso: acima ou abaixo do solo.
RESULTADOS
Ao contrário do esperado, não encontramos diferenças entre
plasticidades fisiológicas e morfológicas, porém a plasticidade difere
entre espécies (Fig. 1, Tabela 1). Pode-se notar que algumas espécies
são menos plásticas fisiologicamente do que morfologicamente, e o
contrário também se aplica.
No entanto, de modo geral, quando
uma espécie possui alta plasticidade em características fisiológicas,
também possui alta plasticidade em características morfológicas (Fig.
2).
68
Figura 1. Relações entre valores de plasticidade fisiológica e morfológica para 51
espécies ao redor do mundo. Para a maioria das espécies, ambos grupos
(fisiológicos e morfológicos) possuem valores de plasticidade semelhantes.
69
Tabela 1. ANOVA testando a diferença de plasticidade fisiológica e morfológica em
51 espécies ao redor do mundo. As espécies diferem em seus níveis e plasticidade
entre si, porém não há diferença entre plasticidade morfológica e fisiológica dentro
das espécies
Fonte
gl
SQ
MQ
F
P
Espécie
50
18.12
0.36
4.63
<0.0001
Tipo de plasticidade 1
0.13
0.13
1.74
0.193
Resíduos
3.90
0.07
50
Figura 2. Relação de plasticidade morfológica e fisiológica em 51 espécies de
plantas. Espécies com alta plasticidade morfológica tendem a ter alta plasticidade
fisiológica.
Tabela 2. Resultados do teste de correlação entre plasticidade morfológica e
fisiológica em 51 espécies de plantas.
Características fisiológicas e morfológicas
t
gl
P
Correlação = 0.645
5.91
49
<0.0001
70
A proporção raíz/parte aérea difere de acordo com os tipos de
recursos oferecidos para as plantas (Fig. 3, Tabela 3). Quando os
recursos de luz e CO 2 são alterados, a razão raiz/parte aérea diminui,
indicando um maior investimento em biomassa aérea em resposta ao
aumento na disponibilidade desses recursos. Da mesma forma,
quando os recursos como água e nutrientes são alterados, as raízes
apresentam uma maior resposta plástica. Vale salientar que mesmo
que as duas partes apresentem diferenças nos tamanhos dos efeitos
devido à diferentes disponibilidades de recursos, existe uma maior
resposta plástica nas raízes das plantas do que em sua parte aérea.
(Fig. 3).
Figura 3. Cálculo do tamanho do efeito da plasticidade para raiz:parte aérea de
acordo com a modificação dos recursos. O tamanho de efeito é maior para as
estruturas abaixo do solo do que para a parte aérea das plantas.
71
Tabela 3. ANOVA que compara o investimento de biomassa em raiz ou parte aérea
(razão raiz:parte aérea) de acordo com a modificação dos recursos acima (luz e CO2)
ou abaixo do solo (água e nutrientes)
gl
SQ
F
p
Tipo de Recurso
1
2.71
7.48
Resíduos
54
19.57
0.00
8
72
DISCUSSÃO
Diferença entre plasticidade fisiológicas e morfológicas.
Ao contrário do que esperávamos, a plasticidade fisiológica não
foi mais frequente que a morfológica em plantas amplamente
distribuídas no globo. Esta abordagem, utilizando um grande número
de espécies e com ampla distribuição geográfica não havia sido ainda
realizada.
Entendemos que, apesar de modificações nos atributos
fisiológicos serem menos custosas (Silby e Grime, 1986), o maior
investimento em atributos morfológicos é possível em situações em
que as espécies evoluíram características para crescimento rápido em
ambientes ricos em recurso em que o custo para produção de novas
estruturas como folhas e galhos é baixo. Adicionalmente, a ampla
variedade de plantas que foram estudadas deve contemplar um
gradiente extenso de estratégias plásticas representadas pelo tradeoff entre crescimento e persistência, presente em várias comunidades
vegetais, desde campos até florestas tropicais. Esse trade-off seria o
ponto chave para determinar o tipo de estratégia adotada pelas
plantas, e a posição em que a espécie se encontra dentro do
gradiente de recursos (Berendse e Elberse 1989, Veneklaas e Poorter
1998; Walters e Reich 1999).
O balanço entre plasticidades fisiológicas e morfológicas pode
de maneira geral não apresentar diferenças, porém foi visto que
existe diferença significativa entre as espécies e estas variaram
quanto a sua capacidade plástica entre atributos morfológicos e
fisiológicos (Fig.1). Cordell (1998), encontrou evidências, trabalhando
73
com uma espécie com diferentes genótipos em um gradiente de
altitude,
que
a
plasticidade
morfológica
está
pré-determinada
genotipicamente e a fisiológica responde melhor ao gradiente
ambiental independente do genótipo.
Acreditamos, neste sentido,
que estudos que abordem de forma ampla e que compreendam a
importância da pressão ambiental para estes tipos de plasticidade
serão
válidos
no
sentido
de
compreender
a
distribuição
da
plasticidade em suas formas e sua real importância.
Potencial plástico das espécies
Encontramos uma razoável correlação entre a plasticidade
morfológica e fisiológica. Este fato pode ser discutido levando em
consideração as pressões distintas do ambiente e sua relação com o
histórico evolutivo da plasticidade. Uma população pode responder a
um ambiente extremamente variável, tornando-se ao mesmo tempo
mais plástica e geneticamente mais variável e assim paralelamente
aumentar tanto a plasticidade fisiológica quanto morfológica (Cordell
et al 1998). A literatura sugere que a plasticidade pode evoluir,
quando há variação genética suficiente (Via e Lande 1987, Via et al
1995), devido às correlações genéticas com outros traços que estão
sob seleção (van Kleunen e Fisher 2005). Em particular, o ambiente
pode induzir mudanças no comportamento do indivíduo a um nível
morfológico e / ou fisiológico (Price et al 2003) e tais mudanças
podem ser cruciais para a sobrevivência em condições heterogêneas
74
(Gratani 1996, Zunzunegui 2011). A seleção para características
fotossintéticas pode, muitas vezes, operar indiretamente através
correlação
com
outras
características.
Assim,
enfatizando
a
importância do fenótipo como uma função integrada de crescimento,
morfologia, história de vida, e da fisiologia (Arnts e Delphs 2001). O
tempo de desenvolvimento da planta pode em si ser plástico (Sultan
2000) e muitas respostas fenotípicas às mudanças no recurso podem
ser consequência da redução do crescimento devido à limitação do
mesmo (Gratani e Crescente 1997, Dorn et al 2001). Devido ao
balanço entre pressões ambientais e a interdependência entre traços
morfológicos e fisiológicos de plantas, podemos assumir que em geral,
as plantas respondem de maneira esperada quanto à capacidade
plástica como um todo.
Influência do recurso na alocação raiz/parte aérea
Para a proporção de raiz/parte aérea, alterações na plasticidade
devido ao aumento de recursos destinados à raiz foram evidentes.
Este fenômeno pode ser explicado pelo fato de que o investimento
em raiz possui longa duração, baixa ciclagem e sua complexidade de
tecidos é mais baixa comparada com as partes aéreas das plantas
(Grime and Makey, 2002). Esta estratégia plástica também pode ser
particularmente importante para a adaptação ao aumento da
temperatura e seca pois uma menor copa reduz a perda de água
devido à transpiração (DeLucia et al., 2000) e uma grande rede de
raiz melhora o acesso à água e nutrientes (Markesteijn e Poorter
75
2009). Várias espécies são conhecidas por aumentarem sua alocação
de biomassa para as raízes, quando expostas ao estresse hídrico
(Valladares e Sanchez-Gómez 2006). O grau de plasticidade na
adaptação razão raiz/parte aérea, no entanto, é desconhecido em
outras partes do mundo. Em espécies de zonas temperadas, por
exemplo, os estudos têm sido muitas vezes restritos às medidas de
crescimento acima do solo (Reich e Oleksyn 2008). A abundância de
luz e recursos relacionados ao solo podem ser negativamente
correlacionados espacialmente em ambientes naturais (Schlesinger et
al., 1990; Alpert e Mooney, 1996). Neste sentido, nosso trabalho
aponta resultados importantes no que diz respeito à plasticidade em
setores da planta que correspondem localmente a seus recursos
limitantes. Acreditamos que este resultado pode ajudar futuros
estudos que pretendam discutir a relevância da plasticidade.
Este trabalho demonstra que plantas não só diferem em suas
capacidades plásticas frente às alterações ambientais, mas que
também
o
seu
conjuntamente
maquinário
para
fisiológico
expressar
e
morfológico
características
evoluiu
plásticas.
Adicionalmente, a plasticidade em plantas é usada como um meio de
intensificar a captura de um recurso quando este se torna disponível.
Ressaltamos aqui que as estratégias plásticas das plantas individuais
são de grande relevância para entendermos adaptações locais e
padrões globais, desta forma sugerimos que essas estratégias sejam
consideradas em futuros estudos.
76
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