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ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
2
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS
DA
XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA
DA
UNIOESTE TOLEDO-PR
17 a 21 de agosto de 2015
ISSN: 21755345
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ALEXANDRE KLOCK ERNZEN
CÉLIA BENVENHO
JOSÉ LUIZ GIOMBELLI MARIANI
LUCIANO CARLOS UTTEICH
NELSI KISTEMACHER WELTER
(Organizadores)
ANAIS
DA
XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA
DA
UNIOESTE TOLEDO-PR
17 a 21 de agosto de 2015
ISSN: 21755345
Toledo-PR
2015
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
Conselho Editorial:
Dra. Lorella Congiunti – PUU – Cidade do Vaticano
Dr. Reginaldo Aliçandro Bordin – PUCPR
Dr. José Beluci Caporalini – UEM
Dr. José Aparecido Pereira – PUCPR
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
S471a
Semana Acadêmica de Filosofia da Unioeste Toledo-Pr.
(18-2015, Toledo-Pr.)
Anais da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da Unioeste
Toledo-Pr. 17 a 21 de agosto de 2015. / Organizadores:
Alexandre Klock Ernzen, Célia Benvenho, José Luiz Giombelli
Mariani, Luciano Carlos Utteich, Nelsi Kistemacher Welter. –
Toledo-Pr, 2015.
206 p.:il; color: 14x21 cm.
Evento realizado pela: Universidade Estadual do Oeste do
Paraná - Campus Toledo-Pr.
Modo de Acesso: World Wide Web:
< http://www.unioeste.br/filosofia>
ISSN: 21755345
1. Filosofia. I. Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
II. Título.
CDD 22.ed.106.3
Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi – Bibliotecária CRB/9-1610
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SUMÁRIO
11
APRESENTAÇÃO GERAL..................................................................................
13
TEXTOS COMPLETOS.........................................................................................
VONTADE DE VERDADE COMO RATIFICAÇÃO DA ONIPOTÊNCIA
14
Alexandre Moschen Ortigara.................................................................................
O TEMOR A MORTE COMO UMA
FORMA APRIORÍSTICA DA VONTADE
Anderson Lucas dos Santos Pereira
21
Célia Machado Benvenho......................................................................................
UMA ANÁLISE DO CURSO DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA
DA UNIOESTE A PARTIR DE JACQUES DERRIDA
Cristiane Roberta Xavier Candido
26
Célia Machado Benvenho......................................................................................
O SENTIMENTO UNIVERSAL COMO
FUNDAMENTO DA MORAL EM HUME
Giovani Luiz Zimmermann Junior
34
José Ames.............................................................................................................
A AUTONOMIA DA VONTADE COMO PRINCÍPIO
SUPREMO DA MORALIDADE
41
Jhonatan Pereira de Queiroz.................................................................................
A SOBERANIA ABSOLUTA DO ESTADO EM HOBBES
Junior Cesar Luna
48
Leandro Mateus Fernandes...................................................................................
A CRÍTICA HEIDEGGERIANA ÀS CIÊNCIAS POSITIVAS
Katyana Martins Weyh
59
Roberto S. Kahlmeyer-Mertens.............................................................................
PLANO DE IMANÊNCIA EM GILLES DELEUZE E FÉLIX GUATTARI
Leandro Nunes
67
Ester Maria Dreher Heuser....................................................................................
UMA INTRODUÇÃO AO CONCEITO DE PODER EM
HANNAH ARENDT E SUA DISTINÇÃO DE VIOLÊNCIA
Leandro Mateus Fernandes
76
Tarcílio Ciotta.........................................................................................................
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
8
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
A VERDADE PENSADA COMO SÍNTESE ORIGINÁRIA
Luana Borges Giacomini
Roberto S. Kahlmeyer-Mertens.............................................................................86
REPENSANDO O ESPAÇO POR MEIO DA FENOMENOLOGIA:
CONTRIBUIÇÕES DE HEIDEGGER
Maria Lucivane de Oliveira Morais
Roberto S. Kahlmeyer-Mertens.............................................................................95
PROBLEMA DO MAL EM SANTO AGOSTINHO
Robson Marins do Amaral
Célia Machado Benvenho......................................................................................
101
FILOSOFIA PARA CRIANÇAS COM ALTAS
HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO (AH/S)
Thaylan Corassa
Michelle Silvestre Cabral.......................................................................................
108
A CRÍTICA DELEUZIANA À FILOSOFIA DE DESCARTES
Vanessa Henning...................................................................................................
115
MODALIDADE CARA-A-TAPA............................................................................
123
DA RELAÇÃO ENTRE PSICANÁLISE,
FÍSICA QUÂNTICA E SEMIÓTICA:
UM NOVO CONHECIMENTO
Alexandre Moschen Ortigara.................................................................................
124
RESUMO...............................................................................................................
133
COMO ENTENDER E CONVIVER COM
ESSE FENÔMENO CHAMADO CRIANÇA
Eli Schmidtke.........................................................................................................
134
RELATOS DE EXPERIÊNCIA DAS OFICINAS DE FILOSOFIA
PARA O ENSINO MÉDIO.....................................................................................
137
APRESENTAÇÃO.................................................................................................
138
DISCUTINDO O GOSTO:
ASPECTOS DA IDENTIDADE PESSOAL EM DAVID HUME
Alderberti Batista Prado / Angélica de Fátima de Almeida Lara
Cristiane R. Xavier Candido / Gelmano Ferreira da Rocha
Célia Machado Benvenho / Nelsi Kistemacher Welter..........................................
140
O QUE DEVO FAZER? SOBRE A LEI MORAL
Angela Maria Silva / Felipe Ricardo Deuter Becker
Henrique Zanelato / Jhonatan Pereira Queiroz
Célia Machado Benvenho / Nelsi Kistemacher Welter.........................................150
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
9
DELÍRIOS DO CONSUMO NA PERSPECTIVA
DE HERBERT MARCUSE
Angélica Limberger / David Henrique Fiametti
Kamilla Regina Silva Santana / Letícia Nunes Goulart
Célia Machado Benvenho / Nelsi Kistemacher Welter........................................156
A LIBERDADE A PARTIR DO VIÉS POLÍTICO
DE BENJAMIN CONSTANT
Elizandra B. Sosa / Gabriel Drehmer
Josieli A. Opalchuka / Luana B. Giacomini
Célia Machado Benvenho / Nelsi Kistemacher Welter.........................................170
SEXUALIDADE E DISCURSO EM FOUCAULT
Lucas Henrique Nunes Batista / Patricia Joca Martins
Lucas Paiva Scussiato / Jackison Roberto dos Santos Pinheiro Junior
Célia Machado Benvenho / Nelsi Kistemacher Welter.........................................177
EXISTENCIALISMO EM JEAN-PAUL SARTRE
Michelle Silvestre Cabral / Natalia Aparecida Pacheco Ferro
Rafael Saragoça Ortolan / Thaylan Corassa
Célia Machado Benvenho / Nelsi Kistemacher Welter..........................................
184
SARTRE: ESTAMOS CONDENADOS À LIBERDADE?
