1 ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 2 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 3 ANAIS DA XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA DA UNIOESTE TOLEDO-PR 17 a 21 de agosto de 2015 ISSN: 21755345 ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 4 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 5 ALEXANDRE KLOCK ERNZEN CÉLIA BENVENHO JOSÉ LUIZ GIOMBELLI MARIANI LUCIANO CARLOS UTTEICH NELSI KISTEMACHER WELTER (Organizadores) ANAIS DA XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA DA UNIOESTE TOLEDO-PR 17 a 21 de agosto de 2015 ISSN: 21755345 Toledo-PR 2015 ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 6 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE Conselho Editorial: Dra. Lorella Congiunti – PUU – Cidade do Vaticano Dr. Reginaldo Aliçandro Bordin – PUCPR Dr. José Beluci Caporalini – UEM Dr. José Aparecido Pereira – PUCPR Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) S471a Semana Acadêmica de Filosofia da Unioeste Toledo-Pr. (18-2015, Toledo-Pr.) Anais da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da Unioeste Toledo-Pr. 17 a 21 de agosto de 2015. / Organizadores: Alexandre Klock Ernzen, Célia Benvenho, José Luiz Giombelli Mariani, Luciano Carlos Utteich, Nelsi Kistemacher Welter. – Toledo-Pr, 2015. 206 p.:il; color: 14x21 cm. Evento realizado pela: Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Campus Toledo-Pr. Modo de Acesso: World Wide Web: < http://www.unioeste.br/filosofia> ISSN: 21755345 1. Filosofia. I. Universidade Estadual do Oeste do Paraná. II. Título. CDD 22.ed.106.3 Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi – Bibliotecária CRB/9-1610 ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 7 SUMÁRIO 11 APRESENTAÇÃO GERAL.................................................................................. 13 TEXTOS COMPLETOS......................................................................................... VONTADE DE VERDADE COMO RATIFICAÇÃO DA ONIPOTÊNCIA 14 Alexandre Moschen Ortigara................................................................................. O TEMOR A MORTE COMO UMA FORMA APRIORÍSTICA DA VONTADE Anderson Lucas dos Santos Pereira 21 Célia Machado Benvenho...................................................................................... UMA ANÁLISE DO CURSO DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA DA UNIOESTE A PARTIR DE JACQUES DERRIDA Cristiane Roberta Xavier Candido 26 Célia Machado Benvenho...................................................................................... O SENTIMENTO UNIVERSAL COMO FUNDAMENTO DA MORAL EM HUME Giovani Luiz Zimmermann Junior 34 José Ames............................................................................................................. A AUTONOMIA DA VONTADE COMO PRINCÍPIO SUPREMO DA MORALIDADE 41 Jhonatan Pereira de Queiroz................................................................................. A SOBERANIA ABSOLUTA DO ESTADO EM HOBBES Junior Cesar Luna 48 Leandro Mateus Fernandes................................................................................... A CRÍTICA HEIDEGGERIANA ÀS CIÊNCIAS POSITIVAS Katyana Martins Weyh 59 Roberto S. Kahlmeyer-Mertens............................................................................. PLANO DE IMANÊNCIA EM GILLES DELEUZE E FÉLIX GUATTARI Leandro Nunes 67 Ester Maria Dreher Heuser.................................................................................... UMA INTRODUÇÃO AO CONCEITO DE PODER EM HANNAH ARENDT E SUA DISTINÇÃO DE VIOLÊNCIA Leandro Mateus Fernandes 76 Tarcílio Ciotta......................................................................................................... ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 8 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE A VERDADE PENSADA COMO SÍNTESE ORIGINÁRIA Luana Borges Giacomini Roberto S. Kahlmeyer-Mertens.............................................................................86 REPENSANDO O ESPAÇO POR MEIO DA FENOMENOLOGIA: CONTRIBUIÇÕES DE HEIDEGGER Maria Lucivane de Oliveira Morais Roberto S. Kahlmeyer-Mertens.............................................................................95 PROBLEMA DO MAL EM SANTO AGOSTINHO Robson Marins do Amaral Célia Machado Benvenho...................................................................................... 101 FILOSOFIA PARA CRIANÇAS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO (AH/S) Thaylan Corassa Michelle Silvestre Cabral....................................................................................... 108 A CRÍTICA DELEUZIANA À FILOSOFIA DE DESCARTES Vanessa Henning................................................................................................... 115 MODALIDADE CARA-A-TAPA............................................................................ 123 DA RELAÇÃO ENTRE PSICANÁLISE, FÍSICA QUÂNTICA E SEMIÓTICA: UM NOVO CONHECIMENTO Alexandre Moschen Ortigara................................................................................. 124 RESUMO............................................................................................................... 133 COMO ENTENDER E CONVIVER COM ESSE FENÔMENO CHAMADO CRIANÇA Eli Schmidtke......................................................................................................... 134 RELATOS DE EXPERIÊNCIA DAS OFICINAS DE FILOSOFIA PARA O ENSINO MÉDIO..................................................................................... 137 APRESENTAÇÃO................................................................................................. 138 DISCUTINDO O GOSTO: ASPECTOS DA IDENTIDADE PESSOAL EM DAVID HUME Alderberti Batista Prado / Angélica de Fátima de Almeida Lara Cristiane R. Xavier Candido / Gelmano Ferreira da Rocha Célia Machado Benvenho / Nelsi Kistemacher Welter.......................................... 140 O QUE DEVO FAZER? SOBRE A LEI MORAL Angela Maria Silva / Felipe Ricardo Deuter Becker Henrique Zanelato / Jhonatan Pereira Queiroz Célia Machado Benvenho / Nelsi Kistemacher Welter.........................................150 ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 9 DELÍRIOS DO CONSUMO NA PERSPECTIVA DE HERBERT MARCUSE Angélica Limberger / David Henrique Fiametti Kamilla Regina Silva Santana / Letícia Nunes Goulart Célia Machado Benvenho / Nelsi Kistemacher Welter........................................156 A LIBERDADE A PARTIR DO VIÉS POLÍTICO DE BENJAMIN CONSTANT Elizandra B. Sosa / Gabriel Drehmer Josieli A. Opalchuka / Luana B. Giacomini Célia Machado Benvenho / Nelsi Kistemacher Welter.........................................170 SEXUALIDADE E DISCURSO EM FOUCAULT Lucas Henrique Nunes Batista / Patricia Joca Martins Lucas Paiva Scussiato / Jackison Roberto dos Santos Pinheiro Junior Célia Machado Benvenho / Nelsi Kistemacher Welter.........................................177 EXISTENCIALISMO EM JEAN-PAUL SARTRE Michelle Silvestre Cabral / Natalia Aparecida Pacheco Ferro Rafael Saragoça Ortolan / Thaylan Corassa Célia Machado Benvenho / Nelsi Kistemacher Welter.......................................... 184 SARTRE: ESTAMOS CONDENADOS À LIBERDADE? Neusa Rudek / Francielle Festner Pâmela Elger / Célia Machado Benvenho Nelsi Kistemacher Welter....................................................................................... 196 ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 10 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR APRESENTAÇÃO GERAL SAF 2015 trouxe para o debate as questões práticas do dia a dia em sala de aula e do ambiente de interação na experiência didática entre professor-aluno. Com isso primou por ampliar a visão e o horizonte de conhecimento sobre a formação e as competências a serem exercitadas a fim de que o docente desempenhe o mais adequadamente as suas atividades na escola. Esses resultados foram alcançados por meio das bem conhecidas atividades de oficina, ofertadas em número de 09 Oficinas Didáticas de Filosofia para o Ensino Médio (05 no turno da manhã, 04 no turno da noite), contemplando alunos de Escolas Municipais da cidade de Marechal Cândido Rondon, de Tupãssi e de outras cinco escolas do Município de Toledo. Baseado no item da Quarta Diretriz do Projeto de Lei 85/2015, cujo debate foi realizado em plenário, a 19 de junho do ano corrente, na 8ª Sessão Extraordinária da Câmara de Vereadores, o da “Erradicação de todas as formas de discriminação”, ocorreram palestras e mesas-redondas, centrando o diálogo nessas questões, vindo a contemplar profissionais da área, agentes do município e de ONGs, vindos da capital do estado (Curitiba), de cidades vizinhas (Cascavel, Assis Chateaubriand, Ouro Verde, Marechal Cândido Rondon, Palotina), e do município de Toledo. A guisa de conclusão, a SAF 2015 dedicou sua última data de atividade às atividades de Comunicação, que oportunizou a todos os alunos (internos e externos) a apresentação dos resultados (parciais ou totais) das pesquisas que vêm realizando, respectivamente, em seus cursos, sobretudo nas áreas de Filosofia, da Sociologia e da Psicologia. Prod. Dr. Luciano Carlos Utteich Coordenador da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia 12 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 13 TEXTOS COMPLETOS ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 14 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE VONTADE DE VERDADE COMO RATIFICAÇÃO DA ONIPOTÊNCIA Alexandre Moschen Ortigara UNIOESTE – Universidade Estadual d Oeste do Paraná [email protected] RESUMO: Relacionando a onipotência psicanalítica com a vontade de verdade de Foucault é possível identificar e ampliar esse conceito. O sujeito é constituído numa sociedade que exerce influência sobre ele e ele sobre ela. A manifestação onipotente narcísica acontece também na sociedade. Inicialmente na sociedade primitiva mítica como animismo e, posteriormente, na religiosa como magia e na científica como onipotência do pensamento. Assim como os sacerdotes influenciaram toda uma era, pois eram os representantes autorizados pela religião, hoje os professores também o fazem na condição de estarem autorizados pelo ideal humano oriundo do iluminismo. A partir de uma vontade de verdade, Foucault apresenta como o processo de exclusão pela fala, aparece nessa relação. PALAVRAS-CHAVE: Onipotência; Psicanálise; Vontade de Verdade; Foucault. A ONIPOTÊNCIA NO DESENVOLVIMENTO HUMANO A necessidade da potência no humano é o diferencial para a satisfação e pleno desenvolvimento de suas escolhas, ou seja, a potência seria a utilização adequada desse poder na ação. Enquanto que impotência fantasiada é a potência existente não exercida, ou utilizada, a onipotência é potência fantasiada e, portanto, não praticada, pela impossibilidade de se atingir esse ideal. O termo fantasia, utilizado acima, se faz necessário para a caracterização real da impotência e onipotência. Assim define Freud: “É a atividade da fantasia, que tem início já na brincadeira das crianças e que depois, prosseguindo como devaneio, deixa de lado a sustentação em objetos reais” (FREUD, 1911, p. 114-115), demonstrando, assim, o real sentido, tanto de impotência quanto de onipotência. Nesse processo de constituição e aprendizado, o humano, na sua infância, passa tanto pelo processo da fantasia de impotência quanto pelo ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 15 processo da fantasia de onipotência, até encontrar-se com a sua potência. É nesse processo diastólico e sistólico, ou ainda, de flutuação entre extremos, no caso Impotência e Onipotência, que ele se apropriaria de sua potência. Ressalta-se que esse seria o processo idealizado do humano para ter consigo uma plena realização de existir junto à realidade, ou seja, saindo da fantasia de não poder realizar nada (impotência), ou ainda poder realizar o que a ele for possível pensar (onipotência). Em sua obra Totem e Tabu, mais especificamente no terceiro capítulo, Animismo, Magia e Onipotência, Freud busca demonstrar nossa projeção de Onipotência enquanto sociedade em constante desenvolvimento. Ao explicar animismo faz referência a Hume, “[...] há uma tendência universal, entre os homens, de conceber todos os seres como eles próprios e de transferir para todo objetos qualidades que conhecem familiarmente e de que estão intimamente cônscios” (FREUD, 1912, p. 124).1 A partir dessa referência, Freud, assim como o próprio Hume, passa a demonstrar como esse processo de onipotência se dá na sociedade. Inicialmente, essa projeção é somente para com animais, espíritos ou almas, ou seja, algo que esteja próximo à natureza e que não exija maior descrição lógica de algo para demonstrar essa “evidência” para a crença. Nesse estágio evolutivo, a manifestação dessa onipotência é dada pelo feiticeiro, que possui poderes de influenciar os espíritos para que estes realizem os desejos humanos. Num segundo momento da evolução do homem, em que esses processos de manifestação de poder estão mais constituídos, este passa a projetar num deus uno, detentor de poderes que dão conta de validar a existência de um ser supremo e onipotente, nesse caso o sacerdote é quem manifesta o poder. Já no terceiro estágio evolutivo de sociedade, esse processo de onipotência humana, ou mais claramente, uma “fantasia coletiva de onipotência humana”, se dá pelo processo científico. E aqui o autor narra o que segue: 1 HUME, David. História Natural da Religião. Na edição da UNESP, de 2005, encontra essa citação na p.36. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 16 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE Na concepção científica do mundo não há mais lugar para a onipotência do homem, ele reconhece sua própria pequenez e submete-se resignadamente a morte e às outras necessidades naturais. Mas a confiança no poder do espírito humano, a contar com as leis da realidade, retém algo da primitiva fé na onipotência (FREUD, 1912, p. 140). O ideal humano, concebido no período do Renascimento 2 e potencializado no Iluminismo, é quem guia as ciências. A partir de Kant e sua delimitação do uso da Razão, surgiram outros ramos das ciências e, hoje, conta-se com uma infinidade de conhecimentos descritos por métodos que assegurariam a validade das hipóteses levantadas. A partir de essas hipóteses estarem corretas ou não, percebe-se a satisfação humana nas suas relações mais triviais. Por vezes não raras, em diálogos dos mais diversos assuntos, nos quais há uma possibilidade de necessidade de conhecimento brevemente aprofundado, para se ratificar ou não uma questão arguida por um dos propositores, os humanos (sujeitos) buscam assegurar sua condição de estarem certos, ou de estarem de acordo com a validade vigente. Porém, o que ocorre se depurarmos um pouco esses diálogos é que, em várias ocasiões, o que os presentes almejam é estarem “certos”. Não há de fato a busca pelo diálogo, que no caso pressupõe a escuta, vez que ambos somente estão ansiosos em ter sua certeza ratificada. Com a ciência, quando se busca demonstrar a hipótese, tais diálogos são condicionados à validade ou nulidade da hipótese. Ou ainda, ratificar a potência argumentativa de um ou de outro. Por passar boa parte de sua vida convivendo com pessoas que buscam encontrar respostas na religião para suas angustiantes perguntas e, por a mesma reiterar o processo de onipotência em que, por meio da divindade, o humano recebe todo poder, o humano reitera somente o ego primitivo e onipotente. O sujeito onipotente não somente não é capaz de demonstrar a necessidade do outro (partindo do pressuposto que o homem é um ser social), Segundo Aranha, “[...] o otimismo com respeito à razão já era anunciado desde o Renascimento, quando a nova concepção de ser humano valoriza os poderes do indivíduo contra o teocentrismo medieval e o princípio da autoridade. No século XVII o racionalismo e a revolução científica acentuaram essa tendência, de modo que no Século das Luzes o indivíduo se descobre confiante, como artífice do futuro, e não mais se contenta em contemplar a harmonia da natureza, mas quer conhecê-la, dominá-la” (ARANHA, 2006. p.172). 2 ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 17 mas também evita toda conduta que possa ser julgada de forma eficiente, como por exemplo, expor-se a uma atividade com outro em que ele não possua domínio ou controle sobre o resultado. A FILOSOFIA ACADÊMICA É CIENTÍFICA A filosofia acadêmica que Nietzsche criticou, se me for permitido uma comparação, em pouco difere de qualquer disciplina da ciência. O processo de positivação do conhecimento pouco tem demonstrado modificar o roteiro do saber. Esse método desestimula a liberdade criativa e de se expressar do sujeito pensante que, por vezes, almeja-se aventurar escrevendo algumas conjecturas, mas logo é cerceado pela necessidade de fontes, às quais, o sujeito, muitas vezes, não tem acesso, mas que conjecturou algo, sem a necessidade de consultar Aristóteles, Platão, Descartes, ou qualquer autor que tenha debatido um assunto de interesse do sujeito em questão. Se realizarmos uma reflexão singela e superficial acerca do que diferencia o humano dos demais animais, poder-se-ia inferir que a principal característica da humanidade seria a mudança, por conta da capacidade adaptativa própria da espécie, ou ainda, essa capacidade adaptativa. Com isso, poderíamos deduzir que esse processo onipotente que o humano desenvolve inicialmente em si e, posteriormente, projeta na sociedade, é mais uma das diversas “condições humanas” para satisfazer o ego onipotente de estar certo e, para satisfazê-lo, identifica-os em diversos objetos ou institutos diferentes do querer. A pregação que o sacerdote, ou orientador espiritual, realiza na sua religião, em pouco se difere de aulas que muitos professores ministram e, assim como o sacerdote afirma que o livro sagrado contém todas as respostas, também esses professores o fazem com seus alunos a partir do ramo do conhecimento que ele atua e acredita dominar. Na academia, ao seguir um autor, um professor passa, necessariamente, por extensivas horas de estudos, muitas vezes prazerosos momentos com o autor e, nessa relação, o processo empático com o autor já se estabelece, ou seja, esse processo de identificar no outro, ou reconhecer no livro características próprias do sujeito, é algo necessário para a consolidação desse vínculo. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 18 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE O professor, então, ao explanar sobre um autor ou um assunto, também estará falando um pouco de si mesmo. Porém, isso, em muitas vezes, deixa de ser benéfico para condição de potência do aluno, uma vez que ele, ao questionar o professor, estará questionando o assunto, entretanto, pelo vínculo (inconsciente) do professor para com o assunto ou autor, dificilmente este se deixará ser afetado pela questão, mas, possivelmente, se sentirá atingido por ela. A provável resposta de um professor do exemplo acima em muito poderá se assemelhará pregação do sacerdote quando invoca o deus que pune. Essas semelhanças somente ratificam a onipotência de ambos e dificultam a descoberta da potência no sujeito em desenvolvimento, em qualquer idade. A filosofia acadêmica presente pouco se distancia do método científico em suas exigências para a escrita acadêmica. Sendo possível afirmar que se vive uma filosofia positiva. Para aqueles que afirmam que a filosofia é diferente da ciência, não parece equivocado, mas, o oposto também pode ser afirmado se o processo para aquisição e produção de saberes for trazido à discussão. A produção filosófica na academia não se refere ao filosofar que o humano é capaz, em suas mais diversas formas e aplicações, enquanto humano dotado de razão. Essa limitação que a filosofia recebe de si mesma seria o equivalente ao que ocorre na ciência, e, por conseguinte, sua proximidade/intimidade com ela se ratifica, ou seja, parece ocorrer um processo de onipotência em todo o processo acadêmico. La Planche, em sua Teoria da sedução generalizada, a partir de uma sedução originária, o autor assim define: “[...] esta situação fundamental na qual o adulto propõe à criança significantes não-verbais tanto quanto verbais, e até comportamentais, impregnados de significações sexuais inconscientes” (LAPLANCHE, 1988, p. 119), possibilita a demonstração desse processo inconsciente nas mais corriqueiras relações humanas. Talvez a proposta aqui não seja permanecer nessa relação do adulto com a criança, mas a partir desse inconsciente que se comunica com o outro inconsciente, ou ainda seduz esse inconsciente, demonstrar como nossas relações estão impregnadas de sexualidade, ou ainda erotização, e como nessa construção do conhecimento, essa erotização sofre grandes perdas a partir de discursos carregados de uma onipotência que por ser autoerótica exclui o outro no ato de invocar a verdade, para satisfazer esse ego narcísico. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 19 Em sua obra A Ordem do Discurso, Foucault no início de sua aula comenta sobre três sistemas de exclusão que se dão pelo discurso, a saber: “[...] a palavra proibida, a segregação pela loucura e a vontade de verdade”. Seguindo o texto, relaciona a vontade da verdade ao desejo e ao poder nas palavras que seguem: “[...] é que se o discurso verdadeiro não é mais, com efeito, desde os gregos, aquele que responde ao desejo ou aquele que exerce o poder, na vontade de verdade, na vontade de dizer esse discurso verdadeiro, o que está em jogo, senão o desejo e o poder?” (FOUCAULT, 2014, p. 19). A partir dessa definição de Foucault, acerca da vontade de verdade, o “[...] discurso que se conservam, são identificados como ditos” (idem, ibidem), e nessa classificação de ditos incluem os “[...] ditos por religiosos a textos científicos em certa medida” (idem, ibidem). Nessa invocação da verdade, que possui por caráter a exclusão, pode-se fazer alusão ao sujeito narcísico, onipotente em seu pensar, que dispensa o outro, pois se basta nessa relação de satisfação que o discurso da verdade lhe proporciona, como uma autoerotização, no qual o outro é desnecessário às suas realizações. Assim, numa possível alternância entre termos, esse eu narcísico poderia ser um eu onipotente. Onipotente por conta dessa relação onde pode tudo através do seu discurso de vontade de verdade, ou invocação do dito que se autoerotiza. Se fosse possível sumarizar esse sujeito que se erotiza na vontade de verdade, ou ainda que se erotiza na palavra que contém desejo e poder, poderíamos sintetizar como um desejo de poder, e um desejo de poder tudo pela palavra, poderia se afirmar que esse sujeito narcísico, é um sujeito onipotente. E aqui esse conceito de onipotência se mescla aos sentidos semânticos do narcisismo e de vontade de verdade. REFERÊNCIAS ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da Educação e da Pedagogia: geral e Brasil. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2006. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970.Leituras Filosóficas. Tradução Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo. Edições Loyola, 2014. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 20 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE FREUD, Sigmund.(1905). Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: _____. Obras psicológicas completas. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 7. FREUD, Sigmund. (1911). Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico. In: _____. Obras Completas. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. v. 10. FREUD, Sigmund. (1912-1913). Totem e Tabu. In: _____. Obras Completas. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. v. 11. FREUD, Sigmund. (1914). Introdução ao Narcisismo. In: _____. Obras Completas. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. v. 12. FREUD, Sigmund. (1916-1917). Conferências introdutórias à psicanálise. In: _____. Obras Completas. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. v. 13. HUME, David. História natural da religião. Trad.Jaimir Conte. São Paulo: UNESP, 2005. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. Lucimar A. Coghi Anselmi, Fulvio Lubisco. São Paulo: Martin Claret, 2009. (Coleção a obra-prima de cada autor; 3) LAPLANCHE, Jean. Teoria da sedução generalizada e outros ensaios. Tradução Doris Vasconcellos. Porto Alegre. Artes Médicas, 1988. LORETO, Oswaldo di (Org.). Posições tardias: contribuição ao estudo do segundo ano de vida. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007. NIETZSCHE, Friedrich W. Escritos sobre a educação. Trad. Noeli Correia de Melo Sobrinho. Rio de Janeiro: PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2003. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 21 O TEMOR A MORTE COMO UMA FORMA APRIORÍSTICA DA VONTADE Anderson Lucas dos Santos Pereira UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná Célia Machado Benvenho [email protected] RESUMO: No presente trabalho pretende-se tratar o temor da morte na perspectiva de Schopenhauer, mais especificamente em sua obra Metafísica da Morte. Para o filósofo, a Vontade enquanto força una, insaciável, irascível e inquieta, é acima de tudo Vontade de Vida, ou seja, o apego à vida é irracional. Sendo assim, diante da possibilidade de morte, a Vontade lutará com violência contra a mesma, pois ela representa o fim do organismo com o qual se identificara. O temor da morte surge, portanto, não do conhecimento, já que por meio deste se desvela a ausência de valor da vida, mas como uma forma apriorística da Vontade. PALAVRAS-CHAVE: Schopenhauer; Vontade; Fenômeno; Morte. A morte sempre caminhou de mãos dadas junto ao homem e sua história, mas sempre mascarada por sua mortalha negra, obscurecendo seu verdadeiro Ser, se tornando enigmática e com isso temerosa. Eis a gênese da filosofia, o temor pelo perecível, pelo corruptível, um sentimento que parte do lado irascível do homem, e que tenta se auto-explicar pelo racional. A racionalidade suscita meios explicativos que foram sendo constituídos a partir do que nós conhecemos como filosofia. Vemos exemplos de grandiosos sistemas metafísicos na Grécia antiga, ou a tentativa de atrelar a filosofia como um movimento explicativo da própria fé mística, concebida nos tempos medievos, podemos comentar também sobre o idealismo moderno e a tentativa de criar um sistema metafísico que englobe um fundamento racional para explicar o que podemos realmente conhecer. Schopenhauer foi um destes filósofos modernos que tentaram partir da racionalidade designando um sistema propriamente metafísico, tentando abonar um tratado sobre a existência, tendo como paradigma a fundamentação ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 22 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE criticista kantiana. Schopenhauer compartilha da distinção dicotômica entre fenômeno e coisa-em-si proposta por Kant, que são conceitos caros a toda teoria. Segundo Schopenhauer, a existência do mundo é proporcionada por uma única força orgânica, que é o fundamento de todos os seres existentes, que ele chama de Vontade. Ao predicarmos tal conceito aos moldes schopenhaurianos, tratamo-la como um elemento fundamental de toda a espécie, ela em-si se dá como uma força una, insaciável, irascível e inquieta. É uma autodiscórdia, algo que se devora constantemente levando-se ao infinito. Ela nunca se limita e é a causa de toda a dor. Sua cegueira se dá fora do tempo-espaço, em um âmbito atemporal, por isso só podemos nos voltar a ela metafisicamente, como um objeto numénico (aos moldes kantianos), sem alguma finalidade teleológica se não o seu próprio saciar-se. Esta Vontade una, atemporal, reflete-se no mundo fenomênico temporal (concebido pela experiência humana). Nosso mundo é o espelho onde a Vontade desfruta-se de si, se apresentando como múltiplas vontades subjetivas no mundo físico. Mesmo ela se apresentando de diferentes formas para nós humanos, ela ainda continua irascível, insaciável e inquieta, pois, podemos ver isso através do nosso cotidiano, que a vontade está ali, sempre dominando de algum modo, como por exemplo, pela volição que temos pela pessoa do sexo oposto ou meramente pela vontade que temos de viver. Quando não conseguimos saciar tais volições caímos no temor, como por exemplo, quando tememos ficar sozinhos por toda a vida, ou então o temor pela própria morte. Eis a Vontade que sempre nos aparece como Vontade de vida, a Vontade irascível de nos perpetuarmos, por isso, teme a morte acima de tudo. Aquele poderoso apego à vida é, portanto, irracional e cego: só é explicável pelo fato de que todo o nosso ser em si mesmo já é Vontade de vida, para o qual, portanto, esta vida tem de valer como o bem supremo, por mais amarga, breve e incerta que ela sempre possa ser; e pelo fato de que a Vontade, em si e originariamente, é destituída de conhecimento e cega. (SCHOPENHAUER, 2000, p.64) A Vontade não se preocupa com o indivíduo, mas sim, com o gênero. Com isso, o que salienta tal filosofia é a indestrutibilidade do reflexo ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 23 fenomênico, pois tal coisa-em-si anseia pela vida do gênero de uma forma tão premente que a tendência é de nunca se esgotar, pois ela-em-si se dá fora do tempo-espaço, se dá em uma forma metafísica, visando sempre o presente contínuo, destituída de passado ou futuro, de nascer e perecer. Tudo que a Vontade enfatiza é a procriação e, com isso, a eternidade-do-mesmo. Mesmo que nossa forma fenomênica pereça por estar contida no tempo-espaço, nós ainda estaremos no mundo enquanto matéria, onde a Vontade irá moldar-se novamente em outra criatura que perecerá novamente. O mundo é infinito, pois a Vontade é infinita, todos somos apenas um, pois nascemos da mesma forma una. Enquanto houver Vontade, haverá vida em seu eterno retorno. [...] de onde virão todos? Onde estão agora? Onde é o rico ventre do nada prenhe de mundos, que contém agora as estirpes futuras? - A verdadeira e sorridente resposta seria: Onde deveriam estar senão lá, onde o real sempre foi e será, no presente e no seu conteúdo [...] Conhece a tua própria essência, justamente aquela que é tão sedenta de existência, conhece-a de novo na força íntima, misteriosa, ativa da árvore, que permanece sempre a mesma e a única, em todas as gerações de folhas, imune ao nascer e perecer. (SCHOPENHAUER, 2000, p. 85-86) O temor para Schopenhauer ganha sua dimensão como efeito da Vontade de Vida. A mesma se dá de uma forma universal e necessária, portanto apriorística, pois, temer é algo propriamente humano. Todos temem a morte, pois a Vontade una nos dá essa característica, como reflexo para com a vontade múltipla de cada indivíduo. O indivíduo se dá como um ser perecível, que sucumbe a cada momento em sua temporalidade. Chronos não perdoa os ponteiros do relógio antigo, o perecer acontece a cada momento, abaixo sempre das enfermidades mundanas, em busca sempre de se saciar momentaneamente, e com isso, sempre concebendo o temor pela morte, pois, a mesma sendo musa não apenas da filosofia, mas sim dos seres existentes como um todo, toma uma forma propulsora jogada a cada consciência personificada em medo. A vida, por esses aspectos, se torna apenas um tormento, “um pêndulo entre as dores e o tédio”, uma mera ilusão para saciar algo maior, para dar continuidade à cegueira que é existir. Tal fenômeno não está intrínseco a ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 24 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE nenhum objetivo teleológico, a nenhuma meta, a nenhuma finalidade, a não ser perecer e voltar ao ventre natural, onde o nada predomina, mas que mesmo assim a partir de seus restos, ou então a partir da procriação anterior a morte, continuará existindo enquanto Vontade, pois esta força não é findável. É quando um indivíduo sente medo da morte que se tem propriamente o estranho e até mesmo o risível espetáculo: o senhor dos mundos, que preenche tudo com o seu ser, e apenas mediante o qual tudo isso que é, possui a sua existência, se desespera e teme sucumbir e afundar-se no abismo do nada eterno, enquanto, na verdade, tudo está cheio dele, e não há lugar algum no qual ele não esteja, ser algum no qual ele não viva - pois não é a existência que o sustém, mas ele que sustém a existência. No entanto, é ele quem se desespera no indivíduo que sofre com o medo da morte, já que ele fica à mercê da ilusão produzida pelo principium individuationis, de que a sua existência esteja limitada à do ser que agora morre. Esta ilusão pertence ao grave sonho, no qual ele caiu como Vontade de vida. Mas se poderia dizer àquele que morre: "Tu cessas de ser algo, que terias feito melhor, nunca ter sido”. (SCHOPENHAUER, 2000, 127) Concebendo o indivíduo como uma parte da personificação da Vontade, tal indivíduo carrega em si o zelo pela sua vida, e com isso o temor da morte entra em cena de uma forma apriorística. Tal característica concebe-se como uma ideia inata em cada animal. Temos medo do que nos aparece como misterioso e inconcebível pela mente humana. Com isso ganhamos aversão a tal sentimento da morte, mesmo que o cessar dela seja deveras magnânimo em prol do indivíduo, pois com ele sucumbindo-se, se aniquila também todas as enfermidades do existir (enquanto indivíduo), mas nunca a Vontade-em-si, que sempre tende a sempre ficar solidificada como ato da potência do fenômeno. Assim como somos atraídos para a vida pelo impulso totalmente ilusório da volúpia, do mesmo modo nos agarramos a ela mediante o temor, também por certo ilusório, da morte. Ambos se originam de modo imediato da Vontade, que em si é destituída de conhecimento. Eis que se dá o Eterno Retorno do Mesmo, conceito fundamental para toda a filosofia da metafísica da Vontade e Representação schopenhauriana. Tal conceito nos leva a crer em uma infinitude tanto fenomênica quanto numênica. Todos são um, eu estou em você, e você estará em mim enquanto atemporalidade, o todo se funde em ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 25 uma unidade. Eu dou a vida para meu sucessor, e meu sucessor dará a vida ao filho dele, onde eu estarei lá expresso em sua constituição fenomênica de ser. O mundo sempre se dá nessa eterna redundância histórica, pelas mesmas causas e pela mesma igualdade. A Vontade da vida dá o impulso para as guerras, onde as lutas serão sempre as mesmas, indiferente do tempo, pois sempre a vida será o cerne de toda guerra. “Na visão da macro-estória toda guerra é igual”, já dizia o compositor brasileiro Humberto Gessinger. A vida sempre irá lutar pelo seu ideal que é o espelho dela mesmo, e de praxe o medo consta como maior parte da ilusão do viver. Sempre e por toda parte o círculo é o autêntico símbolo da natureza, porque ele é o esquema do retorno. Este é de fato a forma mais geral na natureza, que ela adota em tudo, desde o curso das estrelas até a morte e nascimento dos seres orgânicos, e apenas por meio do qual, na torrente incessante do tempo e de seu conteúdo, torna-se possível uma existência permanente, isto é, uma natureza (SCHOPENHAUER, 2000, p. 84). E assim é concebida a ordem do mundo para Schopenhauer. O todo se resume em uma unidade enquanto metafísica, tudo está em tudo. Eis o eterno retorno do mesmo, se autenticando sempre como uma forma circunferencial da natureza, onde a infinitude predomina, sempre fazendo os mesmos passos. REFERÊNCIAS SCHOPENHAUER, Arthur. Metafísica do Amor e da Morte. Trad. Jair Barboza. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 26 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE UMA ANÁLISE DO CURSO DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA DA UNIOESTE A PARTIR DE JACQUES DERRIDA Cristiane Roberta Xavier Candido Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE – campus Toledo Bolsista PIBID – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência - Filosofia Célia Machado Benvenho (orientadora) [email protected] RESUMO: Esta pesquisa visa compreender a concepção de Universidade do pensador franco-argelino Jacques Derrida, verificando assim, em que medida a sua proposta pós-estruturalista de “desconstrução” dele serve de base para possíveis propostas de reformulações na estrutura curricular do curso de Licenciatura em Filosofia da UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus Toledo. Desta forma, tendo conhecimento do importante papel multifacetado - social, cultural e ideológico - que a Universidade desempenha desde outros tempos, torna-se essencial observar e analisar mais profundamente o conceito e o desempenho de uma Universidade da qual fazemos parte e, portanto, podemos contribuir em aprimoramentos, no caso do curso de Licenciatura em Filosofia na UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus Toledo, analisando e buscando viabilizar possíveis “desconstruções” reflexivas que contemplem novos planejamentos estruturais na tríade que sustenta o curso supracitado: ensino, pesquisa e extensão. PALAVRAS-CHAVE: Educação. Universidade; Desconstrução; Jacques Derrida; Quando falamos em educação uma das principais máximas que se pensa é a da qualidade, isto é, da não artificialidade do saber e da eficácia das metodologias de ensino. Acrescenta-se a isto o fato de tratarmos de um ensino superior referente à Licenciatura em Filosofia na Unioeste – campus Toledo, cujo objetivo principal é formar indivíduos capazes de ensinar filosofia e também filosofar. O resultado é uma análise um tanto quanto conflituosa ainda mais quando levamos em consideração a forma pela qual são elaborados os conteúdos programáticos a serem estudados no decorrer dos quatro (04) anos ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 27 de graduação: deliberados quase que exclusivamente pelo Colegiado que, mesmo se realizando em reuniões abertas, contam com pouca ou quase nenhuma representatividade acadêmica. Tal fato é verificável devido à dificuldade de equivalência de horários, haja vista que a maioria dos alunos trabalha em horário comercial e as reuniões se realizam no período do início da tarde. Desta forma, torna-se impossível não lembrar e levar em consideração que infelizmente e em grande medida, são vários os acadêmicos de Filosofia que se formam e se tornam apenas meros reprodutores de conhecimento adquirido. Para tanto, é importante que durante a trajetória no curso os acadêmicos questionem a forma e o conteúdo das disciplinas a que estão se submetendo (e sendo submetidos), bem como, cada professor analise seus métodos de ensino e avalie se seus próprios conceitos não passaram a se tornar cristalizados com o decorrer do tempo. Uma forma adequada para se começar uma análise deste gênero é desconstruindo o saber adquirido, tal como defende o pensador franco – argelino Jacques Derrida. Cabe aqui ressaltar que, de antemão, na obra A Universidade sem condições (2003), Derrida sabia que a incondicionalidade na natureza das Universidades era impossível, haja vista que tais instituições precisam responder a determinados parâmetros curriculares e legislativos provenientes de órgãos governamentais, mas que de fato – e mesmo tendo tal circunstância embrionária em seu planejamento: a de seguir uma legislação elaborada pelo Governo – precisam atuar de forma crítica e desconstrutiva, como podemos observar: Sabemos muito bem que essa Universidade incondicional não existe, de fato. Mas em princípio, e conforme sua vocação declarada, em virtude de sua essência professada, ela deveria permanecer como um derradeiro lugar de resistência crítica — e mais que crítica — a todos os poderes de apropriação dogmáticos e injustos. Quando digo 'mais que crítica', deixo subentendida 'desconstrutiva' (por que não dizê-lo diretamente e sem perda de tempo?). Valho-me do direito à desconstrução como direito incondicional de colocar questões críticas, não somente à história do conceito de homem, mas à própria história da noção de crítica, à forma e à autoridade da questão, à ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 28 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE forma interrogativa do pensamento. (DERRIDA, 2003. p. 17) Desta forma, Derrida apresenta qual seria o caminho para se desconstruir os possíveis dogmatismos que possam estar presentes em uma determinada instituição de ensino através da proposta de imunidade como característica da Universidade. Em A Universidade sem condição afirma: “Devemos reivindicar com todas as nossas forças essa liberdade ou essa imunidade da Universidade, e por excelência de suas Humanidades.” Na sequência enfatiza: “Não somente de forma verbal e declarativa, mas com o trabalho, em ato e no que fazemos acontecer por meio de acontecimentos.” (DERRIDA, 2003, p. 50) Para tanto, conforme o que Derrida busca apresentar, é que torna-se necessário a elaboração de questionamentos que proponham reflexões acerca do trabalho que está sendo realizado na – e pela – Universidade, pois “[...] o que acontece no momento em que se leva em conta não apenas o valor performativo da 'profissão', mas em que se aceita que um professor produz 'obras'? E não apenas conhecimentos ou pré- conhecimentos?” (DERRIDA, 2003, p. 51) Em seus estudos, Derrida nunca formulou um método de ensino nem trabalhou nada voltado para a educação, mas analisou as Instituições de ensino e acabou desembocando nos sistemas educacionais para apresentar como um edifício de conhecimento pode se tornar artificial uma vez que precisa responder aos pré-estabelecimentos direcionados por instâncias governamentais (o Ministério da Educação – MEC -, por exemplo), como podemos observar em sua obra O olho da Universidade (1999), quando Derrida se refere à Universidade: (...) se se trata de criar títulos públicos de competência, se se trata de legitimar saberes, se se trata de produzir efeitos públicos dessa autonomia ideal, então, nisso, a Universidade não se autoriza mais por si própria. Ela é autorizada (berechtigt) por uma instância nãouniversitária, neste caso pelo Estado, e de acordo com critérios que não são mais, necessariamente e em última análise, os da competência científica, mas os de uma certa performatividade. A autonomia da avaliação científica pode ser absoluta e incondicionada, mas os efeitos políticos de sua legitimação, supondo-se que seja ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 29 possível com todo o rigor distingui-los dela, nem por isso deixam de ser controlados, mensurados, vigiados por um poder exterior à Universidade. No tocante a esse poder, a autonomia universitária encontra-se em situação de heteronímia; é uma autonomia conferida, limitada, uma representação de autonomia, no duplo sentido da representação por delegação e da representação espetacular. Na verdade, a Universidade em seu conjunto é responsável perante uma instância não-universitária. (DERRIDA, 1999. p. 86-87) Entretanto, torna-se ainda imprescindível que seja de conhecimento o que significa essa desconstrução do pensamento proposta por Derrida, a saber: o quase-conceito (dize-se quase-conceito, pois Derrida não elabora conceitos e sim encontra rastros em termos utilizados de forma superficial pela linguagem) nomeado de desconstrução por Derrida é uma herança que ele reformulou de Heidegger na obra Ser e Tempo publicada em 1927 (entretanto, a edição investigada foi a de 2005). Em relação à “destruição” heideggeriana da metafísica, Paulo César Duque-Estrada apresenta que a mesma “[...] consistia, basicamente, em uma desmontagem das estruturas tão evidentes quanto ossificadas de sentido, permitindo ao conceito uma abertura ao âmbito em que ele fora originariamente pensado” (DUQUE-ESTRADA, 2010, P. 19). Todavia, Derrida acreditou que esta denominação (“destruição”) seria inviável (além de manter um sentido definitivo e violento) para esclarecer seu pensamento ao mundo. A desconstrução, de acordo com Derrida, necessariamente parte da aceitação de aporias, mas não no sentido tradicional de aceitação de paradoxos como verdadeiros e sim, compreender aquilo que não se pode decidir ou optar como alicerces racionais que favorecem e propõem os questionamentos livres acerca de conceitos já cristalizados que promovem a padronização de pensamentos. Para isso, como se observa na obra Gramatologia e A Escritura e a Diferença, publicada em 1967, Derrida apresenta que a desconstrução do pensamento se faz mediante o desaparecimento do quase-conceito metafísica da presença (herança do pensamento logocêntrico ocidental), que se trata do erro comunal que todos caímos quando tratamos de um determinado conceito como Educação, Liberdade, Democracia, por exemplo, sem levar em conta sua ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 30 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE ausência, ou seja, quando não pensamos que apesar destes conceitos existirem e consequentemente assumirem uma presença na realidade das pessoas, eles também admitem uma ausência concomitante. Isto é, existe também (e infelizmente as pessoas não pensam nisto) uma Não-Educação, uma Não-Liberdade, uma Não-Democracia, por exemplo. Portanto, o conhecimento que apresentam acerca destes conceitos é superficial. Os conceitos, conforme estamos acostumados a pensar e a entendê-los – apenas possuem valor cognitivo (só podemos conhecê-los como pensamos conhecer), pois eles apenas podem existir atrelados à um contexto e, jamais por si sós. Um exemplo claro disto, é o conceito de “mulher”: sabe-se que uma determinada pessoa é “mulher”, pois apresenta um comportamento específico e, simultaneamente, sua figura surge na medida e no contexto biológico da existência de um outro ser cujo conceito é denominado “homem”. Isto é, só conhecemos um determinado conceito, pois este existe em contraponto à outro, no contexto deste contraponto, e, jamais por si só. A esta dicotomia de opostos (presença versus ausência e entre outros) desenvolvidos e fixados pelo logos que se instituiu na linguagem ocidental pela tradição filosófica, Derrida atribui a característica de serem indecidíveis, ou seja, tratam-se de opções que não podem ser ditas visto que não existe oposição quando tudo faz parte de tudo. Em outras palavras: para existir o bem, por exemplo, necessariamente precisa existir o mal (que é o não-bem) e, eles fazem parte de uma mesma coisa, portanto existem concomitantemente, logo, são inseparáveis. A visão que Derrida tem das Universidades é crucial para entendermos o seu real papel na sociedade como um princípio de resistência, tal como o pensador franco-argelino defende: “É preciso então não apenas um princípio de resistência, mas uma força de resistência – e de dissidência.” (DERRIDA, 2003. p. 22), para que seja desconstruído o conceito de soberania que os Estados empreendem em tais instituições de ensino. Derrida é pontual a caracterizar o interesse dominador que os Estados apresentam para com as Universidades: um interesse mercantil, no intuito de aplicar recursos em áreas que possam render novos recursos financeiros futuros. Conforme Derrida é papel das “Humanidades” presentes nas Universidades (com ênfase no curso de Direito) que precisam se tornar as ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 31 grandes forças de resistência, haja vista que, de acordo com Derrida, são estas que precisam ser as forças de resistência, pois são essas que trabalham com o pensamento. Tal como podemos observar: (...) esse princípio de incondicionalidade se apresenta, originalmente e por excelência, nas Humanidades. Ele tem um lugar de apresentação, manifestação, de salvaguarda originária e privilegiada nas Humanidades, nelas dispondo igualmente de um espaço de discussão e de reelaboração. Isso passa tanto pela literatura e as línguas (ou seja, as ciências ditas do homem e da cultura), quanto pelas artes não-discursivas, pelo direito e pela filosofia, pela crítica, pelo questionamento e, para além da filosofia crítica e do questionamento, pela desconstrução – quando se trata de nada menos que repensar o conceito de homem, a figura da humanidade em geral, e singularmente aquela que pressupõem as assim chamadas, na Universidade, há séculos, Humanidades. (DERRIDA, 2003, p.23) As Humanidades, segundo Derrida, são “[...] lugares de resistência irredentista, até mesmo, analogicamente, como uma espécie de princípio de desobediência civil, ou ainda, de dissidência em nome de uma lei superior e de uma justiça do pensamento.” Entretanto, Derrida afirma que é necessário reelaborar o conceito de Humanidades: Em meu espírito, não se trata mais somente do conceito conservador e humanista a que se associam com frequência as Humanidades e seus antigos cânones – os quais, não obstante, a meu ver, devem ser protegidos a todo custo. Permanecendo ao mesmo tempo fiel à tradição, esse novo conceito das Humanidades deveria incluir ainda o direito, as teorias da tradução, além do que se chama, em cultura anglosaxã, da qual é uma das formações originais, a ‘theory’ (articulação original de teoria literária, de filosofia, de linguística, de antropologia, de psicanálise, etc), mas também, certamente, em todos esses lugares, as práticas desconstrutivas. (DERRIDA, 2003, p.25) O que Derrida pretende apresentar com essa reelaboração do conceito das Humanidades é a fé no saber, é o trabalho que opera nas Universidades de forma que professe uma “fé” no saber, mas que não se feche em apenas discursos do saber e, sim, em discursos performativos do saber. Derrida visa ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 32 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE um saber que possa ser colocado em prática e não apenas conhecido e pensado. De acordo com o pensamento derrideano, associar fé ao saber e o saber à fé é estabelecer uma profissão de fé, um compromisso, uma promessa, uma “responsabilidade assumida” que não se valem de discursos do saber, “mas de discursos performativos que produzem o acontecimento de que falam.” Tendo em vista esta explanação de algumas ideias derrideanas acerca da incondicionalidade das Universidades, é possível realizar uma discussão acerca da realidade acadêmica que cada um está vivenciando atualmente. Portanto, é neste contexto que esta pesquisa se desenvolverá procurando abarcar, compreender e estimular possíveis desconstruções (a partir da proposta de Jacques Derrida) na estrutura curricular de ensino, pesquisa e extensão do curso de Licenciatura em Filosofia da Unioeste – campus Toledo. É importante ressaltar que este trabalho tem caráter inicial e primário, que procurará instigar questionamentos, tais como: Seria possível estabelecer novas maneiras de compreender a Educação no curso de Filosofia da Unioeste? Se sim, quais seriam essas maneiras? Se não, o que nos impede de criá-las? A compreensão dos textos filosóficos estudados durante a graduação estão sendo aprendidos por meio de um pensar crítico ou simplesmente são acúmulos de informações e conhecimentos? Hoje em dia se faz filosofia no curso de Filosofia da Unioeste? O curso de Filosofia da Unioeste é uma graduação que busca ser uma “força de resistência” diante da constante e atual mercantilização do saber? Derrida trás a tona a questão de que a Universidade precisa ser uma “força de resistência” e de “dissidência”, mas alerta também de que essa desconstrução em suas estruturas precisa ser cautelosa, haja vista que algo que é independente demais, tende a se render com mais facilidade, ou seja, a incondicionalidade de uma Universidade acarreta, em Derrida, uma ausência de poder e de defesa. Derrida em sua obra A Universidade sem condições (2003) afirma que a Universidade “[...] por ser absolutamente independente, é também uma cidadela exposta”. E ainda em relação a incondicionalidade da Universidade, Derrida destaca que: “Ela se oferece, permanecendo por conquistar, frequentemente destinada a capitular sem condição. Em todo lugar onde comparece [se rend], está prestes a se render [se rendre]. Por não aceitar ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 33 que lhe imponham condições, às vezes ela é compelida, exangue, abstrata, a se render também sem condição.” (Derrida, 2003. p. 21) REFERÊNCIAS BORGES, André de Barros./Pedagogia da Aporia: Filosofia, Educação e Universidade na Obra de Jacques Derrida./Revista Sul - Americana de Filosofia e Educação, UnB – Universidade de Brasília/DF, n.8/9, Maio/2007 – Abril/2008. Disponível em: http://periodicos.unb.br/index.php/resafe/article/view/5195/4369. Acesso em: 25/06/2015. DERRIDA, Jacques. A Escritura Pré-Literal. In: DERRIDA, Jacques. Gramatologia 1ª Edição. Tradução: Mirian Schnaidermann e Renato Janini Ribeiro. São Paulo: Perspectiva, Ed. da Universidade de São Paulo, 1973. p. 03-79. DERRIDA, Jacques. A Universidade sem condições. Tradução: Evandro Nascimento São Paulo: Estação Liberdade, 2003. DERRIDA, Jacques. Freud e a cena da escritura. In: DERRIDA, Jacques. A Escritura e a Diferença 2ª Edição. Coleção Debates. Tradução: Maria Beatriz Marques Nizza da Silva. São Paulo: Perspectiva, 1995. p. 179-226. DERRIDA, Jacques. O Olho da Universidade. Tradução: Ricardo Iuri Canko e Ignacio Antonio Neis. São Paulo: Estação Liberdade, 1999. DUQUE-ESTRADA, Paulo Cesar. Desconstrução e Incondicional Responsabilidade. Revista Cult. São Paulo. Edição Nº117 03/2010. Disponível em: <http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/desconstrucao-e-incondicionalresponsabilidade/> Acesso em: 20/07/2015. HEIDEGGER, Martin. As duas tarefas de uma elaboração da questão do ser In: HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo Parte I. 15ª ed. Petrópolis/RJ: Vozes. 2005. p. 42-71. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 34 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE O SENTIMENTO UNIVERSAL COMO FUNDAMENTO DA MORAL EM HUME. Giovani Luiz Zimmermann Junior Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Campus de Toledo José Ames (orientador) [email protected] RESUMO: David Hume em sua obra: Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral (1751), estabelece princípios racionais motivantes quanto a moral. Para o pensamento humeano as crenças morais são intrinsecamente motivantes e não precisam de forças teológicas-metafísicas. A razão por si só não motiva ninguém, a razão descobre os fatos e a lógica, mas ela depende dos desejos e preferências quanto à percepção daquelas verdades e só isso nos motiva. A razão por si não produz crenças morais. A moralidade depende ultimamente do sentimento, sendo o papel da razão apenas o de preparar o caminho para os nossos sensíveis julgamentos por análise da matéria moral em questão. Os méritos pessoal e moral residem nisso, em que cada ser humano racional possa por si mesmo discernir qualidades úteis e agradáveis da vida cotidiana, estabelecendo juízos das coisas, livre de preconceitos, ilusões, superstições ou influências religiosas. PALAVRAS-CHAVE: Moralidade; Bem; Sentimento; Razão. A moral sempre foi um assunto em discussão em todos os tempos e em todos os lugares. Foco de muitos debates em cenários filosóficos e artísticos e tema sempre pertinente em todas as eras e lugares, pois a moral faz parte da própria essência humana. A palavra moral vem do latim mores e significa “relativo aos costumes” segundo historiadores a palavra moral originou-se a partir do intento dos romanos traduzirem a palavra grega êthica. Quando falamos acerca da moral, algumas perguntas vêm à mente: Qual seria o fundamento da moral? Como podemos observar estes princípios na humanidade? A moral seria algo intrínseco ao ser humano ou vem de influências externas ao homem? De onde vem a moral? Para tentar responder estas perguntas pertencentes a essência da própria natureza humana David ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 35 Hume (1711-1776) aborda seus fundamentos em sua obra: Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral (1751). Hume pretendia em seu tempo fazer no âmbito das ciências do homem, o mesmo que Newton havia realizado no âmbito da ciência natural: explicitar e investigar as leis e princípios básicos que comandam os modos de pensar, sentir e de conviver entre os seres humanos. Para Hume, os assuntos morais abrangiam todos aqueles temas que hoje consideramos como pertencentes as ciências humanas, como a política, o direito, a moral, a psicologia e a crítica das artes. Ele possuía uma visão futurística dentro da filosofia moderna do que seriam ciências ou ramificações que fluiriam de dentro da própria filosofia. Para o pensamento humeano as crenças morais são intrinsecamente motivantes e não precisam de forças teológicas-metafísicas. Se você acredita que matar é errado, você estará motivado interiormente a não matar (internalismo moral). A razão por si só não motiva ninguém, a razão descobre os fatos e a lógica, mas ela depende dos desejos e preferências quanto à percepção daquelas verdades e só isso nos motiva. A razão por si não produz crenças morais. A moralidade depende ultimamente do sentimento, sendo o papel da razão apenas o de preparar o caminho para os nossos sensíveis julgamentos por análise da matéria moral em questão. Sobre o mérito pessoal e motivação moral Hume declara: “[...] toda qualidade da mente que seja útil ou agradável a própria pessoa ou a outros transmite um prazer ao espectador, granjeia sua estima e recebe a honrosa denominação de virtude ou mérito” (HUME, 2004, p.357). Ou seja, a virtude surge ao apreciar algo de utilidade pública e privada, e isso gera uma satisfação pessoal por si só. São qualidades da mente, são pensamentos bons, agradáveis, construtivos e não destrutivos a nível pessoal ou coletivo. Os méritos pessoal e moral estão nisso, que cada ser humano racional possa por si mesmo discernir qualidades úteis e agradáveis da vida cotidiana, estabelecendo juízos das coisas por sua razão natural, livre de preconceitos, ilusões, superstições ou influências religiosas. Sobre a influência negativa da religião, Hume declara: “[...] parece razoável supor que sistemas e hipóteses perverteram nossa faculdade natural de entendimento, ao vermos que uma teoria tão simples e obvia conseguiu escapar por tanto tempo aos exames mais cuidadosos” (HUME, 2004, p.349). ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 36 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE Para Hume, celibato, jejum, penitência, mortificação, negação de si mesmo, submissão, silêncio, solidão e todas as chamadas virtudes monásticas, deveriam ser rejeitadas pelas pessoas sensatas, porque segundo Hume não servem a nenhum propósito humano-racional; não o faz membro mais valioso da sociedade, e acabam afetando suas alegrias na convivência social, acabam diminuindo e afetando a satisfação pessoal dos indivíduos e não acrescentam em nada a sua potencialidade e sociabilidade. Conforme afirma Hume: “Elas frustram todos, entorpecem o entendimento, endurecem o coração, toldam a imaginação e amargam o temperamento” (HUME, 2004, p.340). Hume não via a importância e sequer sentido para tais práticas, pois para o autor elas não contribuíam em nada na formação do indivíduo quanto a sua moral e convívio social com seus semelhantes. Pelo contrário, via nas virtudes monásticas algo funesto e irracional, que precisava ser banido pelos empiristas céticos de sua época. Baseado na razão e experiência, Hume afirmava que essas influências religiosas não contribuíam em nada no fator motivacional moral das sociedades humanas. Quando Hume fala da natureza humana e do sentimento universal como fundamento da moral, ele declara: “(...) há alguma benevolência, ainda que pequena, infundida em nosso coração, alguma centelha de afeição pelo gênero humano, alguma parcela de pomba entrelaçada, em nossa constituição, a elemento de lobo e serpente” (HUME, 2004, p. 350). Hume reconhece que dentro dos homens existem algo de bom, moralmente falando, que está no interior do homem, um sentimento universal de afeição entre os homens, mas também dentro desta natureza existe um dualismo entre a pomba (bem moral) e a serpente ou lobo (mal moral). Esses sentimentos segundo Hume são frágeis, mas são sentimentos que são capazes de comandar as decisões de nossa mente e de produzir sempre uma preferência pelo que é útil e proveitoso a humanidade e o indivíduo, ao invés de escolher aquilo que é prejudicial e perigoso. Surge então no pensamento humeano a “distinção moral”, que é um sentimento geral de censura e aprovação, uma espécie de inclinação, mesmo que pequena pelas virtudes ou o bem moral, e ao mesmo tempo uma aversão proporcional aos vícios (mal moral ou corrupção humana). Conforme declara Hume: “A noção de moral implica algum sentimento comum a toda ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 37 humanidade, que recomenda o mesmo objeto a aprovação generalizada e faz que todos os homens, ou a maioria deles, concordem em suas opiniões ou decisões relativas a esse objeto” (HUME, 2004, p. 351). Todos os indivíduos racionais e morais devem priorizar portanto um ponto de vista comum (bem comum) para si e para outros, em detrimento de buscar seus próprios interesses privados e particulares devemos sempre priorizar o universal/coletivo. De acordo com o pensamento humeano: Ele deve, portanto, distanciar-se de sua situação privada e particular e adotar um ponto de vista comum a si e aos outros; ele precisa mobilizar algum princípio universal da constituição humana e ferir uma tecla com a qual toda a humanidade possa ressoar em acordo e harmonia. Assim, se pretende expressar que um certo homem possua atributos cuja tendência é nociva a sociedade, ter escolhido esse ponto de vista comum e tocado um princípio de humanidade com a qual toda pessoa, em certa medida, concorda. (HUME, 2004, p. 352) As pessoas que reconhecem este sentimento universal têm a capacidade de ferir ou tocar na tecla com a qual toda a humanidade possa ressoar em acordo e harmonia, ou seja, fazer com que suas afirmações ressoem nos corações de toda humanidade quando estas estão de acordo com esse sentimento universal moral coletivo. Um exemplo disso é a afirmação: Ele é meu inimigo (algo particular que afeta só a uma pessoa). E outra coisa é a afirmação: Ele é corrupto (algo universal que afeta toda a sociedade). Quem bem utiliza e conhece esse entendimento da natureza humana será muito mais eficaz em suas preposições, pois utiliza deste sentimento universal moral presente em todos os seres racionais. Para Hume o coração humano é composto dos mesmos elementos, jamais será totalmente insensível ao bem público, nem inteiramente indiferente as tendências dos caracteres e condutas humanas. Essa afeição humanitária pode até não ser tão forte como a vaidade ou a ambição, mas é comum em todos os seres humanos, e isso fomenta uma fundação para a moral humana ou para qualquer sistema moral geral de censura ou louvor. Hume afirma que: ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 38 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE Não apenas os sentimentos decorrentes do caráter humanitário são os mesmos em todas as criaturas humanas e produzem a mesma aprovação ou censura, como também abrangem todas essas criaturas, de modo que não há nenhuma cujo comportamento ou caráter que não seja, em virtude deles, um objeto de censura ou aprovação para todos. (HUME, 2004, p. 353) Observa-se que aprovação e censura são os dois elementos que incidem sobre o pensamento moral, de acordo com Hume das escolhas morais positivas surgirão as virtudes louvadas pelas pessoas, ou diante das escolhas e ações negativas surgirão os vícios reprovados pela sociedade na qual o indivíduo esteja inserido. É um caráter humanitário, ou seja, um senso coletivo comum presente em todos os indivíduos racionais. Esse sentimento universal abrangente estende-se a toda humanidade e faz com que mesmo as ações e comportamentos das pessoas mais distantes sejam objetos de aplauso ou censura, tendo ou não regra de correção estabelecida pelos costumes da sociedade. Tudo aquilo que é benéfico a sociedade ou a própria pessoa sempre será preferido. Toda qualidade ou ação humana deve ser submetida a censura ou aplauso geral. Conforme afirma o autor: Qualquer conduta que ganhe minha aprovação ao tocar minha humanidade também obterá o aplauso de todos os seres humanos, ao excitar neles o mesmo princípio. Mas o que serve a minha avareza ou ambição só satisfaz essas paixões em mim mesmo, e não afeta a avareza ou ambição do resto da humanidade. (HUME, 2004, p.354) O indivíduo moral é aquele que prefere o bem coletivo, o respeito mútuo entre os indivíduos, a sociabilidade, a paz social ao invés da satisfação pessoal egocêntrica. Essa conduta com respaldo universal é o que ganha aprovação e o aplauso de todos os seres humanos racionais. A moral então para Hume é identificada, virtude e vício tornam-se conhecidos, os indivíduos passam a ter uma ideia geral das ações e condutas humanas, princípios universais passam a ser estabelecidos, e sentimentos particulares egocêntricos são controlados e restringidos. A humanidade para Hume levanta-se sobre estes princípios sociais e universais contra seus inimigos comuns: o vício e a desordem. Uma preocupação benevolente pelos demais (sentimento solidário) está difundida ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 39 em maior ou menor grau entre todos os seres humanos. O discurso propaga, o convívio social o incentiva, e as naturezas solitárias e incultas são despertadas da letargia. Segundo afirma Hume: “Exemplos de arruaças populares, rebeliões, sublevações, pânico e todas as paixões compartilhadas por uma multidão ensina-nos o poder que tem a sociedade para despertar e alimentar todo tipo de emoção [...] Motivos fúteis e insignificantes bastam para desencadear as mais incontroláveis desordens” (HUME, 2004, p. 355). Outro elemento da natureza humana importante e consolidador da moral é o amor pela fama, que reforça ainda mais em todos os seres racionais o sentimento moral. Conforme declara Hume: “Em nossa busca contínua e sincera de um caráter, um nome, uma reputação na sociedade, passamos frequentemente em revista nossos procedimento e conduta, e consideramos como eles aparecem aos olhos dos que nos estão próximos e nos observam” (HUME, 2004, p. 356). Por tanto, para Hume todos estão nessa busca por reputação ou imagem perante a sociedade onde estão inseridos, essa imagem está baseada nas condutas e procedimentos, são observadas, avaliadas, reprovadas ou louvadas por aqueles que convivem entre humanos. Esse é por si mesmo um fator motivante para o confronto racional mediante ações morais. O que pensarão? Que imagem farão de mim? Como ficará minha reputação mediante esta ou aquela ação? Todos possuem um nome a zelar e uma imagem social a preservar. Hume reforça esta qualidade intrínseca presente entre os humanos em sociedade. Hume afirma que “Esse constante hábito de nos inspecionarmos pela reflexão mantém vivos todos os sentimentos do certo e do errado, e engendra, nas naturezas mais nobres, uma certa reverência por si mesmo e pelos outros que é a mais segura guardiã de toda a virtude” (HUME, 2004, p. 356). Assim os prazeres efêmeros animalescos perdem seu valor, enquanto que as beatitudes e graças morais são progressivamente adquiridas pelo indivíduo, seu espírito torna-se aperfeiçoado e moderado como convém a todas as criaturas racionais. Segundo Hume a moral baseia-se nesses 3 pilares: 1) No sentimento universal de bondade e solidariedade presente em todos os seres humanos; 2) Em nosso cuidado por preservar nossa reputação perante os outros; 3) Recebermos por nossas ações a aprovação ou censura da humanidade. Esses são os três elementos racionais que por si são fatores motivadores para as ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 40 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE ações morais de todos os homens, sem apelo a influências metafísicas ou religiosas. Para ele tudo o que promove o bem da sociedade é uma virtude a ser exaltada, ou seja, útil e agradável. Justiça, fidelidade, honra, veracidade, lealdade são elementos que preservam e tornam possível a própria existência das sociedades humanas. Essas virtudes e qualidades imediatamente “agradáveis aos outros” para Hume “já falam suficientemente por si mesmas, e deve ser na verdade muito infeliz, quer em seu temperamento quer em sua convivência social, quem nunca se apercebeu dos encantos de um espírito exuberante, de uma efusiva amabilidade, de uma delicada modéstia, de uma decorosa polidez” (HUME, 2004, p. 358). Por tanto, após estas breves reflexões, podemos meditar sobre o pensamento humeano e analisar nossas próprias condutas, conhecer nossa própria natureza humana, e reconhecer o papel da razão e do sentimento, cada qual cumprindo seu papel. REFERÊNCIAS HUME, David. Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral. Tradução de José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Editora UNESP, 2004. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 41 A AUTONOMIA DA VONTADE COMO PRINCÍPIO SUPREMO DA MORALIDADE Jhonatan Pereira de Queiroz Unioeste – Campus Toledo [email protected] RESUMO: No propósito de explicitar e discutir os conceitos centrais da ética kantiana e suas articulações serão abordadas na breve texto que se segue as duas primeiras seções da Fundamentação da Metafísica dos Costumes. O mapa conceitual gira em torno dos seguintes termos: vontade, dever, autonomia, lei moral, imperativo categórico. Nesse sentido, a proposta de trabalho visa analisar duas questões pontuais levantadas na obra já mencionada. A primeira: "A autonomia é o fundamento da dignidade da natureza humana e de toda natureza racional"(FMC, p. 235)3. A segunda, já colocada pelo próprio Kant sob a forma de problema: "A questão que se põe é, portanto, esta: – é ou não é uma lei necessária para todos os seres racionais a de julgar sempre as suas ações por máximas tais que eles possam querer que devam servir de leis universais? [...]" (FMC, p. 227). PALAVRAS-CHAVE: Autonomia; Vontade; Liberdade; Kant. Kant, ao escrever uma fundamentação, se propõe a buscar e fixar o princípio supremo da moralidade; quer dizer: instaurar sob um solo seguro uma filosofia moral absolutamente baseada na Razão (pura prática) - uma Metafísica dos Costumes - haja em vista o contexto e significação do período no qual decorreu o sistema filosófico kantiano - de Descartes a Hume, passando por Leibniz, Kant revolucionariamente consagra-se pensador original assumindo tal tarefa. A obra citada divide-se em três partes precedidas por um prefácio: Primeira, Segunda e Terceira Seção. No prefácio, o filósofo explicita o caráter, desde os antigos, subdivido ou ramificado da filosofia, no qual cada subdivisão possui seu objeto e "método" de estudo; da mesma forma, levando em conta 3 A obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes será citada, neste trabalho, com a abreviatura FMC. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 42 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE os conceitos que intitulam a obra, Kant esclarece o que se deve entender por metafísica e a relação desta com uma filosofia moral, que se faz necessária, uma vez que a metafísica constitui o conjunto dos princípios a priori da Razão quer pura - com respeito ao conhecimento - quer prática, isto é, com vistas ao agir. Partindo da ideia de que no conhecimento popular já se encontram presentes as noções fundamentais da moral, embora aquele seja ainda préfilosófico, Kant propõe a passagem deste conhecimento moral popular a um filosófico então conceitualizado. Esta é a proposta da primeira seção. Tais conceitos fundamentais da moralidade são: a) o conceito de vontade boa em si mesma e seu princípio formal, ou seja, aquilo que a faz boa em si mesma; b) o conceito de dever, o qual contém em si, sob “certas limitações e obstáculos subjetivos” o de vontade boa, e se apresenta, na prática, sob dois aspectos: há aquelas ações praticadas de acordo com o dever, que se distinguem daquelas praticadas por dever. O autor inicia a primeira seção delimitando o princípio fundamental da razão no seu uso prático, através da proposição: “Neste mundo, e até também fora dele, nada é possível pensar que possa ser considerado como bom sem limitação, a não ser uma só coisa: uma boa vontade” (KANT, 1979, p. 203). Quer dizer, o incondicionado e absolutamente bom é um único, que vale para todo e qualquer ser racional: uma vontade boa. Todos os outros talentos ou condições do espírito são bons relativamente. A razão, em seu aspecto prático, então, está voltada para uma vontade que é boa em si mesma, e não para a felicidade, como pretendia a ética antiga – a não ser que fossemos animais, servidos unicamente de instintos ou de inclinações. Ora, o que caracteriza a simples vontade como sendo boa absolutamente? O que a constitui como tal? Justamente o que a constitui enquanto tal: o puro querer, princípio formal da vontade. Se a vontade fosse destituída de todo e qualquer objeto ao qual emprega e direciona os seus maiores esforços, restaria tão somente o puro querer, em si e por si, e “ela ficaria brilhando por si mesma como uma joia, como alguma coisa que em si mesma tem o seu pleno valor” (KANT, 1979, p. 204). Uma vez que a razão prática é direcionada para uma vontade boa, não resta dúvida de que é ela necessariamente quem a deve determinar. Porém, nem sempre é isto o que ocorre. A vontade é, muitas vezes, influenciada pelos ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 43 instintos naturais e pelas inclinações que tendem a determina-la, “[...] se a razão não é apta o bastante [...]” (KANT, 1979, p. 204) para guiá-la seguramente. E é somente através daquela determinação necessária da razão que se produz uma vontade boa em si mesma, absolutamente. Kant, então, passa à abordagem do dever, que é intricado ao conceito de vontade boa, e que, de certa forma, o contém. Fica claro a afirmar que deixará de parte aquelas ações que são contrárias ao dever, e quanto àquelas praticadas de acordo com este, também as colocará de lado, pois neste caso é fácil distinguir quando foram praticadas em conformidade ou mera intensão egoística. Neste primeiro passo, Kant parte de exemplos para analisar e distinguir estes dois aspectos do conceito de dever e só depois irá defini-lo diretamente. Essa distinção é necessária porque diz respeito à motivação da vontade em sua ação. Ou seja, aquelas ações praticadas de acordo com o dever, tem sua motivação ou numa intenção egoística ou em inclinações imediatas, enquanto que naquelas praticadas por dever, a única motivação é o próprio agir por dever, sem nenhuma outra finalidade ou intenção envolvida, que não o próprio dever moral. Em outras palavras: o valor moral não reside de modo algum no objeto (nem no efeito) o qual se quer atingir, mas no próprio querer, na máxima que ordena a ação. Estas últimas – e somente estas – são as ações que possuem valor moral. De acordo, pois, com a determinação universal (da razão sobre a vontade) tem-se, então, a lei moral como princípio objetivo válido para todo ser racional, e a máxima enquanto princípio subjetivo da vontade. A primeira constitui, portanto, “[...] o princípio segundo o qual se deve agir”; enquanto que a segunda corresponde ao “[...] princípio de acordo com o qual o sujeito age”. A partir dessas noções, o autor formula a proposição que define o conceito de dever, qual seja: “Dever é a necessidade de uma ação por respeito à lei” (KANT, 1979, p. 208). Nessa proposição aparece pela primeira vez o conceito de respeito que se distingue de inclinação ou de aprovação. Segundo Kant, só posso ter respeito por aquele objeto que está ligado a minha vontade, como princípio (objetivo) e nunca por aquele que o está por efeito, afinal este último será sempre subjetivo, contingente, móbil. Devo, pois, respeito à “simples lei por si mesma”. Nesse sentido, Kant afirma: ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 44 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE Por conseguinte, nada senão a representação da lei em si mesma, que em verdade só no ser racional se realiza, enquanto é ela, e não o esperado efeito, que determina a vontade, pode constituir o bem excelente a que chamamos moral, o qual se encontra já presente na própria pessoa que age segundo esta lei, mas se não deve esperar somente do efeito da ação (KANT, 1979, p. 208). O autor questiona que lei seria essa, na qual sua representação, mesmo não levando em consideração o efeito que dela se espera, determinaria a vontade, fazendo desta boa absolutamente. A resposta será aquilo que servirá de estrutura para outro conceito fundamental à reflexão ética kantiana; sua representação é: “[...] devo proceder sempre de maneira que eu possa querer também que a minha máxima se torne uma lei universal” (KANT, 1979, p. 209). A segunda seção tratará justamente deste tema: “[...] a doutrina do imperativo categórico” e a autonomia da vontade, os conceitos-chave de nossas questões. Já no prefácio à obra, Kant delimita como tarefa da segunda seção a transição da moral popular para uma metafísica dos costumes. Por fim, a seção executa a fixação do princípio supremo da moralidade, uma vez que o tenha encontrado. O que se coloca, pois, a nós como problema é fundamentar a relação entre a lei e a vontade, condição para que esta se constitua enquanto vontade moral, isto é, capaz de agir por dever em respeito à lei (agir moralmente). Faz-se necessário, para tal, passar do conhecimento moral comum para o filosófico pelo simples fato de que o princípio supremo da moralidade é absolutamente independente da experiência, i.e., livre de todo e qualquer aspecto empírico. “Tudo na natureza age segundo leis. Só um ser racional tem a capacidade de agir segundo a representação das leis, i.e., segundo princípios, ou: só ele tem uma vontade” (KANT, 1979, p. 217). Ora, como já vimos, a vontade não é em si plenamente conforme a razão. Daí decorre que suas ações conforme a lei serão objetivamente necessárias, mas subjetivamente contingentes. A relação, portanto, da lei com a vontade, para que as ações se tornem necessárias também subjetivamente, deverá ser determinante e apresentar-se como obrigação. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 45 De acordo com Kant, a representação desse princípio objetivo, enquanto obrigante, chama-se mandamento, e sua fórmula imperativo, que se exprime pelo verbo dever. O imperativo é, nesse sentido, a fórmula da representação da lei objetiva da razão para com uma vontade subjetiva e, portanto, contingente, pela primeira não determinada. Por conseguinte, a lei objetiva (moral) seria igualmente válida em relação a uma vontade perfeita, porém esta não se submeteria a obrigação conforme à lei, uma vez que naquela o querer se identifica necessariamente à lei; pois que uma vontade perfeita – divina ou santa – só pode ser determinada pela representação do bem, i.e., não estaria sujeita a escolha pelo erro. Assim, dirá ele: “Por isso os imperativos são apenas fórmulas para exprimir a relação entre leis objetivas do querer em geral e a imperfeição subjetiva deste ou daquele ser racional, da vontade humana, por exemplo” (KANT, 1979, p. 218). Analisando a possibilidade de tal imperativo, Kant constata que “naturalmente” fugimos dele, como se não quiséssemos “[...] que a nossa máxima se torne lei universal” (KANT, 1979, p. 218). Sempre pretendemos abrir nela uma exceção para nós em favor da nossa inclinação. Nessa altura se põe aquela nossa segunda questão proposta de início, a saber, se é ou não uma lei necessária para todos os seres racionais a de julgar sempre as suas ações por máximas tais que eles possam querer que devam servir de leis universais. O autor investiga então o que fundamenta (se é que existe esse algo) um possível imperativo categórico ou uma lei prática e chega então a noção de homem, de todo ser racional de maneira geral, como aquele que “existe como fim em si mesmo”, ou seja, como aquele que possui valor em si mesmo, ou ainda, como valor absoluto. Deste modo, formula-se uma proposição diversa do imperativo, da qual derivará nossa primeira e principal questão já apresentada: “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio” (KANT, 1979, p. 229). Nesse sentido, temos o conceito de pessoa como ser humano moral, o qual possui valor em si mesmo, isto é, aquele ser dotado de dignidade absoluta e que existe como fim em si enquanto ser racional. De outro lado está o conceito de coisa, como sendo aqueles seres cuja existência depende do concurso da natureza e não da nossa vontade, os quais possuem apenas um ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 46 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE valor relativo como meio. Justamente aqui reside uma distinção importante estabelecida por Kant que servirá para compreendermos mais adiante ulteriores implicações. Ora, o que faz da humanidade e de toda natureza racional fim em si mesmo? A razão determinadora da vontade boa e, por conseguinte, o poderser moral possuindo o valor absoluto. Conforme vimos acima, objetivamente o princípio de toda legislação prática reside na regra e na universalidade que a torna lei; enquanto aspecto subjetivo, reside, porém, no fim; o que nos faz relembrar que o sujeito de todos os fins é todo o ser racional como fim em si mesmo. Conclui-se disso o princípio prático da vontade de todo ser racional concebida como vontade legisladora universal. E segundo Kant, aqui a vontade não está pois simplesmente submetida à lei, mas sim submetida de tal maneira que tem de ser considerada também como legisladora ela mesma, e exatamente por isso e só então submetida à lei (de que ela se pode olhar como autora)” (KANT, 1979, p. 231). É esse princípio, afirma Kant, o que convém adequadamente ao imperativo categórico. De outro modo: se há um imperativo categórico ele só pode ordenar que tudo se faça em obediência à máxima de uma vontade que simultaneamente se possa ter a si mesma por objeto como legisladora universal. Chegamos, pois, ao princípio da autonomia da vontade. Não podemos falar de tal princípio sem tratarmos de um conceito, nos termos de Kant, muito fecundo e implicado: o de um Reino dos Fins. Quer dizer, um conjunto sistemático constituído por seres racionais interligados através de leis comuns – uma “sociedade” de legisladores. Este ideal, conforme o coloca Kant, realizaria todos os princípios acima expostos desde que por analogia fosse tomado como um reino da natureza, i.e., um sistema regido por leis a partir das quais tudo acontece. Kant a esta altura define moralidade como sendo a relação de toda a ação com a legislação, através da qual somente se torna possível um reino dos fins. Prossegue afirmando que a moralidade é a única que pode fazer de um ser racional um fim em si mesmo, pois só por ela lhe é possível ser membro legislador no reino dos fins, isto é, ser autônomo. Quem, portanto, determina todo o valor e quem possui justamente devido a tal, dignidade, é a própria legislação. Nesse sentido, toda a natureza racional e sua dignidade é ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 47 fundamentada na autonomia pois é a única capaz de colocar a si mesma como fim e só por isso é constituinte de uma vontade absolutamente boa, bem supremo dignificante. “Podemos agora acabar por onde começamos, quer dizer, pelo conceito de uma vontade absolutamente boa. É absolutamente boa a vontade que não pode ser má” (KANT, 1979, p. 235). REFERÊNCIAS GAMBIM, Pedro. Ética filosófica: dois modelos. In: A Filosofia em Curso. Org: PORTELA, Luis Cesar Yanzer. Porto Alegre: Ed. Evangraf, 2012. KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1979. LIMA VAZ, Henrique C. Escritos de Filosofia IV – introdução à ética filosófica 1. São Paulo, 2009. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 48 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE A SOBERANIA ABSOLUTA DO ESTADO EM HOBBES Junior Cesar Luna Leandro Mateus Fernandes Mestrandos - Unioeste [email protected] [email protected] RESUMO: Neste artigo, pretende-se apresentar a questão do Estado Absoluto em Hobbes. Sua temática central é o da soberania e o problema é responder como e por que a soberania segundo Hobbes, tem que ser absoluta. O fim último e o desígnio do homem para Hobbes é a sua própria conservação das necessidades. A soberania deve ser o instrumento para a garantia desse fim, porque ela garantirá o pacto que deu a ela origem. A soberania terá que ser absoluta, e esta é a tese aqui defendida, pois de outra forma o estado se dissolveria e o povo retornaria à condição de guerra. PALAVRAS-CHAVE: Política; Estado Absoluto; Guerra; Soberania. INTRODUÇÃO Thomas Hobbes fundamentou, dentro de sua teoria política, a constituição do Estado Social a partir de sua reflexão filosófica sobre a condição natural da humanidade, e sobre o Estado de Natureza. Nesta reflexão Hobbes leva em consideração a própria natureza humana, que para ele é constituída basicamente de razão e paixão. No Estado de Natureza 4, segundo Hobbes há um predomínio das paixões. Elas tornam-se o guia em todas as ações humanas, de tal maneira que, para a satisfação dos desejos particulares, ela é cega e não leva em consideração o prejuízo causado ao outro. Desta forma, enquanto não for instituído o Estado Social, os homens estão potencialmente em guerra entre si. E, portanto, a fundamentação do Estado se 4 O estado de natureza é um estado hipotético, que não existiu. Para melhor compreensão, cf. Magalhães, que diz: “[...] condição natural do estado de guerra não é uma frase que se lê literalmente. Trata se de uma 'hipótese da razão', uma construção lógica, para exprimir uma situação em que os homens viveriam se não houvesse um senhor comum para subjugá-los” (MAGALHÃES, 2014, p 51). ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 49 dá como superação do Estado de Natureza, uma vez que neste estado pode se multiplicar os conflitos desenfreadamente, caracterizando-se como estado de guerra generalizada, onde o homem se torna o lobo do próprio homem e para “domesticar” este lobo do homem, segundo Hobbes, é preciso que haja um Estado Civil, um pacto social e um absoluto para controlar as paixões e permitir uma convivência pacífica e segura aos homens. ESTADO DE NATUREZA E ESTADO CIVIL No Estado de natureza, várias são as coisas que potencializam o estado de guerra generalizada. Em primeiro lugar a condição de igualdade natural entre os homens. A partir desta igualdade dos homens, concebe-se que o direito natural é ilimitado, ou seja, que todo o homem tem direito a todas as coisas. Gerando assim, uma situação de desconfiança e insegurança recíproca, tendo por efeito um estado de alerta constante, para a manutenção e conservação da sua própria existência. Desta forma é que “os homens não tiram prazer algum da companhia uns dos outros (e sim, pelo contrário, um enorme desprazer), quando não existe um poder capaz de manter a todos em respeito” (HOBBES, 1974, p. 79). A competição, a desconfiança e a glória são as três principais causas das lutas de uns contra os outros. E assim Norberto Bobbio, em sua obra Thomas Hobbes, analisa a concepção hobbesiana de estado de natureza da seguinte forma: Não apenas o estado de conflito violento, mas também a situação na qual a calmaria é precária, sendo assegurada pelo temor recíproco (...), como seria aquele estado na qual a paz se torna possível unicamente por causa da permanente ameaça de guerra (BOBBIO, 1991, p. 37). Segundo Hobbes, o medo contínuo e o perigo da morte violenta, os quais vêm em consequência da guerra generalizada, incentivam ainda mais a mesma. Eles não somente não permitem a civilização, ou seja, a desconfiança recíproca não torna possível a agricultura, a indústria, a ciência e a navegação, mas destroem tudo, de tal forma que: ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 50 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE Se alguém planta, semeia, constrói ou possui um lugar conveniente, é provavelmente de se esperar que outros venham preparados com força conjugadas, para desapossá-lo e privá-lo não apenas do fruto de seu trabalho, mas também de sua vida e de sua liberdade (HOBBES, 1974, p. 79). Na interpretação de Renato Janine Ribeiro para Hobbes, o homem é um indivíduo e este indivíduo não deseja tanto os bens, o que ele deseja são as glórias, as honras e estas são as responsáveis pelas causas da violência; esta é uma das principais consequências da busca da glória, pois quando os homens guerreiam "[...] por ninharias, como uma palavra, um sorriso, uma diferença de opinião, e qualquer outro sinal de desprezo, quer seja diretamente dirigido a sua pessoa, quer indiretamente a seus parentes, seus amigos, sua nação, sua profissão ou seu nome" (HOBBES, 1974, p. 75). Para Janine a honra é uma atribuição a alguém, porém de caráter externo, sendo assim afirma que: O homem hobbesiano não é então um homo oeconomicus, porque seu maior interesse não está em produzir riquezas, nem mesmo em pilhá-las. O mais importante para ele é ter os sinais de honra, entre os quais se inclui a própria riqueza (mais como meio, do que como fim em si). Quer dizer que o homem vive basicamente de imaginação. Ele imagina ter um poder, imagina ser respeitado — ou ofendido — pelos semelhantes, imagina o que o outro vai fazer. Da imaginação — e neste ponto Hobbes concorda com muitos pensadores do século XVII e XVIII — decorrem perigos, porque o homem se põe a fantasiar o que é irreal. O estado de natureza é uma condição de guerra, porque cada um se imagina (com razão ou sem) poderoso, perseguido, traído (RIBEIRO, 1989, p. 49). Seguindo a conclusão lógica de Hobbes, pode-se afirmar que no homem no estado natural se encontra três princípios de discórdia. Primeiro, a competição; segundo a desconfiança; e terceiro a glória. A primeira leva os homens atacar uns aos outros, visando o lucro, a segunda segurança; e a terceira a reputação. Os primeiros fazem uso da violência para dominar as pessoas e os bens dos outros homens, os segundos, para defendê-los; e os terceiros por ninharias. Segundo Magalhães a incerteza é o problema maior para Hobbes, sendo causada pela insegurança dos desejos humanos. Como há, no estado ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 51 natural, o desconhecimento do pensamento de outrem, este pode se antecipar e antecipa-se. Não pensa que, para Hobbes, querem ferir os outros simplesmente por feri-los; eles desejam ter poder sobre os outros, é certo, mas apenas para assegurar sua própria preservação. Como no estado de natureza a instabilidade é uma realidade – a igualdade transforma o outro num inimigo em potencial (não se sabe o que ele pretende) – antecipação é o remédio adequado a doença da incerteza. Agressão justifica o direito da autodefesa. Depende exclusivamente 'de minha avaliação da situação'. Entra em cena a subjetividade humana. Para compreender o que são nossas paixões é preciso conhecer as circunstâncias que á determinam (...). Desconfiança é, tanto quanto a competição, por isso mesmo uma das principais causas da guerra. Não sou da guerra, mas pelo fato de que devido a intensa dificuldade de convivência os homens não tiram prazer da companhia dos outros. É o litígio aparente - viável, mas não definido que atormenta o filósofo. A isso ele denomina de condição natural da humanidade (MAGALHÃES, 2014, pg. 48/49). Diante das elucubrações hobbesianas acerca do possível estado de natureza, ele infere que neste estado, os homens, sem exceção, têm direito a todas as coisas: O direito de natureza, a que os autores geralmente chamam jus naturale, é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida; e consequentemente de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios adequados a esse fim (HOBBES,1974, p. 47). E a grande questão que se manifesta do direito natural, para Hobbes, é como resolver este conflito do meu e do teu no estado natural? Sua proposta é o contrato social, através das leis naturais, que segundo o pensador do pacto é a origem do Estado Civil, mas antes de seguir para o contrato social. Como já vimos, conforme os autores, o Estado de Natureza é um estado de insegurança. Nele, mesmo existindo leis naturais, por mais que sejam compatíveis com a paz, a humanidade se encontra impedida de estabelecer objetivos claros no sentido de estimular a cada um a buscar a paz. Este ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 52 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE objetivo de encontrar a paz se torna impossível enquanto o homem viver no Estado de Natureza, sem abdicar do direito que cada um tem de todas as coisas. Desta forma faz-se necessário que os homens concordem entre si em instituir um poder eficaz de coerção que torne possível a vida humana numa relação de paz e de concórdia. E não pode haver tal poder antes de erigir-se um estado. Portanto para constituir a paz, o homem precisa sair do estado de Natureza e construir a Sociedade Civil, mas isso só ocorrerá através de um acordo entre os homens. A INSTITUIÇÃO DO ESTADO A renúncia dos direitos que todos têm a todas as coisas, constitui-se na principal finalidade do acordo. Só assim poderão sair do Estado de Natureza e constituir o Estado, que, por sua vez, terá o poder comum capaz de mantê-los em segurança e, também, de obrigá-los a cultivar o respeito de uns para com os outros. Desta forma o Estado é resultado de um acordo entre os indivíduos na multidão, surgindo como solução para a remoção das causas de insegurança recíproca. Logo este acordo propiciará aos homens pactuarem entre si, visto que, sob o temor do poder do Estado, este acordo torna-se constante e permanente, e é a única maneira pela qual Hobbes concebe a passagem do Estado de Natureza para o Estado Civil. A única maneira de instituir um tal poder comum (...) é conferir toda sua força e poder a um homem, ou uma assembleia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade (HOBBES,1974, p.109). Assim este acorde se dá artificialmente através de um pacto que, por sua vez une todos os homens àquele ou àqueles, a favor do qual renunciaram seus direitos. Por conseguinte, todos submetem de igual modo todas as suas aspirações quanto à paz, à segurança e a uma vida mais feliz, à vontade e às decisões deste ou destes, desde que lhe represente. Diz Hobbes: Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 53 com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isso, a multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado (HOBBES,1974, p.109) Deste pacto, através do qual a multidão uniu-se na pessoa do seu representante, além de ser o mecanismo de passagem do Estado de Natureza para o Estado Civil é, também, de onde emana o poder absoluto do Estado, bem como do soberano ora instituído. Visto que a constituição do poder soberano provém de um contrato mútuo entre os indivíduos na multidão e não entre um povo e o soberano, este poder soberano torna-se duradouro e, portanto, irrevogável. Pois os contratantes não devem obrigação apenas entre si, mas, sobretudo, estão obrigados ao seu representante a favor do qual o contrato foi efetuado. A natureza deste contrato é de tal ordem que ele não pode ser rescindido apenas com o consenso das partes, mas é preciso também o consenso do terceiro diante do qual as partes estão reciprocamente obrigadas. (BOBBIO, 1991.p 44). Consequentemente, é impossível ocorrer a destituição do poder soberano. Uma vez feito o pacto não é mais possível desfazê-lo, pois os pactuantes transferiram todos os direitos individuais para o soberano restandolhes somente o direito à vida e porque este pacto que constitui o Estado Civil é original, não havendo nenhum anterior a ele. Portanto, mediante o pacto, o povo é obrigado a permanecer fiel ao compromisso assumido um com o outro. E, de maneira nenhuma, os homens poderão estar vinculados a pactos anteriores, nem tão pouco a realizarem outros pactos entre si com a intuição de criar um novo soberano. Assim, “[...] na medida em que pactuam, devem entender-se que não se encontra obrigados por um pacto anterior a qualquer coisa que contradiga o atual” (HOBBES, 1974, p 111). Outro aspecto importante que contribui para a irrevogabilidade do poder soberano é que o soberano jamais pactuou com os súditos, o soberano é resultado do pacto realizado entre os súditos. E, se não houver pacto entre os súditos e o soberano, segue-se também que não pode, entre essas duas partes, ocorrer um consenso para o rompimento do contrato. Segundo Bobbio, ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 54 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE [...] Hobbes interpreta esses contratos em favor de um terceiro como um conjunto de pactos recíprocos entre os consociados, cujo conteúdo é a transferência dos próprios direitos a uma única pessoa, pactos esses seguidos pela doação de todos esses direitos à pessoa escolhida (...) E, um rompimento do contrato entre súditos e soberano não pode ocorrer pela seguinte razão: entre súditos e soberano, jamais teve lugar um contrato, já que o pacto de união é um contrato dos súditos entre si. (BOBBIO, 1991, p.44) Dessa forma o soberano é um terceiro que está acima das partes contratantes, para quem os súditos transferiram os seus direitos e, portanto, devem obedecer-lhe em tudo, menos como já ficou dito, no que se refere o direito à vida. Portanto, segundo Hobbes, cada um, além de render-lhe obediência, deve também considerar todos os atos do seu soberano como sendo seus próprios atos, até mesmo quando vier a punir um súdito porque tentou conjugar forças ou resistência no sentido de tentar depor o soberano. Cada homem conferiu a soberania àquele que é portador de sua pessoa, portanto, se o depuserem estarão tirando-lhe o que é seu, o que também constituiu injustiça. Além do mais, se aquele que tentar depor seu soberano for morto, ou por ele castigado devida a essa tentativa, será o autor de seu próprio castigo, dado que por instituição, é autor de tudo quanto seu soberano fizer. (HOBBES, 1974, p.111) Portanto, é em decorrência da forma do pacto que Hobbes concebeu que os homens não podem desfazer o pacto e destituir o soberano. Porque o soberano, como já foi visto, é soberano não porque pactuou com cada um individualmente, mas são os indivíduos quem os fez soberano quando pactuaram entre si. Consequentemente os homens ficam impossibilitados de contrariar o pacto que deu origem ao Estado. Isto é, não podem transferir a soberania para outro através de pactos anteriores. Porque os pactos em si são extremamente fracos, sem poder para garantir um estado de paz e de segurança e, sobretudo, da permanência dos homens no Estado Civil. E, uma vez realizado o pacto, os homens perdem os seus poderes. Somente o soberano pode salvaguardar todos os seus direitos, o que podemos chamar de um poder absoluto. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 55 O PODER ABSOLUTO Com a constituição do Estado, há a necessidade de se ter um poder absoluto com o direto de usar todos os meios que lhe convier para garantir a paz e preservar a vida de todos, conforme é a finalidade para qual foi instituído o Estado. No entanto, a caracterização desta soberania absoluta não se dá pela soma das vontades, mas a unidade de todas estas, cabendo aos súditos somente a obediência. Diz Hobbes: Visto que o fim desta instrução é a paz e a defesa de todos, e visto que quem tem direito a um fim tem direito aos meios, constituiu direito de qualquer homem ou assembleia de homens detenha a soberania de ser juiz tanto dos meios para a paz e a defesa quanto de tudo o que possa perturbar ou dificultar estas últimas. (HOBBES, 1974, p 113) Outro argumento que Hobbes apresenta quanto à soberania absoluta é que o soberano está acima das leis, ou seja, é ele que faz as leis. Elas, além de serem regras que orientam no sentido de saber o que é justo ou injusto e a respeito do bem e do mal, sevem também para ordenar e obrigar aos súditos quanto á observância e ao cumprimento das mesmas. Disto segue-se que o soberano não fica obrigado ou limitado por ninguém em virtude da sujeição às leis. Como as leis emanam do soberano, o mesmo se encontra em plena liberdade, inclusive para fazer o que lhe aprouver no que diz respeito à paz e à segurança de todos os súditos. Diz ele: O soberano de um Estado, quer seja uma assembleia ou um só homem, não se encontra sujeito às leis civis. Dado que tem o poder de fazer e revogar as leis que o estorvam a e fazendo outras novas; por consequência já antes era livre. Porque é livre quem pode ser libre quando quiser. E a ninguém é possível estar obrigado perante si mesmo, pois quem pode obrigar pode libertar, portanto quem está obrigado apenas perante si mesmo não está obrigado ((HOBBES, 1974, p 166). No entanto, há de ficar dito, que o soberano jamais poderá infringir no direito de preservação da vida dos súditos, visto que os mesmos, tendo renunciado a todos os seus direitos no pacto, o fizeram em virtude da preservação do direito à vida. Sendo assim, quando for posta em perigo a vida ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 56 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE de um súdito por decisão do soberano, o mesmo tem liberdade suficiente para desobedecê-la. Pois, [...] se o soberano ordena a um homem – ainda assim que justamente condenado – que mate, fira ou mutile a si próprio, ou que não resista àquele que o ataca, ou que se abstenha de comer, de respirar, de tomar remédios ou de fazer outra coisa sem a qual poderia viver, esse homem tem a liberdade de desobedecer. (HOBBES Apud BOBBIO, 1991, p. 47) Contudo, esta forma de desobediência ao soberano (direito do súdito de preservação da vida, sendo este o direito primordial de todo homem) não implica na diminuição do poder ilimitado do soberano no sistema absoluto. Outro ponto fundamental para a sustentação desta soberania constitui-se no fato deste poder soberano também ser indivisível. Através do pacto, surge esta necessidade de um poder acima de todos, senão seria impossível a continuidade deste pacto. Surge a necessidade de um poder que seja irresistível, visível e que tenha também condições de castigar a violação do pacto. Um poder “todo-poderoso” no nível terrestre, que faria cumprir as leis formuladas pelo próprio homem. Um poder comum para transformar a multidão em Estado, visto que na multidão cada um é guiado pelos seus próprios critérios e internamente isto não estabeleceria a paz. Cito Hobbes: Portanto, apesar das leis de natureza, (...) se não for instituído um poder suficientemente grande para nossa própria segurança, cada um confiará, e poderá legitimamente confiar, apenas em sua própria força e capacidade, como proteção contra todos os outros (HOBBES, 1974, P.107). Com a constituição do Estado Civil, o único que permanece com toda a liberdade é o soberano, pois o mesmo não fez parte do pacto, ou seja, permaneceu como se estivesse no Estado de Natureza não tendo deveres a cumprir. Na constituição desta soberania se realiza uma unidade, não contendo nem minoria ou maioria, mas, sim, uma forma uma de decisão. O soberano simboliza este deus-mortal que teria o poder absoluto. Portanto, na fundamentação do Estado é conferida toda força (visto que todos têm força igual) a somente uma pessoa ou a uma assembleia de ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 57 homens, firmando assim um poder comum, uno. Transferindo toda a força a um terceiro, só resta aos súditos obediência para concretizar este pacto, pois, com mesmo, foi restringida toda a sua liberdade, todos os seus direitos (menos um, a direito de preservação). Uma vez realizado o pacto, o súdito perde todo seu poder. Somente o soberano, permanece com os seus direitos, ou seja, um poder absoluto, pois o mesmo tem o poder da espada e o poder da lei, constituindo, assim, um poder indivisível. “Desse modo, estão reunidos na mesma pessoa os três poderes de Estado tradicionais: poder executivo [...], poder judiciário e o poder legislativo” (BOBBIO, 1991, p. 53). E, assim, o caráter absoluto do soberano fica estabelecido. Este caráter absoluto do Estado hobbesiano, que é a tese fundamental de sua filosofia política, vai se confirmando a partir do Estado de Natureza, onde os homens tinham direito sem limites a todas as coisas, os homens restavam constantemente envolvidos em competições pela honra e pela dignidade, de tal maneira que poderia surgir, em decorrência de suas próprias paixões, a inveja e o ódio de uns para com os outros e, consequentemente, a autodestruição pela guerra entre si. Este poder, tal como Hobbes argumentou, se não fosse tão grande e irrevogável, ou seja, soberano e absoluto, não se constituiria efetivamente no Estado, como necessário à sobrevivência e a conservação humana. Porque, sem tal poder, os homens através de suas paixões tenderiam a lutar pelo que é propriamente seu, podendo voltar ao estado de guerra. Mas o Estado, assim instituído como poder absoluto, tem força suficiente para fazer leis no sentido de dirigir as ações de cada um, tendo em vista o bem comum, isto é, a paz e proteção de suas vidas. E, partindo do pressuposto de que um benefício comum só advém de uma união de todos na pessoa de um representante, o Estado hobbesiano traz estes aspectos fundamentais, visto que, quando o instituíram, todos ficaram unidos na pessoa do soberano, tornando-o capaz para dar garantia tanto à paz quanta à vida. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 58 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE CONSIDERAÇÕES FINAIS Pelos argumentos apresentados, considera-se que a soberania absoluta do estado hobbesiano, mostrada e argumentada neste artigo, foi o principal objetivo a ser alcançado. Todo este breve trabalho teve presente aspectos gerais e fundamentais da sua teoria política. A Arguição de Hobbes defende um Estado absoluto, um poder forte e uma vontade una. O soberano não compactua e possui todos os direitos, de forma ilimitada, a partir da realização de um pacto; os pactuantes, por sua vez, transferem seus direitos a ele, menos o direito à vida. Tem a garantia de realizar as regras do pacto sob a “força da espada”, expressão utilizada por Hobbes. A teoria hobbesiana se faz importante, pois, mesmo que partindo do pressuposto de um estado de natureza fabulado, nos leva à reflexão que somente no Estado Civil o homem pode, ainda que de forma imperfeita, buscar a paz e a segurança de sua vida, de seus bens e de sua família, visto que somente o Estado, as leis, na figura do soberano podem garantir que o homem se deixe governar por suas paixões e volte para guerra de todos contra todos. REFERÊNCIAS BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. Tradução de Sérgio Bath, 4ª dição. Ed. Universidade de Brasília, Brasília, 1985. BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Ed. Campos, Rio de Janeiro, 1991. HOBBES, Thomas. Leviatã. 1° edição. São Paulo. Abril Cultual, 1974. (Coleção Os Pensadores). MAGALHÃES. Fernando. 10 lições sobre Hobbes. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014 – (Coleção 10 lições). RIBEIRO, Renato Janine. A Marca do Leviatã: Linguagem e Poder em Hobbes. 2ª edição. Ed. Ateliê, São Paulo, 2003. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 59 A CRÍTICA HEIDEGGERIANA ÀS CIÊNCIAS POSITIVAS Katyana Martins Weyh UNIOESTE/Campus Toledo Orientador: Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens [email protected] RESUMO: O tema dessa pesquisa é o “fenômeno humano” na fenomenologia existencial de Martin Heidegger. Nesta pesquisa também vamos tratar da crítica do filósofo às ciências positivas quando se trata do humano. Essa investigação procura responder o problema: Como Heidegger analisa o “fenômeno humano” em sua filosofia existencial? E também: Quais são as críticas do filósofo às ciências naturais quando se ocupam do “fenômeno humano”? Assim, temos o objetivo de indicar como Heidegger analisa o “objeto” a partir de sua filosofia e definir os termos de sua fenomenologia existencial, mostrando suas principais críticas. Buscaremos validar a hipótese de que o filósofo se ocupa do “fenômeno humano” de forma diferente das ciências positivas, pois a fenomenologia existencial desse autor confronta os métodos que as ciências utilizam para abordar o humano. PALAVRAS-CHAVE: Heidegger. Fenômeno humano; Ciências positivas; Dasein; Martin Heidegger (1889-1976) é um filósofo alemão vinculado à fenomenologia contemporânea, área de pesquisa da filosofia que se preocupa com o estudo dos fenômenos. A fenomenologia heideggeriana, por sua vez, teve seu maior grau de repercussão a partir da publicação da obra Ser e tempo (1927), quando a pergunta pelo sentido do ser motivou o filósofo a analisar o “fenômeno humano”5 de forma completamente distinta da tradição históricofilosófica. Tento em vista que o que se deve colocar em questão é o sentido do ser, Heidegger indica uma condição que se faz necessária para constituir um ponto de partida ao acesso dessa questão e a isso chama de diferença ontológica. 5 Adotamos fenômeno humano entre aspas até aqui, pois Heidegger utiliza um termo específico para tratar de tal fenômeno, a saber: ser-aí. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 60 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE Faz-se necessário compreender que a diferença ontológica é uma proposta da analítica existencial6, onde Heidegger tem por objetivo distinguir os termos ente e ser-aí (Dasein), a fim de tornar compreensível que o ser-aí é um modo de ser de um ente privilegiado. Nas palavras do filósofo, o ser-aí “[...] não é apenas um ente que ocorre entre outros entes”, mas sim aquele que “se compreende em seu ser, isto é, sendo.” (HEIDEGGER, 2008, p. 38). Este “sendo” é o que caracteriza a especificidade do ser-aí frente aos demais entes, e o fato de existir no mundo como um ente que compreende ser é o que permite que o ser-aí possa perguntar pelo seu sentido. Ademais, ser-aí é um ente privilegiado porque, como afirma Casanova: “[...] o ser-aí é um ente que, sendo, já sempre se relaciona compreensivamente com o seu ser e que não pode deixar de se realizar a partir de uma das possibilidades de relação com o seu ser” (CASANOVA, 2013, p. 90). Para Heidegger, o ser-aí é um ente denominado como pura condição de possibilidade, capaz de compreender sua própria existência e que se mostra como ente sempre a partir de uma possibilidade que ele é, de modo que: “A essência é a possibilidade, não no sentido platônico duma possibilidade ideal ou duma verdade lógica universalmente válida, nem no sentido aristotélico da potencialidade, mas no sentido do ato de possibilitar ou dum poder-ser que traz o que é possibilitado” (HAAR, 1990, p. 157). Isso evidencia que o pensamento central do filósofo gira em torno da ideia de que o ser-aí não é um ente determinado, que possui traços característicos, embora a tradição metafísica o tenha compreendido dessa forma desde a antiguidade. Eis aqui um problema que marca o ponto central de uma das críticas mais enérgicas do nosso filósofo: a crítica a uma tradição metafísica que esqueceu o ser e passou a tratar o ser-aí como mera entidade. Isso significa dizer que ao longo de muito tempo o ser-aí foi pensado aos moldes de um naturalismo objetificante, baseado cada vez mais em um processo tecnológicocientífico, que tratava do fenômeno humano como um como sujeito, alma, consciência, e demais termos que remetem a proveniência da coisificação. Heidegger afirma, no parágrafo 10 de Ser e Tempo, que não é por capricho terminológico que tais termos são evitados ao se referir ao fenômeno 6 A analítica existencial descreve e analisa fenomenologicamente o ser-aí no mundo, ou seja, a analítica existencial constitui o ponto de partida e via de acesso à questão do ser. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 61 humano, mas sim porque estes termos designam apenas regiões de fenômenos que se colocam como indiferentes frente à necessidade de questionar o ser dos entes denominados. Seguindo essa perspectiva Heidegger vê a necessidade de apontar o erro cometido pelas ciências naturais e investe em uma filosofia fenomenológica capaz de mostrar que o ser-aí não é um ente hipostasiado, mas sim um modo de ser de um ente que compreende e interroga pelo seu sentido. Casanova ao se remeter ao conceito de ser-aí afirma: [...] ele não se mostra apenas como mais uma definição que irá incontornavelmente se juntar ao longo rol das definições cunhadas no interior da história do pensamento ocidental. Quase como se pudéssemos dizer: ser-aí é o conceito heideggeriando de homem. Não, não e mais uma vez não! O emprego do termo ser-aí indica no presente contexto uma transformação radical no modo mesmo de pensar o ser do homem. Antes de mais nada, é preciso ter em vista o fato de ser-aí não ser um termo cunhado por Heidegger a partir da pergunta: o que é o homem? O termo ser-aí inviabiliza desde o princípio a colocação de uma tal pergunta, na medida em que possui um modo de ser que o distingue fundamentalmente de todos os entes marcados pela presença de propriedades quididativas. (CASANOVA, 2013, p. 89) Heidegger não pergunta o que é o ser-aí, até porque a pergunta que mais lhe interessa e que rege toda sua filosofia é acerca do sentido do ser. Em vista disso não é correto afirmar que o filósofo trata do conceito de homem, muito pelo contrário. Conceito de homem é o que Heidegger quer combater com sua crítica, uma vez que homem é uma terminologia utilizada pelas ciências naturais, que determinam esse ente, que em sua definição tem apenas uma determinação: seu caráter de ser no mundo enquanto pura condição de possibilidade. Em vista disso, o filósofo propõe com a análise fenomenológica do ser-aí que a ontologia fundamental perceba os fenômenos como eles se mostram e aparecem, sem que haja a necessidade de uma ou várias explicações teóricas a seu respeito, assim, abrindo mão da necessidade de teorizar os fenômenos humanos como foi feito desde os gregos até os modernos. Embora pareça simples a forma de compreender o fenômeno humano proposto por Heidegger, de modo a tomar o ser-aí a partir de seu ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 62 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE caráter de pura possibilidade de ser-no-mundo, há uma demasiada dificuldade em pensar dessa forma na contemporaneidade. Isso acontece porque desde os primórdios da história da filosofia, se pensou o ser-aí como mera entidade, sem que fosse possível perceber quão importante é sua característica fundamental: o existir. Tão importante que “[...] a essência da pre-sença7 está em sua existência. As características que se podem extrair deste ente não são, portanto, simplesmente dadas de um ente simplesmente dado que possui esta ou aquela ‘configuração’. As características são sempre modos possíveis de ser e somente isso.” (HEIDEGGER, 2008, p. 78) Heidegger, então, se opôs ao fato de ter que utilizar da cientificidade para poder explicar o caráter específico do fenômeno humano e esse é o alvo de sua crítica, uma vez que o ser-aí não é um ente que possa ser determinado pela ciência, pois sua única determinação possível é o existir no mundo enquanto possibilidade de possibilidade. Assim, Heidegger concorda com seu mestre Husserl, a respeito do “erro” que cometeu a psicologia moderna ao determinar o fenômeno humano: De acordo com Husserl, a psicologia moderna perdeu de vista a essência dos fenômenos psíquicos, uma vez que considerou esses fenômenos a partir de uma naturalização primordial. A psicologia moderna, ao tentar escapar da concepção tradicional da psicologia como uma ciência da alma, tomou os fenômenos psíquicos como se eles fossem localizáveis espácio-temporalmente e investigáveis segundo as leis causais e os princípios responsáveis pela sua determinação específica. Agindo assim, ela não percebeu em que medida uma tal naturalização repousava sobre uma cegueira em relação à essência propriamente dita de tais fenômenos. (CASANOVA, 2013, p. 42) Fica claro, então, que o filósofo refuta o paradigma até então utilizado pelas ciências positivas, pois o fenômeno humano é mais do que mero haver, é mais do que ter um lugar e ocupar espaço no mundo, pois o existir pressupõe uma consciência dos entes e, sobretudo, do ente que nós mesmos somos, tanto quanto da nossa existência no mundo, com as demais variadas formas de entidades (HEIDEGGER, 2008). 7 Pre-sença é a tradução de Márcia Sá Cavalcanti para o termo Dasein. Neste texto optamos por traduzir Dasein por ser-aí. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 63 Só o ser-aí existe e apenas ele é capaz de perguntar pelo seu ser. Por isso, ser-aí, para Heidegger, é o ser que se revela na própria existência, de tal modo que ele afirma que todas as coisas são (nesse caso, as “coisas” se tratam dos próprios entes), contudo, essas “coisas” não tem o caráter específico da existência, logo é um erro, no ponto de vista heideggeriano, usar da cientificidade para se referir a um ente diferenciado, como é o caso do seraí. Levando em conta o projeto da ontologia fundamental proposto por Heidegger, é notório que houve motivos que o fizeram ter a necessidade de pensar o ser-aí de forma bastante específica, forma esta que se distancia drasticamente do modo como a modernidade e as ciências positivas compreender o homem. Leo Strauss acredita que a fenomenologia existencial de Heidegger se contrapõe ao positivismo que domina a intelectualidade moderna, pois “[...] o positivismo é o ponto de vista filosófico segundo o qual o único saber verdadeiro é o científico” (AINBINDER, 2008, p. 12; tradução nossa). Assim, Heidegger nos mostra que as ciências positivas analisam e explicam o fenômeno humano apenas em suas características ônticas, o que fez a tradição metafísica não dar o devido valor a importância da questão do ser. Além disso, o filosofo acertadamente faz uma diferenciação entre o que vem a ser sua ontologia fundamental e o que são as ciências positivas. Quando se refere à ontologia fundamental, Heidegger fala a respeito do questionamento pelo sentido do ser, enquanto que as ciências positivas falam sobre a investigação do ente. Sendo assim, remetemos a diferenciação já apontada em nosso texto, a respeito de ente e ser-aí, onde, nesse caso, o ente é relativo ao âmbito ôntico que se refere à investigação das ciências positivas e o ser-aí é relativo ao âmbito ontológico e referente à questão primordial do projeto heideggeriano: a pergunta pelo sentido do ser (HEIDEGGER, 2008). Contudo, Heidegger não teve a pretensão de negar o conhecimento das ciências positivas, no entanto, critica a forma como tais ciências bordam o humano, pois os cientistas tem um olhar voltado aos resultados objetivos de suas pesquisas e análises, o que dificulta e quase impossibilita que se atentem de fato para o ser do ente que investigam. Essas ciências que tematizam o homem, tais como a biologia, a psicologia, a antropologia, etc., não respondem ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 64 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE de forma precisa a questão do modo de ser do ente que nós mesmos somos e isso Heidegger deixa claro em Ser e tempo: A questão crítica, contudo, não pode parar por aqui. Está em questão todo o ser do homem, que se costuma apreender como unidade de corpo, alma e espírito. Corpo, alma, espírito podem designar por sua vez, regiões de fenômenos que se poderão distinguir tematicamente entre si, com vistas a investigações determinadas. Dentro de certos limites, a sua indeterminação ontológica pode ser desconsiderada. Quando, porém, se coloca a questão do ser do homem, não é possível calculá-lo como soma dos momentos de ser, como alma, corpo e espírito que, por sua vez, ainda devem ser determinados em seu ser. (HEIDEGGER, 2008, p. 84-85) É nesse sentido que Heidegger tem uma opinião crítica frente às ciências positivas, uma vez que ela lida com os entes apenas no domínio ôntico, deixando a desejar, por exemplo, quando aborda o fenômeno humano como um ente determinado positivamente. Ademais, a preocupação de Heidegger é com a forma como as ciências positivas analisam o ser-aí, tomando-o como um ente simplesmente presente, um ente determinado, assim, concebendo o fenômeno humano como se estivessem analisando um ente qualquer, passível de comprovação, experimentação e classificação. Portanto, Heidegger acredita que o erro das ciências positivas é considerar o homem como um ente qualquer, como algo simplesmente dado, como objeto verificável e alvo de experimentação científica. É nessa perspectiva que Heidegger propõe uma mudança na ontologia, através de sua analítica existencial, pois não concordava com a objetivação do ser do homem, como faz, por exemplo, a biologia que trata o ser-aí como ser vivo/vida, a antropologia que trata o ser-aí como homem e sua evolução, ou até mesmo a psicologia que trata o ser-aí como sujeito psíquico, analisando assim seus comportamentos e funções mentais. Heidegger está preocupado com a totalidade do ser-aí, onde o que deve ser levado em conta é a sua especificidade, que é a sua existência, e a sua característica essencial que é a possibilidade de ser-no-mundo. Todavia, há de se ter em mente que Heidegger embora critique as ciências positivas, não pretende superar a história da metafísica de forma a abandonar ou recusar os fatos antecedentes. Ele mesmo reconhece que “seria ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 65 um grande equívoco pensar que sempre poderíamos conformar a filosofia a partir de uma recusa completa da tradição histórica” (HEIDEGGER, 1987, p. 5). Assim, tendo em vista que Heidegger se preocupa e tenta dar um desdobramento diferente da tradição filosófica para a questão do esquecimento do ser, a pergunta pelo seu sentido deve ser feita. Com a analítica existencial, Heidegger busca esclarecer a questão que diz respeito à diferença ontológica, assim revelando um dos tópicos primordiais de sua filosofia, a saber: a especificidade do ser-aí. Dessa forma, é possível a caracterização do fenômeno humano com bases na sua fenomenologia existencial. Portanto, com este trabalho, descobrimos que Heidegger se propõe a compreender questões de grande importância para a história da filosofia, principalmente da ontologia e que, mais tarde, serviu muito de base para não apenas amparar a psicologia empírica quanto para criar uma psicologia clínica com bases fenomenológico-existenciais (HEIDEGGER, 2009). Além disso, essa pesquisa nos fez compreender como o filósofo denomina o fenômeno humano e sua singularidade, bem como entender que o ser-aí é um ente especial, que existe enquanto um ser de possibilidades. Em síntese, a principal meta deste trabalho foi compreender a existência como caráter necessário e imprescindível para a compreensão do ser-aí e investigar a caracterização deste ente especial no campo da fenomenologia, bem como mostrar a crítica de Heidegger às ciências positivas, por se ocuparem do fenômeno humano de modo radicalmente diverso de sua ontologia fundamental. Desse modo, nosso trabalho tentou mostrar que a fenomenologia existencial heideggeriana confronta, assim, os métodos com os quais as referidas ciências abordam o humano. Com isso, é notório que Heidegger se tornou um filósofo de destaque na área de ciências humanas, contribuindo em grande proporção para trabalhos posteriores, inclusive com teóricos renomados vinculados à psicologia e à psiquiatria. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 66 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE REFERÊNCIAS AINBINDER, B. Sobre Heidegger: Cinco voces judías. 1ª ed. Buenos Aires: Manantinal, 2008. CASANOVA, M. A. Compreender Heidegger. 4ª ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2013. HAAR, Michel. Heidegger e a essência do homem. Trad. Ana Cristina Alves. Lisboa: Instituto Piaget, 1990. HEIDEGGER, M. Introdução à Metafísica. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1987. HEIDEGGER, M. Que é metafisica? Tradução de Ernildo Stein – São Paulo: Abril Cultural, 1989b. (Os Pensadores). HEIDEGGER, M. Carta sobre o Humanismo. Tradução de Rubens Eduardo Frias – São Paulo: Centauro, 2005. HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Tradução de Márcia Sá Cavalcanti – Petrópolis: Vozes, 2008. HEIDEGGER, M. Seminários de Zollikon. Editado por Medard Boss. Tradução de Gabriela Arnhold e Maria de Fátima Almeida Prado. 2ª ed. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2009. KAHLMEYER-MERTENS, Roberto S. Filosofia primeira: estudos sobre Heidegger e outros autores. Rio de Janeiro: Papel Virtual, 2005. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 67 PLANO DE IMANÊNCIA EM GILLES DELEUZE E FÉLIX GUATTARI Leandro Nunes Unioeste - Unisep Dra. Ester Maria Dreher Heuser [email protected] RESUMO: Partimos da ideia de que a imanência absoluta afirmada por Deleuze e Guattari é o próprio caos e o plano de imanência o que possibilita pensá-lo. Conforme Deleuze e Guattari (1992), os planos de imanência são crivos no caos. Eles o cortam e permitem a locomoção do filósofo. Cortam mas não o separam. Em O que é a Filosofia? (1992) e Caosmose: um novo paradigma estético (1992), o plano de imanência é apresentado como o que torna possível desacerelar o caos. Desaceleração da caoticidade que não perde nada do infinito. Conforme os autores, o plano de imanência “é a onda única” que enrola e desenrola os acontecimentos; ele é um esboço traçado no próprio caos, horizonte absoluto criativo. Assim, conceituaremos que o plano de imanência é percorrido por infinitos movimentos que são lançados conforme a curvatura do próprio plano. Pois, são os movimentos tomados do infinito que permitem que o filósofo possa criar em meio ao caos. PALAVRAS-CHAVE: Plano de Imanência; Caos; Criação; Deleuze. Em O que é a filosofia? (1992), D&G8 afirmam que a imanência é composta por uma variação intensiva de corpos que se encaixam ao infinito. Variação que é responsável por toda criação possível no plano de imanência. Uma vez que, segundo tal variação, as combinações também se tornam infinitas. Posto isso, é possível afirmar que a imanência é um meio que flui e que faz fluir. Um meio que se move (em si mesmo) e que põe em movimento 8 Utilizaremos “D&G” como abreviação para Gilles Deleuze e Félix Guattari. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 68 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE aquilo que o habita. Trata-se de uma abertura que perpassa toda existência possível, seja ela efetiva ou virtual9. Ou nas palavras dos próprios autores: “[...] a imanência é um todo poderoso, não fragmentado, mesmo se permanece aberto: Uno-Todo ilimitado, Omnitudo que os compreende a todos num só e mesmo plano” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 51). Trata-se de uma unidade que abarca a totalidade das coisas; que não deixa possibilidade de existência para nada que não esteja contido nela mesma. Desse modo, para se pensar a criação, juntamente com D&G, torna-se necessário problematizar a relação entre imanência e plano de imanência. Pois, se a própria imanência é caracterizada pela caoticidade, por velocidades infinitas que lhe atravessam incessantemente, há de se perguntar sobre os meios que permitem o filósofo pensar na imanência. Sendo nesse sentido que D&G afirmam a necessidade de desaceleração das velocidades infinitas para que se possa pensar no caos. Sobretudo, para que se possa criar em meio à caoticidade. Já que é somente quando se desacelera as velocidades que se pode relacionar as determinações que se fazem e se desfazem insistentemente. Sendo que, é o plano de imanência traçado pelo próprio filósofo o responsável por tal desaceleração. Portanto, é função do filósofo adentrar na caoticidade erigindo um plano de imanência que a corte. Um plano que crive o caos e que lhe dê consistência. Isso para que a imanência possa ser pensada; para que a criação possa ser efetivada. Posto que a filosofia para D&G é um construtivismo, a criação na imanência passa necessariamente pela demarcação de um plano de imanência que possibilite pensar no caos; que possibilite pensar o que não pode ser pensado (a imanência), mas que, todavia, tem de ser pensado. Para D&G (1992), o caos caotiza e desfaz toda consistência ao infinito. Entretanto, isso não quer referir uma impossibilidade de haver determinação no Para Deleuze, “[...] a filosofia é a teoria das multiplicidades. Toda multiplicidade implica elementos atuais e elementos virtuais. Não há objeto puramente atual. Todo atual rodeia-se de uma névoa de imagens virtuais. Essa névoa eleva-se de circuitos coexistentes mais ou menos extensos, sobre os quais se distribuem e correm as imagens virtuais. É assim que uma partícula atual emite e absorve virtuais mais ou menos próximos, de diferentes ordens. Eles são ditos virtuais à medida que sua emissão e absorção, sua criação e destruição acontecem num tempo menor do que o mínimo de tempo contínuo pensável, e à medida que essa brevidade os mantém, consequentemente, sob um princípio de incerteza ou de indeterminação. Todo atual rodeia-se de círculos sempre renovados de virtualidades, cada um deles emitindo um outro, e todos rodeando e reagindo sobre o atual [...]” (DELEUZE, 1996, p. 3). 9 ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 69 caos. Pelo contrário, quer dizer somente que as determinações tão-somente aparecem na medida em que outras desaparecem, ad infinitum. No que concerne à filosofia, o problema refere-se estritamente a necessidade de “(...) adquirir uma consistência, sem perder o infinito no qual o pensamento mergulha (o caos, deste ponto de vista, tem uma existência tanto mental como física)” (DELEUZE, GUATTARI, 1992, p. 58). Trata-se de dar consistência ao caos sem estacionar as velocidades. Isto é, sem nada perder do infinito. O filósofo não deseja frear as velocidades para construir determinações; ao contrário, conforme D&G, ele deseja poder pensar e determinar sem perder potência. Sem perder nada das velocidades infinitas. Isso porque, não se trata de limitar as velocidades, mas de exponenciá-las, de dar-lhes potência. Se as determinações se fazem e desfazem incessantemente é unicamente porque o caos caotiza tudo com seus movimentos infinitos. Na medida em que o plano que o corta não cessa de mergulhar no caos. Isto é, dá-se consistência e mergulha-se novamente na caoticidade para logo se desfazer. Então, se algo não está sujeito a tal curvatura, não há a remota possibilidade de haver determinações que não estejam contidas dentro de um plano de imanência. Ou seja, não há consistência fora do plano, já que a pura imanência é a infinita caoticidade. Apenas o plano de imanência que a corta pode engendrar determinações. Assim, o plano traçado pelo filósofo constituise como pensamento e como natureza, na medida em que pensa o que não pode ser pensado e que engendra o que pode ser determinado. Sendo que há, por tal razão: [...] sempre muitos movimentos infinitos presos uns nos outros, dobrados uns nos outros, na medida em que o retorno de um relança um outro instantaneamente, de tal maneira que o plano de imanência não para de se tecer, gigantesco tear (DELEUZE, GUATTARI, 1992, p. 55). Destarte, é nesse viés que D&G (1992) afirmam que o plano de imanência deve ser entendido como pré-filosófico. Não como anterioridade temporal. Mas como pressuposto, como pré-entendido, pré-concebido. Sobretudo, como condição do pensamento, pois, as consistências somente se fazem no plano de imanência. Plano que se torna, por tal razão, condição para ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 70 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE o filósofo fazer filosofia na imanência. Isto é, em meio ao caos. Não obstante, se o plano de imanência é pré-filosófico, a imanência deve ser compreendida como sendo “[...] a potência de um Uno-Todo, como um deserto movente que os conceitos vêm a povoar” (DELEUZE, GUATTARI, 1992, p. 57). Ela é condição para a criação. Dessa maneira, é na esteira de D&G que podemos afirmar que a criação não advém e não pode advir de fora do plano de imanência, mas é imanente ao mesmo: “[...] operando um corte no caos, o plano de imanência faz apelo a uma criação [...]” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 59), uma vez que a ação do filósofo engendra um processo criativo, seja de conceitos, seja de modos de vida. D&G afirmam que os movimentos infinitos são indispensáveis para a criação, pois, é somente com eles que as determinações podem ser criadas. Sendo a própria curvatura do plano responsável por exponenciar as velocidades do caos: “[...] diversos movimentos do infinito são de tal maneira misturados uns com os outros que, longe de romper o Uno-Todo do plano de imanência, constituem sua curvatura variável” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 54). Cada movimento, ao percorrer a totalidade do plano de imanência, faz um retorno sobre si mesmo segundo a curvatura sempre variável do plano. Cada movimento se dobra em si mesmo ao mesmo tempo em que libera outros infinitos movimentos que engendram “[...] retroações, conexões, proliferações, na fractalização desta infinidade infinitamente redobrada” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 54). Dobra que pode ser entendida como as ondas do mar que avançam e se dobram e desdobram incessantemente. Ondas que mudam as suas determinações, as suas formas, em cada uma das dobras, em cada uma das vezes em que o mar é dobrado – entendendo a imanência como o mar e as ondas como as dobras que avançam as praias de imanência na medida em que se fazem e desfazem constantemente. Não obstante, é preciso demarcar que quando D&G afirmam que o plano de imanência funciona como um corte no caos, isso não significa, de modo algum, que se separa o plano e a imanência que é cortada. É como os autores afirmam: o plano é um crivo no caos. Isto é, ele seleciona o que cabe de direito ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 71 ao pensamento. É o plano que possibilita a criação de conceitos, de modos de vida. Todavia, é preciso delinear que o plano mesmo não “[...] é um conceito, nem o conceito de todos os conceitos” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 47). Os autores concebem o plano de imanência como aquilo que envolve os movimentos do caos. Sendo que a sua curvatura tem por função acelerar e desacelerar as velocidades do infinito. É nesse sentido que o plano não perde nada do infinito em que o pensamento mergulha, pois é exatamente isso o que define os movimentos do infinito: “[...] é uma ida e volta, porque ele não vai na direção de uma destinação sem já retornar sobre si, a agulha sendo também o pólo” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 53). Contudo, o movimento do infinito não indica coordenadas espaçotemoporais, de modo que não há pontos fixos que indiquem as posições sucessivas daquilo que se move, pois, orientar o pensamento não significa fixar pontos de referência objetivos, nem mesmo fixar um ponto móvel “[...] que se experimentasse como sujeito e que, por isso, desejaria o infinito ou teria necessidade dele” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 53). O movimento toma tudo para si. Não há pontos, só velocidades e lentidões. O próprio horizonte se move. É desse modo que o plano de imanência torna-se o meio pelo qual as coisas fluem. O plano envolve movimentos infinitos que o percorrem e retornam [...] De Epicuro a Spinoza (o prodigioso livro V), de Spinoza a Michaux, o problema do pensamento e a velocidade infinita, mas esta precisa de um meio que se mova em si mesmo infinitamente, o plano, o vazio, o horizonte (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 50). O plano de imanência é o horizonte “(...) dos acontecimentos, o reservatório ou a reserva de acontecimentos puramente conceituais” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 51). O plano é horizonte absoluto por independer do observador. Ele é um deserto em que os conceitos povoam sem partilhar, pois ele mesmo não é um conceito. O plano de imanência é a imagem do pensamento que orienta o pensar sem fixar “farol”. Nesse sentido, o movimento infinito é duplo: ele é a imagem do pensamento e também matéria pela qual o ser se consitui. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 72 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE Quando salta o pensamento de Tales, é como água que o pensamento retorna. Quando o pensamento de Heráclito se faz polémos, é o fogo que retorna sobre ele. É uma mesma velocidade de um lado e do outro: "o átomo vai tão rápido quanto o pensamento". O plano de imanência tem duas faces, como Pensamento e como Natureza, como Physis e como Nous (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 53). É nesse sentido que se afirma que há muitos movimentos engendrados no plano. Pois, como referido, eles dobram-se uns nos outros e relançam outros infinitos movimentos. São esses movimentos que fazem com que o plano não pare de se tecer. É a diversidade de movimentos do infinito que constitui a curvatura sempre variável do plano, essa é a sua natureza sempre fractal. É também a fractalidade do plano que o torna infinito e diferente de toda determinação que se faça nele. Parafraseando Guattari (1992), afirmamos que a função do filósofo é adentrar na caoticidade dobrando-a para fazer coexistir as potências do caos com as mais altas complexidades. Pois, é conforme a “[...] velocidade infinita que as multiplicidades [...] se diferenciam em compleições ontologicamente heterogêneas e se caotizam abolindo sua diversidade figural e homogeneizando-se no interior de um mesmo ser-não-ser” (GUATTARI, 1992, p. 140-141). É nesse sentido que podemos afirmar que os seres não cessam de mergulhar no caos e perder suas determinações. Isso para ressurgir com novas determinações, novas configurações, ad infinitum. É também desse modo que os autores afirmam que o plano de imanência deve cortar o caos, sem nada perder de suas velocidades. Isto é, o corte no caos não é uma determinação absoluta, ao contrário, trata-se somente de uma desacelaração das velocidades para que se possa pensar, pois, quando apenas as desacelera, não se perde os movimentos infinitos, apenas varia-se entre lentidões e velocidades. Oscila-se assim entre, por um lado, um mundo finito em velocidades desaceleradas, em que um limite se esboça sempre por trás de um limite, uma coação por detrás de uma coação, um sistema de coordenada por detrás de outro sistema de coordenada, sem que se chegue jamais a tangente última ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 73 de um ser-matéria que escapa por toda parte e, por outro lado, Universo de velocidade infinita em que o ser não se recusa mais, em que ele se dá em suas diferenças intrínsecas, em suas qualidades heterogenéticas (GUATTARI, 1992, p. 141). Desse modo, a imanência, bem como o plano que a corta, estão sempre num cruzamento entre o infinito e o finito; entre o caos e a complexidade, pois não se separa o infinito do finito. Sendo nessa acepção que os autores afirmam que o caos sempre caotiza. Isto é, o plano de imanência seleciona finitudes (determinações) do infinito sem abdicar dos movimentos infinitos. Movimentos que desfazem o que havia sido determinado na medida em que lançam outras determinações. Já que, como afirmado, uma determinação não surge sem que outra se apague. O plano de imanência envolve o caos ao mesmo tempo em que o complexifica. Todavia, como exposto, isso não significa que o caos perde suas velocidades quando crivado. Trata-se somente de uma redução momentânea da velocidade: “[...] o movimento de virtualidade infinita das compleições incorporais traz em si a manifestação possível de todas as composições e de todos os agenciamentos enunciativos atualizáveis na finitude” (GUATTARI, 1992, p. 142-143). Isto é, o caos é cortado pelo plano e ressurge novamente nos estados de coisas. Nos corpos que se compõem. Isso porque o plano não para de se tecer, de mergulhar no caos para se fazer, desfazer e refazer, infinitamente. Badiou (1996), no entanto, quando comenta sobre a função da filosofia determinada por Deleuze e Guattari em O que é a Filosofia? – traçar um plano de imanência, inventar personagens conceituais e criar conceitos – adverte sobre os perigos da imanência. Ainda que seja função da filosofia traçar um plano de imanência e mergulhar no caos constantemente para não perder as velocidades infinitas da caoticidade, esse mergulho constante traz consigo o perigo da transcendência: A filosofia emerge sob o duplo perigo da absorção do caos, e do esquecimento do caos na produção prematura de transcendência. A filosofia, como tensão subjetiva, é só aparentemente definida de modo puramente positivo (criação de conceitos). Ela está mais profundamente sob um comando negativo: resistir à tentação inelutável da transcendência, ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 74 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE suportar a proximidade do caos, atravessar vitoriosamente o Aqueronte (BADIOU, 1996, p. 69). Trata-se aqui de conseguir tomar um infinito de entidades que se fazem e desfazem em um processo contínuo e sem fim, sem se dar à transcendência: a imanência absoluta é cortada pelo plano; este, por sua vez, toma para si a infinidade sempre enriquecível dos processos criadores; e isso acontece pelo mergulho constante no caos. Entretanto, é preciso evitar, de todo modo, as ilusões da transcendência em todos os mergulhos que se sucedem. Trata-se de uma tensão para apreender a potencialidade criativa do caos na raiz da finitude sensível – sem recair nos erros e ilusões do transcendente. Ou seja, antes que este se perca novamente no caos: “[...] a potencialidade de evento-advento de velocidades limitadas no centro das velocidades infinitas constitui estas últimas em intensidades criadoras” (GUATTARI, 1992, p. 142-143). Para Guattari (1992), a criação refere-se à capacidade de redução das velocidades do infinito pelo plano de imanência que apreende a potencialidade do caos. Assim, o filósofo exclusivamente pensa o caos na medida em que não o desacelera; é nesse viés que “[...] tanto o plano como o caos são imanentes: não se separa aquilo que foi cortado do que se cortou, apenas se cria uma desaceleração nas correntes de intensidades” (GELAMO, 2008, p. 133). Não obstante, no que concerne ao plano de imanência, é forçoso afirmar haver mais de um plano; uma vez que nenhum plano seria capaz de abarcar a totalidade do caos. Visto que cada plano é um corte específico da coaticidade, há tantos planos quanto há filosofias. Essa variedade de planos apresenta-se em toda a história e tradição do pensamento filosófico. Todavia, todo plano de imanência é traçado pretensamente com a intenção de determinar o que é próprio do pensamento, sendo esta intencionalidade inerente a cada plano. O que faz com que todos os planos sejam, segundo D&G (1992), folhados e esburacados. Isto é, quase todo plano de imanência traçado na história da filosofia é envolto por uma névoa de obscuridade que possui brechas que introduzem erros, ilusões e ambiguidades aos mesmos. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 75 O que muda de um plano de imanência a um outro, quando muda a repartição do que cabe de direito ao pensamento, não são somente os traços positivos ou negativos, mas os traços ambíguos, que se tornam eventualmente cada vez mais numerosos, e que não se contentam mais em dobrar segundo uma oposição vetorial de movimentos (DELEUZE, GUATTARI, 1992, p. 72). Em síntese, podemos afirmar que todo plano de imanência pretende determinar o que é próprio do pensamento. Ou, em outras palavras, o que o pensamento pensa. Assim, pode-se afirmar, com D&G, que a filosofia não é história como superação de sistemas, mas um devir10, como um infinito movimento na forma de coexistência de planos, geologia filosófica. Em Deleuze pensa-se uma geofilosofia, pois, para ele, é preciso que deixemos o tempo histórico de lado em nome de um tempo que se volte aos estratos, à coexistência de planos de imanência. REFERÊNCIAS BADIOU, Alain. Deleuze em Quatro Tópicos. In. Cadernos de Subjetividade: Gilles Deleuze. São Paulo: jun. 1996, p. 69-70. DELEUZE, Gilles. Praias de imanência. Texto inédito, traduzido por Éric Alliez. Folha de São Paulo, caderno MAIS, p. 13, 03/12/1995. _______. A Imanência uma Vida. In. Educação e Realidade : Gilles Deleuze. V. 27, n. 2, jul/dez, 2002b. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a Filosofia? Tradução Bento Prado Jr e Alberto Alonso Muñoz . Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. GELAMO, Rodrigo Pelloso. A Imanência como “Lugar” do Ensino de Filosofia. In. Educação e Pesquisa, v. 34, n. 1, São Paulo, jan/abr, 2008, p. 127-137. GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo: Ed. 34, 1992. Segundo Vasconcellos, “[...][em] Deleuze [...] [podemos dizer] que o devir é o próprio movimento de constituição de desapareção das singularidades, a emergência do mundo em toda a sua multiplicidade. Isso significa que o devir é sempre o que está entre dois, isto é, entre dois termos, entre dois pontos: a abelha e a orquídia, Acab e a baleia, eu e minha infância; nesse sentido, não é a operação de substituição de um termo por outro ou a transformação de um em outro, por imitação, semelhança ou identificação. Entre um termo e outro, entre um e outro, cria-se uma zona de indiscirnibilidade, de vizinhança, [...] um devir é sempre um deviroutro em Deleuze” (VASCONCELLOS, 2005, p. 152-153). 10 ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 76 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE UMA INTRODUÇÃO AO CONCEITO DE PODER EM HANNAH ARENDT E SUA DISTINÇÃO DE VIOLÊNCIA Leandro Mateus Fernandes Unioeste Tarcílio Ciotta (orientador) [email protected] RESUMO: O trabalho aborda a concepção da noção de poder em Hannah Arendt e como ao decorrer da história seu significado se confunde e transforma-se na legitimidade do uso da violência. Ao recorrer a Polis grega e a Civitas romana, Arendt afirma a existência do poder como manifestação do povo unido, que só ocorre no espaço público, no qual os homens são iguais e livres. Somente com a interpretação da tradição filosófica sobre o poder é que este se torna dominação do homem pelo homem e a violência ganha viés de poder. Não importa como se cumpra uma ordem desde que a cumpra. Deste momento em diante os governos passam a se estruturar no poder como violência e o sentido histórico de poder como Polis e Civitas desaparece das relações políticas. PALAVRAS-CHAVE: Poder; Violência; Polis; Civitas. INTRODUÇÃO Na obra11 de Arendt Que é Autoridade? (ARENDT, 2007, p. 211), o poder é um conceito estrutural e importante para compreender a sua diferença política com o conceito de violência. O poder na concepção arendtiana é o responsável pela manutenção da existência da esfera pública, como o espaço potencial da aparência entre homens que falam e agem com liberdade e com igualdade. O poder da tradição filosófica moderna e hodiernamente, entretanto, é confundido com a relação de “mando-obediência”, transportando-o para o 11 As referências às obras de Hannah Arendt serão utilizadas aqui pela abreviação, como seguem: ACH: A Condição Humana. (2010; A), DV: Da Violência. (2010; B), OT: Origens do Totalitarismo. (1989), QA: Que é Autoridade? (2007), SR: Sobre a Revolução. (1963), seguidas sempre pela paginação. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 77 cumprimento de uma função ou de uma ordem pela violência e não pelo livre consentir. Ao voltar seu olhar para a tradição filosófica, Arendt percebe que o poder se iguala ao domínio e que existe outra tradição que serve de fio condutor para sua teoria política, que estrutura o poder como não dominação do outro, esta tradição é concebida como a Polis grega e a Civitas romana. A NOÇÃO DE PODER CRIADA PELA TRADIÇÃO E PELA POLÍS GREGA E CIVITAS ROMANA A retomada de uma tradição da filosofia política que entende violência como manifestação do poder e que define as formas de governo como formas de domínio do homem sobre o homem é feita na obra Da Violência12, na qual Arendt analisa que segundo a tradição filosófica o poder é um instrumento de domínio e que este se deve ao instinto de dominação do homem. Neste sentido tradicional, mandar e ser obedecido são a essência do poder e com isso não é necessário qualquer outro atributo para que ele exista, esta é a assertiva da tradição sobre o poder, pois, Sartre disse sobre a violência quando lemos em Jouvenel que ‘um homem se sente mais homem quando está se impondo e fazendo dos outros instrumentos de sua vontade’, o que lhe dá ‘incomparável prazer’. ‘O poder’ disse Voltaire, consiste em fazer os outros agirem como eu quiser’, está presente sempre que eu tenha a chance de ‘afirmar minha própria vontade contra a resistência dos outros’, disse Max Weber, lembrandonos da definição de Clausewitz de guerra como ‘um ato de violência para compelir o oponente a proceder como desejamos’ (ARENDT, 2010, p. 117; B). Arendt volta à tradição para analisar e mostrar que o poder era, por meio de muitos pensadores, entendido como dominação do homem pelo homem, elucidando que não importam os meios das ações, mas o resultado obtido com o poder sobre o outro, sempre favorecendo quem estava em posição de superioridade sobre o outro, seja no campo social ou econômico e até mesmo teórico-racional. Contra essa tradição ela afirmou que o poder não se constituía como consentimento, mas se constituía como violência; Arendt citando a 12 Maiores detalhes sobre o conceito de poder e violência e sua relação ver Da Violência. In: Crises da república, 2010, p. 91-169. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 78 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE afirmação de Passerin d’Entreves afirma que “[...] se a essência do poder está na eficiência da ordem então não há maior poder do que aquele que nasce do ‘cano de um fuzil’ e que seria difícil dizer de que modo a ordem dada por um policial é diferente da dada por um pistoleiro” (ARENDT, 2010, p. 117; B). A autora faz objeções à falta de distinção crítica de toda essa tradição que confunde poder com violência e propõe uma retomada analítica e histórica para refletir sobre outra forma de ver, pensar e fazer política. Questiona ainda se é mesmo certo relacionar o poder político com a “organização da violência”. Um dos fatores determinantes para a estruturação do conceito de poder político como relação de mando-obediência e a dominação do homem, foi a instituição da soberania, ao definir o poder como poder absoluto, que emerge juntamente com o “Estado-nação”, ou seja, o Estado europeu soberano, fundamentado teoricamente por “Jean Bodin, na França do século XVI”, e “Thomas Hobbes, na Inglaterra do século XVII”. Dessas concepções também surge legitimidade para a compreensão do poder como domínio. Arendt ainda faz duras críticas ao que ela chama de, talvez, a pior de todas as formas de governo de domínio, o governo de ninguém que se estabelece pela burocratização dos sistemas e nenhum homem pode ser culpado e responsabilizado, como nos governos totalitários. A outra forma, entretanto, de compreensão do poder político, que se opõe à visão tradicional, é a restaurada da Polis grega, que consiste na política e no poder como princípio de igualdade, de estar entre iguais, sem coerção, sem persuasão e sem violência. Porém, esta tradição é elevada e melhorada pelos romanos que encontram na Civitas, na cidade romana, uma forma de política que tem autoridade, sem uso da força ou da violência. Na tradição greco-romana, Polís e Civitas, tanto o poder como a lei não têm sua essência na relação de mando-obediência. O poder não é entendido como dominação do homem pelo próprio homem e a lei não carrega consigo o poder ditatorial da ordem. O poder é caracterizado na tradição romana como emanação do povo unido, ou seja, o poder deriva da união de muitos, como ocorria na Polis. Para Arendt o poder é o baluarte e a preservação da existência da esfera pública. Para Fry: ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 79 Arendt enfatiza a ineficácia da violência para obter fins políticos ao afirmar que ‘a prática da violência, como toda ação3, muda o mundo, mas a mudança mais provável é rumo a um mundo mais violento’ (Apud ARENDT, 1989, p. 177). Ela observa que é tentador pensar o poder em termos de ordenar outros a obedecer, mas ela remonta o conceito de "poder" às ideias gregas e romanas de poder, que não caracterizam o poder como um relacionamento de mando-obediência. (FRY, 2010, p. 98; C) O poder, moderna e hodiernamente, nesta concepção da tradição romana, poderia ser ressignificado como o povo que cede por algum tempo apoio aos governos, às instituições de um Estado. O povo cede poder às instituições de um país, mas esse apoio é a continuação do consentimento que deu origem às suas leis, ele precisa de legitimidade no sentido de consentimento e de apoio, como era entendido na Civitas romana, pois os romanos antigos criaram, [...] uma forma de governo, uma república, onde a regra de Direito, repousando no poder do povo poria um fim ao domínio do homem sobre o homem, que em sua opinião tratava-se de um “governo próprio para escravos”. Também eles, infelizmente, falavam ainda de obediência – obediência a leis e não a homens; mas o que realmente queriam dizer era apoio às normas legais às quais haviam os cidadãos dado o seu consentimento (ARENDT, 2010, p. 120; B). Não existe nenhuma instituição política que não seja derivada do poder concedido pelo povo, todas as instituições políticas são manifestações de poder, portanto elas declinam quando o povo deixa de manifestar apoio ou consentimento. Isso é verdadeiro para qualquer forma de governo, desde os gregos antigos. O poder é um fim em si mesmo, e por isso não precisa de meios para sua justificação, mas da legitimação que se traduz no apoio que o povo dá às instituições de um país. Diz Hannah Arendt: O único fator material indispensável para a geração do poder é a convivência entre os homens. Estes só retêm poder quando vivem tão próximos uns aos outros que as potencialidades da ação estão sempre presentes; e, portanto, a fundação de cidades que, como as cidades-estados, converteram-se em paradigmas para toda a organização política, ocidental, foi na verdade a condição prévia material mais importante do poder. O que mantém unidas as pessoas depois que passa o ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 80 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE momento fugaz da ação (aquilo que hoje chamamos organização) e o que elas, por sua vez, mantém vivo ao permanecerem unidas é o poder. Todo aquele que, por algum motivo, se isola e não participa dessa convivência, renuncia ao poder e se torna impotente, por maior que seja a sua força e por mais válidas que sejam suas razões (ARENDT, 2010, p. 213; B). O poder só existe na união do povo, por essa razão, não se pode usar o conceito de poder para um indivíduo isolado, ou sozinho. O poder se constitui pela conservação da união, do estar juntos. É a capacidade humana, indispensável do fazer política, a capacidade da ação em conjunto, transformando vários “eus” em um nós, com reconhecimento da obediência vivida pelos gregos da Polis e os romanos da Civitas. O poder mantém a união das pessoas e depois de passado este momento, cada um retorna para sua casa e não há mais poder. Por ser essência da capacidade humana de agir entre si e depender da relação entre os homens, o poder tem um caráter de potencialidade. De acordo com Leo J. “[...] para Arendt, o poder não é poder sobre os outros, mas poder que surge com os outros, o que ele descreve como poder relacional, em contraste com o poder unilateral” (Apud PENTA, 1996, p. 219). Por esses fatos, Arendt mostra que o poder é indispensável e baluarte de toda forma de governo e não há governo político verdadeiro que não reconheça este poder no povo, porém sabe-se que existem governos que confundem poder com violência e esta não é baluarte e nem a essência da política. Sendo assim, o poder é ilimitado porque deriva da ação e da pluralidade dos homens, pode ser dividido sem reduzir-se, diferente da violência. O que comumente destrói as comunidades políticas é a perda do poder e o aumento da violência. A DISTINÇÃO ENTRE PODER E VIOLÊNCIA Arendt associa a não distinção nos governos modernos entre violência e poder, muitas vezes, tratados como iguais, pela incorporação da violência como poder e, assim, torna-se difícil fazer uma diferenciação pelo viés da ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 81 ordem e obediência e este motivo traz a equalização de ambos os termos na esfera política do poder. Na sua forma extrema violência se traduz em “um contra todos”, mas isso não é possível sem o auxílio de instrumentos, ao contrário do poder, e assim ela não está na essência de todo o governo, por isso precisa de justificação, sendo a violência incapaz de gerar o poder. Esta forma de conceber ou entender o poder como instrumento para que seja cumprida uma ordem, ou ainda com o intuito de mantê-la, é derivada da tradição e não deve ser o modelo a ser seguido pelos governos. Nessa forma de governo moderno, a violência é usada como instrumento para salvaguardar a estrutura do poder intata. Ao se analisar o governo dos dias atuais, tem-se a impressão de que não há como desvincular violência de poder e que aquela é a forma de manutenção do poder. Esta visão tradicional da violência como poder contraria a verdadeira essência da ação política. Desse modo, [...] diferentemente da ação política, a violência é muda, silencia a troca de opiniões e é usada como meio para obter determinados fins (...). Enquanto a violência é, a miúdo, usada por governos a fim de alcançar à força determinadas metas, Arendt acredita que em fim de contas, a violência é bastante ineficaz como instrumento político para a manutenção de um poder soberano, porque os meios podem sobrepujar totalmente o fim (FRY, 2010, p.98; C). O uso da violência, para manutenção das metas, seja qual for, é sumamente perigosa, pois como a ação está no campo da imprevisibilidade nada garante o sucesso de tais ações. E por mais que no governo decline ou perca o poder, não se compensará ou reconquistará pelo uso da violência com este propósito. A perda do poder e da autoridade em todas as grandes potências é claramente visível, mesmo estando acompanhada por um imenso acúmulo de meios de violência nas mãos do governo; mas o aumento de armamentos não pode compensar a perda de poder (ARENDT, 2010, p. 177; B). Para Arendt, a história mostra, por meio das revoluções, que no embate de violência por violência o governo ganha, mas sempre enquanto a estrutura ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 82 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE do poder estiver intacta, ou seja, que as ordens do governo sejam obedecidas e que este tenha a seu lado o exército e a polícia. Quando o poder se romper, o apoio do povo desmoronar, o governo sempre correrá o risco de se perder. Quando o governo se desintegra (ARENDT, 2010, p. 126; B) muda de mãos o poder das armas. Quando o poder se esvai, as ordens começam a ser questionadas e desobedecidas, os meios de violência são colocados à prova e os mesmos se mostram inertes, pois a obediência é relacional, baseia-se no consentimento, no acordo, e pela quantidade de pessoas que consegue dela participar. Tudo depende do poder que está por trás da violência. A obediência civil nada mais é do que o apoio e o consentimento livres. De nada adianta um governo dar ordens se as armas que obrigariam o povo a obedecer estiverem nas mãos do exército e da polícia e estes não mais se dispuserem a obedecêlo e se colocarem do outro lado, já que [...] a violência, é necessário lembrar, não depende de números ou de opiniões, mas sim de formas de implementação, e as formas de implementação da violência, conforme mencionei mais acima, como todos os demais instrumentos, aumentam e multiplicam a força humana. Aqueles que se opõem à violência com o mero poder, cedo descobrirão que se confrontam não com homens, mas sim por artefatos fabricados pelo homem, cuja desumanidade e força de destruição aumentam em proporção à distância a separar os inimigos. A violência sempre é dada destruir o poder; do cano de uma arma desponta o domínio mais eficaz, que resulta na mais perfeita e imediata obediência. O que jamais poderá florescer da violência é o poder (ARENDT, 2010, p. 130; B). Por estes motivos torna-se lógico afirmar que nenhum governo existe exclusivamente pelo uso da violência. Até mesmo os governos totalitários têm a polícia secreta e os seus informantes que consentem livremente poder ao governo. Embora a violência tenha o pretexto de gerar poder, ela não é de forma alguma politicamente tão eficaz quanto o poder real, que é alcançado mediante a liberdade. Arendt observa que um governo baseado unicamente na violência não pode existir, porque todos os governos precisam de uma base de apoio de crentes para agir (FRY, 2010, p. 99; C). ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 83 Em Da violência, Arendt retoma o conceito da ação para alertar que tanto a violência como o poder não são fenômenos naturais nem manifestações do pré-político, privado. A violência e o poder só existem no domínio político, garantida pela capacidade da ação. O comportamento animal pode ser previsível, mas não a ação, pois segundo a autora (ARENDT, 1963, p. 177), sobre o uso da violência como meio para se conseguir fins políticos, esta prática violenta pode mudar o mundo, como todo o agir humano. Contudo, advém desta prática um mundo muito mais violento, como o que é visto atualmente no Iraque, país que foi “pacificado” pelo uso da violência armada, o que gerou ainda mais violência. Isso porque a maioria do povo iraquiano não consentiu o poder aos Estados Unidos para intervir no país. Surge agora o Estado Islâmico extremista que devolve a violência praticada pelos Estados Unidos, com a invasão do Iraque, pois os “estado-unidenses” capturados são decapitados, ou seja, da violência será gerada sempre mais violência e onde o poder deixar de existir a violência se erguerá sempre como a base de todo o regime político. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após esta breve exposição sobre o conceito de poder e sua distinção em Hannah Arendt, percebe-se que o poder historicamente inicia-se na Polis grega e Civita romana e sua função era a de garantir, consentir governabilidade para a comunidade política. O poder era a manifestação do povo unido que deliberava nas ações da esfera pública, não havia poder diferente ou superior entre as pessoas. Sua essência era garantir a liberdade e a igualdade no espaço público. É com a tradição do pensamento filosófico que o poder se confunde com violência, e o poder passa justamente a negar sua história conceitual e agora é entendido como a dominação do homem pelo homem. Poder significa fazer com que o outro cumpra com as vontades e se submeta a quem estiver numa hierarquia de posição social, financeira, intelectual e caso este reconhecimento de submissão e de ser dominado pelo outro não se manifeste, o poder aparece como violência, usa de meios, de instrumentos, da dor física e emocional para garantir que os fins sejam garantidos. Esta forma de poder alicerçado na ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 84 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE violência chega ao ponto máximo com a efetivação dos regimes totalitários que usam da própria violência para garantir a governabilidade política. Pelos argumentos expostos sobre a relação poder e violência o que se torna relevante ainda hoje é perceber, como enfatiza Arendt na sua obra Da Violência, que onde o poder sucumbir o governo só passa a existir pela manutenção da violência. Quando o governo não tem mais o consentimento do povo, o povo não mais empresta apoio ao governo, esse passa a usar da violência para garantir sua governabilidade. Caso explícito para o entendimento desta estrutura é e foi o governo do Estado do Paraná na pessoa do Carlos Alberto Richa (PSDB) que no dia 29/04/2015 massacrou professores na cidade de Curitiba, personificando o poder como violência na ação criminosa dos policias militares que usando de bombas de lacrimogênios, de efeito moral e de balas de borracha, machucaram cruelmente quase quatrocentas pessoas, para que seu desejo de aprovação de um projeto, rejeitado pelos professores e servidores públicos, fosse solidificado. A aplicação conceitual de poder e violência de Arendt nesse caso faznos entender o quão sua reflexão política é atual e está ao nosso redor, pois muitos governos políticos se sustentam com o uso da força, da violência e não com o poder entendido aos modos arendtianos, como o poder do povo unido que consente e empresta representação para o governo da liberdade e da igualdade, nunca da violência e da dominação. REFERÊNCIAS ARENDT, Hannah. A condição humana. 11. Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010, A. ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. ARENDT, Hannah. Da violência. In: Crises da república. São Paulo: Perspectiva, 2010, p. 91-169, B. ARENDT, Hannah. Que é autoridade? In: Entre o passado e o futuro. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 127-187. ARENDT, Hannah. Sobre a revolução. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1963. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio FRY, Karin A. Compreender Hannah Arendt; tradução de Paulo Ferreira Valério. Petrópolis, RJ: Vozes; 2010, C. OLIVEIRA, Luciano. 10 lições sobre Hannah Arendt: a trilogia da ação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. PENTA, Leo J. Hannah Arendt: On Power. The Journal of Speculative Philosophy, 10 (3), 1996, p. 219. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 85 86 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE A VERDADE PENSADA COMO SÍNTESE ORIGINÁRIA Luana Borges Giacomini Unioeste Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens (orientador) ([email protected]) RESUMO: A noção de verdade em Heidegger é o tema do presente trabalho. Procuraremos investigar como se dá a compreensão de verdade originária no pensamento do referido filósofo. Com vistas à obra Ser e tempo (1927), podemos indicar que a verdade, tal como originariamente compreendida pelo autor, diz respeito a uma estrutura primária na relação do ser-aí (Dasein) com o mundo que o circunda. Podemos dizer que tal estrutura primária é, assim, anterior a qualquer relação do ser-aí com o mundo, justamente por ser a própria possibilidade de tal. Pelo fato de a metafísica tradicional não ter tematizado satisfatoriamente a ligação ontológica entre o caráter de poder-ser do ser-aí e a verdade, Heidegger procura fundamentar a verdade no âmbito existencial. Deve-se, assim, ressaltar que a verdade pensada como síntese originária, não é uma síntese entre dois entes: o ser-aí de um lado e o mundo de outro, pois, diz respeito à própria possibilidade do nexo entre ambos. PALAVRAS-CHAVE: Compreensão; Verdade; Desvelamento; Ser-aí. O tema da verdade, por estar de algum modo implicado à noção de ser, provoca um fecundo e crucial diálogo da ontologia fundamental de Heidegger com a tradição metafísica. A questão primordialmente heideggeriana é a do sentido de ser. Esta investigação é possível somente ao ente privilegiado que é o ser-aí. É devido à pré-compreensão de ser, que este ente pode compreender o sentido de ser e se perguntar pelo mesmo (além de indagar sobre outros pontos que deste derivam, como por exemplo: o conceito de verdade). Tal ente privilegiado é figura central na recolocação da pergunta pelo sentido de ser. Além disso, segundo Heidegger (2012), é marcado pelo caráter ontológico de poder-ser e se autodeterminar na relação com os outros entes manifestos no horizonte compreensivo que seu mundo constitui. É por isso que as ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 87 possibilidades do ser-aí sempre estão em jogo e este só é o ente que é na medida em que existe no mundo. No início do §.44 de Ser e tempo (Sein und Zeit, 1927), Heidegger afirma: “De há muito, a filosofia correlacionou verdade e ser” (HEIDEGGER, 2012, p.282). Isto é, a verdade, tradicionalmente, foi compreendida como adequação; neste caso é pensada como a concordância entre uma proposição de um sujeito sobre um estado de coisas dado e, por isso mesmo, verificável. Por outro lado, costuma-se compreender filosoficamente o ser como um conceito, e verdade como concordância do juízo com a coisa. No entanto, este modo de pensar implica numa inevitável separação entre ser e verdade. É por tal motivo que Heidegger, em sua analítica do ser-aí, vai partir do conceito de verdade visto pela tradição. Assim, para tal filósofo: “Ser e verdade ‘são’, de modo igualmente originários” (HEIDEGGER, 2012, p.301). A verdade originária é condição de possibilidade de toda e qualquer verdade ou falsidade que se diz do ente, pois, primariamente acontece abertura de sentido, e desta abertura derivam todas as verdades do mundo circundante. Neste caso, “[...] deslocada de sua tradicional residência na proposição, a verdade se localizaria no Dasein [ser-aí]” (NUNES, 2012, p.195). Por meio da compreensão de ser, o ser-aí pode dizer das coisas aquilo que são e não são, isto é, apenas existe verdade mediante a abertura, inerente ao ser-aí. É porque compreendemos o ser de alguma coisa previamente que podemos enunciar acerca de tal. O ente precisa ter se revelado/mostrado no nosso campo de sentido previamente para poder se enunciar acerca do mesmo, é necessário que o ente se mostre assim como algo para que se possa dizer acerca de sua validade ou falsidade. Por exemplo: só podemos dizer que o giz é arenoso porque giz se mostrou previamente no nosso campo de sentido/abertura. “O próprio ente visado mostra-se assim como ele é em si mesmo, ou seja, que, em si mesmo, ele é assim como se mostra e descobre sendo no enunciado” (HEIDEGGER, 2012, p.288). No enunciado derivado, a interação entre duas representações dá origem a uma síntese. Em tal entrelaçamento, sujeito e predicado se unem e denotam algo. Toda relação judicativa revela algo sobre o que o ente é, ilumina o ente de algum modo e por isso se pode dizer tanto daquilo que o ente é (verdadeiro), quanto aquilo que ele não é (falso). Deste modo: “A verdade ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 88 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE equivale a esta mútua pertinência de sujeito e predicado. O que mutuamente se pertence de modo correto é válido”13 (HEIDEGGER, 2007, p.146). No que tange ao conceito tradicional, a verdade se localiza somente em representações vinculadas, ou seja, o juízo sob a forma da “adaequatio rei ad intellectum” (conformidade da coisa com o intelecto). “O verdadeiro, define Aristóteles, é apreender a enunciar o que se apreende, articulado na proposição por meio da cópula. A cópula nada é por si mesma e pode, dessa forma, unir e separar o que se apreende” (NUNES, 2012, p. 39). A interpretação diz respeito “[...] ao desenvolvimento do compreender apropriando-se das possibilidades em que o poder-ser se projeta” (NUNES, 2012, p.18). Esta apropriação, não é algo sem pressuposto, isto é, sempre parte de um referencial (Vorhabe), explicita-se em conceitos prévios (Vorgriffe) numa determinada perspectiva (Vorsicht). Segundo Heidegger, por se encontrar numa direção prévia, em todo seu “fazer” o ser-aí parte desta estrutura tríplice de interpretação. Isto justifica o ser-aí sempre ter uma lida compreensiva com o que se lhe apresenta no mundo. O existir do ser-aí é précompreensivo, porque em todo seu mover no mundo, já compreende as coisas nos diversos modos do seu ser. Contudo, o filósofo vai dizer que esta compreensão que o ser-aí tem das coisas é sempre uma compreensão além das mesmas, ou seja, é pelo fato de já estarem dadas e tematizadas que se proporciona um distanciamento da coisa com seu “lugar” mais originário. A facticidade proporciona tal distanciamento. É por isso, que um dos projetos indispensáveis de Ser e tempo, se refere à hermenêutica da facticidade. É a facticidade que determina quem somos, diz respeito ao modo como já nos colocamos no mundo de fato. O ser-aí lançado no mundo já conta com o mundo que existe antes dele, isto é, já conta com um modo, com uma facticidade. Invocar a verdade da existência é retroceder à posição prévia da abertura, de que a temporalidade extática, possibilitando a estrutura trimembre do cuidado, é a condição-limite insuperável, em que todas as estruturas existentivas se explicitam. Essa posição prévia, como pressuposto da verdade (veritas), de que a verdade proposicional recebe a sua origem, 13 HEIDEGGER, Martin. Princípios metafísicos de la lógica. Trad. Juan José García Norro. Madri: Editorial Síntesis, 2007, p.146. Tradução nossa. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 89 é o lugar da alétheia, do não-ocultamento ou não-velamento. (NUNES, 2012, p. 196). Martin Heidegger vai conceber alétheia como a verdade em seu sentido originário, tal verdade se refere ao desvelamento do ser. Deste modo, “Porque ao ser pertence o velar iluminador, aparece ele originariamente à luz da retração que dissimula. O nome dessa clareira é alétheia” (HEIDEGGER,1979, p. 343). Alétheia é o fenômeno do desvelamento, o aparecer do ser. O sentido da palavra grega “alétheia” (não-velamento) se refere ao domínio do iluminado ou do manifesto. É a esta percepção, a saber, do desvelamento, que Heidegger vai dizer como verdade do ser, justamente pelo fato de possibilitar o aparecer das coisas mesmas. Deste modo, “[...] o enunciado é verdadeiro significa: ele descobre o ente em si mesmo. Ele enuncia, indica, “deixa ver” o ente em seu ser e estar descoberto” (HEIDEGGER, 2012, p. 289). O ser-aí, na condição paradigmática do ente que somos, necessita de um retornar, de um encontro das coisas desde elas mesmas, pois, lançado no mundo, sempre conta com uma facticidade específica a qual o posiciona sempre além da coisa. O retorno, neste caso, significa retornar àquilo que se é por antecipação, até mesmo antes de ser sujeito (do eu. Tal como tradicionalmente compreendido). A abertura do ser-aí, fundamentalmente, é possibilidade de ser. Deve-se ressaltar que tal caráter de possibilidade, do seraí, não consiste numa indiferença do árbitro. O caráter de poder-ser possui condicionantes de suas possibilidades. Isto é, tal possibilidade é ser nas circunstâncias de um mundo que conta com uma facticidade específica. Portanto: A “essência” da presença [ser-aí] está em sua existência. As características que se podem extrair deste ente não são, portanto, “propriedades” simplesmente dadas de um ente simplesmente dado que possui esta ou aquela “configuração”. As características constitutivas da presença [ser-aí] são sempre modos possíveis de ser e somente isso (HEIDEGGER, 2012, p. 85). Como e possível entrever a partir da citação, Heidegger, em sua analítica existencial, vai se ocupar com uma interpretação do ser-aí em seu significar originário. Para tanto, parte de sua lida com as coisas na prática; ao ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 90 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE partir disto, o filósofo procura elucidar que a apreensão das coisas no mundo circundante depende do uso que se tem com as mesmas. Compreendemos as coisas de determinado modo a partir do uso que se estabelece com a ela, ou seja, a circunstância em que utilizo a coisa para determinado fim. Podemos dizer, assim, que o significado da coisa depende da ocupação que se desempenha com ela. O significado de uma coisa aparece na medida em que lidamos com tal, ou seja, na medida em que é utensílio. Isto implica em afirmar que só podemos dizer o que uma coisa é, na medida em que ela não se encontra meramente presente (enquanto uma presença por si subsistente). Aqui, torna-se clara a diferença entre a mesmidade heideggeriana e a aristotélica (o ente só pode ser mostrado porque ele é ele mesmo). A mesmidade de Heidegger não consiste no ser simplesmente dado do que aparece. Dizer o que uma coisa é, não implica em tomá-la como apenas presente e possuidora de um conjunto de determinações. Heidegger vai procurar dizer o que a coisa é a partir daquilo que não está presente. É o que não se encontra presente na coisa que o filósofo vai dizer essencialmente do ente. Para Aristóteles (cf. Metafísica, IV 1003 a33), “o ser se diz em vários sentidos, ainda que em ordem a uma só coisa e a certa natureza única.” A mesmidade é delimitada (conforme “horismos”, delimitação) por ele como “tò tì en einai” (o que antes de ser era). Este é um dos termos que ele utiliza para nomear a substância. A substância é a primeira categoria, que diz respeito ao que se encontra presente em sua mesmidade, e que mantém aí como que todas as outras determinações reunidas. (CORDEIRO, 2011, p.185). Aquilo expresso no sentido tradicional da proposição é um modo derivado de interpretação, o que não implica numa inferioridade. Mas, não diz respeito ao acontecimento originário. Podemos utilizar de um exemplo do próprio Heidegger, para tornar mais claro esse caráter derivado da proposição, a saber, “o giz é muito arenoso”. Neste enunciado, “arenoso” não é apenas uma determinação do giz no sentido de que ele possui tal propriedade. Ou seja, é apenas algo predicado de tal objeto. O giz só aparece como é, na medida em que se diz sobre ele, neste caso, por exemplo, o ser arenoso ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 91 (predicado), que poderia ser, também: branco, comprido, fino, etc. É pelo fato de não termos o trato primário com a escrita que se dá o derivado (secundário). Não obstante, o intento de Heidegger consiste em mostrar que na noção tradicional de verdade ainda permanece encoberto o horizonte fenomênico (intencional) do ser-no-mundo (In-der-Welt-Sein). Isto é, a facticidade do serno-mundo uma vez insuficientemente tematizada, torna obscuro o horizonte fenomênico no qual a verdade se configura a este ente, sempre como acontecimentos de verdade em circunstâncias fáticas específicas. Do outro modo o conceito é interpretado como uma propriedade de entes tomados como subsistentes por si só e independentes do ser-no-mundo. O ser-aí é ser-no-mundo, deste modo, se encontra numa relação imediata com o mundo circundante. Isto é, “[...] o seu significar compreensivo não se dirige primariamente nem a coisas concretas nem a conceitos gerais, mas àquilo que se desencobre e lhe vem ao encontro” (CORDEIRO, 2011, p. 183). A compreensão originária corresponde ao ser-aí, isto é, o situar-se significativamente com as coisas. É devido a isso que se torna possível à compreensão a expressão fonética. A compreensão que o homem possui da linguagem corresponde ao conjunto de emissões verbais, ordem sintáticasemântica do enunciado. No entanto, tal compreensão corriqueira da linguagem, proporciona o distanciamento com a sua fonte, a saber, a compreensão originária. O lugar originário da verdade, não é a adequação da proposição à coisa, pois qualquer proposição veritativa não pode prescindir de ser descobridora do que seja a verdade. Dito de outro modo, qualquer discurso (lógos) que acerca do verdadeiro se transponha para a forma conceitual de verdade, se dá originalmente em seu horizonte intencional, não podendo deixar de levar em conta o âmbito compreensivo no qual esta verdade é descoberta: o horizonte compreensivo do ser-no-mundo. O caráter apofântico do lógos consiste em deixar ver o ente desde o próprio ente. Isto significa que o falar deve ser compreendido como “apofainestai”, isto é, fazer ver o ente. Fazer ver o ente, aqui, não se refere à representá-lo na consciência. Pois “o pensado é antes o próprio ente, e não uma representação ou imagem que concorde com o ente que precisamente se encontra ausente” (HEIDEGGER, 2009, p. 135). Entendendo o logos como ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 92 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE porta-voz do mundo, sua “função” é deixar ver algo que já se deu. No entanto no §7 de Ser e Tempo, Heidegger fala que o que é verdadeiro, de modo ainda mais originário, é a “aisthésis”, que diz respeito a simples percepção sensível de alguma coisa. A “aisthésis” enquanto percepção imediata da coisa é sempre uma percepção verdadeira. Deve-se ressaltar, que a “aisthésis” (percepção originária) é privilégio do ser-aí. Ela é uma intuição, que aqui podemos tomar como percepção imediata da coisa. Heidegger considera que o mundo, sempre já se deu enquanto “aisthésis”. Aristóteles não percebeu tal fenômeno deste modo. Isto é, não o concebeu a partir do “logos apofântico”, como possibilidade de ser, de um sentido, mas, sim, do ente na determinação de seu estar presente. Isto significa: o ente, na multiplicidade de suas determinações, aparece como um. Ou seja, o ente é aquilo que subjaz “hypokeimenon”. Neste caso, o deixar ver do “logos” consiste numa visão a partir da determinação de sua presença. O modo de relacionar racionalmente é problemático, segundo Heidegger, na medida em que pode se perder frente a função primária do “logos”, a saber, da mostração. Martin Heidegger afirma que, na metafísica tradicional, o estar presente se refere ao mostrar-se do ser como um ente, que também ocorre na filosofia aristotélica. Aristóteles apresenta o ser na determinação de sua unidade como “tò tì em einai”. Todavia podemos perceber no §7 de Ser e Tempo, que Heidegger vai considerar o papel da fenomenologia como o de mostrar, deixar ver aquilo que não se mostra, isto é, que não está presente. Fica claro que Heidegger não se preocupa com um ente específico, mas sim, com o ser dos entes, que é justamente o que nunca aparece como determinado, ou seja, presente. A fenomenologia não responde a questão: “que é uma coisa?” de modo a apresentar o ser como um “ente” determinado, que se mostra. Determinar é um mostrar desde ser, que se encontra presente. No entanto, ser, para Heidegger, está encoberto em todo o mostrar do ente, deste modo, não podemos dizê-lo através da presentificação de um ente. O “lógos apofântico” se fundamenta numa estrutura ainda mais originária, que Heidegger denomina “como hermenêutico”, aqui, a coisa não se determina por seu encontrar-se presente (como um na multiplicidade de suas determinações), mas, sim, por aquilo que nela se encontra ausente, não ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 93 manifesto. Heidegger, ao afirmar que aquilo que não se encontra presente (que não é determinado, não é ente) pertence propriamente ao que uma coisa é, torna claro que o ser de uma coisa não é nada além de possibilidade de ser. Deve-se ressaltar que nesta estrutura hermenêutica da verdade, Heidegger aponta a realização de uma síntese, mas não aquela como ligação de elementos através da cópula. A síntese referida, aqui, como na do “lógos apofântico”, é um deixar ver algo, como algo. Para tanto, há a abertura de um mundo em conjunto com ser-aí, que se encontra aberto doando possibilidade para o deixar ver e fazer. Isto é, o acontecimento do mundo e do ser-aí se dá conjuntamente, perfazendo, então, a estrutura ser-no-mundo. A síntese, não se dá entre dois entes, a saber, ser-aí e mundo (separados). Aqui, ela não traz um elemento de ligação entre dois entes. A síntese é a relação que sempre já se deu, ela não é posterior, no sentido de proporcionar a junção entre dois entres presentes. Ela é condição mesma, para o surgimento dos entes e do ser-aí. Isto implica dizer que sem esta relação anterior, não seria possível seres-aí, pois é esta síntese, que, por ser originária, sempre já “[...] operou em todo vir-aser do homem em seu ser” (CORDEIRO, 2011, p.195). CONSIDERAÇÕES FINAIS A síntese originária é o imediato, o começo, princípio enquanto “arché”. Desde sempre o homem está atravessado pela síntese originária. O enunciado é secundário, porque antes já se deu ser-aí (Dasein), ou seja, o enunciado se mostra como descobridor porque revela algo que já apareceu. Primariamente, o ser-aí habita o âmbito de sentido, antes de tudo, ele é o “lugar” em que as coisas vêm de encontro, isto é, lugar de sentido. Ser-verdadeiro enquanto ser-descobridor é um modo de ser do ser-aí. Segundo Heidegger, “[...] o que possibilita esse descobrir em si mesmo deve ser necessariamente considerado ‘verdadeiro’, num sentido ainda mais originário. Os fundamentos ontológico-existenciais do próprio descobrir é que mostram o fenômeno mais originário da verdade” (HEIDEGGER, 2012, p.291). Pelo fato do ser-aí ser essencialmente abertura, possibilidade do descobrir o que se abre, o ser-aí é e está na “verdade”. Essencialmente o ser-aí é “verdadeiro”. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 94 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE REFERÊNCIAS HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Tradução revisada e apresentação de Marcia Sá Cavalcante Schuback; posfácio de Emmanuel Carneiro Leão. 7.ed. Petrópolis: Vozes, 2012. HEIDEGGER, Martin. Principios metafísicos de la lógica. Trad. Juan José García Norro. Madrid: Editorial Sintesis, 2007. HEIDEGGER, Martin. Coleção os Pensadores - Conferências e escritos filosóficos. Tradução, introduções e notas de Ernildo Stein. São Paulo: Abril Cultural, 1979. Texto utilizado: Sobre a essência da verdade. RÉE, Jonathan. Heidegger – História e verdade em Ser e tempo. Tradução de José Oscar de Almeida Marques, Karen Volobuef. São Paulo: Editora Unesp, 2000 NUNES, Benedito. Heidegger & Ser e tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002. NUNES, Benedito. Passagem para o poético: filosofia e poesia em Heidegger. São Paulo: Edições Loyola, 2012. CORDEIRO, Robson Costa. Heidegger e a verdade como síntese originária. Artigo publicado na ÍTACA – Revista de pós-graduação em filosofia IFCSUFRJ. V. 18, p. 180-196, 2011. Link para acesso: http://revistas.ufrj.br/index.php/Itaca/article/view/196/187. STEIN, Ernildo. Seminário sobre a verdade: Lições preliminares sobre o parágrafo 44 de Sein und Zeit. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1993. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 95 REPENSANDO O ESPAÇO POR MEIO DA FENOMENOLOGIA: CONTRIBUIÇÕES DE HEIDEGGER Maria Lucivane de Oliveira Morais UNIOESTE/Campus Toledo [email protected] Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens [email protected] RESUMO: O objetivo geral dessa comunicação consiste em realizar uma breve reflexão sobre dois conceitos primordiais na obra Ser e tempo publicada em 1927 por Martin Heidegger: ser-aí e espaço. Por meio da fenomenologia o filósofo avança nas discussões conceituais sobre tais temáticas tendo como questão direcionadora de todo o seu trabalho a busca pelo sentido do ser. O Dasein ou o ser-aí corresponde a nós mesmos, representa o existir em cada caso particular. Para compreendê-lo Heidegger cita a questão do espaço um dos âmbitos sobre o qual o ser-aí se lança construindo sua existência a partir da temporalidade que toma para si o sentido ontológico. Como metodologia optouse pela realização de pesquisas bibliográficas, fundamentais para a elaboração de reflexões criticas em relação à obra deste filósofo de grande relevância para o século XX. PALAVRAS-CHAVE: Heidegger; Fenomenologia; Ser-aí; Espaço. INTRODUÇÃO O conceito de espaço é amplamente discutido por Heidegger ao relacioná-lo de forma indissolúvel com o ser-aí. Por vezes, o filósofo se utiliza da expressão ser-no-mundo para exemplificar a unidade entre mundo e vida humana na palavra existência. (SARAMAGO, 2008). Entre as ideias a serem discutidas nessa comunicação encontram-se uma breve definição do ser aí e a forma como o espaço se materializa como elemento capaz de promover a autocompreensão a existência e sentido do ser almejado por Heidegger. A justificativa para a escolha dessa temática, ainda que superficial, deve-se a fato de que embora a obra Ser e tempo tenha sido publicada nas primeiras décadas ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 96 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE do século XX, no Brasil, ainda são escassas as discussões que apontam para a forma fenomenológica como Heidegger analisa o espaço e, ao longo de sujas investigações o vincula ontologicamente a noção de lugar. Como metodologia para a elaboração das discussões posteriores, optou-se pela realização de pesquisas bibliográficas, tendo a obra acima citada como fundamento básico de análise e, outros comentadores de grande relevância no cenário nacional como Franck (1986), Saramago (2008), Nunes (2010), dentre outros. O SER-AÍ E O ESPAÇO Qualquer sujeito que se disponha a compreender as imensas contribuições e novos desdobramentos da fenomenologia (Ciência dos Fenômenos) que Heidegger propôs ao se desvincular de Husserl, precisa considerar que este método filosófico tem como fim último compreender o sentido do ser.Em sua principal obra Ser e tempo o conceito de Dasein (traduzido como ser-aí) é facilmente percebido o eixo integrador de todas as discussões tecidas e, que por meio da ontologia lança luz sobre conceitos obscurecidos pela tradição, apreendendo-os e superando as limitações de sua interpretação. Nas palavras de Nunes (2010) a base que legitima o método fenomenológico no qual é possível a compreensão do ser se lança sobre a existência humana a que se aplica a temporalidade. Nesse sentido, o “[...] ente que temos que analisar somos nós mesmos. O ser desse ente é sempre e cada vez meu. A essência deste ente está em ter de ser. [...] a essência da presença está em sua existência”. (HEIDEGGER, 2003, p.85). Será esse ser que, ao se abrir em mundo cheio de possibilidades, delineará o sentido de sua existência bem como a dimensão espacial na qual se manifesta. Por integrar ontologicamente o espaço no qual realiza todas as dimensões de sua vida, o ser-aí pode ser compreendido como um ser-nomundo, que se relaciona com outros sujeitos, compartilha sua existência e atribui sentido as múltiplas possibilidades do poder-ser sobre o espaço no qual se projeta. Portanto, “[...] pode escolher-se a si mesmo, ganhar-se e também perder-se ou não ganhar-se- nunca ou só “aparentar” que se ganha. [...] o Dasein existe e enquanto existe”. (NUNES, 2010, p.48). ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 97 Nas palavras de Heidegger: A demonstração fenomenológica do ser dos entes que se encontram mais próximos faz-se pelo fio condutor do ser-nomundo cotidiano, que também chamamos de modo de lidar no mundo com o ente intramundano. Esse modo de lidar já se sempre se dispensou numa multiplicidade de modos de ocupação. (HEIDEGGER, 2003, p.114) A cotidianidade do ser-no-mundo determinará os modos de ocupação espaço, permitirá o encontro com os entes de que se ocupa, fará emergir a determinação mundana de entes intramundanos e, ao mesmo tempo, possibilitará ao ente não se perder ao se familiarizar com novos fenômenos. (HEIDEGGER, 2003, p.114). De acordo com Saramago (2008), importa a Heidegger perguntar sobre o sentido do sentido do ser, o papel que desempenha na dimensão espacial da existência e qual é o significado ontológico do espaço que até então era considerado apenas como espacialidade fática. Critica as ciências humanas que lhe atribuem definições rígidas e vinculadas ao caráter imediato e utilitário da existência, aos objetivos que tornam o espaço familiar e habitável sendo apenas uma base física sobre a qual se manifesta a existência humana. Diante de tais definições, não é possível entender o sentido fundamental do espaço, tampouco tecer considerações sobre o modo como o ser-aí delineia sua cotidianidade mediana, construindo valores, socializando-se, suprindo suas necessidades básicas, relações utensílios, dentre outros. É necessário que o Dasein tome consciência de si a partir de si mesmo, um compreender-se como possibilidade em meio a um “[...] processo desencadeado no interior dos fenômenos e na concretude dos fatos” (HEIDEGGER, 2003, p.112). A autocompreensão da existência será a base sobre a qual se assenta a compreensão heideggeriana do espaço em que o ser-aí mergulha em sua vida fática e estabelece sentido para a espacialidade. Como resultado, seu registro e compreensão, devem-se ao que lhe é mais próximo em seu cotidiano, seu espaço de ação, bem como as regiões que se estendem para além delas. (SARAMAGO, 2008). Ao utilizar a palavra “mundo” Heidegger esclarece ao leitor que poderá tomar distintos significados dentre os quais conceitua: ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 98 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE 1. Mundo é usado como um conceito ôntico, significando sim, a totalidade dos entes que se podem simplesmente dar em um mundo. 2. Mundo funciona como termo ontológico e significa o ser dos entes mencionados no item 1. “Mundo” pode denominar o âmbito que abarca a multiplicidade dos entes [...]. 3. Mundo pode ser novamente entendido em sentido ôntico. Nesse caso, é o contexto “em que” a presença14 fática vive como presença. E não o ente que a presença em sua essência não é, mas pode vir ao seu encontro dentro do mundo. Mundo possui um significado pré-ontológico existenciário. Desde sentido, resultam diversas possibilidades: mundo ora indica o mundo “público” do nós, ora o mundo circundante mais próximo (doméstico e próprio). 4. Mundo designa por fim, o conceito existencial-ontológico da mundanidade. A própria mundanidade pode modificar-se e transformar-se, cada vez, no conjunto de estruturas de “mundos” particulares, embora inclua em si o a priori da mundanidade em geral. (HEIDEGGER, 2003, p.112) Na sequência dessas definições, Heidegger conceitua o adjetivo mundano como aquele que indica um modo de ser do ser-aí e jamais o modo de ser deste em um dado mundo, que nesse caso é definido como intramundano. O fenômeno da mundanidade possibilita buscar a compreensão da natureza do ser aí que se lança e vem de encontro ao mundo por meio da analítica. “Para se ver o mundo é, pois necessário visualizar o ser-no-mundo cotidiano em sua sustentação fenomenal”. (HEIDEGGER, 2003, p.113). Tais apontamentos, segundo Saramago (2008) demonstram que a compreensão do mundo, deve ocorrer de forma fenomenológica, sendo investigado de que maneira, a partir de determinadas situações concretas, inseridas em uma cotidianidade que interliga mundo e ser-aí. A ocupação do espaço dá origem a uma familiaridade com o mundo no qual o ente intramundano vem ao seu encontro e a um novo lugar. “[...] Cada lugar se determina como lugar deste instrumento para [...] a partir de um todo de lugares direcionados do conjunto instrumental ‘à mão’ no mundo circundante. O lugar é sempre ‘o aqui’ e o ‘lá’” (HEIDEGGER, 2003, p.156). O ser-aí contribui para a configuração de lugares ao espacializá-los. Os lugares, por sua vez, darão origem a uma região. Ao ocupá-la, o ser-aí elabora 14 Termo utilizado na tradução de Schuback (2013) correspondendo à Dasein ou, noutra tradução: ser-aí. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 99 seu próprio ser, descobre as conjunturas que definem as regiões, lhes instrumentam e dão sentido. Para definir esse tema, Heidegger considera: Regiões não se formam a partir de coisas simplesmente dadas em conjunto, mas estão sempre a mão nos vários lugares específicos. Os próprios lugares específicos dependem dos entes que se acham a mão na circunvisão da ocupação ou que, como tais, são encontrados. O que constantemente está a Mao não tem um lugar, pois é previamente levado em conta pelo ser-no-mundo da circunvisão. O onde de sua manualidade é levado em conta na ocupação e se orienta para os demais entes a mão. (HEIDEGGER, 2003, p.112) Ao inserir o conceito de região em suas análises, Heidegger o delimita pela noção de pertencimento, não apenas fornecendo direções para um conjunto de lugares, mas o âmbito no qual está um determinado lugar. Por outro lado, cada lugar, “[...] já está sempre orientado para e no interior de uma região e, para que um local possa ser encontrado no conjunto de tudo o que se apresenta e disponibiliza a região deve já ter sido descoberta”. (SARAMAGO, 2008, p.82). As regiões se articulam entre si, e revelam seus diversos locais. Ambas as categorias sofrem mudanças em suas determinações originais devido a ocupação cuja significatividade permite evidenciar os sinais de orientação espacial e/ou suas considerações teóricas. Face a essa análise fica evidente a necessidade de Heidegger em demonstrar que a relação espacial ocorre apenas com pelo agir do ser-nomundo e por sua espacialidade fática. Saramago (2008) verifica que até as relações de localização que ocorrem entre seres intramundanos, dependem da espacialidade do ser-aí e da forma como se move em sua ocupação cotidiana. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por meio da fenomenologia, Heidegger questiona e desenvolve analises sistemáticas sobre o sentido do ser. Ao analisar o espaço, busca superar definições tradicionais comumente repetidas pelas ciências humanas e, por meio dessa categoria aponta para um dos motivos que justificam a existência do ser-aí. Nesse sentido, o espaço é observado como aquele que é descoberto ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 100 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE e recriado pelo ser-aí na medida em que existe e se abre como possibilidade lançando-se me direção ao mundo. É dividido em lugares distribuídos em uma circunvisão sendo configurados de forma ontológica uma vez que o ser aí também é espacial. Essas análises superficiais buscam evidenciar alguns conceitos elencados na obra deste filósofo sem qualquer pretensão de torná-los definitivos, entretanto, serão aprofundados em estudos posteriores devido à grande importância de compreender o espaço não apenas de forma tradicional, mas a partir do viés fenomenológico. REFERÊNCIAS FRANCK, Didier. Heidegger e o problemas do espaço. HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Trad. SHCUBACK, Marcia Sá Cavalcante. Petrópolis, RJ, 2013 NUNES, Benedito. Heidegger & Ser e tempo. 3ª edição. Rio de Janeiro, Zahar, 2010 SARAMAGO, Ligia. A topologia do ser: lugar, espaço e linguagem no pensamento de Martin Heidegger. Rio de Janeiro: ED. Puc-Rio; São Paulo: Loyola, 2008 SARAMAGO, Ligia. Sobre A arte e o espaço, de Martin Heidegger. Rev. Artefilosofia, Ouro Preto, n.5, jul.2008, pp. 61-72. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 101 PROBLEMA DO MAL EM SANTO AGOSTINHO Robson Marins do Amaral Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Unioeste Célia Machado Benvenho (orientadora) [email protected] RESUMO: O pensamento de Agostinho de Hipona foi construído tomando como base teorias filosóficas, cristãs e não-cristãs. Sua posição enquanto membro do corpo da Igreja Católica e suas inquietações diante dos desafios enfrentados pela sua religião nos seus primeiros séculos de vida permitem ao homem perceber que, inevitavelmente, suas obras influenciaram todos de seu tempo e, por meio das mesmas, Agostinho defendeu sua fé. A preocupação de Agostinho com o problema do mal se encontra presente em todas as suas obras, e o curioso é a sua ousadia para estruturar as suas posições sobre este assunto que, ainda hoje, angustia o homem moderno. Agostinho descobre que ninguém é mau por nascença; sendo Deus, Sumo Bem, criador de todas as coisas, como poderia uma existência perturbar a criação? Algo de muito precioso, dado ao homem por Deus, é o livre-arbítrio, que fazendo bom uso deste, e com a graça de Deus, podemos crer nos mistérios do criador. Agostinho apresenta que o que há é uma ausência de bem na pessoa, não há pessoa ruim, existem pessoas que amam aquilo que é secundário e por isso acabam fazendo o mal. O mal é simplesmente o desvio do caminho que, pela essência do homem, se deveria seguir; quando o homem se desvia, acaba se enrolando com ações más que se é capaz de causar. PALAVRAS-CHAVE: Mal Moral; Mal Físico; Pecado; Agostinho. No presente trabalho faz-se um estudo acerca do problema do mal em Santo Agostinho, descrevendo uma das questões que mais intriga o homem: o problema do mal, pois este vai exatamente contra aquilo que o homem mais deseja, a felicidade. Num primeiro momento pretende-se expor em que contexto o Autor escreveu sobre o mal. Não se trata de um mero relato biográfico que se possa ler por pura curiosidade, mas sim, de uma busca para entender o que levou um autor medieval a tratar de um tema tão intrínseco a nós. Num segundo momento, desejamos apresentar os principais pontos do problema do mal e quais são os questionamentos feitos por Santo Agostinho ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 102 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE sobre o mesmo e suas causas. Santo Agostinho traz respostas vivas às duvidas sinceras do homem de hoje que, após 15 Séculos, ainda vive a indagação sobre o problema do mal e sua existência. Desta forma pretende-se esclarecer ao homem o conceito agostiniano do mal. O trabalho visa explicar como o tema influência de maneira significativa também no mundo contemporâneo, justo que o mal está presente na história da humanidade desde seus primórdios. Desse modo o objetivo deste trabalho é demonstrar as raízes do mal e a influência que esse exerce na sociedade contemporânea. Pois, da mesma forma que doença corpórea é um mal e queremos conhecê-la para encontrar a cura, assim também com o problema do mal, pois, conhecendo o caminho do mal ficará mais fácil trilhar o caminho do bem. Mal está em todo o universo, seja em forma corpórea dos seres que inúmeras vezes vêm ao mundo sem algum membro que deveria fazer parte do seu corpo; seja através das atitudes humanas que destroem a natureza ou que ferem de alguma forma outros seres humanos, seja pela própria natureza que aniquila cidades inteiras através de inundações furações, etc. Não se pode ignorar a existência do mal, pois, esse faz parte da vida humana de alguma maneira. Santo Agostinho trata a questão do mal pelo ponto de vista cristão, criando assim uma justificativa à possibilidade da existência do mal diante da perfeição e onipotência de Deus que tudo criou e ordenou. O filósofo pondera na sua obra, Confissões que “Para Deus, com certeza, o mal não existe absolutamente; e não só para Ele, mas para tudo o que Ele criou, pois nada há que possa romper e destruir a ordem que Deus pôs no seu universo” (AGOSTINHO, 1985, p.116). A presença do mal parece implicar a falta de Deus. Às vezes a desorientação causada por esta revolta interior cria as atitudes mais complicadas; por causa do mal se nega a existência de Deus, mas, muitas vezes, o que se quer realmente é responsabilizar a Deus pelo sofrimento das criaturas. Por este motivo Santo Agostinho faz alguns questionamentos sobre esse problema do mal: Mas se é assim, onde está o mal, por onde entrou no mundo? Qual é sua raiz e a sua semente? Será que não existe? Então ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 103 por que tememos e receamos o que não existe? E se tememos sem motivo, esse mesmo é sem dúvida o mal que nos atormenta e despedaça inutilmente o coração; e tanto mais grave é esse mal quanto, não havendo razão para temer, tememos, ou esse mesmo temor imotivado é que é o mal. (AGOSTINHO, 1985, p. 105) Esses mesmos questionamentos feitos por Agostinho muitas vezes adentram a alma humana querendo, dessa forma, alcançar a resposta para o problema do mal, o qual impede ao homem de ter o que mais deseja, a felicidade. Para Agostinho o mal é privação do ser, assim como a escuridão é privação de luz. Ele mostra que o mal é a ausência de uma perfeição que deveria existir num ser. No Gênese, por sete vezes, se apresenta que Deus fez as coisas “boas” e, assim sendo, não existe um começo do mal; “Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom” (Gêneses 1,31). Deus, ao criar, tem o desejo do bem para o universo como um todo. Existem vários seres no universo, sendo uns mais perfeitos e outros menos; aumentando assim a diversidade e a riqueza do universo. Agostinho quer, desta forma, afirmar que a causa do mal não é Deus, pois, sendo o mal a privação de uma perfeição devida, Deus não pode ser seu autor porque, fazendo as coisas, Deus lhes dá tudo o que lhes é necessário. Santo Agostinho afirma: “Compreende-se também que, sendo Deus o autor de todos os bens, no entanto, como não fez todas as coisas iguais, cada uma é boa por si, e por isso todas juntas são boas, porque Deus fez todas as coisas boas em extremo.” (AGOSTINHO, 1985, p.116) O Autor quer mais uma vez afirmar que, sendo boas todas as coisas criadas por Deus, é impossível que o mal venha de Deus e, assim, mostra que a maldade é apenas o perverso movimento de uma vontade que se afasta de Deus, e que tende para as coisas mais baixas. O mal se apresenta como um “afastar-se do bem”, um afastar-se de Deus e, deste modo, encaminhar-se para aquilo que foge da lógica da bondade infinita de Deus. O Homem por sua vontade e liberdade faz suas escolhas e, nesse sentido, pode correr o risco de optar pelo mal; mas essa opção não é vontade de Deus e nem criação de Deus. Muitas vezes, vemos o mal como algo que não podemos compreender como um bem, por pura falta de capacidade, talvez por estarmos limitados a ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 104 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE uma esfera material e temporal deste corpo limitado. Como fala o dito popular: Deus escreve certo por linhas tortas. Ou, ainda, como diz São Paulo “Agora, vemos como num espelho, de maneira confusa; depois, veremos face a face. Agora, conheço de modo imperfeito; depois, conhecerei como sou conhecido” (1 Cor 13,12), e aí veremos que nem tudo o que se apresenta como mal é, de fato, mal. Deste modo, pode-se afirmar que Santo Agostinho dá uma grande contribuição para a solução ao problema do mal, o tira de Deus e o coloca no homem, onde tem muito menor importância e relevância. Agostinho viu as implicações de sua teoria e animou-se, pois o problema diminuiria de tamanho diante de seus olhos. O mal seria apenas a ausência do bem, assim como se dá diante da escuridão quando uma luz fosse acessa: a escuridão desapareceria automaticamente diante da presença da luz. Em seguida Agostinho faz uma distinção, separando dois tipos de mal, com o questionamento do que seria o mal. Ele classifica o mal como sendo a obediência à lei temporal que é a lei dos homens, mutável; e a lei eterna perfeita e imutável. Agostinho define a lei temporal com estas palavras: E por seu lado, a lei temporal o que ordena ela a seu parecer senão que esses bens que os homens desejam e podem ter por algum tempo e considerá-los como seus, de tal forma que os possuam, a fim de que a paz e a ordem na sociedade sejam salvaguardadas? Isso quanto for possível, tratando-se dessa classe de bens. O modo como a lei temporal distribui esses bens a cada um o que é seu seria difícil e muito longo de explicar. Aliás, é claro ser inútil para a finalidade a que nos propusemos. Baste-nos constatar que o poder dessa lei temporal em aplicar seus castigos limita-se interditar e a privar desses mesmos bens, ou de uma parte deles, aqueles quem pune. É, pois pelo temor que ela reprime, e assim dobra e faz inclinar o ânimo dos desafortunados, ao que ela manda ou proíbe. Foi justamente para o governo dessas pessoas que ela foi feita. Com efeito, pelo fato de temerem perder seus bens, elas observam as normas necessárias para a sociedade ser constituída e mantida. Isso o quanto é possível ser feito entre homens desse tipo. Entretanto essa lei não pune o pecado cometido por serem amados com apego demasiado esses bens, mas unicamente aquela falta que consiste em subtraí-los injustamente de outro. (AGOSTINHO, 1995, p.65) Quanto à lei eterna, ela diz: ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 105 Mas quanto àquela lei que é chamada a razão suprema de tudo, à qual é preciso obedecer sempre e em virtude da qual os bons merecem uma vida feliz e os maus uma vida infeliz, é ela o fundamento da retidão e das modificações daquela outra lei que justamente denominamos de temporal, como já explicamos. Poderá a lei eterna ou, em outros termos, poderá ela alguma vez ser considerados injusta, quando os maus tornarem-se desaventurados e os bons, bem aventurados? (AGOSTINHO, 1995, p 41) Agostinho faz ainda uma relação entre as duas leis, defendendo seu ponto de vista de que não é legitima uma lei que não seja justa e que não tenha sua origem na lei eterna: “Reconhecerás também, espero, que na lei temporal dos homens nada existe de justo e legitimo que não tenha sido tirado da lei eterna”. (AGOSTINHO, 1995, p.41) A relação da lei como mal está no fato de que existem dois tipos de mal: o mal físico e o mal moral. O mal moral constitui o verdadeiro objeto da analise do tema sobre o mal, pois esse tem relação direta com a desobediência à lei eterna, essa por outro lado, é uma lei positiva. O mal físico pode ser entendido como uma diferenciação entre diversos níveis de bondade e perfeição. Se uma coisa é melhor que outra, essa última seria mal apenas em relação à primeira. Tal mal some automaticamente frente à complexidade e perfeição da criação, que tem em Deus sua origem. Esse mal, que Agostinho chama de “físico”, pertence à ordem corporal e se traduz pelo sofrimento, sendo o mal a única explicação para o fato de que os homens bons possam sofrer provações. Já o mal moral, que constitui o pecado, é a submissão da razão às paixões. Consiste em valorizar os bens mutáveis e passageiros mais do que os bens eternos e imutáveis, ou seja, como diz São Paulo: “servir a criatura em lugar do Criador” (Romanos. 1,25), desprezar, assim, o Bem Supremo em detrimento de bens menores, os quais, todavia, não constituem um mal em si mesmos. Assim, pois, as mesmas coisas podem ser usadas diferentemente: de modo bom ou mal. E quem se serve do mal é aquele que se apega a tais bens de maneira a se embaraçar com eles, amando-os demasiadamente. Com efeito, submetese aqueles mesmos bens que lhes deveriam estar submissos. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 106 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE Faz dessas coisas bens aos quais ele mesmo deveria ser um bem. Ordenando-as e fazendo delas bom uso. (AGOSTINHO, 1995, p.67) No pensamento filosófico de Agostinho, o mal aparece como um tema importante, tanto é que várias de suas obras, de uma forma ou outra, retomam alguns de seus pressupostos sobre o problema do mal. O problema do mal, pelo que se analisa, recebeu atenção de Agostinho em dois pontos centrais, e a partir dessa estrutura, Agostinho discute o mal. A primeira sustentação de Agostinho está em dizer que o mal não existe ontologicamente, por ser apenas um afastar-se do bem. Essa sua concepção irá iluminar todos os argumentos a respeito do problema do mal. O mal não tem substância e, portanto, não é uma força oposta do bem, como defendia a doutrina maniqueísta. Desse modo, não existe, e nem foi criado, pois o Sumo Criador, conforme afirma Agostinho, somente criou coisas boas. Diante disso, Deus não tem qualquer relação com o mal, eis que a obra da criação é boa e nenhuma criatura carrega a substância do mal, pois não é possível carregar a substância do que não existe, ou seja, do nada. Agostinho enfrentou a relação do mal com o homem na intenção de responder a motivação pela qual o homem se afasta do bem. Nesse sentido, abre-se a contestação agostiniana sobre o mal moral, ou seja, o comportamento humano de afastar-se do mal. Para ele o mal moral é o pecado, sendo este, ao mesmo tempo, a causa e o efeito. O afastar-se do bem, que é pecado, dá-se em função da vontade corrompida que, em decorrência do livre arbítrio, escolhe o caminho do distanciamento do Bem Supremo. Quanto mais o homem se afasta do Sumo Criador do bem, pior será a sua condição moral. Frente a compreensão de Agostinho acerca do mal moral, somente este é desprovido de antídoto, nesta perspectiva o mal se mostra como um problema da vontade que, por estar corrompida desde a queda de Adão no Éden, se direciona para o pecado ao afastar-se do bem. A especulação agostiniana referente ao remédio para o mal passa necessariamente pela razão e graça. O homem somente poderá libertar-se do ato de afastar-se do bem por meio do livre arbítrio que, por sua vez, somente conseguira resultado no caminho do remédio do mal com a ajuda da graça. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 107 Sem a graça, não será possível falar-se em antídoto para o mal moral, eis que a vontade humana tem propensão em afastar-se do bem. Sustenta Agostinho a fidelidade na perseverança de aproximar-se do bem e na perseverança em amá-lo. Que a Fidelidade no bem seja um excelente dom de Deus e que a sua procedência seja aquele do qual está escrito em Tiago que todo dom precioso e toda dádiva perfeita vêm do alto, descendo do Pai das luzes. A razão sozinha não poderá direcionar o livre arbítrio da vontade para escolha do bem, tendo que o homem, nesse sentido, é impotente e necessita do favor divino identificado como graça para se aproximar do bem. Por isso, o antídoto para o mal moral é a razão com a ajuda da graça. Em suma, o que Santo Agostinho quer mostrar é que se Deus existe, o problema do mal deve ter uma solução digna da Sua bondade e da Sua sabedoria, ainda que seja misteriosa e impenetrável aos nossos meios limitados de conhecimento em face da grandeza dos planos da sua providência. REFERÊNCIAS AGOSTINHO, Santo. A Vida Feliz. Tradução: Nair de Assis Oliveira. São Paulo: Paulinas, 1993. 157 p. AGOSTINHO, Santo. Cidade de Deus Contra os Pagãos: parte II. Tradução: Oscar Paes Leme. Bragança Paulista: São Francisco, 2008.589p. AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução: Maria Luiza Jardim Amarante. São Paulo: Paulus, 2002. 450p. AGOSTINHO, Santo. O Livre-Arbítrio. Tradução: Nair de Assis Oliveira. 4. ed. São Paulo: Paulus, 2004. 296 p. BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. Tradução: Euclides Martins Balancin. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 1989. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 108 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO (AH/S) Thaylan Corassa UNIOESTE Michelle Silvestre Cabral [email protected] RESUMO: O presente trabalho propõe relacionar dois temas distintos, a saber, o Programa Filosofia para crianças, desenvolvido pelo filósofo americano Matthew Lipman e as Altas Habilidades/Superdotação conforme este aparece e vem se destacando no universo educacional contemporâneo. A partir deste contraponto, far-se-á uma explanação sobre o Projeto de Extensão desenvolvido na UNIOESTE, Campus Toledo, Filosofia para Crianças com Altas Habilidades/Superdotação, o qual surgiu a partir da junção destes dois temas. PALAVRAS-CHAVE: Filosofia; Crianças; Altas Habilidades/Superdotação. Matthew Lipman nasceu em 1922, foi um filósofo americano, reconhecido como fundador do Programa Filosofia para Crianças. Sua decisão de trazer a filosofia para este grupo decorreu de sua experiência como professor na Universidade de Columbia, instituição de ensino superior privada localizada na cidade de Nova Iorque, onde Lipman constatou a dificuldade dos estudantes para raciocinar. Assim, procurou desenvolver neles habilidades de raciocínio, particularmente através do ensino de lógica. A aposta de que as crianças têm a capacidade de pensar abstratamente desde muito cedo o levou à convicção de que incluir a lógica na educação infantil ajudaria a melhorar suas habilidades de raciocínio. No ano de 1972, Lipman se mudou para Nova Jérsei e passou a lecionar na Montclair State University (Universidade Estadual de Montclair), onde criou o Institute for the Advancement of Philosophy for Children (Instituto para o Avanço da Filosofia para Crianças) (IAPC), e começou a introduzir a filosofia nas classes de educação primária e secundária de Montclair. No mesmo ano, ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 109 publicou seu primeiro livro Harry Stottlemeier's Discovery (Descoberta de Harry Stottlemeier), especificamente destinado a ajudar as crianças na prática da filosofia. O IAPC continua a atuar em âmbito internacional para promover a filosofia para crianças. A filosofia para crianças, proposta por Lipman, seguiria o mesmo curso das demais filosofias: não considerar nada evidente, tratar o óbvio como problemático. Assim, esta nova filosofia se dedicaria às peculiaridades da infância, entre as quais podem ser destacados, o conflito de gerações, a falta de diálogos, o declínio da comunidade familiar, etc. Para atacar tais problemas, Lipman sugere a criação de comunidades de investigação, nas quais adultos e crianças participem juntos como semelhantes. Por comunidades de investigação, entende-se: a) igualdade de participação, tanto dos professores quanto dos estudantes; b) compromisso com o espírito de investigação, sendo que, por investigação, Lipman quer dizer “[...] qualquer forma de prática autocrítica cuja meta é uma percepção mais compreensiva ou um julgamento mais trabalhado” (HEUSER, 2002); c) empenho de todos os participantes em acompanhar e contribuir de maneira pertinente e significativa com o diálogo disciplinado pela lógica que, por sua vez, tem a forma de investigação compartilhada, contrapartida do pensar por si mesmo; d) Compromisso com a aprendizagem coletiva. Neste sentido, afirma Heuser: “Com esses pressupostos, torna-se evidente que Lipman tem a Comunidade de Investigação como um ideal a ser buscado, que talvez nunca seja alcançado em sua plenitude, mas, mesmo assim, como algo que deve estar no horizonte de toda educação comprometida com o pensar” (2002, p. 42). A metodologia de Lipman tem se mostrado muito interessante na medida em que dá atenção globalizada àquelas três características que, de acordo com o filósofo, produzem Pensamento de Ordem Superior, a saber, criticidade, criatividade e cuidado. O programa Filosofia para Crianças parte, portanto, do pressuposto de que se forem desafiadas as crianças podem fazer filosofia, não no modo como esta é realizada nas academias institucionalmente (como filosofia profissional ou denominada de adultos), mas elas poderiam, a partir de uma discussão bem orientada, desenvolver pensamentos reflexivos e críticos tanto quanto aqueles o fazem. Segundo Lipman, “[...] o que as crianças são ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 110 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE capazes de fazer, ao que parece, seria diretamente dependente da nossa capacidade de desafiá-las de maneira adequada” (1999, p. 43). Pensar bem ou de modo reflexivo, para os simpatizantes do programa lipmaniano, é atributo essencial para se alcançar a autonomia, ou seja, para se tornar um sujeito capaz de pensar por si próprio. Paralelamente a tal teoria, encontramos os estudos em torno ao conceito de Altas Habilidades\Superdotação e suas características determinantes. Segundo o Conselho Nacional de Educação, o mesmo pode ser definido como: Art. 5º Consideram-se educandos com necessidades educacionais especiais os que durante o processo educacional apresentarem: (..) III – altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes. (..) Art. 8o As escolas da rede regular de ensino devem prever e prover na organização de suas classes comuns: (..) IX – atividades que favoreçam, ao aluno que apresente altas habilidades/superdotação, o aprofundamento e enriquecimento de aspectos curriculares, mediante desafios suplementares nas classes comuns, em sala de recursos ou em outros espaços definidos pelos sistemas de ensino, inclusive para conclusão, em menor tempo, da série ou etapa escolar, nos termos do Artigo 24, V, “c”, da Lei 9.394/96. (..) (VIRGOLIM, 2007, p. 100). Já segundo o Conselho Brasileiro para Superdotação – ConBraSD: O superdotado/talentoso/portador de altas habilidades é aquele indivíduo que, quando comparado à população geral, apresenta uma habilidade significativamente superior em alguma área do conhecimento, podendo se destacar em uma ou várias áreas: • Acadêmica: tira boas notas em algumas matérias na escola – não necessariamente em todas – tem facilidade com as abstrações, compreensão rápida das coisas, demonstra facilidade em memorizar etc. • Criativa: é curioso, imaginativo, gosta de brincar com ideias, tem respostas bem humoradas e diferentes do usual. • Liderança: é cooperativo, gosta de liderar os que estão a seu redor, é sociável e prefere não estar só. • Artística: habilidade em expressar sentimentos, pensamentos e humores através da arte, dança, teatro ou música. • Psicomotora: Habilidade em esportes e atividades que requeiram o uso do corpo ou parte dele; boa coordenação psicomotora. • Motivação: torna-se totalmente envolvido pela atividade do seu interesse, resiste à interrupção, facilmente se chateia com tarefas de rotina, se esforça para atingir a perfeição, e necessita pequena motivação externa para completar um trabalho percebido como estimulante. (Apud VIRGOLIM, 2007, p. 102). ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 111 As investigações sobre as Altas Habilidades/Superdotação são previstas na legislação brasileira e visam a criação de metodologias específicas de atendimento ao grupo de crianças identificadas com traços característicos de AH/S. Diante da necessidade em oferecer aos indivíduos que compõem este grupo uma educação adequada e de qualidade, que corresponda aos seus interesses e disposições, se acredita que a filosofia tem muito a contribuir, afinal possui como cerne de sua ação a reflexão acerca do sentido dos acontecimentos, do seu fundamento e o hábito do questionamento. Estas poderão propiciar não apenas novos estudos e informações em relação ao fenômeno AH/S, mas produzir dados e elementos que permitam o desenvolvimento de diferentes propostas em educação, no que tange ao âmbito específico das pesquisas. A filosofia aplicada ao trabalho de potencialização de habilidades com crianças identificadas com AH/S significará refletir sobre os pressupostos filosóficos, pedagógicos, metodológicos, ideológicos presentes nas propostas educacionais especiais que vêm sendo aplicadas, podendo trazer grandes reforços no sentido de apresentar caminhos alternativos para o programa, bem como produzir novos conhecimentos sobre o assunto. Neste sentido, unindo a proposta de Lipman e o trabalho realizado na Secretária Municipal de Educação do município de Toledo – PR de estudo e identificação de crianças com AH/S, surgiu o Projeto Filosofia para Crianças com Altas Habilidades/Superdotação (AH/S). O projeto consiste em realizar encontros semanais (realizados na UNIOESTE – Campus Toledo) nos quais são propostas atividades, exercícios, jogos, entre outros, que servem de impulso para iniciar conversas e indagações orientadas no sentido do questionamento filosófico, promovendo um trabalho conjunto de construção do pensar e do saber, no qual as crianças são estimuladas a elaborar seus próprios conceitos. As atividades desenvolvidas envolvem leitura, interpretação, escrita, variações acerca de um mesmo tema, relações entre fatos, diferentes usos da linguagem, processos de pensamento e de expressão, relações espaciais, temporais e históricas, sensibilidade para as artes como modo de expressão e de invenção. Durante os meses de março a junho de 2015, ocorreram as ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 112 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE atividades do Projeto Filosofia para Crianças com Altas Habilidades/Superdotação, parceria UNIOESTE – SMED/Toledo. No decorrer destes quatro meses realizaram-se estudos e pesquisas bibliográficas com objetivo de elaborar e aprofundar a fundamentação teórica do trabalho e das oficinas desenvolvidas. Aconteceram, ainda, encontros semanais com as crianças (cerca de 30) encaminhadas pela SMED em dois turnos: matutino e vespertino, no período vespertino às terças-feiras e no período matutino às quartas-feiras. A organização dos grupos segue a lógica do contra turno escolar. Além disso, foi realizada a divulgação do trabalho em eventos de natureza técnico-científica. Nos primeiros encontros foram desenvolvidas, com os participantes, atividades que promoviam a compreensão de noções como grupo, equipe, união, cooperação, colaboração, segurança, etc. Iniciou-se com o curta: Alimento para todos e todas, produzido pela TV Caritas Brasileira, através do qual inseriu-se a questão: O que é filosofia? A questão foi debatida entre os participantes que foram instigados a manifestar comentários e interpretações sobre o tema. Durante o mês de abril, trabalhamos com a história “O reizinho mandão”, de Ruth Rocha, a partir da qual realizamos uma discussão, em que as crianças puderam questionar e apresentar suas ideias acerca do que perceberam ou pensavam sobre a história. As mesmas foram orientadas a expressarem seus pensamentos através de escrita e desenho. Também, iniciamos com a investigação sobre o conhecimento de mundo, que teve como questão condutora, Você conhece o mundo? Foram realizadas discussões acerca do tema, abordando diferentes elementos do mundo e o que se conhece dele. No mês de maio as atividades se concentraram sobretudo em estudos, pesquisas bibliográficas e elaboração das oficinas. Também foi realizada a divulgação do trabalho e dos resultados alcançados no Projeto no XV Seminário de Extensão da UNIOESTE – SEU 2015, que neste ano aconteceu no Campus da UNIOESTE de Marechal Cândido Rondon. Já no mês de junho, deu-se continuidade ao tema conhecimento. A questão que fundamentou as discussões foi: Como produzimos conhecimento? O objetivo foi investigar a gênese do processo de conhecer. Para tanto foram realizadas dinâmicas e atividades com músicas, abordando a questão sobre a construção de ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 113 conhecimento a partir do desenvolvimento da linguagem. Trabalhamos também com a história Lolo Barnabé, de Ruth Rocha, a partir da qual foram elaboradas questões sobre como conhecemos e construímos os objetos e se o conhecimento é necessário para a evolução. Os registros aconteceram através de escrita e desenho sobre os temas abordados. A abordagem sobre a questão do conhecimento teve continuidade, no mês de julho, com a leitura da obra O mundo inteiro, de Liz Garton Seanlon e Marta Frazze. Após a leitura, foram realizadas discussões sobre a história, buscando estabelecer relações com as discussões ocorridas nos encontros anteriores. Trabalhamos, ainda, com o curta da Disney, Donald no país da matemágica, 2002, que busca destacar os aspectos matemáticos presentes no cotidiano, nas artes e em diferentes elementos do mundo. A partir das questões levantadas e abordadas pelos alunos, na sequência realizamos uma dinâmica, leitura e discussão da história Menina bonita do laço de fita, de Ana Maria Machado. Esta atividade buscou correlacionar as diferenças e similitudes entre o curta e a história lida, convidando os participantes a pensarem sobre os elementos que caracterizam e definem o conhecimento prático e o conhecimento teórico, na medida em que ambos constituem modos de conhecer válidos, embora se constituam de diferentes maneiras. O projeto Filosofia para Crianças com AH/S, neste sentido, visa estimular e desenvolver de modo harmônico e integral as potencialidades criativas e o senso crítico destes estudantes. REFERÊNCIAS CHITOLINA, Claudinci Luiz. A criança e a educação filosófica /Claudinci Luiz Chitolina. – Maringá: Dental Press, 2003. DANIEL, Marie-France. A filosofia e as crianças / Marie-Francie; prefácio de Matthew Lipman ; tradução de Luciano Viera Machado – São Paulo: Editora Nova Alexandria, 2000. DONALD NO PAÍS DA MATEMÁGICA. Direção de Wolfgang Reitherman, Les Clark e Joshua Meador. Burbank, CA 91521, Estados Unidos: Walt Disney, 1959. Animação em curta-metragem. Duração 28min. Disponível em: [https://www.youtube.com/watch?v=BXQ8qm6hQHM]. Acesso em: 13 de agosto de 2015. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 114 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE HEUSER, Ester Maria Dreher. Filosofia como diálogo investigativo: O programa Filosofia para Crianças de Matthew Lipman. 2002. (Dissertação de mestrado apresentada no Programa de Pós Graduação em Educação nas Ciências, área Filosofia. UNIJUÍ. 2002). KOHAN, Walter Omar. Lugares da infância: filosofia / Walter Omar Kohan (org.) – Rio de Janeiro: DP&A, 2004. LIPMAN, Matthew. A Filosofia vai à escola. São Paulo: Sumus Editorial, 1990. MACHADO, Ana Maria. Menina bonita do laço de fita. Editora Àtica, 2007. ROCHA, Ruth, O reizinho mandão. Quinteto Editorial, 2009. ROCHA, Ruth, Lolo Barnabé. Moderna Editorial, 2010. SEANTON, Liz Garton. O mundo inteiro. Ed Paz e Terra, 2009. VIRGOLIM, Angela M. R. Altas habilidades/superdotação: encorajando potenciais / Angela M. R. Virgolim – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2007. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 115 A CRÍTICA DELEUZIANA À FILOSOFIA DE DESCARTES Vanessa Henning Graduada em Filosofia – UNIOESTE [email protected] RESUMO: Ao apresentar uma crítica a respeito da Imagem dogmática do pensamento no terceiro capítulo de Diferença e Repetição (1968), o filósofo francês Gilles Deleuze pretende apontar os perigos que a filosofia da representação demonstra em relação à produção de novos saberes na história da filosofia. Isto porque a produção conceitual apresentada no período moderno está formulada a partir dos pressupostos subjetivos, que apontam à repetição a forma da identidade e, à diferença, ao “negativo” do erro. Um exemplo disto são os pressupostos subjetivos presentes na filosofia de Descartes, que são levantados a partir de um sentimento e, transformados pelo filósofo de La Flèche, em axiomas da razão. Estes pressupostos apresentam na forma “todo mundo sabe”, de forma pré-filosófica os significados de pensar e ser, sendo a partir desses elementos a elaboração de um método que o conduza o pensamento à verdade. E é neste sentido que a filosofia de Descartes não propõe um pensar inédito, uma vez que toda a sua produção conceitual se encaminha sobre os pressupostos da filosofia da representação. Assim, diferentemente do pensador moderno, Deleuze entende que a figura do filósofo como a do grande legislador, cujo sentido intrínseco confere a de um genealogista que legisla em função da criação de novos valores. Assim é nesse sentido que o filósofo francês entende que a verdadeira crítica e a criação de novos valores têm o mesmo significado: a destruição da imagem de um pensamento que pressupõe a si própria, a gênese do ato de pensar no próprio pensamento. PALAVRAS-CHAVE: Imagem dogmática; Pensamento; representação; Descartes. Ao percorrer a obra Meditações Metafísicas, o cogito se apresenta estar imune a quaisquer pressupostos, dada todas as hipóteses que poderiam levar a um ciclo vicioso de possibilidades e acepções serem excluídas pelas exigências da dúvida metódica. O cogito é definido então, como a primeira verdade que inaugura o processo de conquista de novos conhecimentos ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 116 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE concebidos dentro da lógica da clareza e distinção15, uma vez que é dado puramente por meio de uma intuição intelectual, sem quaisquer dependências em relação a outros elementos possíveis. Este encontro do primeiro princípio na filosofia cartesiana apresenta o sujeito como uma res cogitans, isto é, uma realidade pensante não possuindo uma ruptura entre pensamento e ser. (Cf. REALE, 1990, p. 365.) Contudo, na análise desenvolvida por Gilles Deleuze no terceiro capítulo de Diferença e Repetição (1968) são apontados alguns pressupostos na construção da primeira verdade da filosofia cartesiana. Pois, ainda a intenção de Descartes tenha sido a de eliminar os pressupostos objetivos em seu procedimento investigativo, no momento em que extingue da natureza do cogito os conceitos de animal e racional, o filósofo não consegue escapar da presença dos pressupostos implícitos ou subjetivos que não se apresentam sob uma vestimenta conceitual, mas surgem de um sentimento particular e são transformados em axiomas da razão. Os pressupostos subjetivos levantados por Descartes aparecem de maneira pré-filosófica e em uma condição universal o significados de Ser e de Pensar. Assim, quando Descartes apresenta sua célebre frase “Penso, logo sou” ela se mostra como uma verdade impossível de negar, dado o conhecimento antecedente dos elementos envolvidos nesta proposição. Para Deleuze, “[...] todo mundo sabe, ninguém pode negar é a forma da representação e o discurso do representante [...]” (DELEUZE, 2009, p. 190), uma vez que pensar não se trata de uma atividade natural de uma faculdade, como também o pensamento não é capaz de pensar sozinho e nem por si mesmo, mas precisa ser forçado por elementos que se apoderam dele para, assim produzir um pensar no pensamento. É neste sentido que o filósofo afirma quando Descartes lança tal forma da representação, sua pretensão era selecionar somente os objetos que possam se reconhecer nos valores impostos pelo “[...] pressuposto de um pensamento natural, dotado para o verdadeiro, em afinidade com o verdadeiro, sob o duplo aspecto de uma boa Diz Descartes: “E, portanto, parece-me que já posso estabelecer como regra geral que todas as coisas que concebemos mui claramente e mui distintamente são todas verdadeiras” (DESCARTES, 1962b, p. 137). 15 ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 117 vontade do pensador e de uma natureza reta do pensamento” (DELEUZE, 2009, p. 190). Os pressupostos levantados no elemento da cogitatio natura universalis mostram que Descartes já esteve, desde o início relacionado com o objeto de busca, contudo apenas era preciso estabelecer um caminho para levá-lo ao verdadeiro; por este motivo, a construção de o método se mostra fundamental para que conduzir o sujeito aos objetos que correspondam ao que é de direito ao pensamento. A relação entre pensamento e verdade é apontada por Deleuze como condição essencial para a fundamentação da filosofia da subjetividade, pois mostra que a “[...] confluência das faculdades sobre um objeto traz em seu interior o ‘reconhecimento’ como resultado da concordância entre elas, tendo em vista a identidade desse mesmo objeto” (GELAMO, 2008, p. 166). Em Descartes, o pedaço de cera é concebido nos variados modos de percepções (visto, tocado, imaginado, concebido, etc.) pelo fundamento que as caracteriza como modos do sujeito pensante16. Assim sendo, o Eu penso é dado como começo, pois revela “[...] a unidade de todas as faculdades no sujeito; exprime, pois a possibilidade de todas as faculdades se referirem a uma forma de objeto que reflita a unidade subjetiva; ele dá, assim, um conceito filosófico ao pressuposto do senso comum, ele é o senso comum tornado filosófico” (DELEUZE, 2009a, p. 195). E é neste ponto que os elementos do senso comum e do bom senso mostram-se fundamentais para a constituição do modelo da recognição, ao passo que o senso comum revela a identidade atribuída ao cogito, como unidade da razão, em que é realizado o trabalho concordante de todas as faculdades - concórdia facultatum; e o bom senso, em sua função de conduzir e direcionar as faculdades para que elas tragam a forma do objeto como sendo o mesmo segundo a forma da identidade da unidade legisladora. Para Deleuze (2009, p. 133) a atividade exercida pelas determinações do cogito segue o modelo da recognição que permite apenas que se pense o diferente aquilo que é idêntico, semelhante, análogo e oposto, para que possa Pergunta Descartes: “Ora, qual é esta cera que não pode ser concebida senão pelo entendimento ou pelo espírito? Certamente é a mesma que vejo, que toco, que imagino e a mesma que conhecia desde o começo” (DESCARTES,1962, p. 133). 16 ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 118 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE ser mantido “[...] aquilo que é essencial como pressuposto: o modelo do bom, do belo, do verdadeiro, do importante, etc., e recorre a esses modelos para encontrar soluções para os problemas, tranquilizando o pensamento” (GELAMO, 2008, p.166). É por este motivo que as coisas pensadas por meio deste modelo não estimulam o pensamento a pensar, uma vez que o pensamento nada mais faz do que reconhecer a si mesmo no objeto captado pela recognição. Um exemplo disto, quando Descartes apresenta a essência do triângulo igual à soma de dois ângulos retos e, mesmo que não se pense a definição essencial do triângulo, ainda assim não se pode pensá-lo fora dessa igualdade. Isto quer dizer que embora estimule o pensamento a pensar tanto no triângulo como também nos seus ângulos retos, isso não permite uma problematização do conceito para que algo novo surja, pois tudo é suposto dentro do que já é definido como condição. Assim, nas palavras de Deleuze, [...] objetar-se-á que nunca nos encontramos diante de um objeto formal, objeto qualquer universal, mas sempre diante deste ou daquele objeto, recortado e especificado num emprego determinado das faculdades. A forma da recognição nunca santificou outra coisa que não o reconhecível e o reconhecido, a forma nunca inspirou outra coisa que não fossem conformidades. (DELEUZE, 2009, p. 195-196) Mas em que sentido, os pressupostos que formam a imagem dogmática podem ser perigosos ao pensamento? A periculosidade da imagem dogmática está no fato de aceitar apenas aquele pensamento que seja condizente com os valores impostos pela cogitatio natura universalis. Assim, todas as outras formas de pensar que escapam deste modelo são caracterizadas como erros, porque “[...] vêm uma falsa representação – uma falha no bom senso que toma o senso comum de forma bruta – caracterizada por uma falha na percepção e pelo falso reconhecimento” (Descartes, 2009, p. 196) O erro, desta forma, se caracteriza como “negativo” na ação do conhecimento, pois tudo que desviar o pensamento dos ditames do senso comum faz com que o leve a condução de falsas resoluções. Assim, pelo fato de o erro não representar um objeto como sendo o mesmo, todas as várias formas de pensar que fogem da imagem dogmática são reduzidas a erro e vestidas à figura do negativo. Um exemplo disto é o fato da esquizofrenia e ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 119 outras estruturas do pensamento, tais como a loucura, a besteira e a maldade não serem caracterizadas como formas de pensar filosóficas. Ora, que exemplo maior àquele da exclusão da loucura por parte de Descartes em suas Meditações Metafísicas?!17 Deleuze explica a noção de erro no pensamento a partir da junção com o postulado “privilégio da designação” com o exemplo de um professor que, ao pedir para um aluno elaborar um trabalho de um dado assunto, pode até encontrar em suas correções, coisas banais ditas como relevantes ou, também, problemas mal formulados e algumas observações sem sentido, entretanto, de nenhuma será apresentado algum “erro” no resultado, uma vez que já se tem estabelecido para a proposição um critério de verdade. Assim, todos os elementos são avaliados conforme esse critério de valor e encadeados conforme a lógica da recognição. Isso mostra que tais pressupostos na filosofia são agravantes ao pensamento, pois não propõem um novo pensar, mas apenas uma busca de soluções para problema dados. Ao contrário dessa concepção, Deleuze compreende o pensar como uma criação de problemas e, isso somente é possível quando o pensamento é violentado para tal ação. Ao propor uma violência às faculdades, sua intenção é para que elas possam sair de sua condição natural (cogitatio natura universalis) e não submeter ao modelo de pensamento posto pela recognição. Isso significa “[...] a destruição da imagem de um pensamento que pressupõe a si próprio a, gênese do ato de pensar no próprio pensamento”, não supondo ao conceito da filosofia, mas partindo de uma misosofia. (DELEUZE, 2009, p. 138). O filósofo propõe um aprender distinto daquele defendido pela a tradição ocidental, que é centralizado no modelo de recognição platônica. E é em sua obra, Proust e os Signos (1964), que Deleuze compreende e apresenta o ato 17 Para Descartes, a loucura deve ser abolida do sujeito que se propõe a traçar o processo meditativo do cogito, pois ela apresenta ser impossível de condicionar o pensamento às exigências da luz natural. O louco descrito por Descartes diz respeito ao homem preso nas percepções sensíveis, em que todos os seus conteúdos mentais referem-se a criações e interpretações de natureza empírica, sendo por este motivo incapaz de conduzir o pensamento à abstração dos elementos essenciais de uma realidade matemática. Sobre a loucura, escreve Descartes: “E como poderia eu negar que estas mãos e este corpo sejam meus? A não ser, talvez, que eu me compare e esses insensatos, cujo cérebro está de tal modo perturbado e ofuscado pelos negros vapores da bile que constantemente asseguram que são reis quando são muito pobres; que estão vestidos de ouro e de púrpura quando estão inteiramente nus; ou imaginam ser cântaros ou ter um corpo de vidro. Mas quê? São loucos e eu não seria menos extravagante se me guiasse por seus exemplos.” (DESCARTES, 1962, p. 118-119) ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 120 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE de aprender como um encontro com os signos e que, por sua vez difere do ato de saber defendido pela recognição, por este se limitar em buscar respostas a problemas já dados. Aprender diz respeito essencialmente aos signos. [...] Aprender é, de início, considerar uma matéria, um objeto, um ser, como se emitissem signos a serem decifrados, interpretados. [...] Alguém só se torna marceneiro tornando-se sensível aos signos da madeira, e médico tornando-se sensível aos signos da doença. [...] Tudo que nos ensina alguma coisa emite signos, todo ato de aprender é uma interpretação de signos ou de hieróglifos. (DELEUZE, 2003, p. 4) Assim, não se pode saber a forma como a pessoa aprende, uma vez que, como já vimos, para Deleuze, o pensamento não é de ordem natural. Apesar disso, independente do modo como a pessoa aprende, esse processo é sempre mediante os signos e não por meio de assimilações de conteúdos objetivos. Um exemplo disso, quando alguém se torna de modo repentino um especialista na arte de tocar violão, isso se deu porque em algum momento, os encontros que essa pessoa teve a fizeram despertar uma paixão pela música. É nesse sentido que o aprender, segundo Deleuze, se compreende como um acontecimento singular no pensamento, mostrando o que importa nesse processo é muito mais o acontecimento do que os elementos que se adquire com essa passagem. O processo de aprender se dá em meio à vida, quer seja na relação com coisas, quer seja com pessoas, pois sempre haverá algo que mobilizará um aprendizado. Assim, ainda que a forma como se aprende seja obscura, “[...] é apenas ao final que aquele conjunto de signos passa a fazer sentido; e, pronto, deu-se o aprender, somos capazes de perceber o que aprendemos durante aquele tempo, que nos parecia perdido” (GALLO, 2012, p. 3). Deleuze pretende, dessa forma, acabar com a imagem do pensamento baseado em um modelo da recognição. E é nesse sentido que o filósofo defende um pensamento sem imagem, sem pressupostos e direcionamentos que apenas podem nos levar a caminhos já trilhados. Ao contrário de uma cogitatio natura universalis, o pensamento surge quando ele é forçado e, isso acontece no momento em que se encontra um problema, ou seja, o problema é o que nos força a pensar. O aprendizado se ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio 121 dá pelo pensamento, e “[...] aprender é, pois, um acontecimento da ordem do problemático” (GALLO, 2012, p. 4). Por esse motivo, aprender em Deleuze nada tem a ver com adequação, mas a criação de algo novo, de algo singular, inédito e, isso somente é possível mediante uma violência ao pensamento. REFERÊNCIAS DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Tradução: Luiz Orlandi, Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal. 2009. DELEUZE, Gilles. Proust e os Signos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. In: Obra escolhida. Trad. J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. Editora: Difusão Europeia do Livro. São Paulo, 1962 GALLO, Sílvio. As múltiplas dimensões do aprender... Congresso de educação básica: aprendizagem e currículo – COEB. Florianópolis, Santa Catarina – SC, 2012. GELAMO, Rodrigo Pelloso. Pensar sem pressupostos: condição para problematizar o ensino da filosofia. Pro-Posições, v. 19, n. 3 (57) - set./dez. 2008. REALE, Giovanni. História da filosofia: Do Humanismo a Kant. Giovanni Reale, Dario Antiseri. Coleção filosofia São Paulo – SP, 1990. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 122 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR MODALIDADE CARA-A-TAPA 124 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE DA RELAÇÃO ENTRE PSICANÁLISE, FÍSICA QUÂNTICA E SEMIÓTICA: UM NOVO CONHECIMENTO Alexandre Moschen Ortigara UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná [email protected] RESUMO: Partindo da busca do desvelamento do desconhecido, é que relacionar Psicanálise, enquanto postuladora de um inconsciente, ou desconhecido interno, à Física Quântica, enquanto propositora do desconhecido externo, em conceitos como energia escura, antimatéria, princípio da indeterminação, e tendo como elo a semiótica que a proposta desse trabalho foi possível. A partir do conceito de Onipotência, presente na psicanálise, a crença de poder tudo está presente, é possível verificar como essa crença permanece enquanto fé no hábito para validar a razão, e a partir dessa fé, enquanto onipotência é que se buscará propor um novo conhecimento, a partir de uma nova utilização, numa nova direção. Para finalizar, se reafirma que essa onipotência humana é a origem do conhecimento, reafirma que a razão é fé no hábito, e afirma ser possível construir um novo conhecimento se se relacionar psicanálise, física quântica e semiótica. PALAVRAS-CHAVE: Onipotência; Psicanálise; Física Quântica; Semiótica; INTRODUÇÃO Às comparações realizadas entre xamã/feiticeiro e sacerdote, e adicionando o professor, segundo os quais eles são os meios de invocação de poder das respectivas épocas da civilização abordados por Freud em Totem e Tabu (1913), Foucault em “A ordem do discurso”, adiciona elementos importantes à discussão. Um outro conceito de “Discurso Verdadeiro”, que consiste em desejo e poder, sintetizados nesse trabalho na forma de desejo de poder, ou ainda onipotência. Para esse fim será necessário conceber que o humano possui um inconsciente que contém os desejos mais íntimos e que por sua vez são Amorais. Esses desejos têm uma carga de energia que conduzem ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Modalidade cara-a-tapa 125 às ações que possuem muito mais controle sobre o humano que sua própria consciência perceptiva. Partindo da relação cósmica com o homem, serão citados alguns modelos cosmológicos a título de comparação da importância humana em cada modelo. Em seguida serão citados alguns limites da razão e como ela foi delimitada, e mesmo com esses limites serviu de base para construir a ciência moderna, que em muito contribuiu para melhorar a vida humana. Por fim será abordado como essa onipotência humana se manifesta nas relações e como ela se perpetua e principalmente como pode ser maléfica ao humano. Este trabalho iniciou pelo seu final e os desdobramentos que seguem são fruto de reflexões, conversas filosóficas, debates em sala, e análise psicoterapêutica. CONCEITO DE ONIPOTÊNCIA Ao abordar a onipotência como tema central, faz-se necessário, inicialmente, uma apresentação do conceito, bem como suas implicações na vida do sujeito nas fases iniciais e complementares do desenvolvimento. Onipotência pode ser definida pela própria palavra, que pode ser interpretada como “pode tudo”, ou ainda “possui tudo”. Sua origem psíquica tem origem no Id, que é constituído pelo princípio do prazer, e está presente no humano desde o seu nascimento. Na primeira fase do desenvolvimento humano, essa onipotência constitui-se na relação do bebê com a mãe. Nessa relação, a mãe é para a criança parte dela, criando assim uma relação simbiótica para com a mãe. Com essa simbiose, a onipotência da criança está na figura da mãe, vez que a função materna satisfaz as necessidades alimentares da criança. Portanto, a onipotência está constituída na mãe, enquanto objeto de satisfação plena da criança. Com isso podermos reformular o conceito de onipotência como desejo de poder tudo, e é esse entendimento de onipotência que se adota no decorrer desse trabalho. Ao entrar em contato com o mundo externo a criança inicia o processo de dissociação dessa simbiose com a mãe, é a partir da ausência que a criança inicia a construção do Ego (Eu), e assim desenvolve essa outra instância psíquica, onde o id buscará através desse Ego, de realidade, ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 126 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE satisfazer seus desejos. Nesse processo de constituição do sujeito em que inicialmente tudo é o sujeito, há, num segundo momento, uma diferenciação entre o eu e o outro, inicia o processo de alteridade até então inexistente. Aqui, nesse estágio do desenvolvimento do humano, o mundo dualista é predominante, suas relações partem sempre de si para com o outro e muitas decisões se resumem a certo ou errado, bem ou mal, ou ainda uma vida em preto e branco, sumarizando, uma vida dualista. Nesse momento da vida, as concepções de mundo e, portanto, de perceber o mundo e construir o conhecimento se resumem a dualidade da escolha e, talvez por esse motivo, as religiões expliquem o mundo dessa forma, dividindo a maioria das relações entre bem e mal, que coincidem com a maneira de Platão e Aristóteles explicarem o conhecimento: entre o mundo das ideias e o mundo sensível, segundo Platão; e entre a razão e a experiência, segundo Aristóteles. Num segundo momento de apreensão do conhecimento, essas relações se alteram. Também se alteram as concepções de mundo daquela criança que continua a se desenvolver, e ela possui uma capacidade simbólica mais elaborada que daquela que possui Id e Ego (Eu), afinal, agora ela possui uma outra instância psíquica, o Super-Ego (Ideal de Ego). Nessa criança já existe uma internalização da culpa, as relações que eram de pura satisfação de desejo inicialmente pelo Id, e que encontraram na realidade – com o Ego – grandes obstáculos, agora necessitam superar novos desafios para encontrarem sua satisfação, necessitam satisfazer desejos que não são moralmente aceitos e, para isso, aprimora essa simbolização para a concretização dessa satisfação. Pode-se afirmar que ocorre uma transformação da maneira de satisfazer um mesmo desejo, o que antes era satisfeito de uma maneira, agora diante da impossibilidade de satisfação completa, consegue satisfações parciais por conta da do instrumento da sublimação, a ilusão consciente. Nesse momento, a relação com o conhecimento ganha um grande salto de qualidade, a capacidade de abstração está desenvolvida a partir de uma relação entre dois objetos, (duas coisas, duas entidades), chega-se a um terceiro resultado, diferente das duas possibilidades, construindo assim um ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Modalidade cara-a-tapa 127 novo objeto, sentido ou resultado. Peirce estabelece, a partir da Semiótica, uma relação mais nítida com a simbolização e construção do conhecimento. Num terceiro momento do conhecimento, Einstein, com a Teoria da Relatividade Geral, nos apresenta uma nova relação de entendimento de mundo, ao afirmar que a velocidade não é a mesma em todos os lugares do universo, vez que a energia presente num corpo altera velocidade da relação dos objetos no espaço-tempo, e com essa descoberta apresentam novas dificuldades de fundamentação do conhecimento. Fazendo uso dessa capacidade simbólica mais elaborada, podemos, por meio de uma analogia, entender que possuímos as características atômicas de quaisquer objetos encontrados na natureza, ou seja, somos feitos de átomos. Se fosse possível utilizar essa mesma descoberta de Einstein em átomos, verificar-se-ia a mesma alteração da velocidade na relação desses átomos, conforme a sua proximidade. Ao falarmos de humanos, que são compostos por estes átomos, pode-se utilizar da mesma analogia, quando encontram-se numa relação de intenso prazer, a percepção temporal é alterada, constatada somente ao consultar o decorrer do tempo. No olhar para o relógio espanta-se com o passar do tempo tão acelerado, num momento de grande satisfação, ou ainda intensa relação de energia libidinal. DA CONCEPÇÃO DE MUNDO E CONCEPÇÃO DE HOMEM Ao se localizar no cosmos aristotélico, tendo como centro do universo a Terra, o conhecimento humano era buscado para explicar a finalidade das coisas e dos eventos em benefício do homem. Ao romper com essa teoria, Copérnico demonstra que o Sol é o centro e não mais a Terra. Com essa perfeição divina da igreja desfeita, que se baseava no sistema aristotélico, o homem está lançado a sua própria sorte, não depende mais dos desígnios e benevolência divina para melhorar sua existência, e sim do conhecimento que possui sobre a natureza, agora não mais possui importância divina, não está mais no centro do cosmos. Com a Teoria da Relatividade Geral, Einstein possibilita ainda outro modelo, onde não há mais um centro próximo do homem. Entender essa construção do conhecimento cosmológico é entender antes a própria ideia de ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 128 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE construção de conhecimento, onde teorias antes aceitas servem de base para o homem se pensar no mundo, e a partir disso como se relacionar com esse mundo e o quê esperar dele. Com essas relações, explicar o cosmos é explicar a importância do homem na relação da vida com a natureza a qual ele está lançado. Se num primeiro momento é privilegiado pelo divino, que tudo cria para o homem, num segundo momento está abandonado a própria fortuna, e só depende dele assumir a responsabilidade pela sua existência. DA BASE DO CONHECIMENTO Kant propõe delimitar a razão ao apresentar, em sua Crítica da razão pura, de que modo se apresentam esses limites da razão e a partir daí as ciências têm grande desenvolvimento e aumenta-se significativamente os ramos estudados pela ciência empírica até a chegada da Teoria da Relatividade Geral, que se desdobra na Física Quântica e abre portas a à novos fundamentos do conhecimento. Kant encontrou em Hume, a afirmação que o “despertou do sono dogmático”, ao afirmar que nosso conhecimento acerca da verdade empírica está pautado puramente no hábito, demonstrando a falta de garantias que existe ao afirmar que o sol irá nascer novamente no horizonte ao leste. Essa afirmação é pautada na fé da experiência que se repete, ou puramente na fé nos sentidos que percebem essa experimentação de mundo. E no seu Tratado sobre o entendimento humano, o próprio Hume demonstra como nossos sentidos nos traem. Encontra-se em Peirce uma fundamentação geral para essa proposta de relações entre psicanálise e física quântica através da semiótica como uma teoria/doutrina dos signos. Nessa relação metafísica versus epistemologia, a semiótica aparece como grande mediador, ou quase unificador, desse conflito entre o que é possível pensar e o que é possível conhecer, remetendo a diferenciação proposta por Kant. De universal, enquanto cabível tanto à metafísica quanto à epistemologia, possui-se somente a matemática. Se a matemática é o único conhecimento universal, vez que explica atos puros de razão, ou o que é possível pensar, e também explica atos da experimentação, ou que é possível ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Modalidade cara-a-tapa 129 conhecer. Porém, não explica necessariamente como se atribui valor a algo tendo como valor algo puramente subjetivo, e aí a semiótica consegue relacionar mais adequadamente as relações de valor, principalmente quando relacionadas à psicanálise. COMO SE MANIFESTA A ONIPOTÊNCIA NAS RELAÇÕES Com o entendimento de que quando nos relacionamos com algum objeto trocamos energia com o mesmo, é que se buscará identificar o problema da onipotência nas relações. Porém, antes é necessário retomar que quando se descreve o ser humano enquanto entidade psíquica fala-se de um sujeito em desenvolvimento, e que, portanto, não perde suas características mais elementares, e sim as conserva, modificando por meio da simbolização ou semiose, a manifestação/satisfação do mesmo desejo primário, como explica a psicanálise. Tendo em vista o conceito inicial da onipotência, em Totem e Tabu, Freud cita A Origem das Religiões, de Hume, para quem há uma tendência universal, entre os homens, de conceber todos os seres como eles próprios e de transferir para todos objetos qualidades que conhecem familiarmente e de que estão intimamente cônscios. Aqui necessitaria de uma atualização psicanalítica. La Planche, em sua Teoria da sedução generalizada, a partir de uma sedução originária, como o autor assim define: “[...] esta situação fundamental na qual o adulto propõe à criança significantes não-verbais tanto quanto verbais, e até comportamentais, impregnados de significações sexuais inconscientes” (LAPLANCHE, 1988, p. 119), possibilita a demonstração desse processo inconsciente nas mais corriqueiras relações humanas. Talvez a proposta aqui não seja permanecer nessa relação do adulto com a criança, mas a partir desse inconsciente que se comunica com o outro inconsciente, ou ainda seduz esse inconsciente, demonstrar como nossas relações estão impregnadas de sexualidade, e como nessa construção do conhecimento, essa relação sofre grandes perdas a partir de discursos carregados de uma onipotência. Assim, as figuras dos cuidadores estabelecem uma relação de sedução inconsciente com seus tutelados, e também passam características ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 130 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE inconscientes a essas entidades psíquicas de desejo. Portanto, se fossemos atualizar a citação de Hume com uma adição psicanalítica, visualizar-se-ia assim: para uma tendência universal, entre os homens, de conceber todos os seres como eles próprios e de transferir para todos objetos qualidades que conhecem familiarmente e de que estão cônscios e não-cônscios. Com isso é possível entender a característica de onipotência atribuída aos deuses. O humano lactante, o bebê humano, não perdeu essa característica, somente simbolizou diferente esse desejo de poder tudo. Diferente do deus onipotente e bom de Descartes, ao qual é vedado construir uma arma que possa destruir ele mesmo, essa onipotência presente no humano, cada vez mais tem demonstrado o seu potencial destrutivo, de extinção da própria vida biológica celular, que tanto diferencia esse pequeno ponto no universo chamado Terra. Em sua obra A Ordem do Discurso, Foucault, no início de sua aula, comenta sobre três sistemas de exclusão que se dão pelo discurso, a saber: “[...] a palavra proibida, a segregação pela loucura e a vontade de verdade” (FOUCAULT, 2014, p. 18). Seguindo o texto, relaciona a vontade da verdade ao desejo e ao poder nas palavras que seguem: “[...] é que se o discurso verdadeiro não é mais, com efeito, desde os gregos, aquele que responde ao desejo ou aquele que exerce o poder, na vontade de verdade, na vontade de dizer esse discurso verdadeiro, o que está em jogo, senão o desejo e o poder?” (FOUCAULT, 2014, p. 19). Nessa invocação da verdade, que possui por caráter a exclusão, podese fazer alusão ao sujeito narcísico, onipotente em seu pensar, que dispensa o outro, pois se basta nessa relação de satisfação que o discurso da verdade lhe proporciona, como uma autoerotização, no qual o outro é desnecessário às suas realizações, assim numa possível alternância entre termos esse eu narcísico poderia ser um eu onipotente. Onipotente por conta dessa relação onde pode tudo através do seu discurso de vontade de verdade, ou invocação do dito que se autoerotiza. Se fosse possível sumarizar esse sujeito que se erotiza na vontade de verdade, ou ainda que se erotiza na palavra que contém desejo e poder, poderíamos sintetizar como um desejo de poder, e um desejo de poder tudo pela palavra; poderia se afirmar que esse sujeito narcísico é um sujeito ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Modalidade cara-a-tapa 131 onipotente. E aqui esse conceito de onipotência se mescla aos sentidos semânticos do narcisismo e de vontade de verdade. Parece não ser possível estabelecer um primeiro contato de prazer com o conhecimento sem sentir satisfação com a maneira como o autor explica ou demonstra um novo conhecimento, no caso pela escrita, sem ser afetado por essas palavras, que, no caso, afetam nosso inconsciente. Estabelecida essa relação de identidade com o autor, ao ser questionado acerca do autor (estudado) ou dos argumentos que ele utiliza, em certa quantia se estará questionando não somente o autor, mas também o professor e, dependendo da relação que ele possui consigo, possivelmente se ofenderá com o questionamento e a resposta acerca de uma indagação, de uma curiosidade, em muito se assemelhará a pregação do sacerdote que invoca a punição divina para devidos questionamentos. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir disso, entende-se que a fonte do conhecimento/saber/entendimento está nessa relação de onipotência desse sujeito que possui como primeiro desejo de poder tudo, ou retornar à condição onde não havia nenhuma falta, construído a partir da relação do desenvolvimento humano com o desenvolvimento da civilização. Entende-se ainda que a razão nada mais é que a fé no hábito da repetição da experiência frente à capacidade de criar nexo entre as relações que se apresentam com os objetos, e por isso, apresenta-se somente como mais um ato de fé, e que por meio dessa fé produziu-se e produz-se coisas inimagináveis ao homem totêmico. Entende-se também que continua se reproduzindo essa onipotência destrutiva nas mais variadas relações humanas, sejam com objetos coisas, objetos humanos, objetos animais, objeto vida, objeto mundo. Entende-se por fim, partindo de uma lógica de signos e relações simbólicas, que há grande convergência entre psicanálise e física quântica, e que se ambas forem mediadas pela semiótica é possível compreender melhor algumas relações humanas para consigo mesmo, para com o conhecimento e para com a sua percepção de mundo. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 132 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE REFERÊNCIAS ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da Educação e da Pedagogia: geral e Brasil. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2006. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Leituras Filosóficas. Tradução Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo. Edições Loyola, 2014. FREUD, Sigmund. (1905). Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: _____. Obras psicológicas completas. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 7. FREUD, Sigmund. (1911). 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São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007. NIETZSCHE, Friedrich W. Escritos sobre a educação. Trad. Noeli Correia de Melo Sobrinho. Rio de Janeiro: PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2003. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR RESUMO 134 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE COMO ENTENDER E CONVIVER COM ESSE FENÔMENO CHAMADO CRIANÇA Eli Schmidtke Unioeste [email protected] RESUMO: O ser humano nasce envolto em uma cultura, e essa cultura vai influenciar diretamente o seu modo de vida. Com o passar do tempo recebemos tantas informações do meio em que vivemos que acabamos por agir de forma automática, o que nos faz lembrar René Descartes quando afirma “[...] a longa e familiar convivência que tiveram comigo deu-lhes o direito de ocuparem meu espírito contra meu desejo e de se tornarem quase que senhoras de minha crença.” (Descartes, 2009, p.158). É esse convívio que faz com que vivamos sem questionar os acontecimentos. Eles estão dados, eles estão resolvidos, mas no final da citação anterior aparece a palavra quase, e é essa palavra que vai abrir a porta para o questionamento e nesse caso específico, o questionamento sobre a criança. A criança quando nasce é considerada filho(a) de alguém. Alguém é responsável por essa forma de vida, e é sobre essa responsabilidade que estaremos descrevendo e questionando. A criança deve ser acolhida, protegida e para isso alguém precisa se dispor a isso, geralmente quem se dispõe é conhecido como pai e/ou mãe, mas essa disposição geralmente é confundida com posse, e é essa posse que também discutiremos ao longo desse texto. A criança é uma forma de vida, quando nasce ela não está isenta de mundo, ela já é possuidora de informações. Devido ao nosso modo de vida somos levados a acreditar que precisamos imprimir nesse novo ser nosso jeito de viver. Não olhamos para esse ser como alguém que está no mundo e que por estar no mundo é preciso ter com ele uma interação18. A interação se torna dificultada por causa da criança nos parecer tão pequena, desprotegida e frágil. Essa visão acaba por confundir nossos sentidos e faz com que olhando para aquela figura nos esqueçamos que ela pode interagir de 18 sf (inter+ação) 1 Ação recíproca de dois ou mais corpos uns nos outros. I. social, Sociol: ações e relações entre os membros de um grupo ou entre grupos de uma sociedade. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Resumo 135 outros meios, como por exemplo, a audição, é possível estimular uma criança com sons. O olfato pode ser estimulado com cheiros e aromas, a visão pode ser estimulada com objetos visuais, o paladar está disponível para alimentação exclusiva de leite materno até o sexto mês, mesmo assim é fonte de prazer para a criança, e o tato que é o principal órgão receptor da criança, o tato é a extensão do corpo. Toda ação feita pelo adulto responsável vai se transformar em estímulos e o bebe vai responder, ou ter a informação sobre a ação do adulto. Por exemplo, se o adulto ao se dirigir ao berço e o apanhar com mais força, ou mais rápido, a criança percebe esse movimento. Se nos atentarmos para esses detalhes e ter a criança como individuo capaz de se comunicar e transferir informações e não nos deixar levar pelos nossos sentimentos e observações erradas sobre ela, ou seja, se dominarmos nosso corpo e nossa alma para o reto caminho, que nesse caso é a interação por completo com a criança, teremos também um relacionamento proveitoso e talvez um ser humano mais livre e mais feliz, pois ele é autônomo e pode decidir sobre sua vida e seu futuro. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 136 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR RELATOS DE EXPERIÊNCIA DAS OFICINAS DE FILOSOFIA PARA O ENSINO MÉDIO 138 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE APRESENTAÇÃO Neste capítulo o leitor terá acesso a Relatos de Experiência de Oficinas de Filosofia aplicadas ao Ensino Médio. Tendo em vista que o curso de Filosofia da Unioeste é uma licenciatura, o colegiado deste tem a preocupação na formação de professores. A Semana Acadêmica do curso é, sem dúvida, um momento único não só para pensar o ensino de Filosofia no Ensino Médio, bem como para oportunizar a participação dos estudantes das escolas da região, que conhecem o ambiente universitário e, através de oficinas elaboradas para eles, entram em contato com problemas filosóficos diversos. Os oficineiros foram desafiados a desenvolver a Oficina a partir de um problema filosófico e com uso de fragmentos de textos de filósofos, o que resultou no desenvolvimento da atividade de Oficina em quatro etapas fundamentais: sensibilização, problematização, investigação e formação de conceitos. Participaram desta modalidade de atividade na Semana Acadêmica as seguintes escolas: Colégio Estadual Jardim Europa (Toledo); Colégio Estadual Presidente Castelo Branco/PREMEN (Toledo); Colégio Estadual Senador Attílio Fontana/CESAF (Toledo); Colégio Estadual Dario Vellozo (Toledo); Colégio Estadual Germano Rohden – EJA (Toledo); Colégio Estadual Vinícius de Morais (Tupãssi); Colégio Estadual Novo Horizonte (Toledo); Colégio Estadual Luiz Augusto Moraes Rego (Toledo); Colégio Martin Luther (Marechal Cândido Rondon). Além de propiciar uma importante experiência de aproximação entre as escolas e a universidade, debatendo temas filosóficos, o objetivo desta atividade, que aqui se apresenta na forma de Relatos de Experiência, é o de fornecer material didático para os professores de Filosofia das redes pública e privada utilizarem em suas aulas. Os temas filosóficos desenvolvidos com os alunos do ensino médio nesta edição da Semana Acadêmica e que aqui aparecem em forma de Relatos de Experiência, foram os seguintes: “Discutindo o gosto: aspectos da identidade pessoal em David Hume”; Delírios do consumo na perspectiva de Benjamim Constant”; “A liberdade a partir do viés político de Benjamim ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 139 Constant”; “Sexualidade e Discursos em Foucault”; “Existencialismo em JeanPaul Sartre” e “Sartre: Estamos condenados à liberdade?”. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 140 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE DISCUTINDO O GOSTO: ASPECTOS DA IDENTIDADE PESSOAL EM DAVID HUME Alderberti Batista Prado19 Angélica de Fátima de Almeida Lara20 Cristiane R. Xavier Candido21 Gelmano Ferreira da Rocha22 Célia Machado Benvenho Nelsi Kistemacher Welter23 INTRODUÇÃO “Gosto é coisa da sua cabeça”? “Gosto não se discute”? O intuito dessa oficina é promover, juntamente com os alunos do Ensino Médio, uma reflexão acerca da identidade pessoal, perspectivando o lugar e o papel que os gostos assumem na antropologia humana, refletindo sobre suas dimensões psicológicas e a sua especificidade e atentos à liberdade humana. Nessa perspectiva, buscaremos pensar: o que faz de nós o que somos? O que permite que nos reconheçamos? Será nossa identidade, paradoxalmente, aquilo que nos distingue? Como escolhemos nossos gostos? Pressupomos que a psicologia é a ciência que compreende o homem a partir das condições que, ao mesmo tempo o limita, mas também lhe fornece estruturas. Hume nos apresenta em seu ensaio “Do padrão do gosto” uma análise psicológica e antropológica das dimensões do gosto, buscando pensar as características mais ou menos perniciosas para a sociedade. Apresentando a variedade de gostos nas culturas, ele estabelece uma divisão para seus aspectos: o gosto é natural e é também cultural, alegando que esta variedade de gostos na sociedade é aparente e está no âmbito cultural, ao qual ele chamará de âmbito geral do gosto, que se relaciona com a ciência e a opinião e sempre acompanha o estabelecimento dos “padrões de gosto”, enquanto o gosto natural, ou o âmbito específico do gosto, será relacionado à moralidade e a 19Licenciado na Graduação de Filosofia pela Unioeste campus Toledo. Licenciada na Graduação de Filosofia pela Unioeste campus Toledo. 21 Acadêmica do 4º ano em Licenciatura do Curso de Filosofia campus Toledo; Bolsista de Iniciação à Docência do PIBID Filosofia. 22 Licenciado na Graduação de Filosofia pela Unioeste campus Toledo. 23 UNIOESTE, Professoras coordenadoras da atividade Oficina Didática de Filosofia durante a SAF da Unioeste; [email protected], [email protected]. 20 ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 141 casos particulares de ciência, e diz respeito a uma propensão natural do homem a aprovar a virtude e reprovar o vício. Utilizando o exemplo do personagem Ulisses de Homero e de Fénolon, ele busca demonstrar que é fácil condenar o primeiro e aprovar o segundo a partir do gosto porque esse sempre se associa aos nossos prazeres. Ninguém gosta do que lhe causa dor, se um masoquista gosta de se machucar é por que isso lhe causa prazer, se não lhe causasse, não poderíamos alegar que sua ação se pauta em um gosto. Essa enigmática identidade entre gosto e prazer é própria e natural à humanidade? Afinal, o gosto é “uma capacidade de perceber belezas”? A beleza não é uma qualidade objetiva e sim uma percepção do espírito, sendo diferente para cada um? É o que buscamos refletir nesta oficina. PALAVRAS-CHAVE: Delicadeza; Gosto; Percepção Estética. PÚBLICO PARTICIPANTE: Oficina aplicada aos alunos (26 alunos) do 4º ano de ADM (Ensino Médio Técnico em Administração Integrado) do Colégio Estadual Senador Attílio Fontana - CESAF, além de professores da rede estadual de ensino eacadêmicos do curso de Filosofia da Unioeste campus Toledo. DURAÇÃO: o tempo utilizado para o desenvolvimento da atividade foi de 2:00h. OBJETIVOS DA OFICINA: Refletir sobre o gosto; explorar formas de se indagar pelo nosso problema da identidade; evocar a arte em momentos recorrentes, para sensibilizar e evidenciar alguns aspectos do gosto;problematizar o status da identidade a partir do gosto, buscando pensar em que sentido o gosto faz com que nos reconheçamos; buscar historicamente suas dimensões, refletindo sobre as culturas de massa e sua relação com os sistemas políticos; evocar fatos sociais, suas consequências e influências sobre o gosto;conceituar o gosto, ao fundamentarmos e explorarmos o pensamento do filósofo escocês ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 142 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE David Hume, cujas considerações a respeito do gosto consideramos pertinentes de apresentar seu contraponto, i.e. uma perspectiva racionalizada, geométrica do gosto, expressa na simetria. RECURSOS DIDÁTICOS: Para a realização da atividade foram utilizados os seguintes recursos e materiais: imagens diversas, tesoura, fita adesiva, quadro negro, giz, 6 cartolinas de cores variadas, canetinhas, projetor multimídia (para exibição de trecho de filme e slides produzidos no Power Point), caixa de som, 50 folhas sulfite A4, 50 canetas esferográficas, 50 copos descartáveis, 2 térmicas, suco de laranja natural, exposição oral. DESENVOLVIMENTO: 1ª ETAPA: SENSIBILIZAÇÃO (aproximadamente 35 minutos) Num primeiro momento, convidamos os alunos a entrarem e observarem o ambiente preparado com estímulos visuais. Tratavam-se de imagens diversas extraídas da internet, com cartolinas possuindo diversas frases e trechos de poemas de variados autores (vide imagem 1), e a provarem um suco que trouxemos para apreciação (vide imagem 2). Como o intuito era buscar demonstrar como os gostos constituem a nossa identidade, propomos aos alunos que expusessem, através do diálogo, algumas de suas paixões e preferências, escrevemos as seguintes categorias de gostos no quadro: música, filmes, novela, comida, esporte, jogo, cor, lugar, banda, na escola, religião etc. e alguns falaram um pouco sobre o que gostavam ou não gostavam, mostrando que de certa forma isso expressa o que somos, e permite que nos conheçamos, tanto a nós mesmos como os outros, i.e. expressa nossa identidade, afinal “somos assim” e “não assado”. Pedimos a cada participante que escolhesse alguns gostos de “suas preferências” e escrevessem em um papel. Nesse primeiro momento, consideremos importante que eles pudessem se reconhecer e conhecer os outros a partir destas preferências. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 143 Imagem 2 Imagem 1 Na sequência, foi passado um trecho do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, filme francês lançado em 2001, escrito por Guillaume Laurant e dirigido por Jean – Pierre Jeunet, no qual ela apresenta seus pais e a si mesma a partir dos gostos, evidenciando a delicadeza de Amélie ao sentir prazer nas coisas simples (vide imagem 3). Imagem 3 2ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO (aproximadamente 20 minutos) Embora isso não seja muito claro, pensamos que os alunos iriam concordar com a expressão da identidade a partir do gosto e que este deve ser buscado individualmente e garantido socialmente (numa perspectiva de que “os vícios privados constituem as virtudes públicas”), e aí é que começa nossa problematização. De fato, os participantes defenderam que o gosto era ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 144 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE momentâneo, efêmero, num primeiro momento, enquanto buscávamos proporcionar uma reflexão mais aprofundada dos participantes em relação aos seus próprios gostos. Buscamos refletir com eles se os gostos formam nossa identidade por que a cultura e a sociedade costumam banir determinadas práticas e excluem alguns gostos. Se o gosto expressa o que somos, como ele passa a ser caracterizado como um vício? Usamos exemplos históricos para ilustrar essa limitação, o caso da pedofilia, o exemplo de Nero, Maria Antonieta, etc. Por fim, ainda os indagamos se há gostos que não são efêmeros e como pensar a arte ao longo da história em meio a isso (vide imagem 4). Imagem 4 3ª ETAPA: INVESTIGAÇÃO (aproximadamente 35 minutos) Imagem 5 ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 145 Imagem 6 Iniciamos uma discussão sobre a consolidação dos padrões de gosto na sociedade, sua origem e função, como, por exemplo, o patenteamento da beleza a partir da máscara Phi, como expressão da simetria, do padrão (vide imagens 5 e 6). Com isso, buscamos refletir sobre as culturas de massa e alguns padrões históricos específicos. Ao mostrarmos que estes padrões influenciam nossas preferências, buscamos pensar em nossa autonomia frente o gosto, afinal, “somos livres para gostar, mas não para escolher do que gostar”, como apontou Schopenhauer. Apresentamos, com isso, uma perspectiva racionalizada de um padrão de gosto e sua relação com a harmonia matemática. 4ª ETAPA: FORMAÇÃO DE CONCEITOS (aproximadamente 30 minutos) Propusemos uma leitura dirigida de um excerto do texto “Do Padrão do Gosto”, no qual Hume utiliza uma passagem de Dom Quixote para exemplificar a sensibilidade e a imaginação sob o manto da delicadeza (vide imagem 7), com o intuito de demonstrá-la. Utilizamos um exemplo em que Hume retrata a delicadeza com relação à percepção. Neste momento, descortinamos um experimento tácito realizado com os participantes desde o início da oficina, mas a felicidade do experimento dependeu do fato de os alunos desconhecerem sua natureza, tratava-se de um pouco de canela que havia sido colocada no suco, e perguntamos se eles haviam percebido algo diferente no suco e o que era. Nenhum deles percebeu a canela no suco. Finalizamos com a fundamentação, após a leitura dirigida do excerto de Hume, ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR para 146 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE compreendermos a dimensão do gosto, sua consolidação e legitimidade. Pedimos que eles escrevessem atrás do papel contendo “suas preferências”, baseado no que foi discutido na oficina, o que ele vê no seu gosto, ao que o seu gosto o remete, (mas de fato eles acabaram somente falando por uma falta de tempo). O intuito dessa atividade foi de levá-los a refletirem sobre sua origem psicológica e antropológica, atentos à percepção estética como elemento primário da educação estética, uma educação da percepção. Independente de esse gosto ser secreto ou partilhado, será que os alunos puderam refletir sobre suas origens? Imagem 7 AVALIAÇÃO DA OFICINA: Iremos apresentar esta avaliação a partir de duas perspectivas: do ponto de vista dos alunos (e outros participantes) e do nosso. Para compreender o primeiro, nos ativemos a um questionário que entregamos a eles no final da oficina, assim como seus relatos e manifestações referentes a ela. De modo geral, o que se pode observar nas suas considerações, coincidentemente, foi justamente o que consideramos necessitar de ajustes, i.e., estas perspectivas convergem. A maior consideração a ser feita seria com relação a uma maior sincronia entre os exemplos e a teoria. Alguma vez, durante a oficina, apresentamos o exemplo considerando estar suficientemente claro. Os relatos dos participantes manifestaram que os aspectos mais teóricos apresentados ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 147 durante a oficina, e que não foram situados através de exemplos, não puderam ser tão bem compreendidos. Longe de considerar a que se deve isso, nosso intuito é adaptar esta sincronia. Um pouco de nervosismo atrapalhou, mas, em geral, ficamos satisfeitos com os resultados. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: HUME, David. Do Padrão do Gosto. In: Ensaios morais, políticos e literários. Tradução de João Paulo Monteiro e Armando Mora D’Oliveira. São Paulo: Nova Cultural, 1999. Pg. 333 – 350. PLATÃO. A República. Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira. 8ª edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. OUTRAS REFERÊNCIAS: DA VINCI, Leonardo. O homem vitruviano. 1490. Disponível em:<http://mlb-s2p.mlstatic.com/poster-30x45cm-leonardo-da-vinci-homem-vitruviano-p-quadro17083MLB20130849892_072014-F.jpg>. Acesso em 03/08/2015. _________. A Mona Lisa (La Gioconda - 1503/1506). Disponível em: <http://numbersoftheuniverse.blogspot.com.br/2012/05/phi-in-mona-lisa.html>. Acesso em 28/07/2015. MARQUARDT, Stephen. Máscara Phi (Φ). Patent Number: 5,659,625 - [45] Date of Patent: Aug. 19, 1997. In.: <http://www.google.com/patents/US5659625.>. MÁSCARA PHI (Φ) Tom Cruise. Disponível em: <https://www.google.com.br/search?q=tom+cruise,+m%C3%A1scara+phi&biw= 1366&bih=643&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ved=0CCsQsARqFQoTC KjLvPDvtccCFcmJkAodt10OXg#tbm=isch&q=tom+cruise++phi+mask&imgrc=b dJCYZJuxpZ6SM%3A>. Acesso em 06/08/2015, MÁSCARA PHI (Φ) – Merilyn Monroe. Disponível em: <https://www.google.com.br/search?q=tom+cruise,+m%C3%A1scara+phi&biw= 1366&bih=643&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ved=0CCsQsARqFQoTC KjLvPDvtccCFcmJkAodt10OXg#tbm=isch&q=merilyn+moroe+++phi+mask&img rc=9NiffMyfQKjmkM%3A>. Acesso em 06/08/2015. MÁSCARA PHI (Φ) – Angelina Jolie. Disponível em: <http://www.thescienceofbeauty.co.nz/dermal-fillers/the-perfect-face/>. Acesso em 06/08/2015. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 148 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE PITÁGORAS. Morfologia cósmica pitagórica. Séculos V-IV A/C. Disponível em: <http://www.bibliotecapleyades.net/imagenes_mapas/esp_ma13.gif>. Acesso em 05/08/2015. CONSTRUINDO A MÁSCARA PHI (Φ). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=LHxdD_y4PVw>. Acesso em 05/08/2015. ANEXO ANEXO 1: Excerto do texto utilizado na oficina Uma causa evidente em razão da qual muitos não experimentam o devido sentimento de beleza é a falta daquela delicadeza da imaginação que é necessária para se ser sensível àquelas emoções mais sutis. Toda a gente pretende ter esta delicadeza, todos falam dela, e procuram tomá-la como padrão de toda espécie de gosto e sentimento. Mas como neste ensaio nossa intenção é misturar algumas luzes de entendimento com as impressões do sentimento, será adequado oferecer uma definição da delicadeza mais rigorosa do que as até agora tentadas. E, para não extrair nossa filosofia de uma fonte excessivamente profunda, recorreremos a um conhecido episódio do Dom Quixote. É com muita razão, diz Sancho ao escudeiro de nariz comprido, que pretendo ser bom apreciador de vinho: é uma qualidade hereditária em nossa família. Dois de meus parentes foram uma vez chamados a dar sua opinião sobre um barril de vinho que era de esperar fosse excelente, pois era velho e de boa colheita. Um deles prova o vinho, examina-o, e depois de madura reflexão declara que ele seria bom, não fora um ligeiro gosto a couro que nele encontrava. O outro, depois de empregar as mesmas precauções, dá também um veredicto favorável ao vinho, com a única reserva de um sabor a ferro que facilmente podia nele distinguir. Não podes imaginar como ambos foram ridicularizados por seu juízo. Mas quem riu por último? Ao esvaziar o barril, achou-se no fundo uma velha chave com uma correia de couro amarrada. A grande semelhança entre o gosto mental e o corpóreo facilmente nos permitirá aplicar esta estória. Embora seja inegável que a beleza e a deformidade, mais do que a doçura e o amargor, não são qualidades dos objetos, e pertencem inteiramente ao sentimento, interno ou externo, é preciso ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 149 reconhecer que há nos objetos certas qualidades que estão por natureza destinadas a produzir esses peculiares sentimentos. Ora, como essas qualidades podem estar presentes em pequeno grau, ou podem misturar-se e confundir-se umas com as outras, acontece muitas vezes que o gosto não é afetado por essas diminutas qualidades, ou é incapaz de distinguir entre os diversos sabores, em meio à desordem em que eles se apresentam. Quando os órgãos são tão finos que não deixam escapar nada, e ao mesmo tempo são suficientemente apurados para distinguir todos os ingredientes da composição, dizemos que há uma delicadeza de gosto, quer empreguemos estes termos em sentido literal ou em sentido metafórico. Portanto, podemos aqui aplicar as regras gerais da beleza, pois elas são tiradas de modelos estabelecidos e da observação do que agrada ou desagrada, quando apresentado isoladamente e em alto grau. Se as mesmas qualidades, numa composição contínua e em menor grau, não afetam os órgãos com um sensível deleite ou desagrado, excluímos a pessoa de toda pretensão a esta delicadeza. Estabelecer essas regras gerais, esses padrões reconhecidos da composição, é como achar a chave com correia de couro que justificou o veredicto dos parentes de Sancho e confundiu os pretensos juízes que os haviam condenado. Mesmo que o barril nunca tivesse sido esvaziado, o gosto dos primeiros seria igualmente delicado, e o dos segundos igualmente lânguido e embotado. Mas teria sido mais difícil provar a superioridade do primeiro, convencendo todos os presentes. (Pg. 339340). ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 150 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE O QUE DEVO FAZER? SOBRE A LEI MORAL Angela Maria Silva Felipe Ricardo Deuter Becker Henrique Zanelato Jhonatan Pereira Queiroz24 Célia Machado Benvenho Nelsi Kistemacher Welter25 INTRODUÇÃO A oficina tem como objetivo introduzir aos alunos do ensino médio alguns conceitos básicos da filosofia moral de Kant a partir de exemplos comuns, mas retirados do texto do próprio autor. Para isso, termos como Boa vontade, Dever, Imperativo categórico serão expostos de forma mais didática, para uma melhor compreensão dos alunos. Pretendemos fazer com que os alunos se perguntem sobre os motivos pelos quais nossas ações são decididas e determinadas, sobre os motivos pelos quais as consideramos certas ou erradas, boas ou más, mostrando que as leis, unicamente, não devem servir para nos guiar na vida, visto serem convencionadas de acordo com os costumes de cada povo, ou intenções, mas que, de acordo com Kant, todo agir deve ser fundamentalmente orientado pela razão. PALAVRAS-CHAVE: Dever; Lei moral; Imperativo categórico. PÚBLICO PARTICIPANTE: Oficina aplicada ao3º ano do ensino médio do Colégio Evangélico Martin Luther, aos 2º e 3º anos do ensino médio do Colégio Estadual Novo Horizonte, 24 Universidade Estadual do Oeste do Paraná, 4º ano de Licenciatura em Filosofia, integrantes do PET e PIBID, [email protected]; [email protected]; [email protected] e [email protected]. 25 UNIOESTE, professoras orientadoras da atividade Oficina Didática de Filosofia e Relato de Experiência, cé[email protected] e [email protected]. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 151 com participação de alunos da Licenciatura em Filosofia da Unioeste e professores da rede estadual de ensino. DURAÇÃO: Aproximadamente 1h30min. OBJETIVOS DA OFICINA: Suscitar a reflexão acerca de ideias pré-concebidas em relação ao agir moral; Despertar o questionamento acerca do que guia o agir moral; Introduzir os alunos ao pensamento moral de Kant através do contato com sua obra; Apresentar o conceito kantiano de dever como fundamento da ação moral. RECURSOS DIDÁTICOS: trechos do texto kantiano, quadro e giz. DESENVOLVIMENTO: 1ª ETAPA: SENSIBILIZAÇÃO A sensibilização foi dividida em três etapas: após a sala ser dividida em três grupos, cada um deles recebeu um enunciado com a descrição de uma ação cometida contra o dever26; depois, exemplos de ações de acordo com o dever27; e exemplos de ações realizadas por dever28. Após cada um dos enunciados serem entregues e discutidos em grupo, era aberto um tempo para debate com os outros grupos sobre o que cada um pensava das ações. A condução da discussão era feita de modo a passar do que era “mau” ou “errado” (primeiros exemplos) para o que é “bom” ou “certo” (últimos exemplos), tentando mostrar a objetividade da moral proposta por Kant. 26 Comerciante que é desonesto para salvar seu negócio, homem doente que se suicida e mulher que se nega a ajudar uma vizinha necessitada. 27 Comerciante que não é desonesto por medo de ser pego, homem doente que não se suicida por medo de possíveis consequências e mulher que ajuda a vizinha para se promover. 28 Comerciante que não é desonesto por considerar que a justiça deve ser promovida sempre, homem que não se suicida por considerar a preservação da vida um dever e mulher que ajuda sua vizinha por achar que a solidariedade com os necessitados também é um dever. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 152 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE 2ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO A problematização foi feita mais ou menos ao decorrer da sensibilização, pois os alunos foram confrontados com os três tipos de exemplos a fim de se posicionarem frente cada uma das ações. Assim, na medida em que as ações se modificavam eles tinham que expor os motivos de considerarem tal ação como certa ou errada, tentando confirmar a tese kantiana de que a moral está no entendimento comum e que precisa, antes, ser esclarecida do que ensinada. 3ª ETAPA: INVESTIGAÇÃO Nessa parte, passamos para a exposição teórica sobre Kant, visto que até aqui não havíamos tocado em seu nome. Aqui, a partir de três trechos sobre Boa vontade, Dever e Lei moral, lidos com e pelos alunos, a explicação foi feita de modo a relacionar esses trechos com os enunciados discutidos na sensibilização29. 29“Mas, para desenvolver o conceito de uma vontade altamente estimável em si mesma e boa sem qualquer intenção ulterior, tal como já se encontra no são entendimento natural e não precisa tanto ser ensinado quanto, antes pelo contrário, esclarecido, conceito este que está sempre por cima na estimativa do valor inteiro das nossas ações e constitui a condição de todo o restante, vamos tomar para exame o conceito do dever, que contém o de uma boa vontade, muito embora sob certas restrições e obstáculos subjetivos, os quais, porém, longe de ocultá-lo e torná-lo irreconhecível, antes, pelo contrário, fazem com que se destaque por contraste e se mostre numa luz tanto mais clara” (KANT, pág. 115). “Ora, uma ação por dever deve pôr à parte toda influência da inclinação e com ela todo objeto da vontade, logo nada resta para a vontade que possa determiná-la senão, objetivamente, a lei e, subjetivamente, puro respeito por essa lei prática, por conseguinte a máxima de dar cumprimento a uma tal lei mesmo com a derrogação de todas as minhas inclinações. Não está, pois, o valor moral da ação no efeito que dela se aguarda; logo, tampouco em qualquer princípio da ação que precise tomar seu motivo do efeito que é aguardado” (KANT, pág. 129). “Mas que lei afinal pode ser esta cuja representação, mesmo sem levar em consideração o efeito que dela se espera, tem de determinar a vontade para que esta possa chamar-se absoluta e irrestritamente boa? Visto que privei a vontade de todos os impulsos que poderiam resultar para ela da observância de uma lei qualquer, nada mais resta senão a legalidade universal das ações que sirva sozinha de princípio à vontade, isto é, nunca devo proceder de outra maneira senão de tal sorte que eu possa também querer que a minha máxima se torne uma lei universal. Aqui, pois, é a mera conformidade a leis em geral (sem se basear em qualquer lei determinada para certas ações) o que serve e tem de servir de princípio à vontade [...]” (KANT, pág. 133). ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 153 4ª ETAPA: FORMAÇÃO DE CONCEITOS A conceituação da oficina também foi feita por meio da leitura de outro trecho de Kant, dessa vez mais próxima dos exemplos da primeira, para mostrar a aplicabilidade prática de toda a sua teoria moral. Esse último trecho se trata de outro exemplo de ação, onde Kant se pergunta pela possibilidade de transformar tal ação em lei universal, princípio de seu imperativo categórico30. Assim, tentávamos, mais uma vez, aproximar os primeiros exemplos do texto de Kant, com a intenção de mostrar que o texto filosófico, especialmente no que se refere à ética, não está tão longe do cotidiano comum como parece. 30“Seja, por exemplo, a seguinte questão: será que eu não posso, quando estou em apuros, fazer uma promessa com a intenção de não cumpri-la? É fácil distinguir aqui o significado que a questão pode ter: se é prudente ou se é conforme ao dever fazer uma promessa falsa. O primeiro caso pode, sem dúvida, ter lugar muitas vezes. Vejo bem, é verdade, que não basta livrar-me de um embaraço presente por meio deste subterfúgio, mas que é preciso refletir bem se dessa mentira não poderia originar-se para mim um incômodo muito maior do que aqueles de que estou me livrando agora, e – visto que, apesar de toda a minha pretensa esperteza, não é tão fácil assim prever as consequências de tal sorte que a perda de confiança não venha a se tornar muito mais desvantajosa para mim do que todo o mal que penso evitar agora – <é preciso refletir também> se não seria uma linha de ação mais prudente proceder aqui segundo uma máxima universal e adotar o hábito de nada prometer senão na intenção de cumpri-lo. Contudo, logo fica claro pra mim que uma tal máxima tem sempre por fundamento as consequências a serem receadas. Ora, ser veraz por dever é coisa bem diversa de ser veraz por receio das consequências desvantajosas, na medida em que, no primeiro caso, o conceito da ação já contém em si mesmo uma lei para mim, no segundo, tenho primeiro de voltar os olhos numa outra direção a fim de ver a partir daí quais efeitos para mim poderiam por ventura estar ligados a isso. Com efeito, se me afasto do princípio do dever, é certíssimo que isso é mau; se renego a minha máxima de prudência, isso pode sim, às vezes, ser muito vantajoso para mim, muito embora, na verdade, seja mais seguro ater-me a ela. Entretanto, para me instruir da maneira mais breve possível, mas infalível, com respeito à solução do problema se uma promessa mentirosa seria conforme ao dever, pergunto a mim mesmo: será que eu ficaria contente se a minha máxima (livrar-me de um embaraço por meio de uma promessa falsa) valesse como uma lei universal (tanto para mim quanto para outros), e será que eu poderia dizer para mim mesmo: que todo o mundo faça uma promessa falsa quando se encontrar num embaraço do qual não possa se livrar de outra maneira? Assim, logo me darei conta de que posso, é verdade, querer a mentira, mas de modo algum uma lei universal de mentir; pois, segundo semelhante lei, não haveria propriamente promessa alguma, porque seria vão alegar minha vontade com respeito a minhas ações futuras a outros que não dão crédito a essa alegação ou que, se precipitadamente o fizessem, me pagariam com certeza na mesma moeda, <e> por conseguinte, <porque> a minha máxima se destruiria a si mesma tão logo se tornasse uma lei universal” (KANT, pág. 137). ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 154 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE AVALIAÇÃO DA OFICINA: A oficina, de modo geral, foi boa. A participação dos alunos foi aumentando à medida que desenvolvíamos as questões sobre os enunciados e sobre o texto. A nossa confiança também crescia conforme a participação deles melhorava. No entanto, no que se refere à parte da conceituação, pensamos que seria melhor algo onde eles pudessem se expressar, através de conversa ou trabalho escrito, pois foi quase outra conceituação. A recepção dos alunos também foi boa, no geral. Alguns comentários sobre o modo da apresentação, o modo de debate em grupo, os exemplos do cotidiano foram positivos. A maior cobrança, porém, foi quanto à introdução de outros materiais, como slides, por exemplo. Figura 1: Sensibilização – discussão em grupos das situações apresentadas Figura 3: Investigação – Leitura da obra do Filósofo sobre a temática. Figura 2: Sensibilização – discussão em grupo das situações apresentadas Figura 4: Investigação – Leitura da obra do Filósofo sobre a temática. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 155 Figura 5: Conceituação – discussão dos conceitos abordados. REFERÊNCIAS: KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Guido Antônio de Almeida. São Paulo: Discurso Editorial: Barcarolla, 2009. GAMBIM, Pedro. Ética filosófica: dois modelos. In: A Filosofia em Curso.Org: PORTELA, Luis Cezar Yanzer, Evangraf: Porto Alegre, 2012. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 156 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE DELÍRIOS DO CONSUMO NA PERSPECTIVA DE HERBERT MARCUSE Angélica Limberger David Henrique Fiametti Kamilla Regina Silva Santana Letícia Nunes Goulart31 Célia Machado Benvenho Nelsi Kistemacher Welter32 INTRODUÇÃO Nascido em Berlim, Herbert Marcuse (1898-1978) foi um influente sociólogo e filósofo alemão, naturalizado norte-americano, pertencente à Escola de Frankfurt. Tematizou várias questões da sociedade moderna e contemporânea, dentre elas a questão do consumo em nossa sociedade, que chamava de “sociedade da opulência”. Neste trabalho pretendemos investigar os principais elementos que constituem a sociedade do consumo segundo Herbert Marcuse, em uma sociedade cada vez mais alienada e narcisista, em que o EU e os seus interesses, especialmente materializados pelo ter/consumo, são muito mais importantes do que qualquer outro. Vivemos em um mundo em que, embora a máquina tenha sido inventada para suprir as necessidades humanas, o homem acabou servindo a máquina e perdendo a consciência crítica. Segundo Marcuse as sociedades industriais criam falsas necessidades, obrigando as pessoas a fazerem parte do sistema de produção e consumo. Faz isso através de instrumentos como: comunicação em massa, cultura e publicidade, gerando um modo de pensamento que ajuda a reforçar o sistema existente, criando um universo unidimensional, onde as ideias e pensamentos se tornem homogêneos e o pensamento crítico tende a ser anulado. 31 Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE); acadêmicos(as) do 4º ano e do Pibid Filosofia, [email protected], [email protected], [email protected], letí[email protected]. 32 UNIOESTE, Professoras coordenadoras da atividade Oficina Didática de Filosofia durante a SAF da Unioeste; [email protected], [email protected]. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 157 Este trabalho tem como objetivo apresentar a ideia do consumo exacerbado em nossa sociedade na visão de Herbert Marcuse e de como nós chegamos a este ponto crítico de consumir sem nos questionarmos criticamente sobre isso. Atualmente, porque há tanta insatisfação na sociedade e a necessidade de novos aparelhos eletrônicos, carros, vestimentas, alimentos cada vez mais industrializados ou qualquer outro tipo de conforto? Eis uma situação contraditória: parece que nunca consumimos tanto, mas também parece que nunca antes estivemos tão descontentes. Estamos vivendo em uma sociedade de abundância, mas empobrecida de afeto, onde fabricamos muito mais do que precisamos, criando uma sociedade que vive apenas de aparências, uma casca derivada do sistema capitalista. No entanto, ficamos cada vez mais obrigados a este trabalho por estarmos consumindo cada vez mais. Desta forma, os motivos que ocasionam o mal estar hoje são, além da fome, miséria, desemprego, crenças, depressão, instabilidade financeira, entre outros, também a submissão a uma lógica de consumo que tende a fortalecer frustrações. São fatores esclarecedores de que há uma grande aflição real nesta sociedade. PALAVRAS-CHAVE: Civilização. Consumo. Cultura. Indústria. Opulência. PÚBLICO PARTICIPANTE: Oficina desenvolvida com alunos do ensino médio, acadêmicos, mestrandos e docentes. Público do período matutino: 25 participantes; período noturno: 50 participantes. Tivemos a presença dos Colégios Estaduais Dario Vellozo, Presidente Castelo Branco - PREMEN, Germano Rhoden– EJA e o Colégio Evangélico Martin Luther, de Marechal Cândido Rondon. DURAÇÃO: 1 hora e 30 minutos. OBJETIVOS DA OFICINA: a) Entender a ideia de sociedade de consumo em Marcuse; b) Envolver os alunos fazendo-os refletir sobre o consumo inconsciente; c) Instigá-los a conhecer a filosofia de Herbert Marcuse; ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 158 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE d) Apresentar um texto primário e auxiliar os alunos a interpretá-lo; e) Aumentar o vocabulário; f) Compreender a importância da indústria cultural envolvida em nosso meio social; g) Compreender a função do consumo para a manutenção da sociedade atual; h) Investigar como funciona a indústria da cultura em nossos desejos (manipulação); i) Analisar o porquê da sociedade não se questionar mais sobre o que está servindo e para onde está indo o seu dinheiro e sobre o modo como ele está sendo usado; j) Visualizar perspectivas de superação da sociedade do consumo a partir de Herbert Marcuse. RECURSOS DIDÁTICOS: Material: quarenta folhas sulfites A4, quarenta canetas esferográficas, multimídia, quadro, giz, quarenta saquinhos plásticos, laços, uma cartolina, pincel marcador preto. Objetos para a atividade de sensibilização: pão, repolho, imagens impressas, palitinhos de dente, garrafinha de água, celulares, baterias, carregadores, carimbo ou adesivos, envelopes de carta, sapatos, vestimentas (tudo que insinue ao consumo consciente e inconsciente pode ser utilizado, vai depender da criatividade de cada oficineiro). A oficina ofereceu um parâmetro: dialogado, expositivo, reflexivo e sinestésico corporal. DESENVOLVIMENTO: 1ª ETAPA – SENSIBILIZAÇÃO: Neste início de oficina, duas pessoas ficaram responsáveis pela acolhida e primeira sensibilização dos participantes, a qual foi desenvolvida com a colagem de uma etiqueta em que estava impresso um código de barras. A utilização do código de barras foi a forma de sensibilização encontrada pelos oficineiros para iniciar o assunto sobre o consumo a partir da perspectiva de ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 159 Herbert Marcuse. Para alguns participantes, a colagem na entrada da sala não provoca reação aparente alguma; já outros (a maioria) questionavam a finalidade da etiqueta, pois estavam sendo comparados como "produtos/mercadorias”. Apesar desses questionamentos iniciais, para não interromper a reflexão do por que das etiquetas, não foi explicadaa finalidade das mesmas neste momento. No decorrer da oficina, com a apresentação do conteúdo e com as perguntas que faziam os participantes refletir sobre o consumo, explicou-se a finalidade da etiqueta. Figura 1 e 2: Sensibilização com o uso de etiquetas (David e Angélica) 2ª ETAPA: BIOGRAFIA DO AUTOR Um dos oficineiros apresentou um pouco da história do autor estudado. Foram expostos dados importantes da vida de Herbert Marcuse, como local e data de nascimento, contexto da sociedade em que viveu e recebeu educação; a participação de Marcuse na Escola de Frankfurt; contextualização sobre a Segunda Guerra Mundial, pois estava ligado diretamente com a Escola e seus membros, os quais eram judeus e foram perseguidos pelo Regime Nazista (o qual exterminou milhares, inclusive, em campos de concentração). Por causa dessa perseguição, a Escola se muda para os Estados Unidos para fugir da morte. Mas, situando-se a partir de então num país capitalista, evitam falar de temas como dialética, lutas de classe e Marx, justamente por serem “hóspedes” e buscarem abrigo nesse país. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 160 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE Figura 3 e 4: Introdução ao conteúdo (David) 3ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO Após a introdução sobre Herbert Marcuse, foram realizadas questões a partir dos adesivos colados nos pulsos dos participantes da oficina: 1. Quando você entrou, recebeu um adesivo no pulso. Que tipo de adesivo é esse? 2. O que significa? 3. Em que é utilizado? 4. Por que você acha que foi adesivado com um código de barras? 5. Você acha que o nosso corpo também pode ser utilizado como objeto ou mercadoria na sociedade? 6. Você pode nos dar um exemplo? 7. E as fotos que postamos no facebook, whatsapp, e instagram não nos tornam um meio de propaganda para produtos ou empresas? Os alunos mostraram curiosidade sobre as questões e o adesivo, principalmente quando foi comentado sobre a exposição do nosso corpo nas redes sociais, como produto gratuito, eles debateram muito entre eles, o que levou a várias questões e curiosidades ao decorrer da oficina. Os participantes foram questionados sobre os objetos da mesa. Os oficineiros pediram que considerassem o que seria supérfluo e essencial no dia a dia. O debate foi conduzido através das seguintes perguntas: 1. Qual a diferença dos objetos desta mesa e desta outra mesa? 2. Por que os objetos de uma mesa têm mais valor do que a outra? ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 161 3. Qual o objeto mais importante na opinião de vocês? Em seguida, todos os objetos foram retirados da mesa restando somente o pão e a garrafinha de água. Na sequência, o oficineiro fez a seguinte pergunta: 4. Tirando todos estes objetos, restando somente pão e água, perguntamos se tais elementos seriam suficientes para sobrevivermos? Por quê? Os participantes disseram que não, pois para sobreviver somente com pão e água seria quase impossível, e que os objetos sobre a mesa são fundamentais no nosso cotidiano. O oficineiro perguntou se daqui cem anos eles pagariam mil reais na garrafinha de água e dez reais em um celular moderno. Todos ficaram em dúvida. O oficineiro questionou sobre os recursos da natureza, que estariam se tornando escassos em nosso planeta. Alertou, em seguida, que tal questão seria retomada no decorrer da oficina. Figura 5: Explicação turma matutino (Letícia) Figura 6: Explicação turma noturno (Letícia) 4ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO Foi apresentado o vídeo “Homem capitalista” (animação que está disponível no Youtube). Após, os participantes foram questionados sobre o que acharam do vídeo, já que é muito impactante, pois relata o consumo desenfreado e a destruição total da natureza pelo homem. Dentre outras, as perguntas direcionadas foram: 1) Como o homem trata a natureza e os animais? ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 162 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE 2) Há satisfação nesse consumo desenfreado? Qual a necessidade disso? 3) Se alienígenas pudessem observar a Terra, o que veriam? E o que provavelmente pensariam do homem? Os participantes gostaram bastante do vídeo, tanto porque é engraçado e dinâmico quanto por questionar nossas atitudes e fazer-nos refletir acerca do consumo exagerado, do maltrato com a natureza e de onde isso pode nos levar. Os alunos participaram bastante, responderam às questões e também fizeram outras, fazendo com que o debate fluísse e o assunto fosse bem trabalhado. Figura 7: Exibição do vídeo e posterior questionamento aos participantes (Angélica) ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 163 5ª ETAPA – INVESTIGAÇÃO Após a discussão, foi desenvolvida a visão de Herbert Marcuse sobre a sociedade de consumo, através de uma exposição mais específica sobre o tema tratado. Como exemplo nesta exposição um repolho foi utilizado para demonstrar a ação da mídia sobre um determinado produto, tornando-o máxima potência de consumo, dessa forma levando o consumidor a crer que qualquer coisa pode se tornar fundamental em seu cotidiano. CONTEÚDO: Será que as pessoas perderam a razão a ponto de subestimar o que é real e o que não é? Ao que parece, enquanto a sociedade não produzir novas sensibilidades para construir uma “nova sociedade”, não poderá haver uma mudança maior para o bem de todos, mas ao mesmo tempo, também terá de haver uma transformação, pois tudo, ou quase tudo é direcionado para o consumo. Não podemos simplesmente fechar nossos olhos ao que está acontecendo e fingir que está tudo bem, quando não está. Os centros de atendimento psicológico e clínicas estão cada vez mais lotados, o que indica que há, sim, uma população doente e indivíduos vazios de si mesmos apesar das possibilidades de consumo inéditas. Vivemos em um mundo onde as mercadorias parecem ter vida própria, e estas mercadorias que vem até nós contém propriedades humanas que estão sendo transferidas e projetadas como se fossem delas. Há mais relações humanas por trás dos produtos do que podemos imaginar, e quanto mais nós atribuímos valor às coisas, mais diminuímos nossas relações sociais. Colocamos todo nosso desejo reprimido no “consumo”. Marcuse descreve isso como a “desumanização da tecnologia e a instauração do consumismo subjugando a liberdade e o sentido da existência humana”, pois é muito mais fácil “gastar” do que debater sobre o assunto do qual tratamos e do que modificar as relações sociais, pois tais relações nos deixam humanamente carentes e vulneráveis. Com isso nos tornamos apáticos, não nos colocamos mais no lugar do outro, ficando indiferentes em relação a várias outras questões como, por exemplo, a violência. A mídia nos apresenta de uma maneira na qual está se tornando tudo muito “normal”, está ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 164 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE sendo “natural” famílias não se abrirem mais para discussões sobre tais assuntos. Assim, já podemos perceber uma relação íntima entre o estímulo exacerbado para o consumo em nossa sociedade e a violência. A sociedade está reprimindo áreas próprias das relações humanas, sociais e intersubjetivas e as transferindo a remédios, álcool, drogas, dentre outras. Assim, toda a estrutura de opressão social e econômica permanece inalterada; os verdadeiros motivos não são enfrentados e por vezes nem compreendidos. E para podermos fazer política sobre e a partir de tais questões, deveríamos estar refletindo criticamente sobre tal, nos libertando dos ditames do consumo. No Datashow foram apresentadas três imagens, as quais direcionaram a discussão de como a mídia transforma produtos simples em máximo consumismo para a construção de indivíduos cada vez mais alienados na sociedade da opulência. Figuras 8, 9, 10: Exposição de Produtos 6ª ETAPA – INVESTIGAÇÃO Em seguida, o vídeo “O Super Consumo”, 06min02seg, tratou de apresentar um ciclo dependente que nos leva a crer que tudo está sendo comercializado de uma forma irracional, onde a angústia toma o lugar dafelicidade e o consumo excessivo ultrapassa a razão do porque e para que tantos excessos. Após o vídeo foi aberto para discussão e perguntas dos participantes. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 165 DIRECIONAMENTO: 1. Por que a indústria maltrata os animais? 2. Por que compramos tanto? 3. Será que tudo que compramos é realmente necessário? 4. Quais são as consequências do consumo descontrolado em nossas vidas? 5. Você alguma vez já foi ao mercado para comprar algo que não precisava? Já comprou apenas por prazer? 6. Você se sentiu bem após comprar? Por quê? Enquanto o vídeo era passado, os alunos demonstraram angústia por ver os animais serem maltratados com tanta frieza. Após, alguns comentaram que se fosse para matar os animais para seu próprio consumo, seriam vegetarianos. Os participantes conseguiram identificar com facilidade o direcionamento do vídeo, ou seja, o consumo excessivo da indústria cultural e o mal que ela vem causando. Figura 11: Questionário ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 166 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE Figura 12: Explicação 7ª ETAPA - CONCEITUAÇÃO Em seguida, o poema "Eu etiqueta" de Carlos Drumonnd foi declamado. Cada integrante do grupo fez a leitura de duas estrofes do poema, que havia sido entregue impresso para os alunos no início da oficina Na sequência, entregamos um questionário com perguntas referentes à oficina e um questionário avaliativo. Por fim, embaixo da carteira de cada um havia um envelope escrito “Rótulos e designs são somente para produtos, e não para pessoas!”. Figura 13: Oficina turma matutino ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 167 Figura 14: Oficina turma noturno AVALIAÇÃO DA OFICINA: O ponto de partida para todo o processo de nossa oficina é a aprendizagem do educando. A Filosofia é uma porta de entrada para que através dela o oficineiro consiga fazer com que o aluno pense, reflita, consiga desenvolver sua capacidade de assimilar conceitos, de argumentar, de forma a ampliar a sua visão do mundo, fazendo com que o aluno pense coisas que ele até então não havia pensado. O professor deve sensibilizar o aluno de forma a tornar a oficina interessante, tentando sempre conectar o tema pensado com a realidade do aluno. Na Filosofia é importante que o aluno possa posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas, com o objetivo de desenvolver a compreensão, a cidadania como participação social e política. O ensino de Filosofia está desafiado a mudar a lógica da construção do conhecimento, pois a aprendizagem ocupa toda a nossa vida, de modo que a Filosofia não é apenas uma disciplina para si mesma, pois agrega nela condições de abordar inúmeros temas que podem e muitas vezes são relacionados às outras disciplinas escolares, de maneira a refletir sobre a construção do pensamento humano e as transformações do mundo que nos rodeia. A questão do desenvolvimento do pensamento, a falta de compreensão do mundo, os conceitos básicos de homem, mundo/sociedade, indivíduo, educação/escola são questões que a Filosofia visa abordar, de modo que busca questionar formulando problemas e, com isso, tratando de resolvê-los, ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 168 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE utilizando para tanto o pensamento lógico, a intuição, a capacidade de análise crítica, a criatividade, selecionando procedimentos para que isso possa se tornar efetivo e verificando sempre sua adequação ao meio. A atividade educacional é constituída não apenas de conteúdos, mas também de formas ou estruturas que possibilitem o pensar. A Filosofia, de um modo geral, possibilita essa condição, pois ela é uma disciplina que tem por objetivo incitar o estudante a desenvolver suas capacidades, a pensar sobre a realidade do mundo, de modo como já dito, a pensar coisas que ele até então não havia pensando e nem se questionado a respeito. A elaboração desta oficina teve como propósito apresentar, mesmo que de modo breve, as noções de consumo, opulência e alienação, voltada para a indústria cultural; explanar o senso crítico dos alunos e provocar discussão sobre a temática, objetivando desenvolver nos alunos um caráter crítico e formador de opinião sobre a sociedade em que os mesmos estão inseridos. Ao final da oficina, quando os alunos realizaram suas perguntas, nós percebemos o quanto eles puderam captar a ideia central que elaboramos, nos deixando bem felizes e satisfeitos, com um resultado positivo, apesar do nervosismo e da falta de experiência em sala de aula. Portanto, a oficina, como uma ferramenta didática pedagógica, nos proporcionou um amadurecimento, especialmente como forma de aperfeiçoar as práticas didáticas aprendidas durante as disciplinas de Estágio. Também mostrou a verificação dos conteúdos estudados em sala de aula nas disciplinas de Ética e Política. De modo geral, vemos que a participação na elaboração e aplicação dessa oficina nos trouxe uma experiência boa para auxiliar nas regências do Estágio. REFERÊNCIAS: ANDRADE, Carlos Drummond.Obra Poética, volumes 4 - 6. Lisboa: publicações Europa – América, 1989. FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1997. MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização. 6° Edição. Boston: Editora Zahar,1966. SUPER CONSUMO – Trecho do Filme “Samsara” Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nubnu56a9WU&spfreload=10; Acesso em: ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 19/11/2014. ANIMAÇÃO – HOMEM CAPITALISTA. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5XqfNmML_V4; Acesso em: 21/11/2014. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 169 170 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE A LIBERDADE A PARTIR DO VIÉS POLÍTICO DE BENJAMIN CONSTANT Elizandra B. Sosa Gabriel Drehmer Josieli A. Opalchuka Luana B. Giacomini33 Célia Machado Benvenho Nelsi Kistemacher Welter34 INTRODUÇÃO Como objetivo da oficina visamos interpretar no decorrer do pensamento ocidental as noções de liberdade política, atentando para a concepção clássica e moderna, sobretudo, a partir do texto discursivo de Benjamin Constant (Da liberdade para os antigos e para os modernos). A partir do texto base supracitado, fomentamos a discussão que, voltada para a parte conceitual, contrastou as duas concepções em voga. Contrastando as noções de liberdade, tanto na época dos antigos quanto dos modernos, Constant intenta, assim, mostrar como aquilo que se entende por indivíduo face à política se mostra mutável no decorrer do percurso histórico do pensamento ocidental, atentando para os benefícios e malefícios de cada uma das concepções e, portanto, para a necessidade de um repensar da política face ao conceito de liberdade, depurando-o e refinando os modos de atuação e segurança dos direitos junto ao Estado. Se antes, com os gregos, havia uma supressão da vida particular em detrimento da vida pública, com a nacionalização dos Estados há a impossibilidade da atuação do indivíduo que, face ao comércio, angaria para si um interesse muito mais particular em relação à política do que os gregos na sua época. Apesar da necessidade da nova organização social e geográfica na modernidade, Constant elenca um problema que se refere à falta de noção do sujeito junto ao ato público. Portanto, ao apontar uma saída, o autor propõe a assimilação de 33UNIOESTE, acadêmicos do 4º Ano de Filosofia, [email protected], [email protected], [email protected], [email protected]. 34 UNIOESTE, Professoras coordenadoras da atividade Oficina Didática de Filosofia durante a SAF da Unioeste; [email protected], [email protected]. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 171 alguns ideais provenientes dos gregos, mantendo, ainda, as respostas às necessidades dos grandes Estados. Assim, o que Constant intenta com o contraste entre as duas noções propostas não é a mera crítica de um pelo outro, mas antes chegar a um conceito que assimile ambas as noções e, pela mediania entre elas, dê uma resposta mais plausível aos problemas referentes aos direitos humanos e seus deveres junto à comunidade política. PALAVRAS-CHAVE: Liberdade Política; Antigos; Modernos; Constant. PÚBLICO PARTICIPANTE: Como participantes da oficina estiveram presentes os alunos do ensino médio do Colégio Estadual Luiz Augusto Moraes Rego (17 alunos), juntamente com um professor acompanhante, bem como dois alunos do curso de licenciatura em filosofia. DURAÇÃO: 1h45min. OBJETIVOS DA OFICINA: a) Abordar os conceitos da liberdade pelo viés da política Antiga e Moderna através do texto intitulado Da liberdade dos antigos comparada a dos modernos, de Benjamin Constant. b) Elaborar um pensamento conceitual acerca da liberdade. c) Promover o debate sobre a questão da liberdade, contrapondo as ideias trazidas pelos alunos com as apresentadas pelo texto. d) Relacionarpolítica e liberdade, desde os antigos aos modernos e introduzir a discussão contemporânea. RECURSOS DIDÁTICOS: Na oficina foram utilizados: recurso multimídia para reprodução de slides, quadro e giz no decurso das atividades de conceituação, cópias ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 172 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE impressas contendo trechos do discurso do autor base para o debate e cópias para a atividade de avaliação da oficina pelos alunos participantes. DESENVOLVIMENTO: 1ª ETAPA: SENSIBILIZAÇÃO Após dar as boas-vindas e apresentar o tema e o autor referencial em termos gerais, foi reproduzido o vídeo Reach: Liberdade além da janela, com o objetivo de despertar a atenção dos alunos para a questão da liberdade. No vídeo, visualiza-se, de forma didática, a relação entre a liberdade individual e os meios de atuação onde o indivíduo, primordialmente livre, pode atuar mediante as possibilidades cabíveis. Em seguida, os alunos foram questionados sobre como interpretaram o vídeo a partir das seguintes questões: “Deque trata o vídeo?” “O que isso pode simbolizar do ponto de vista da liberdade?”, “O robô era livre?”, “Onde ele poderia agir?”, “O que simboliza o fio que o mantinha ligado?”