Neusa Rudek / Francielle Festner
Pâmela Elger / Célia Machado Benvenho
Nelsi Kistemacher Welter.......................................................................................
196
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
APRESENTAÇÃO GERAL
SAF 2015 trouxe para o debate as questões práticas do dia a dia em
sala de aula e do ambiente de interação na experiência didática entre
professor-aluno. Com isso primou por ampliar a visão e o horizonte de
conhecimento sobre a formação e as competências a serem exercitadas a fim
de que o docente desempenhe o mais adequadamente as suas atividades na
escola.
Esses resultados foram alcançados por meio das bem conhecidas
atividades de oficina, ofertadas em número de 09 Oficinas Didáticas de
Filosofia para o Ensino Médio (05 no turno da manhã, 04 no turno da noite),
contemplando alunos de Escolas Municipais da cidade de Marechal Cândido
Rondon, de Tupãssi e de outras cinco escolas do Município de Toledo.
Baseado no item da Quarta Diretriz do Projeto de Lei 85/2015, cujo
debate foi realizado em plenário, a 19 de junho do ano corrente, na 8ª Sessão
Extraordinária da Câmara de Vereadores, o da “Erradicação de todas as
formas de discriminação”, ocorreram palestras e mesas-redondas, centrando o
diálogo nessas questões, vindo a contemplar profissionais da área, agentes do
município e de ONGs, vindos da capital do estado (Curitiba), de cidades
vizinhas (Cascavel, Assis Chateaubriand, Ouro Verde, Marechal Cândido
Rondon, Palotina), e do município de Toledo.
A guisa de conclusão, a SAF 2015 dedicou sua última data de atividade
às atividades de Comunicação, que oportunizou a todos os alunos (internos e
externos) a apresentação dos resultados (parciais ou totais) das pesquisas que
vêm realizando, respectivamente, em seus cursos, sobretudo nas áreas de
Filosofia, da Sociologia e da Psicologia.
Prod. Dr. Luciano Carlos Utteich
Coordenador da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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TEXTOS COMPLETOS
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
VONTADE DE VERDADE COMO RATIFICAÇÃO DA ONIPOTÊNCIA
Alexandre Moschen Ortigara
UNIOESTE – Universidade Estadual d Oeste do Paraná
[email protected]
RESUMO:
Relacionando a onipotência psicanalítica com a vontade de verdade de
Foucault é possível identificar e ampliar esse conceito. O sujeito é constituído
numa sociedade que exerce influência sobre ele e ele sobre ela. A
manifestação onipotente narcísica acontece também na sociedade.
Inicialmente na sociedade primitiva mítica como animismo e, posteriormente,
na religiosa como magia e na científica como onipotência do pensamento.
Assim como os sacerdotes influenciaram toda uma era, pois eram os
representantes autorizados pela religião, hoje os professores também o fazem
na condição de estarem autorizados pelo ideal humano oriundo do iluminismo.
A partir de uma vontade de verdade, Foucault apresenta como o processo de
exclusão pela fala, aparece nessa relação.
PALAVRAS-CHAVE: Onipotência; Psicanálise; Vontade de Verdade; Foucault.
A ONIPOTÊNCIA NO DESENVOLVIMENTO HUMANO
A necessidade da potência no humano é o diferencial para a satisfação
e pleno desenvolvimento de suas escolhas, ou seja, a potência seria a
utilização adequada desse poder na ação. Enquanto que impotência fantasiada
é a potência existente não exercida, ou utilizada, a onipotência é potência
fantasiada e, portanto, não praticada, pela impossibilidade de se atingir esse
ideal. O termo fantasia, utilizado acima, se faz necessário para a
caracterização real da impotência e onipotência. Assim define Freud: “É a
atividade da fantasia, que tem início já na brincadeira das crianças e que
depois, prosseguindo como devaneio, deixa de lado a sustentação em objetos
reais” (FREUD, 1911, p. 114-115), demonstrando, assim, o real sentido, tanto
de impotência quanto de onipotência.
Nesse processo de constituição e aprendizado, o humano, na sua
infância, passa tanto pelo processo da fantasia de impotência quanto pelo
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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
15
processo da fantasia de onipotência, até encontrar-se com a sua potência. É
nesse processo diastólico e sistólico, ou ainda, de flutuação entre extremos, no
caso Impotência e Onipotência, que ele se apropriaria de sua potência.
Ressalta-se que esse seria o processo idealizado do humano para ter consigo
uma plena realização de existir junto à realidade, ou seja, saindo da fantasia de
não poder realizar nada (impotência), ou ainda poder realizar o que a ele for
possível pensar (onipotência).
Em sua obra Totem e Tabu, mais especificamente no terceiro capítulo,
Animismo, Magia e Onipotência, Freud busca demonstrar nossa projeção de
Onipotência enquanto sociedade em constante desenvolvimento. Ao explicar
animismo faz referência a Hume, “[...] há uma tendência universal, entre os
homens, de conceber todos os seres como eles próprios e de transferir para
todo objetos qualidades que conhecem familiarmente e de que estão
intimamente cônscios” (FREUD, 1912, p. 124).1
A partir dessa referência, Freud, assim como o próprio Hume, passa a
demonstrar como esse processo de onipotência se dá na sociedade.
Inicialmente, essa projeção é somente para com animais, espíritos ou almas,
ou seja, algo que esteja próximo à natureza e que não exija maior descrição
lógica de algo para demonstrar essa “evidência” para a crença. Nesse estágio
evolutivo, a manifestação dessa onipotência é dada pelo feiticeiro, que possui
poderes de influenciar os espíritos para que estes realizem os desejos
humanos.
Num segundo momento da evolução do homem, em que esses
processos de manifestação de poder estão mais constituídos, este passa a
projetar num deus uno, detentor de poderes que dão conta de validar a
existência de um ser supremo e onipotente, nesse caso o sacerdote é quem
manifesta o poder. Já no terceiro estágio evolutivo de sociedade, esse
processo de onipotência humana, ou mais claramente, uma “fantasia coletiva
de onipotência humana”, se dá pelo processo científico. E aqui o autor narra o
que segue:
1
HUME, David. História Natural da Religião. Na edição da UNESP, de 2005, encontra essa
citação na p.36.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
Na concepção científica do mundo não há mais lugar para a
onipotência do homem, ele reconhece sua própria pequenez e
submete-se resignadamente a morte e às outras necessidades
naturais. Mas a confiança no poder do espírito humano, a
contar com as leis da realidade, retém algo da primitiva fé na
onipotência (FREUD, 1912, p. 140).
O
ideal
humano,
concebido
no
período
do
Renascimento 2
e
potencializado no Iluminismo, é quem guia as ciências. A partir de Kant e sua
delimitação do uso da Razão, surgiram outros ramos das ciências e, hoje,
conta-se com uma infinidade de conhecimentos descritos por métodos que
assegurariam a validade das hipóteses levantadas.
A partir de essas hipóteses estarem corretas ou não, percebe-se a
satisfação humana nas suas relações mais triviais. Por vezes não raras, em
diálogos dos mais diversos assuntos, nos quais há uma possibilidade de
necessidade de conhecimento brevemente aprofundado, para se ratificar ou
não uma questão arguida por um dos propositores, os humanos (sujeitos)
buscam assegurar sua condição de estarem certos, ou de estarem de acordo
com a validade vigente.
Porém, o que ocorre se depurarmos um pouco esses diálogos é que, em
várias ocasiões, o que os presentes almejam é estarem “certos”. Não há de
fato a busca pelo diálogo, que no caso pressupõe a escuta, vez que ambos
somente estão ansiosos em ter sua certeza ratificada. Com a ciência, quando
se busca demonstrar a hipótese, tais diálogos são condicionados à validade ou
nulidade da hipótese. Ou ainda, ratificar a potência argumentativa de um ou de
outro.
Por passar boa parte de sua vida convivendo com pessoas que buscam
encontrar respostas na religião para suas angustiantes perguntas e, por a
mesma reiterar o processo de onipotência em que, por meio da divindade, o
humano recebe todo poder, o humano reitera somente o ego primitivo e
onipotente. O sujeito onipotente não somente não é capaz de demonstrar a
necessidade do outro (partindo do pressuposto que o homem é um ser social),
Segundo Aranha, “[...] o otimismo com respeito à razão já era anunciado desde o
Renascimento, quando a nova concepção de ser humano valoriza os poderes do indivíduo
contra o teocentrismo medieval e o princípio da autoridade. No século XVII o racionalismo e a
revolução científica acentuaram essa tendência, de modo que no Século das Luzes o indivíduo
se descobre confiante, como artífice do futuro, e não mais se contenta em contemplar a
harmonia da natureza, mas quer conhecê-la, dominá-la” (ARANHA, 2006. p.172).
2
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
17
mas também evita toda conduta que possa ser julgada de forma eficiente,
como por exemplo, expor-se a uma atividade com outro em que ele não possua
domínio ou controle sobre o resultado.
A FILOSOFIA ACADÊMICA É CIENTÍFICA
A filosofia acadêmica que Nietzsche criticou, se me for permitido uma
comparação, em pouco difere de qualquer disciplina da ciência. O processo de
positivação do conhecimento pouco tem demonstrado modificar o roteiro do
saber. Esse método desestimula a liberdade criativa e de se expressar do
sujeito pensante que, por vezes, almeja-se aventurar escrevendo algumas
conjecturas, mas logo é cerceado pela necessidade de fontes, às quais, o
sujeito, muitas vezes, não tem acesso, mas que conjecturou algo, sem a
necessidade de consultar Aristóteles, Platão, Descartes, ou qualquer autor que
tenha debatido um assunto de interesse do sujeito em questão.
Se realizarmos uma reflexão singela e superficial acerca do que
diferencia o humano dos demais animais, poder-se-ia inferir que a principal
característica da humanidade seria a mudança, por conta da capacidade
adaptativa própria da espécie, ou ainda, essa capacidade adaptativa. Com
isso, poderíamos deduzir que esse processo onipotente que o humano
desenvolve inicialmente em si e, posteriormente, projeta na sociedade, é mais
uma das diversas “condições humanas” para satisfazer o ego onipotente de
estar certo e, para satisfazê-lo, identifica-os em diversos objetos ou institutos
diferentes do querer.
A pregação que o sacerdote, ou orientador espiritual, realiza na sua
religião, em pouco se difere de aulas que muitos professores ministram e,
assim como o sacerdote afirma que o livro sagrado contém todas as respostas,
também esses professores o fazem com seus alunos a partir do ramo do
conhecimento que ele atua e acredita dominar. Na academia, ao seguir um
autor, um professor passa, necessariamente, por extensivas horas de estudos,
muitas vezes prazerosos momentos com o autor e, nessa relação, o processo
empático com o autor já se estabelece, ou seja, esse processo de identificar no
outro, ou reconhecer no livro características próprias do sujeito, é algo
necessário para a consolidação desse vínculo.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
O professor, então, ao explanar sobre um autor ou um assunto, também
estará falando um pouco de si mesmo. Porém, isso, em muitas vezes, deixa de
ser benéfico para condição de potência do aluno, uma vez que ele, ao
questionar o professor, estará questionando o assunto, entretanto, pelo vínculo
(inconsciente) do professor para com o assunto ou autor, dificilmente este se
deixará ser afetado pela questão, mas, possivelmente, se sentirá atingido por
ela. A provável resposta de um professor do exemplo acima em muito poderá
se assemelhará pregação do sacerdote quando invoca o deus que pune. Essas
semelhanças somente ratificam a onipotência de ambos e dificultam a
descoberta da potência no sujeito em desenvolvimento, em qualquer idade.
A filosofia acadêmica presente pouco se distancia do método científico
em suas exigências para a escrita acadêmica. Sendo possível afirmar que se
vive uma filosofia positiva. Para aqueles que afirmam que a filosofia é diferente
da ciência, não parece equivocado, mas, o oposto também pode ser afirmado
se o processo para aquisição e produção de saberes for trazido à discussão.
A produção filosófica na academia não se refere ao filosofar que o
humano é capaz, em suas mais diversas formas e aplicações, enquanto
humano dotado de razão. Essa limitação que a filosofia recebe de si mesma
seria o equivalente ao que ocorre na ciência, e, por conseguinte, sua
proximidade/intimidade com ela se ratifica, ou seja, parece ocorrer um
processo de onipotência em todo o processo acadêmico.
La Planche, em sua Teoria da sedução generalizada, a partir de uma
sedução originária, o autor assim define: “[...] esta situação fundamental na
qual o adulto propõe à criança significantes não-verbais tanto quanto verbais, e
até comportamentais, impregnados de significações sexuais inconscientes”
(LAPLANCHE, 1988, p. 119), possibilita a demonstração desse processo
inconsciente nas mais corriqueiras relações humanas. Talvez a proposta aqui
não seja permanecer nessa relação do adulto com a criança, mas a partir
desse inconsciente que se comunica com o outro inconsciente, ou ainda seduz
esse inconsciente, demonstrar como nossas relações estão impregnadas de
sexualidade, ou ainda erotização, e como nessa construção do conhecimento,
essa erotização sofre grandes perdas a partir de discursos carregados de uma
onipotência que por ser autoerótica exclui o outro no ato de invocar a verdade,
para satisfazer esse ego narcísico.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
19
Em sua obra A Ordem do Discurso, Foucault no início de sua aula
comenta sobre três sistemas de exclusão que se dão pelo discurso, a saber:
“[...] a palavra proibida, a segregação pela loucura e a vontade de verdade”.
Seguindo o texto, relaciona a vontade da verdade ao desejo e ao poder nas
palavras que seguem: “[...] é que se o discurso verdadeiro não é mais, com
efeito, desde os gregos, aquele que responde ao desejo ou aquele que exerce
o poder, na vontade de verdade, na vontade de dizer esse discurso verdadeiro,
o que está em jogo, senão o desejo e o poder?” (FOUCAULT, 2014, p. 19).
A partir dessa definição de Foucault, acerca da vontade de verdade, o
“[...] discurso que se conservam, são identificados como ditos” (idem, ibidem), e
nessa classificação de ditos incluem os “[...] ditos por religiosos a textos
científicos em certa medida” (idem, ibidem). Nessa invocação da verdade, que
possui por caráter a exclusão, pode-se fazer alusão ao sujeito narcísico,
onipotente em seu pensar, que dispensa o outro, pois se basta nessa relação
de satisfação que o discurso da verdade lhe proporciona, como uma
autoerotização, no qual o outro é desnecessário às suas realizações. Assim,
numa possível alternância entre termos, esse eu narcísico poderia ser um eu
onipotente. Onipotente por conta dessa relação onde pode tudo através do seu
discurso de vontade de verdade, ou invocação do dito que se autoerotiza.
Se fosse possível sumarizar esse sujeito que se erotiza na vontade de
verdade, ou ainda que se erotiza na palavra que contém desejo e poder,
poderíamos sintetizar como um desejo de poder, e um desejo de poder tudo
pela palavra, poderia se afirmar que esse sujeito narcísico, é um sujeito
onipotente. E aqui esse conceito de onipotência se mescla aos sentidos
semânticos do narcisismo e de vontade de verdade.
REFERÊNCIAS
ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da Educação e da Pedagogia: geral
e Brasil. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2006.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de
France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970.Leituras Filosóficas. Tradução
Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo. Edições Loyola, 2014.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
20
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
FREUD, Sigmund.(1905). Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade. In:
_____. Obras psicológicas completas. Edição Standard Brasileira. Rio de
Janeiro: Imago, 2006. v. 7.
FREUD, Sigmund. (1911). Formulações sobre os dois princípios do
funcionamento psíquico. In: _____. Obras Completas. Tradução de Paulo
César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. v. 10.
FREUD, Sigmund. (1912-1913). Totem e Tabu. In: _____. Obras Completas.
Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
v. 11.
FREUD, Sigmund. (1914). Introdução ao Narcisismo. In: _____. Obras
Completas. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das
Letras, 2013. v. 12.
FREUD, Sigmund. (1916-1917). Conferências introdutórias à psicanálise. In:
_____. Obras Completas. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo:
Companhia das Letras, 2013. v. 13.
HUME, David. História natural da religião. Trad.Jaimir Conte. São Paulo:
UNESP, 2005.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. Lucimar A. Coghi Anselmi,
Fulvio Lubisco. São Paulo: Martin Claret, 2009. (Coleção a obra-prima de cada
autor; 3)
LAPLANCHE, Jean. Teoria da sedução generalizada e outros ensaios.
Tradução Doris Vasconcellos. Porto Alegre. Artes Médicas, 1988.
LORETO, Oswaldo di (Org.). Posições tardias: contribuição ao estudo do
segundo ano de vida. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.
NIETZSCHE, Friedrich W. Escritos sobre a educação. Trad. Noeli Correia de
Melo Sobrinho. Rio de Janeiro: PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2003.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
21
O TEMOR A MORTE COMO UMA FORMA APRIORÍSTICA DA VONTADE
Anderson Lucas dos Santos Pereira
UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Célia Machado Benvenho
[email protected]
RESUMO:
No presente trabalho pretende-se tratar o temor da morte na perspectiva de
Schopenhauer, mais especificamente em sua obra Metafísica da Morte. Para o
filósofo, a Vontade enquanto força una, insaciável, irascível e inquieta, é acima
de tudo Vontade de Vida, ou seja, o apego à vida é irracional. Sendo assim,
diante da possibilidade de morte, a Vontade lutará com violência contra a
mesma, pois ela representa o fim do organismo com o qual se identificara. O
temor da morte surge, portanto, não do conhecimento, já que por meio deste se
desvela a ausência de valor da vida, mas como uma forma apriorística da
Vontade.
PALAVRAS-CHAVE: Schopenhauer; Vontade; Fenômeno; Morte.
A morte sempre caminhou de mãos dadas junto ao homem e sua
história, mas sempre mascarada por sua mortalha negra, obscurecendo seu
verdadeiro Ser, se tornando enigmática e com isso temerosa. Eis a gênese da
filosofia, o temor pelo perecível, pelo corruptível, um sentimento que parte do
lado irascível do homem, e que tenta se auto-explicar pelo racional. A
racionalidade suscita meios explicativos que foram sendo constituídos a partir
do que nós conhecemos como filosofia. Vemos exemplos de grandiosos
sistemas metafísicos na Grécia antiga, ou a tentativa de atrelar a filosofia como
um movimento explicativo da própria fé mística, concebida nos tempos
medievos, podemos comentar também sobre o idealismo moderno e a tentativa
de criar um sistema metafísico que englobe um fundamento racional para
explicar o que podemos realmente conhecer.
Schopenhauer foi um destes filósofos modernos que tentaram partir da
racionalidade designando um sistema propriamente metafísico, tentando
abonar um tratado sobre a existência, tendo como paradigma a fundamentação
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
22
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
criticista kantiana. Schopenhauer compartilha da distinção dicotômica entre
fenômeno e coisa-em-si proposta por Kant, que são conceitos caros a toda
teoria.
Segundo Schopenhauer, a existência do mundo é proporcionada por
uma única força orgânica, que é o fundamento de todos os seres existentes,
que ele chama de Vontade. Ao predicarmos tal conceito aos moldes
schopenhaurianos, tratamo-la como um elemento fundamental de toda a
espécie, ela em-si se dá como uma força una, insaciável, irascível e inquieta. É
uma autodiscórdia, algo que se devora constantemente levando-se ao infinito.
Ela nunca se limita e é a causa de toda a dor. Sua cegueira se dá fora do
tempo-espaço, em um âmbito atemporal, por isso só podemos nos voltar a ela
metafisicamente, como um objeto numénico (aos moldes kantianos), sem
alguma finalidade teleológica se não o seu próprio saciar-se.
Esta Vontade una, atemporal, reflete-se no mundo fenomênico temporal
(concebido pela experiência humana). Nosso mundo é o espelho onde a
Vontade desfruta-se de si, se apresentando como múltiplas vontades subjetivas
no mundo físico. Mesmo ela se apresentando de diferentes formas para nós
humanos, ela ainda continua irascível, insaciável e inquieta, pois, podemos ver
isso através do nosso cotidiano, que a vontade está ali, sempre dominando de
algum modo, como por exemplo, pela volição que temos pela pessoa do sexo
oposto ou meramente pela vontade que temos de viver. Quando não
conseguimos saciar tais volições caímos no temor, como por exemplo, quando
tememos ficar sozinhos por toda a vida, ou então o temor pela própria morte.
Eis a Vontade que sempre nos aparece como Vontade de vida, a Vontade
irascível de nos perpetuarmos, por isso, teme a morte acima de tudo.
Aquele poderoso apego à vida é, portanto, irracional e cego: só
é explicável pelo fato de que todo o nosso ser em si mesmo já
é Vontade de vida, para o qual, portanto, esta vida tem de valer
como o bem supremo, por mais amarga, breve e incerta que
ela sempre possa ser; e pelo fato de que a Vontade, em si e
originariamente, é destituída de conhecimento e cega.
(SCHOPENHAUER, 2000, p.64)
A Vontade não se preocupa com o indivíduo, mas sim, com o gênero.
Com isso, o que salienta tal filosofia é a indestrutibilidade do reflexo
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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fenomênico, pois tal coisa-em-si anseia pela vida do gênero de uma forma tão
premente que a tendência é de nunca se esgotar, pois ela-em-si se dá fora do
tempo-espaço, se dá em uma forma metafísica, visando sempre o presente
contínuo, destituída de passado ou futuro, de nascer e perecer. Tudo que a
Vontade enfatiza é a procriação e, com isso, a eternidade-do-mesmo. Mesmo
que nossa forma fenomênica pereça por estar contida no tempo-espaço, nós
ainda estaremos no mundo enquanto matéria, onde a Vontade irá moldar-se
novamente em outra criatura que perecerá novamente.
O mundo é infinito, pois a Vontade é infinita, todos somos apenas um,
pois nascemos da mesma forma una. Enquanto houver Vontade, haverá vida
em seu eterno retorno.
[...] de onde virão todos? Onde estão agora? Onde é o rico
ventre do nada prenhe de mundos, que contém agora as
estirpes futuras? - A verdadeira e sorridente resposta seria:
Onde deveriam estar senão lá, onde o real sempre foi e será,
no presente e no seu conteúdo [...] Conhece a tua própria
essência, justamente aquela que é tão sedenta de existência,
conhece-a de novo na força íntima, misteriosa, ativa da árvore,
que permanece sempre a mesma e a única, em todas as
gerações de folhas, imune ao nascer e perecer.
(SCHOPENHAUER, 2000, p. 85-86)
O temor para Schopenhauer ganha sua dimensão como efeito da
Vontade de Vida. A mesma se dá de uma forma universal e necessária,
portanto apriorística, pois, temer é algo propriamente humano. Todos temem a
morte, pois a Vontade una nos dá essa característica, como reflexo para com a
vontade múltipla de cada indivíduo. O indivíduo se dá como um ser perecível,
que sucumbe a cada momento em sua temporalidade. Chronos não perdoa os
ponteiros do relógio antigo, o perecer acontece a cada momento, abaixo
sempre das enfermidades mundanas, em busca sempre de se saciar
momentaneamente, e com isso, sempre concebendo o temor pela morte, pois,
a mesma sendo musa não apenas da filosofia, mas sim dos seres existentes
como um todo, toma uma forma propulsora jogada a cada consciência
personificada em medo.
A vida, por esses aspectos, se torna apenas um tormento, “um pêndulo
entre as dores e o tédio”, uma mera ilusão para saciar algo maior, para dar
continuidade à cegueira que é existir. Tal fenômeno não está intrínseco a
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
nenhum objetivo teleológico, a nenhuma meta, a nenhuma finalidade, a não ser
perecer e voltar ao ventre natural, onde o nada predomina, mas que mesmo
assim a partir de seus restos, ou então a partir da procriação anterior a morte,
continuará existindo enquanto Vontade, pois esta força não é findável.
É quando um indivíduo sente medo da morte que se tem
propriamente o estranho e até mesmo o risível espetáculo: o
senhor dos mundos, que preenche tudo com o seu ser, e
apenas mediante o qual tudo isso que é, possui a sua
existência, se desespera e teme sucumbir e afundar-se no
abismo do nada eterno, enquanto, na verdade, tudo está cheio
dele, e não há lugar algum no qual ele não esteja, ser algum no
qual ele não viva - pois não é a existência que o sustém, mas
ele que sustém a existência. No entanto, é ele quem se
desespera no indivíduo que sofre com o medo da morte, já que
ele fica à mercê da ilusão produzida pelo principium
individuationis, de que a sua existência esteja limitada à do ser
que agora morre. Esta ilusão pertence ao grave sonho, no qual
ele caiu como Vontade de vida. Mas se poderia dizer àquele
que morre: "Tu cessas de ser algo, que terias feito melhor,
nunca ter sido”. (SCHOPENHAUER, 2000, 127)
Concebendo o indivíduo como uma parte da personificação da Vontade,
tal indivíduo carrega em si o zelo pela sua vida, e com isso o temor da morte
entra em cena de uma forma apriorística. Tal característica concebe-se como
uma ideia inata em cada animal. Temos medo do que nos aparece como
misterioso e inconcebível pela mente humana. Com isso ganhamos aversão a
tal sentimento da morte, mesmo que o cessar dela seja deveras magnânimo
em prol do indivíduo, pois com ele sucumbindo-se, se aniquila também todas
as enfermidades do existir (enquanto indivíduo), mas nunca a Vontade-em-si,
que sempre tende a sempre ficar solidificada como ato da potência do
fenômeno.
Assim como somos atraídos para a vida pelo impulso totalmente ilusório
da volúpia, do mesmo modo nos agarramos a ela mediante o temor, também
por certo ilusório, da morte. Ambos se originam de modo imediato da Vontade,
que em si é destituída de conhecimento. Eis que se dá o Eterno Retorno do
Mesmo, conceito fundamental para toda a filosofia da metafísica da Vontade e
Representação schopenhauriana. Tal conceito nos leva a crer em uma
infinitude tanto fenomênica quanto numênica. Todos são um, eu estou em
você, e você estará em mim enquanto atemporalidade, o todo se funde em
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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uma unidade. Eu dou a vida para meu sucessor, e meu sucessor dará a vida
ao filho dele, onde eu estarei lá expresso em sua constituição fenomênica de
ser. O mundo sempre se dá nessa eterna redundância histórica, pelas mesmas
causas e pela mesma igualdade. A Vontade da vida dá o impulso para as
guerras, onde as lutas serão sempre as mesmas, indiferente do tempo, pois
sempre a vida será o cerne de toda guerra. “Na visão da macro-estória toda
guerra é igual”, já dizia o compositor brasileiro Humberto Gessinger. A vida
sempre irá lutar pelo seu ideal que é o espelho dela mesmo, e de praxe o medo
consta como maior parte da ilusão do viver.
Sempre e por toda parte o círculo é o autêntico símbolo da
natureza, porque ele é o esquema do retorno. Este é de fato a
forma mais geral na natureza, que ela adota em tudo, desde o
curso das estrelas até a morte e nascimento dos seres
orgânicos, e apenas por meio do qual, na torrente incessante
do tempo e de seu conteúdo, torna-se possível uma existência
permanente, isto é, uma natureza (SCHOPENHAUER, 2000, p.
84).
E assim é concebida a ordem do mundo para Schopenhauer. O todo se
resume em uma unidade enquanto metafísica, tudo está em tudo. Eis o eterno
retorno do mesmo, se autenticando sempre como uma forma circunferencial da
natureza, onde a infinitude predomina, sempre fazendo os mesmos passos.
REFERÊNCIAS
SCHOPENHAUER, Arthur. Metafísica do Amor e da Morte. Trad. Jair Barboza.
São Paulo: Martins Fontes, 2000.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
UMA ANÁLISE DO CURSO DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA DA
UNIOESTE A PARTIR DE JACQUES DERRIDA
Cristiane Roberta Xavier Candido
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE – campus
Toledo
Bolsista PIBID – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à
Docência - Filosofia
Célia Machado Benvenho (orientadora)
[email protected]
RESUMO:
Esta pesquisa visa compreender a concepção de Universidade do pensador
franco-argelino Jacques Derrida, verificando assim, em que medida a sua
proposta pós-estruturalista de “desconstrução” dele serve de base para
possíveis propostas de reformulações na estrutura curricular do curso de
Licenciatura em Filosofia da UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do
Paraná – Campus Toledo. Desta forma, tendo conhecimento do importante
papel multifacetado - social, cultural e ideológico - que a Universidade
desempenha desde outros tempos, torna-se essencial observar e analisar mais
profundamente o conceito e o desempenho de uma Universidade da qual
fazemos parte e, portanto, podemos contribuir em aprimoramentos, no caso do
curso de Licenciatura em Filosofia na UNIOESTE – Universidade Estadual do
Oeste do Paraná – Campus Toledo, analisando e buscando viabilizar possíveis
“desconstruções” reflexivas que contemplem novos planejamentos estruturais
na tríade que sustenta o curso supracitado: ensino, pesquisa e extensão.
PALAVRAS-CHAVE:
Educação.
Universidade;
Desconstrução;
Jacques
Derrida;
Quando falamos em educação uma das principais máximas que se
pensa é a da qualidade, isto é, da não artificialidade do saber e da eficácia das
metodologias de ensino. Acrescenta-se a isto o fato de tratarmos de um ensino
superior referente à Licenciatura em Filosofia na Unioeste – campus Toledo,
cujo objetivo principal é formar indivíduos capazes de ensinar filosofia e
também filosofar. O resultado é uma análise um tanto quanto conflituosa ainda
mais quando levamos em consideração a forma pela qual são elaborados os
conteúdos programáticos a serem estudados no decorrer dos quatro (04) anos
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
27
de graduação: deliberados quase que exclusivamente pelo Colegiado que,
mesmo se realizando em reuniões abertas, contam com pouca ou quase
nenhuma representatividade acadêmica. Tal fato é verificável devido à
dificuldade de equivalência de horários, haja vista que a maioria dos alunos
trabalha em horário comercial e as reuniões se realizam no período do início da
tarde. Desta forma, torna-se impossível não lembrar e levar em consideração
que infelizmente e em grande medida, são vários os acadêmicos de Filosofia
que se formam e se tornam apenas meros reprodutores de conhecimento
adquirido.
Para tanto, é importante que durante a trajetória no curso os acadêmicos
questionem a forma e o conteúdo das disciplinas a que estão se submetendo
(e sendo submetidos), bem como, cada professor analise seus métodos de
ensino e avalie se seus próprios conceitos não passaram a se tornar
cristalizados com o decorrer do tempo. Uma forma adequada para se começar
uma análise deste gênero é desconstruindo o saber adquirido, tal como
defende o pensador franco – argelino Jacques Derrida.
Cabe aqui ressaltar que, de antemão, na obra A Universidade sem
condições (2003), Derrida sabia que a incondicionalidade na natureza das
Universidades era impossível, haja vista que tais instituições precisam
responder a determinados parâmetros curriculares e legislativos provenientes
de órgãos governamentais, mas que de fato – e mesmo tendo tal circunstância
embrionária em seu planejamento: a de seguir uma legislação elaborada pelo
Governo – precisam atuar de forma crítica e desconstrutiva, como podemos
observar:
Sabemos muito bem que essa Universidade incondicional
não existe, de fato. Mas em princípio, e conforme sua
vocação declarada, em virtude de sua essência
professada, ela deveria permanecer como um derradeiro
lugar de resistência crítica — e mais que crítica — a todos
os poderes de apropriação dogmáticos e injustos. Quando
digo 'mais que crítica', deixo subentendida 'desconstrutiva'
(por que não dizê-lo diretamente e sem perda de tempo?).
Valho-me do direito à desconstrução como direito
incondicional de colocar questões críticas, não somente à
história do conceito de homem, mas à própria história da
noção de crítica, à forma e à autoridade da questão, à
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
28
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
forma interrogativa do pensamento. (DERRIDA, 2003. p.
17)
Desta forma, Derrida apresenta qual seria o caminho para se
desconstruir os possíveis dogmatismos que possam estar presentes em uma
determinada instituição de ensino através da proposta de imunidade como
característica da Universidade. Em A Universidade sem condição afirma:
“Devemos reivindicar com todas as nossas forças essa liberdade ou essa
imunidade da Universidade, e por excelência de suas Humanidades.” Na
sequência enfatiza: “Não somente de forma verbal e declarativa, mas com o
trabalho, em ato e no que fazemos acontecer por meio de acontecimentos.”
(DERRIDA, 2003, p. 50) Para tanto, conforme o que Derrida busca apresentar,
é que torna-se necessário a elaboração de questionamentos que proponham
reflexões acerca do trabalho que está sendo realizado na – e pela –
Universidade, pois “[...] o que acontece no momento em que se leva em conta
não apenas o valor performativo da 'profissão', mas em que se aceita que um
professor
produz
'obras'?
E
não
apenas
conhecimentos
ou
pré-
conhecimentos?” (DERRIDA, 2003, p. 51)
Em seus estudos, Derrida nunca formulou um método de ensino nem
trabalhou nada voltado para a educação, mas analisou as Instituições de
ensino e acabou desembocando nos sistemas educacionais para apresentar
como um edifício de conhecimento pode se tornar artificial uma vez que precisa
responder
aos
pré-estabelecimentos
direcionados
por
instâncias
governamentais (o Ministério da Educação – MEC -, por exemplo), como
podemos observar em sua obra O olho da Universidade (1999), quando
Derrida se refere à Universidade:
(...) se se trata de criar títulos públicos de competência, se
se trata de legitimar saberes, se se trata de produzir
efeitos públicos dessa autonomia ideal, então, nisso, a
Universidade não se autoriza mais por si própria. Ela é
autorizada (berechtigt) por uma instância nãouniversitária, neste caso pelo Estado, e de acordo com
critérios que não são mais, necessariamente e em última
análise, os da competência científica, mas os de uma
certa performatividade. A autonomia da avaliação
científica pode ser absoluta e incondicionada, mas os
efeitos políticos de sua legitimação, supondo-se que seja
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
29
possível com todo o rigor distingui-los dela, nem por isso
deixam de ser controlados, mensurados, vigiados por um
poder exterior à Universidade. No tocante a esse poder, a
autonomia universitária encontra-se em situação de
heteronímia; é uma autonomia conferida, limitada, uma
representação de autonomia, no duplo sentido da
representação por delegação e da representação
espetacular. Na verdade, a Universidade em seu conjunto
é responsável perante uma instância não-universitária.
(DERRIDA, 1999. p. 86-87)
Entretanto, torna-se ainda imprescindível que seja de conhecimento o
que significa essa desconstrução do pensamento proposta por Derrida, a
saber: o quase-conceito (dize-se quase-conceito, pois Derrida não elabora
conceitos e sim encontra rastros em termos utilizados de forma superficial pela
linguagem) nomeado de desconstrução por Derrida é uma herança que ele
reformulou de Heidegger na obra Ser e Tempo publicada em 1927 (entretanto,
a edição investigada foi a de 2005).
Em relação à “destruição” heideggeriana da metafísica, Paulo César
Duque-Estrada apresenta que a mesma “[...] consistia, basicamente, em uma
desmontagem das estruturas tão evidentes quanto ossificadas de sentido,
permitindo ao conceito uma abertura ao âmbito em que ele fora originariamente
pensado” (DUQUE-ESTRADA, 2010, P. 19). Todavia, Derrida acreditou que
esta denominação (“destruição”) seria inviável (além de manter um sentido
definitivo e violento) para esclarecer seu pensamento ao mundo.
A desconstrução, de acordo com Derrida, necessariamente parte da
aceitação de aporias, mas não no sentido tradicional de aceitação de
paradoxos como verdadeiros e sim, compreender aquilo que não se pode
decidir ou optar como alicerces racionais que favorecem e propõem os
questionamentos livres acerca de conceitos já cristalizados que promovem a
padronização de pensamentos.
Para isso, como se observa na obra Gramatologia e A Escritura e a
Diferença, publicada em 1967, Derrida apresenta que a desconstrução do
pensamento se faz mediante o desaparecimento do quase-conceito metafísica
da presença (herança do pensamento logocêntrico ocidental), que se trata do
erro comunal que todos caímos quando tratamos de um determinado conceito
como Educação, Liberdade, Democracia, por exemplo, sem levar em conta sua
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
30
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
ausência, ou seja, quando não pensamos que apesar destes conceitos
existirem e consequentemente assumirem uma presença na realidade das
pessoas, eles também admitem uma ausência concomitante.
Isto é, existe também (e infelizmente as pessoas não pensam nisto) uma
Não-Educação, uma Não-Liberdade, uma Não-Democracia, por exemplo.
Portanto, o conhecimento que apresentam acerca destes conceitos é
superficial. Os conceitos, conforme estamos acostumados a pensar e a
entendê-los – apenas possuem valor cognitivo (só podemos conhecê-los como
pensamos conhecer), pois eles apenas podem existir atrelados à um contexto
e, jamais por si sós. Um exemplo claro disto, é o conceito de “mulher”: sabe-se
que uma determinada pessoa é “mulher”, pois apresenta um comportamento
específico e, simultaneamente, sua figura surge na medida e no contexto
biológico da existência de um outro ser cujo conceito é denominado “homem”.
Isto é, só conhecemos um determinado conceito, pois este existe em
contraponto à outro, no contexto deste contraponto, e, jamais por si só.
A esta dicotomia de opostos (presença versus ausência e entre outros)
desenvolvidos e fixados pelo logos que se instituiu na linguagem ocidental pela
tradição filosófica, Derrida atribui a característica de serem indecidíveis, ou
seja, tratam-se de opções que não podem ser ditas visto que não existe
oposição quando tudo faz parte de tudo. Em outras palavras: para existir o
bem, por exemplo, necessariamente precisa existir o mal (que é o não-bem) e,
eles fazem parte de uma mesma coisa, portanto existem concomitantemente,
logo, são inseparáveis.
A visão que Derrida tem das Universidades é crucial para entendermos o
seu real papel na sociedade como um princípio de resistência, tal como o
pensador franco-argelino defende: “É preciso então não apenas um princípio
de resistência, mas uma força de resistência – e de dissidência.” (DERRIDA,
2003. p. 22), para que seja desconstruído o conceito de soberania que os
Estados empreendem em tais instituições de ensino.
Derrida é pontual a caracterizar o interesse dominador que os Estados
apresentam para com as Universidades: um interesse mercantil, no intuito de
aplicar recursos em áreas que possam render novos recursos financeiros
futuros. Conforme Derrida é papel das “Humanidades” presentes nas
Universidades (com ênfase no curso de Direito) que precisam se tornar as
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
31
grandes forças de resistência, haja vista que, de acordo com Derrida, são estas
que precisam ser as forças de resistência, pois são essas que trabalham com o
pensamento. Tal como podemos observar:
(...) esse princípio de incondicionalidade se apresenta,
originalmente e por excelência, nas Humanidades. Ele
tem um lugar de apresentação, manifestação, de
salvaguarda originária e privilegiada nas Humanidades,
nelas dispondo igualmente de um espaço de discussão e
de reelaboração. Isso passa tanto pela literatura e as
línguas (ou seja, as ciências ditas do homem e da
cultura), quanto pelas artes não-discursivas, pelo direito e
pela filosofia, pela crítica, pelo questionamento e, para
além da filosofia crítica e do questionamento, pela
desconstrução – quando se trata de nada menos que repensar o conceito de homem, a figura da humanidade em
geral, e singularmente aquela que pressupõem as assim
chamadas, na Universidade, há séculos, Humanidades.
(DERRIDA, 2003, p.23)
As Humanidades, segundo Derrida, são “[...] lugares de resistência
irredentista, até mesmo, analogicamente, como uma espécie de princípio de
desobediência civil, ou ainda, de dissidência em nome de uma lei superior e de
uma justiça do pensamento.” Entretanto, Derrida afirma que é necessário
reelaborar o conceito de Humanidades:
Em meu espírito, não se trata mais somente do conceito
conservador e humanista a que se associam com frequência as
Humanidades e seus antigos cânones – os quais, não
obstante, a meu ver, devem ser protegidos a todo custo.
Permanecendo ao mesmo tempo fiel à tradição, esse novo
conceito das Humanidades deveria incluir ainda o direito, as
teorias da tradução, além do que se chama, em cultura anglosaxã, da qual é uma das formações originais, a ‘theory’
(articulação original de teoria literária, de filosofia, de
linguística, de antropologia, de psicanálise, etc), mas também,
certamente, em todos esses lugares, as práticas
desconstrutivas. (DERRIDA, 2003, p.25)
O que Derrida pretende apresentar com essa reelaboração do conceito
das Humanidades é a fé no saber, é o trabalho que opera nas Universidades
de forma que professe uma “fé” no saber, mas que não se feche em apenas
discursos do saber e, sim, em discursos performativos do saber. Derrida visa
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
32
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
um saber que possa ser colocado em prática e não apenas conhecido e
pensado. De acordo com o pensamento derrideano, associar fé ao saber e o
saber à fé é estabelecer uma profissão de fé, um compromisso, uma promessa,
uma “responsabilidade assumida” que não se valem de discursos do saber,
“mas de discursos performativos que produzem o acontecimento de que falam.”
Tendo em vista esta explanação de algumas ideias derrideanas acerca da
incondicionalidade das Universidades, é possível realizar uma discussão
acerca da realidade acadêmica que cada um está vivenciando atualmente.
Portanto, é neste contexto que esta pesquisa se desenvolverá
procurando abarcar, compreender e estimular possíveis desconstruções (a
partir da proposta de Jacques Derrida) na estrutura curricular de ensino,
pesquisa e extensão do curso de Licenciatura em Filosofia da Unioeste –
campus Toledo. É importante ressaltar que este trabalho tem caráter inicial e
primário, que procurará instigar questionamentos, tais como: Seria possível
estabelecer novas maneiras de compreender a Educação no curso de Filosofia
da Unioeste? Se sim, quais seriam essas maneiras? Se não, o que nos impede
de criá-las? A compreensão dos textos filosóficos estudados durante a
graduação estão sendo aprendidos por meio de um pensar crítico ou
simplesmente são acúmulos de informações e conhecimentos? Hoje em dia se
faz filosofia no curso de Filosofia da Unioeste? O curso de Filosofia da
Unioeste é uma graduação que busca ser uma “força de resistência” diante da
constante e atual mercantilização do saber?
Derrida trás a tona a questão de que a Universidade precisa ser uma
“força de resistência” e de “dissidência”, mas alerta também de que essa
desconstrução em suas estruturas precisa ser cautelosa, haja vista que algo
que é independente demais, tende a se render com mais facilidade, ou seja, a
incondicionalidade de uma Universidade acarreta, em Derrida, uma ausência
de poder e de defesa. Derrida em sua obra A Universidade sem condições
(2003) afirma que a Universidade “[...] por ser absolutamente independente, é
também uma cidadela exposta”. E ainda em relação a incondicionalidade da
Universidade, Derrida destaca que: “Ela se oferece, permanecendo por
conquistar, frequentemente destinada a capitular sem condição. Em todo lugar
onde comparece [se rend], está prestes a se render [se rendre]. Por não aceitar
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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que lhe imponham condições, às vezes ela é compelida, exangue, abstrata, a
se render também sem condição.” (Derrida, 2003. p. 21)
REFERÊNCIAS
BORGES, André de Barros./Pedagogia da Aporia: Filosofia, Educação e
Universidade na Obra de Jacques Derrida./Revista Sul - Americana de Filosofia
e Educação, UnB – Universidade de Brasília/DF, n.8/9, Maio/2007 – Abril/2008.
Disponível em: http://periodicos.unb.br/index.php/resafe/article/view/5195/4369.
Acesso em: 25/06/2015.
DERRIDA, Jacques. A Escritura Pré-Literal. In: DERRIDA, Jacques.
Gramatologia 1ª Edição. Tradução: Mirian Schnaidermann e Renato Janini
Ribeiro. São Paulo: Perspectiva, Ed. da Universidade de São Paulo, 1973. p.
03-79.
DERRIDA, Jacques. A Universidade sem condições. Tradução: Evandro
Nascimento São Paulo: Estação Liberdade, 2003.
DERRIDA, Jacques. Freud e a cena da escritura. In: DERRIDA, Jacques. A
Escritura e a Diferença 2ª Edição. Coleção Debates. Tradução: Maria Beatriz
Marques Nizza da Silva. São Paulo: Perspectiva, 1995. p. 179-226.
DERRIDA, Jacques. O Olho da Universidade. Tradução: Ricardo Iuri Canko e
Ignacio Antonio Neis. São Paulo: Estação Liberdade, 1999.
DUQUE-ESTRADA, Paulo Cesar. Desconstrução e Incondicional
Responsabilidade. Revista Cult. São Paulo. Edição Nº117 03/2010. Disponível
em: <http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/desconstrucao-e-incondicionalresponsabilidade/> Acesso em: 20/07/2015.
HEIDEGGER, Martin. As duas tarefas de uma elaboração da questão do ser In:
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo Parte I. 15ª ed. Petrópolis/RJ: Vozes. 2005.
p. 42-71.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
34
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
O SENTIMENTO UNIVERSAL COMO FUNDAMENTO DA MORAL EM HUME.
Giovani Luiz Zimmermann Junior
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Campus de Toledo
José Ames (orientador)
[email protected]
RESUMO:
David Hume em sua obra: Investigações sobre o entendimento humano e
sobre os princípios da moral (1751), estabelece princípios racionais motivantes
quanto a moral. Para o pensamento humeano as crenças morais são
intrinsecamente motivantes e não precisam de forças teológicas-metafísicas. A
razão por si só não motiva ninguém, a razão descobre os fatos e a lógica, mas
ela depende dos desejos e preferências quanto à percepção daquelas
verdades e só isso nos motiva. A razão por si não produz crenças morais. A
moralidade depende ultimamente do sentimento, sendo o papel da razão
apenas o de preparar o caminho para os nossos sensíveis julgamentos por
análise da matéria moral em questão. Os méritos pessoal e moral residem
nisso, em que cada ser humano racional possa por si mesmo discernir
qualidades úteis e agradáveis da vida cotidiana, estabelecendo juízos das
coisas, livre de preconceitos, ilusões, superstições ou influências religiosas.
PALAVRAS-CHAVE: Moralidade; Bem; Sentimento; Razão.
A moral sempre foi um assunto em discussão em todos os tempos e em
todos os lugares. Foco de muitos debates em cenários filosóficos e artísticos e
tema sempre pertinente em todas as eras e lugares, pois a moral faz parte da
própria essência humana. A palavra moral vem do latim mores e significa
“relativo aos costumes” segundo historiadores a palavra moral originou-se a
partir do intento dos romanos traduzirem a palavra grega êthica. Quando
falamos acerca da moral, algumas perguntas vêm à mente: Qual seria o
fundamento da moral? Como podemos observar estes princípios na
humanidade? A moral seria algo intrínseco ao ser humano ou vem de
influências externas ao homem? De onde vem a moral? Para tentar responder
estas perguntas pertencentes a essência da própria natureza humana David
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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Hume (1711-1776) aborda seus fundamentos em sua obra: Investigações
sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral (1751).
Hume pretendia em seu tempo fazer no âmbito das ciências do homem,
o mesmo que Newton havia realizado no âmbito da ciência natural: explicitar e
investigar as leis e princípios básicos que comandam os modos de pensar,
sentir e de conviver entre os seres humanos. Para Hume, os assuntos morais
abrangiam todos aqueles temas que hoje consideramos como pertencentes as
ciências humanas, como a política, o direito, a moral, a psicologia e a crítica
das artes. Ele possuía uma visão futurística dentro da filosofia moderna do que
seriam ciências ou ramificações que fluiriam de dentro da própria filosofia.
Para o pensamento humeano as crenças morais são intrinsecamente
motivantes e não precisam de forças teológicas-metafísicas. Se você acredita
que matar é errado, você estará motivado interiormente a não matar
(internalismo moral). A razão por si só não motiva ninguém, a razão descobre
os fatos e a lógica, mas ela depende dos desejos e preferências quanto à
percepção daquelas verdades e só isso nos motiva. A razão por si não produz