. 2ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO Em seguida, foram feitas questões mais conceituais: “É possível ser livre estando ligado ou limitado por algo?”. “E quanto a vocês, se consideram livres? É uma liberdade ilimitada? Como? Por quê?”, “Foi sempre assim?”, “Como era antigamente?” A partir do vídeo, das respostas e demais comentários dos alunos, foram explorados os conceitos de liberdade positiva e negativa, no intuito de problematizar a questão da liberdade dentro de um parâmetro político, mostrando os impedimentos em termos de normas que juntas propiciam a liberdade. 3ª ETAPA: INVESTIGAÇÃO De forma dinâmica, a investigação se deu através de um debate fomentado pela leitura de trechos específicos do texto de Benjamin Constant, momento em que a sala foi divida em dois grandes grupos, onde uma parte da ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 173 sala ficou responsável por assimilar o conceito de liberdade para os antigos e a outra parte da sala para os modernos. Assim, a partir da fala dos próprios alunos, depois da leitura, interpretação e discussão entre os grupos, contrapondo pontos específicos dissonantes entre os textos e apresentando os semelhantes (entre a visão antiga e a moderna), juntamente com o auxílio dos oficineiros, fez-se a primeira investigação que conduziria à formação de conceitos com base filosófica. 4ª ETAPA: FORMAÇÃO DE CONCEITOS A formação de conceitos, realizada com apresentação oral e auxílio de slides, se voltou para a concepção de Constant, usando alguns autores específicos de cada época (Aristóteles e Hobbes, como exemplo), no sentido de mostrar, com a descrição do autor, se comprova a noção de liberdade dentro do parâmetro histórico e filosófico de cada uma das épocas. Para conceituar e contextualizar a parte referente aos antigos, voltamo-nos para Aristóteles como importante pensador da política antiga, mostrando que a filosofia do autor em questão não discorda ou negligencia a realidade social na qual estava inserido. Para os modernos, em termos gerais, foram usados dados referentes à nova organização política, social e econômica, visando ilustrar um âmbito diferente do grego, da pólis, onde não caberia mais o conceito antigo de liberdade, mas sim um mecanismo que visa interesses diferentes abarcando a nova realidade que se apresenta com a modernidade. A oficina seguiu com a explanação sobre a liberdade moderna, trazendo para uma discussão contemporânea, principalmente a partir da conquista dos direitos humanos (DUDH), das concepções de igualdade entre cor, raça, sexo, classe social, utilizando slides para a apresentação e comparando com a antiguidade, sempre retomando o debate anterior a partir de Benjamin Constant. Nesta etapa, o interesse dos alunos foi mais visível, visto que se tratava de um assunto mais próximo de suas realidades. Para finalizar, foi exibido o vídeo Programa Político, com duração 03h58min minutos, que traz uma crítica bem-humorada sobre a situação dos candidatos políticos no nosso país, de modo a incentivar maior participação na ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 174 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE política atual, bem como, incentivar a reflexão e uma maior atenção para com os assuntos públicos. AVALIAÇÃO DA OFICINA: Aspectos positivos: De forma geral, o que planejávamos não se distanciou do que ocorreu durante a oficina. Já era esperada a pouca participação dos alunos devido à timidez e ao estranhamento do ambiente e, como solução, promovemos a interação, questionando aluno por aluno, promovendo maior comunicação entre os integrantes, o que foi um ponto positivo, já que deram respostas surpreendentes que contribuíram muito para a nossa explanação. Tivemos que superar algumas dificuldades como a timidez, o nervosismo, a diferença entre a linguagem utilizada por nós, acadêmicos, com a dos alunos do ensino médio, além da incerteza em relação ao comportamento dos alunos e a participação, o que resultou em alguns momentos de improviso, mas, por fim, tudo ocorreu de maneira tranquila. Conseguimos superar esses obstáculos e atingir nossos objetivos. O material utilizado, slides, vídeos e os trechos do texto impresso, nos ajudaram a manter o foco da discussão, além de servir como ponto de apoio. Destaca-se o bom comportamento dos alunos ao participarem e o respeito com que tratam uns aos outros e com o qual nos trataram, bem como a atenção dispensada a quem falava. Os vídeos e slides foram citados como úteis e coerentes o que ajudou na compreensão do tema. Os alunos também elogiaram o tema da oficina citando, principalmente, a explanação sobre os modernos e sobre os direitos humanos. Pontos negativos: De acordo com as avaliações feitas pelos alunos, ficou nítida a diferença de domínio de conteúdo entre os oficineiros, na qual apontaram a timidez, insegurança e dificuldade em se expressar (no sentido de usar uma linguagem complexa para o entendimento deles). Outro aspecto negativo foi a separação das falas por temas: liberdade antiga, liberdade moderna, a substituição da guerra pelo comércio e a declaração universal dos direitos humanos pelos oficineiros, o que resultou, por vezes, na falta de relação de um conteúdo com o tema central, deixando a fala restrita, como se decorada, impossibilitando, em ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 175 certa medida, a relação entre a exposição do conteúdo e o próprio conteúdo, perdendo parte de sua significação. Os acadêmicos que participaram da oficina mantiveram-se como ouvintes, exceto por um que gerou certo constrangimento ao questionar algo incoerente com a proposta da oficina, utilizando uma linguagem estritamente filosófica criando um abismo na compreensão dos alunos. Houve um incômodo gerado pela entrada e saída constante de acadêmicos, fotógrafos e professores durante a realização da oficina, dissipando a atenção dos alunos e oficineiros. REFERÊNCIAS: Livro: CONSTANT, Benjamin. A Liberdade dos antigos comparada à dos modernos. Trad. e Org. de Marcel Gauchet. Collection Pluriel: Paris, 1980. Sites: PROGRAMA POLÍTICO. Produção de Bianca Caetano e Ohana Boy. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=il-cG20QeG4. Acesso em: 03/08/2015. REACH: Liberdade além da janela. Produção de Luke Randall. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TnSlW1yo9DA. Acesso em 03/08/2015. Figuras 1 e 2: Introdução à temática da oficina ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 176 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE Figuras 3: Integrantes da Oficina Figuras 4: Alunos participantes da Oficina ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 177 SEXUALIDADE E DISCURSO EM FOUCAULT Lucas Henrique Nunes Batista Patricia Joca Martins Lucas Paiva Scussiato Jackison Roberto dos Santos Pinheiro Junior35 Célia Machado Benvenho Nelsi Kistemacher Welter36 INTRODUÇÃO Esta oficina teve como intuito principal trabalhar o que Foucault chama de hipótese repressiva que se inicia a partir do séc. XVII e que seria o marco de uma época de repressão, próprio das sociedades chamadas burguesas. No início deste período, as práticas sexuais não procuravam segredo, podia se dizer tudo sem se importar com o cuidado às palavras proferidas. No entanto, nesse século ocorre uma mudança drástica quanto ao que se falava sobre o sexo; a sexualidade é então rodeada por valores morais, sendo confinada ao lar, e até se restringindo ao quarto dos pais. Uma regra de silêncio foi imposta, não mais se podia falar sobre sexo de forma transgressora. Reinou a censura. O sexo então passa a ser algo utilitário e desagradável. O que não era regulado para reprodução foi expulso, negado e reduzido ao silêncio. Isso fez com que as práticas sexuais ilegítimas tomassem outro lugar dentro da sociedade burguesa, o que, de certo modo, segundo Foucault, coincidiu com a chegada do capitalismo: ela faria parte da ordem burguesa. Se o sexo era reprimido com tanto rigor, é por ser incompatível com uma colocação no trabalho. Porém, sendo o sexo reprimido, ou seja, fadado à proibição, o simples fato de falar dele e de sua repressão possui como que um ar de transgressão deliberada, e é nesse ponto que irá se discutir de como quem emprega essa linguagem se coloca até certo ponto fora do alcance do poder; 35 UNIOESTE; acadêmicos do 4º Ano de Filosofia e PIBID Filosofia; E-mail: [email protected], [email protected], [email protected], [email protected]. 36 UNIOESTE, Professoras coordenadoras da atividade Oficina Didática de Filosofia durante a SAF da Unioeste; [email protected], [email protected]. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 178 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE desonra a lei; antecipa, por menos que seja, a liberdade futura. Sabendo-se que Foucault tem como intuito seguir o fio que, em nossas sociedades, durante tantos séculos ligou o sexo e a procura da verdade pretendeu-se, então, discutir com as/os alunas/os a forma como estes discursos foram implantados e com que intuito foram implantados, passando a analisar os discursos e sua relação com as instituições de poder (da Igreja, do Estado, escola e família, contextualizando também o parecer da medicina e da psiquiatria) e o papel do indivíduo perante a essa fomentação discursiva que ocorria na época. Isso foi feito a partir da obra de Michel Foucault, História da Sexualidade I: Vontade de Saber. PALAVRAS-CHAVE: Discurso; Sexualidade; Poder. PÚBLICO PARTICIPANTE: A oficina foi aplicada durante a XVIII Semana Acadêmica de Filosofia, contando com a participação de alunos do 3º ano do Colégio Evangélico Martin Luther (11 alunos), e alunos do 2º Ano do Colégio Estadual Luiz Augusto Morais Rego (17 alunos); Acadêmicos e docentes do curso de Filosofia e professores da rede pública de Ensino Médio; DURAÇÃO: O tempo utilizado para o desenvolvimento da atividade foi de 1h30min. OBJETIVOS DA OFICINA: Caracterizar a relação entre o discurso e a sexualidade; A partir de uma analise genealógica, abordar a modificação discursiva decorrente dos sécs. XVII, XVIII e XIX; Discutir sexualidade e poder; Analisar o dispositivo de aliança e o de sexualidade. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 179 RECURSOS DIDÁTICOS: Papel, caneta, multimídia, excertos da obra “Historia da Sexualidade: A Vontade de Saber” de Michel Foucault, curta metragem “O Mundo ao Contrario”, cartazes com o conteúdo do projeto fotográfico “Sexualidade e Ignorância” dos alunos de Jornalismo da USP. DESENVOLVIMENTO: 1ª ETAPA: SENSIBILIZAÇÃO A sala continha cartazes utilizados no projeto fotográfico “Sexualidade e Ignorância” dos alunos de Jornalismo da USP (esse material foi abordado na etapa de conceituação) e, como sensibilização, foi utilizado um trecho do curtametragem “O Mundo ao Contrário” que retrata inversamente como as instituições sociais usam dos discursos para que se possa regular e interferir na vida e nos atos sexuais das pessoas, sempre visando seguir a norma vigente, resultado da moral, da política e da economia e suas demandas para a sociedade. 2ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO Após a sensibilização foram levantados os seguintes questionamentos, a partir do vídeo, para iniciar uma reflexão nos alunos que os guiou pelo pensamento do autor: Qual é o tema do vídeo? O que o vídeo mostra ao espectador? O que vocês entendem por sexualidade? O que significa sexualidade? Existe apenas uma forma de sexualidade legítima? Como vocês acham que a escola trata esse tema? Como vocês acham que a igreja trata esse tema? Como vocês acham que a família trata esse tema? ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 180 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE Vocês acham que a tentativa de “normatizar” as práticas sexuais tem relação com a economia e/ou a política atual? 3ª ETAPA: INVESTIGAÇÃO Nessa etapa, a partir de uma apresentação de slides, foi apresentado o pensador Michel Foucault e o que ele entende por poder, discurso e como esses conceitos se encontram dentro da nossa sociedade, e a relação com a regulação da prática sexual. Para expressar melhor os conceitos, entregamos uma folha com trechos específicos da obra de Michel Foucault, tratando sobre as instituições de poder e como elas agem e influenciam o cotidiano e o posicionamento das pessoas em relação à sexualidade, sobre o que é considerado certo e errado. Trabalhou-se também até que ponto pode se subverter essa lógica das instituições, as práticas sexuais não normativas, visando esclarecer quais eram seus lugares dentro da sociedade e o seu papel. 4ª ETAPA: FORMAÇÃO DE CONCEITOS Após o vídeo e da explanação do pensamento de Foucault, discutiu-se sobre o conteúdo dos cartazes, que pertencem a um projeto fotográfico de alunos/as da USP. A intenção era de causar uma reflexão sobre discursos comumente expressados pela sociedade, para as pessoas LGBT dentro de âmbitos da nossa sociedade, inclusive dentro da escola, levantando a questão das PME’s. Por fim, pedimos para cada aluno/a fazer um texto sobre o que entenderam do pensamento do autor, tentando estabelecer uma relação com o tema do vídeo e dos cartazes, colocando seu posicionamento se realmente há a importância de se discutir gênero e sexualidade dentro da nossa sociedade, e se este tema deve ser abordado dentro da escola e o porquê. AVALIAÇÃO DA OFICINA: A primeira dificuldade encontrada pelo grupo se dá na polêmica do tema tratado, apesar de tentarmos tratar de uma maneira tranquila e que não ferisse ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 181 ninguém. A segunda dificuldade foi buscar os conceitos de Foucault de maneira que pudéssemos encaixa-los no tema da Sexualidade e trazer isso para o dia a dia do aluno. Para essas duas dificuldades, estabelecemos que precisávamos elencar os conceitos primordiais do autor: DISCURSO, que é conceituado como uma rede de signos que se conecta a outras tantas redes de outros discursos, em um sistema aberto, e que registra, estabelece e reproduz não significados esperados no interior do próprio discurso, mas sim valores desta sociedade que devem ser perpetuados; e PODER este, para o autor, não existe, o poder é uma realidade dinâmica que ajuda o ser humano a manifestar sua liberdade com responsabilidade, ele acredita no poder como um instrumento do discurso entre os indivíduos de uma sociedade. A partir disso, procuramos distinguir como o francês traz esses dois conceitos no tema da Sexualidade, mostrar que a repressão do sexo iniciou durante o séc. XVII e que isso se dá, como mostra o francês, com o surgimento da burguesia, e nos séculos posteriores o discurso sobre o sexo serviu para criar uma ciência sobre ele e usado como forma de manutenção social pelas instituições de poder. Durante a oficina, a principal dificuldade foi a pequena participação da turma nos momentos para discussão e conceituação. No entanto, isso não foi um problema para que eles entendessem a oficina, pois após a oficina vários alunos (em sua maioria alunos do Morais Rego) vieram ao grupo para tirar dúvidas sobre a oficina e sobre o autor estudado. Nesse momento, a conversa foi descontraída e bastante produtiva, porque não havia mais a formalidade da sala de aula que causava certa insegurança a eles. REFERÊNCIAS: CASTRO, Edgardo. Vocabulário de Foucault – Um Percurso Pelos Seus Temas, Conceitos e Autores. Belo Horizonte: Autentica Editora, 2009. FOUCAULT, Michel. Historiada Sexualidade I: A Vontade de Saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1998. FOUCAULT, Michel. Ética, Sexualidade, Politica – 2. ed. - Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 182 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE Curta metragem “Mundo ao contrario” Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=YQewUi4dz5s>. Acesso em: 13/11/2014. Projeto fotográfico dos/as alunos/as da USP: “Sexualidade e Ignorância”https://www.facebook.com/humanizaredes/posts/371745509684685. Acesso em: 06/08/2015. ANEXOS: Imagens do desenvolvimento da Oficina. Figura 1: Alunos participantes da Oficina Figura 2: Participantes da Oficina ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 183 Figura 3: Participantes da Oficina Figura 4: Desenvolvimento da oficina Figura 5: Acadêmicos responsáveis pela Oficina Figura 6: Desenvolvimento da oficina ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 184 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE EXISTENCIALISMO EM JEAN-PAUL SARTRE Michelle Silvestre Cabral37 Natalia Aparecida Pacheco Ferro Rafael Saragoça Ortolan Thaylan Corassa38 Célia Machado Benvenho Nelsi Kistemacher Welter39 INTRODUÇÃO A presente oficina pretende explorar aspectos da uma corrente filosófica denominada Existencialismo, a partir do pensamento de Jean-Paul Sartre. O intuito é promover o contato de estudantes do Ensino Médio com trechos de textos primários da filosofia ressaltando a possibilidade de aproximação entre algumas problemáticas presentes nestes textos com a vida. A oficina centra-se em temas como existência, reflexão e condição humana e buscará orientar atividades de interpretação, conversação e problematização em torno destes. Acredita-se que o exercício do diálogo e reflexão filosóficos, na medida em que busca tornar o estudante protagonista dos movimentos de seu próprio pensar, podem propiciar o desenvolvimento do pensamento crítico, criativo e autônomo, potencializando sua aprendizagem. PALAVRAS-CHAVE: Existencialismo. Homem.Reflexão. 37 UNIOESTE, Docente do curso de Filosofia, [email protected]. UNIOESTE, Acadêmicos do 4º no de Filosofia, [email protected]; [email protected]; [email protected]. 39 UNIOESTE, Professoras coordenadoras da atividade Oficina Didática de Filosofia durante a SAF da Unioeste; [email protected], [email protected]. 38 ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 185 PÚBLICO PARTICIPANTE: Oficina desenvolvidacom2º e 3º anos do Ensino Médio do Colégio Estadual Novo Horizonte (24estudantes) e do Colégio Martin Luther King (7estudantes), com participação de alunos da Licenciatura em Filosofia da UNIOESTE e professores da Rede Estadual de Ensino. DURAÇÃO: 1:30 h. OBJETIVOS DA OFICINA: Proporcionar aos estudantes experiências educacionais que lhes permitam estabelecer relações e conectar suas próprias inquietações a problemas filosóficos; Debater temáticas através do contato direto com textos consagrados da História da Filosofia; Cultivar o exercício do pensar como especificidade da atividade filosófica; Estimular a criatividade e a liberdade de pensamento em atividades de reflexão e escrita filosófica. RECURSOS DIDÁTICOS: Materiais: Excertos da Antologia de Textos Filosóficos, multimídia, folhas A4, lápis, caneta, trechos de filme. Metodologia filosófica: A oficina será desenvolvida a partir de uma metodologia expositivo-dialógica, na qual se mesclará a exposição de textos e informações sobre filósofos com a estimulação constante à participação dos estudantes na construção de um diálogo crítico/investigativo. Além do trabalho direto com textos de filosofia, será exibido trechos do filme O mundo de Sofia, de Gaarder, com o intuito de levantar questões próximas às vivências dos estudantes, possibilitando a sensibilização destes para a investigação filosófica. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 186 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE Figura 1: Livros utilizados na Oficina DESENVOLVIMENTO: 1ª ETAPA: SENSIBILIZAÇÃO Logo na chegada dos participantes, foi distribuído um pequeno pergaminho com a orientação de abri-lo apenas no momento em que fosse indicado pelos oficineiros. No pergaminho estava contida a imagem de um espelho com a pergunta: Quem sou eu?, a qual serviu de guia para a investigação a ser realizada na oficina. Os estudantes foram acomodados em carteiras dispostas em forma de um semicírculo, com intuito de estimular a colaboração entre estes e a o pleno contato visual de todos. Na sequência, realizou-se uma breve apresentação dos oficineiros, bem como uma contextualização da atividade a qual estariam participando. Expomos que o início se daria com a exibição de um trecho do filme O mundo de Sofia (12 primeiros min.), o qual se baseia na obra homônima de Gaarder (1991). Após isso, exibiu-se o filme. Neste trecho do filme, a personagem principal Sofia aparece por diversas vezes em seu contexto escolar e familiar realizando atividades rotineiras consideradas comuns para uma adolescente ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 187 prestes a completar quinze anos de idade. Em meio aos acontecimentos do filme, Sofia descobre em sua caixa de correio uma correspondência anônima, endereçada a ela, contendo a pergunta “Quem sou eu?”. A pergunta deixa Sofia inquieta, sobretudo porque percebe que tem dificuldades para formular uma resposta imediata e final para a mesma. Percebe que ao refletir sobre a questão, novas e novas questões surgem como que relacionadas a esta e, igualmente, não se esgotam em uma resposta apenas. Como tentativa de buscar uma solução, Sofia passa a interrogar seus colegas de escola e sua mãe, os quais não dão tanta importância ao problema apresentando respostas vagas e imprecisas. A situação se torna ainda mais enigmática, quando encontra uma nova carta contendo a questão “De onde vem o mundo?”. A exibição do filme tinha o objetivo de sensibilizar os estudantes à temática abordada na oficina. A escolha do filme se deveu justamente por buscar-se, nesta etapa, despertar o interesse do estudante a partir do elemento sensível presente na obra cinematográfica. Além disso, havia o fator de o enredo ser constituído justamente em um contexto juvenil, possibilitando a identificação dos estudantes com as vivências representadas. Figura 2: Exibição do Filme ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 188 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE Figura 3: Reflexões sobre o Filme 2ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO Para a problematização, primeiramente sugerimos que os estudantes refletissem sobre o filme que assistiram e as questões que apareceram, de modo a apurar se as mesmas já tinham sido pensadas por eles em algum momento de suas vidas. Em seguida, solicitou-se aos participantes que abrissem o pergaminho que receberam no início da oficina e respondessem à questão contida neste: Quem sou eu? Com tal pergunta, pretendeu-se introduzir a problemática existencialista desenvolvida no pensamento sartreano. Os pergaminhos, com as respostas, foram recolhidos e reservados para fins de registro. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 189 Figura 4: Trabalho com o pergaminho 3ª ETAPA: INVESTIGAÇÃO Inicialmente foram apresentadas (através de projeção em slides) breves informações sobre a vida e obra do filósofo Jean-Paul Sartre (1905-1980), além de definições de alguns conceitos centrais que aparecem na obra sartreana. A investigação foi realizada por meio de leitura, análise e conversação sobre um texto produzido pelos oficineiros a partir de excertos de O existencialismo é um humanismo, de Sartre (2009) e citações de comentadores. Para tanto, distribuiu-se os participantes em quatro grupos, aos quais foram entregues cópias do texto impresso. Cada oficineiro acompanhou um dos grupos, auxiliando na leitura e interpretação do texto e orientando a conversação no sentidod e estimular a colocação e a contraposição dos diversos pontos de vista presentes no grupo; sempre que necessário, incitando a discussão com perguntas claras e na linguagem dos participantes; buscando deslocar a discussão que geralmente fica entre ministrante e grupo para colocá-la principalmente entre os participantes; e, por fim, ressaltando que a compreensão do tema estaria a cargo de todo o grupo e não do ministrante. Após esse momento, os grupos foram desfeitos e buscou-se estabelecer um diálogo entre todos. Foi solicitado que cada grupo elegesse seu ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 190 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE representante para apresentar a interpretação do grupo e as possíveis relações estabelecidas entre o problema discutido e a vida de cada um. Muitos estudantes se dispuseram a comentar sua interpretação, apresentando exemplos que surgiram no momento do contato com o texto. As perspectivas foram compartilhadas, respeitando as diferenças surgidas e estabelecendo uma troca de experiências rica em conteúdo e significação. Figura 5: Desenvolvimento da Oficina Segue abaixo cópia do texto entregue aos participantes: “Quem sou eu?” Essa é uma das perguntas que animam a personagem Sofia do romance de Gaarder, O mundo de Sofia (1991). Essa é também uma das perguntas que, entre outras como “Qual o sentido da vida?” ou “Porque tudo existe e, não antes, o nada?”, etc., atravessam a história do pensamento humano. Alguns pensadores afirmam que isso é assim, justamente porque são questões que envolvem os elementos mais fundamentais da condição humana. Questões que, muito possivelmente, ocupam as pessoas em um ou outro momento de suas vidas e que podem ser decisivas para determinar os rumos de sua existência. Certamente que uma resposta como “Eu sou João” ou “Sou Maria” poderiam por fim ao movimento interrogativo, encerrando-a. Ou, talvez, numa resposta mais abrangente “Sou professor de..., moro em...” enfim, poderia oferecer mais informações que, sendo circunscritas, também implicariam o anulamento da questão enquanto questão e poria fim ao movimento do pensar. Mas, além disso, tal modo de responder a referida questão significaria, já de antemão, uma atitude determinada sob a qual estaríamos considerando os elementos implicados na mesma, ou seja, o eu, o indivíduo seria tomado como ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 191 suporte de predicados, como algo pronto, acabado. Como um dado cujo acesso se faria por meio meramente descritivo. Estratégia esta que objetiva o homem, tornando-o objeto. Sartre faz parte de uma corrente filosófica, o Existencialismo, que pretende compreender o humano para além desse modo comum: propõe pensá-lo como sujeito que se constitui no mundo a cada ato. Segundo Moutinho (2009, pp. 610-611), o existencialismo consiste, em partir do homem não como “animal racional”, não como “bípede falante e implume” etc, mas como ser-no-mundo. Esse ponto de partida é filosófico, não científico. Onde está a diferença? É que não se parte aqui de uma definição do que é o homem (se se preferir, não se busca definir o que é o homem). Essa estratégia tem uma pré-condição que a Filosofia rejeita: ela objetiva o homem, ela o torna objeto. O lema mais geral do existencialismo é a afirmação de que “A existência precede a essência”. De acordo com Sartre (In: MARÇAL, 2009, p. 619), Que significa dizer que a existência precede a essência? Significa que o homem primeiro existe, se encontra, surge no mundo, e que se define depois. O homem, tal como o existencialista o concebe, se não é definível, é porque de início ele não é nada. Ele só será em seguida, e será como se tiver feito. Assim, não há natureza humana [...]O homem é não apenas tal como ele se concebe, mas como ele se quer, e como ele se concebe depois da existência, como ele se quer depois desse impulso para a existência, o homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo. Esta especificidade localiza o homem na contramão das definições usuais das ciências, pois não parte de nenhuma definição pré-concebida de humanidade. Esse seria, para Sartre, o traço mais característico do homem: o estar-em-aberto desde sempre para tornar-se aquilo que fizer de si mesmo. Para fundamentar tal tese, Sartre lança mão da atitude reflexiva: meio através do qual o homem poderia alcançar a coincidência imediata consigo mesmo, já não como objeto dado, mas enquanto atividade constituinte. A reflexão, método por excelência da filosofia, seria, portanto, o caminho de desvelamento da especificidade humana: a referência imediata a si, ou seja, a consciência. Conforme Moutinho (2009, p. 612): “É isso que Sartre designa por ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 192 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE consciência, esse ser que envolve algo como uma reflexividade interna, que tem essa reflexividade como modo de ser”. Neste sentido, para Sartre, consciência pode ser descrita como a certeza absoluta que o ser humano tem de si mesmo, independentemente de teorias ou definições intermediárias; ou, ainda, como o traço característico que marca o modo de ser dos atos humanos, a relação a si. Figura 6 e 7: Investigação: leitura do texto Figura 8 e 9: Investigação: leitura do texto 4ª ETAPA: FORMAÇÃO DE CONCEITOS Nesta etapa, questionamos os participantes se, após todo diálogo, realizariam alguma alteração na primeira resposta que haviam formulado para a pergunta contida no pergaminho. Distribuímos folhas aos mesmos e solicitamos que registrassem através de escrita sua nova perspectiva. Buscou-se, com esta oficina, destacar a especificidade da existência humana face a objetividade dos entes mundanos. Partindo da compreensão de que, assim como a personagem Sofia busca, através de seus questionamentos, construir para si mesma o sentido de sua vida, cada um de nós pode se deparar, no decorrer de nossas vidas, com momentos radicais de angústia e de busca por sentido. Seguindo o pensamento de Sartre, é possível ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 193 que em tais situações, percebamos que faz parte de nossa condição ter que constituir o significado da existência a cada ato. Neste ínterim, ressaltamos que um dos objetivos da oficina é, concordando com Sardi (2004, P. 144), “registrar que, por detrás de toda a complexidade do pensamento filosófico, há algo que participa de nossa condição humana e que nos cumpre ainda compreender melhor, e que é acessível a todos, adultos, jovens e crianças. Pois somos, antes, ‘humanos’, e partilhamos juntos o mistério de nossas existências, o enigma da realidade”. Assim, contamos que as atividades propostas a partir do pensamento sartreano poderiam fazer emergir, das experiências e vivências próprias de cada um, motivos para pensar sobre o que nos caracteriza como ser-no-mundo, a saber, a atividade ininterrupta de invenção de si mesmo. Figura 9 e 10: Investigação: Discussão Figura 11 e 12: Conceituação ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 194 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE Figura 12: Participantes da Oficina AVALIAÇÃO DA OFICINA: Acreditamos que os objetivos propostos foram alcançados no desenvolvimento da atividade, sobretudo pelo retorno que os estudantes nos deram ao final, demonstrando interesse e disposição em participar do diálogo e trazendo relatos de suas vivências que puderam ser relacionados ao tema e a problemática tratada. Também tivemos um retorno muito positivo quanto ao modo como a atividade foi conduzida, tanto por parte dos acadêmicos, do professor de Ensino Médio presente e dos acadêmicos que acompanharam o trabalho. REFERÊNCIAS: GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. Tradução de João Azenha Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. MARÇAL, Jairo (org.). Antologia de Textos Filosóficos. Curitiba: SEED-PR, 2009. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 195 O MUNDO DE SOFIA. Direção de Erik Gustavson. Noruega/ Suécia: Versátil Filmes, 1999. Filme completo baseado na obra homônima de Jostein Gaarder. Duração 113 minutos. SARDI, Sérgio Augusto.Ula – Um Diálogo Filosófico entre Adultos e Crianças. In: Filosofia e educação - confluências. TREVISAN, Amarildo Luiz; ROSSATTO, Noeli Dutra (Orgs.). Santa Maria: Ed. FACOS/UFSM, 2004. SARTRE, Jean-Paul.O Existencialismo É um Humanismo. In: MARÇAL, Jairo (org.). Antologia de Textos Filosóficos. Curitiba: SEED-PR, 2009. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 196 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE SARTRE: ESTAMOS CONDENADOS À LIBERDADE? Neusa Rudek Francielle Festner Pâmela Elger40 Célia Machado Benvenho Nelsi Kistemacher Welter41 INTRODUÇÃO A presente oficina parte do princípio de esclarecer os conceitos sartrianos de Existência, Essência e Liberdade. O devido esclarecimento realizar-se-á por meio do pensamento de Jean-Paul Sartre (1905-1980), em O ser e o nada e em sua respectiva obra O existencialismo é um humanismo, que foi considerada um texto circunstancial. O filósofo existencialista parece entrar em contradição ao afirmar que a “existência” precede a “essência” e que estamos condenados à “liberdade”. A existência precede a essência porque o homem primeiro existe, depois se define, enquanto todos os outros entes são o que são, sem se definirem. Sartre explica que, de fato, o ponto de partida para fundamentar a existência é a subjetividade do indivíduo, mas, não é uma subjetividade rigorosamente individual. Esta, apenas, permite ao sujeito apreender-se e apreender ao outro como sendo sua própria condição de existência. O outro é indispensável à minha existência na medida em que se apresenta como liberdade posta à minha frente: deste modo, descobre-se a intersubjetividade, através da qual, decide-se pelo que se é e pelo que os outros são. Portanto, só posso conhecer-me diante do outro, ou seja, postando-me diante dos outros, diante dos objetos, diante do mundo: a consciência me põe diante daquilo que sou e daquilo que não sou, sou humano, não sou objeto nem qualquer outra coisa. Além disso, pode-se considerar que não existe uma essência universal ou uma natureza humana. O 40 Universidade Estadual do Oeste do Paraná, acadêmicas da 4º série e do Pibid Filosofia, [email protected], [email protected] e [email protected]. 41 UNIOESTE, Professoras coordenadoras da atividade Oficina Didática de Filosofia durante a SAF da Unioeste; [email protected], [email protected]. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 197 que há é uma universalidade de condição humana que, claramente, é o conjunto dos limites a priori que esboçam a situação fundamental de um projeto no universo. A subjetividade individual, o eu penso, é a única teoria que atribui uma dignidade ao homem, excluindo-o do estatuto material do objeto, determinado pelo conjunto das qualidades e fenômenos que o constituem. Assim, por exemplo: uma mesa ou uma cadeira, não possuem consciência de si, de ser algo ou pertencer ao conjunto dos materiais, de se colocar diante de qualquer outro objeto ou de si mesmo. O estatuto da subjetividade é regido por um conjunto de valores distintos das propriedades que determinam os objetos ou o em-si, esses valores são os limites a priori ou a liberdade ontológica. O homem existe e é livre para construir-se por meio de suas escolhas. Não há uma essência que o anteceda e o determine como um objeto que possui uma finalidade intrínseca. No caso do homem, há uma liberdade ontológica que possibilita ao homem lançar-se no mundo. O homem está lançado no mundo como um projeto primeiramente livre e vazio de conteúdo. Estar lançado no mundo é estar livre para projetar a si mesmo. Sartre usa o conceito de parasi referindo-se ao homem, já que, de acordo com ele, somente o homem pode projetar-se, lançar-se para o futuro. Nas obras supracitadas, Sartre trata das implicações da liberdade para com o homem. Descreve-a como uma angústia, pois o homem está condenado numa existência absurda, isto é, condicionado à liberdade de escolhas e as mesmas não remeterem a nada. Não há como libertar-se da liberdade de decidir, de escolher, como agir. Não é possível deixar de escolher, mesmo que se opte por não escolher, escolhe-se algo, abster-se de uma decisão, portanto, é uma escolha. Estamos condenados à liberdade porque não escolhemos ser livres, ser livre é determinação ontológica, refere-se ao projeto estrutural constitutivo do lançado, ou seja, a liberdade é inerente à condição do humano. Nesse sentido, é coerente, em termos sartrianos, afirmar que o homem está condenado à liberdade. PALAVRAS-CHAVE: Existência; Essência; Liberdade. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 198 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE PÚBLICO PARTICIPANTE: Oficina aplicada ao 2° e 3º ano do ensino médio do Colégio Estadual Jardim Europa (26 alunos), 1°, 2° e 3° ano do ensino médio do Colégio Estadual Presidente Castelo Branco (12 alunos), com participação de alunos da Licenciatura em Filosofia e do Curso de Ciências Sociais da Unioeste, bem como de professores da rede estadual de ensino, totalizando 55 participantes. DURAÇÃO:1h30min. OBJETIVOS DA OFICINA: - Desconstruir a leitura comum de liberdade. - Apresentar a condição de liberdade para as possibilidades. - Instigar os alunos para a reflexão acerca da condição humana. - Possibilitar a reflexão acerca das escolhas pessoais. - Destacar a importância do tema proposto. RECURSOS DIDÁTICOS: Cartolinas; canetas; folhas sulfite; imagens de revistas diversas; fita adesiva; multimídia; slides; vídeo; texto impresso, lousa e giz. DESENVOLVIMENTO: 1ª ETAPA: SENSIBILIZAÇÃO Os alunos foram recepcionados e conduzidos de modo que escolhessem a partir de imagens recortadas e dispostas dentro de um cesto sobre a mesa; na sequência acomodaram-se em seus lugares. O objetivo desta dinâmica é sensibilizá-los a partir de suas escolhas. Após, fez-se uma breve apresentação dos integrantes da oficina e do tema proposto. Prosseguiu-se com a exposição selecionada do filme Thelma and Louise, cujo tempo aproximado é de 5 minutos. Após, seguiu-se com breve explicação do ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 199 filme, destacando que os protagonistas depararam-se com escolhas, decisões e consequências. Em seguida, foi exposto o conteúdo em questão (explicação sobre o estatuto dos objetos, que possuem essência e, por isso, são determinados) de modo a prepará-los para o próximo passo. A finalidade de trabalhar com estes exemplos é mostrar como os objetos não possuem liberdade, que estão fechados em si e que possuem uma essência que os determina, isto é, mesmo que submetidos às transformações, permanecem sob o estatuto de objetos ou de seres existentes em seus ambientes próprios. 2ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO Após a sensibilização e exposição do tema, foram feitas as seguintes questões com o intuito de levantar diferentes exposições, bem como distintas questões entre os alunos: A partir das imagens que escolheram ao serem recepcionados, vocês perceberam que a questão abordada referia-se às escolhas? O que possibilita as escolhas? Somos responsáveis pelas mesmas? Os objetos podem fazer escolhas? São livres? Quais as possibilidades dos objetos? Pode-se afirmar que o modo como existem é de caráter determinado? Para Sartre, o que determina um objeto? Quais as possibilidades do homem? O homem é diferente dos objetos? De que modo caracteriza-se essa diferença? O que é ser livre em termos sartrianos? As escolhas são importantes no tocante à construção individual e coletiva? 3ª ETAPA: INVESTIGAÇÃO Os materiais utilizados para a sensibilização serviram como ponto de partida para um questionamento acerca do tema proposto. Foram utilizados 4parágrafos da obra O existencialismo é um humanismo de Jean-Paul Sartre, na respectiva ordem: parágrafo 1 da pág. 18, parágrafo 2 da pág. 19, parágrafo 2 da pág. 21 e final da pág. 24. Os textos impressos foram enumerados conforme a quantidade de grupos formados, neste caso, foram formados 4 grupos. Todos os alunos do grupo dispunham de uma cópia do mesmo texto. Cada grupo trabalhou parágrafos distintos, por exemplo: o grupo 1 trabalhou o parágrafo 1 da pág. 18; o grupo 2 trabalhou o parágrafo 2 da pág. 19; o grupo 3 ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 200 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE trabalhou o parágrafo 2 da pág. 21; e o grupo 4 trabalhou o parágrafo final da pág. 24. Cada grupo recebeu uma folha sulfite e caneta para anotar as observações e as conclusões da leitura. Os grupos tiveram o tempo de 20 min. para ler e discutir acerca do texto e dos conceitos em questão. Em seguida, cada grupo escolheu um representante para apresentar a compreensão acerca do texto. Os alunos expuseram suas posições e levantaram questões como o esperado. A compreensão acerca do tema pode ser observada nas falas dos alunos. 4ª ETAPA: FORMAÇÃO DE CONCEITOS O primeiro momento da sensibilização foi realizado quando os alunos foram recepcionados de modo a escolherem uma dentre as imagens recortadas de revistas e dispostas em um cesto sobre a mesa. Após escolherem as imagens, os alunos dirigiram-se aos seus lugares. Prosseguiuse com a apresentação dos integrantes da oficina e do tema em questão. Apresentou-se, por meio de slides, a bibliografia de Jean-Paul Sartre e seus conceitos a partir da obra O existencialismo é um humanismo. Seguiu-se com a parte selecionada do filme Thelma and Louise e em seguida iniciou-se a problematização em forma de questões acerca do filme, relacionando-o com o cotidiano. Formou-se os grupos e os textos foram distribuídos para cada aluno. Os alunos leram o texto e debateram entre eles para poderem formar uma conclusão acerca dos conceitos. Os integrantes do grupo apresentaram os conceitos em forma de questionamento, relacionando-os com o cotidiano, correspondendo ao resultado esperado. Para finalizar, foi exposto outro vídeo de 3 min. sobre os conceitos de Sartre e um breve diálogo sobre a responsabilidade das escolhas no tocante ao cotidiano dos alunos, em seguida foi realizada a avaliação da oficina pelos participantes e após, os alunos foram conduzidos ao coffe break. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... 201 AVALIAÇÃO DA OFICINA: A oficina atendeu aos resultados esperados. Os alunos participantes a avaliaram de forma positiva. Houve um pequeno contratempo no momento de apresentar o primeiro vídeo, pois o multimídia não conectava o aplicativo do filme. Precisamos da ajuda de um dos alunos para fazer o ajuste. Ao que parece, faltou, por parte dos integrantes da oficina, alguém com habilidades para usar o multimídia. Mesmo assim, não houve prejuízo na aplicação da oficina. A maioria das avaliações consideraram que deveria haver mais tempo para as discussões entre os grupos, mais tempo para a oficina. Em relação ao número de participantes, foram cerca de 55 e não houve dificuldades quanto à organização dos grupos, pelo contrário, facilitou a discussão em torno dos conceitos abordados. Nossas expectativas eram, de fato, bem diferentes daquelas que se efetivaram no decorrer da oficina, mas, de modo positivo. O número de participantes foi bem maior do que o previsto, mas, assim mesmo, nos preparamos para um público com 60 participantes no tocante ao material que seria utilizado, bem como um vídeo auxiliar, caso não completássemos o tempo previsto. Consideramos, durante o planejamento da oficina, certos imprevistos como o acima citado, portanto, não houve grande ansiedade em torno da efetivação da oficina. Imprevistos acontecem, mas, pode-se, desde que se tenha o domínio do conteúdo a ser abordado, improvisar os ajustes. Foi uma experiência maravilhosa observar os alunos discutirem e se posicionarem quanto ao conteúdo filosófico da oficina. Estávamos preparados para intervir e realocá-los caso dispersassem ou não compreendessem devidamente, mas, para nossa surpresa, não houve necessidade. Consideramos que os objetivos da oficina foram atingidos e também que a oficina sendo aplicada a outro público, poderá ser completamente diferente. Acreditamos que é importante, neste processo, que ocorra a divulgação das oficinas e que o aluno tenha liberdade de escolher de qual delas deseja participar. ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 202 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE ANEXOS: Figura 1: Recepção dos alunos e direcionamento à escolha das imagens; Figura 2: Alunos organizados para o início da próxima atividade. Figura 3: Apresentação dos integrantes da oficina e do tema proposto. Figura 4: Apresentação de slides sobre a vida do filósofo Sartre. Figura 5: Apresentação conceitos que serão trabalhados Figura 6: Apresentação do filme Thelma and Louise; ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... Figura 7: Formação dos grupos para investigação 203 Figura 8: Discussão e apresentação dos conceitos REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada. 13ª ed. Tradução de Paulo Perdigão, Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. 3ª ed. Tradução de João Batista Kreuch, Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. THELMA AND LOUISE: https://www.youtube.com/watch?v=tnKnTqu3v2c 8 – Bit Fhilosofhy – EP5 Sartre (LegendadoPt) ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 204 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR Relatos de experiências... ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR 205 206 ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR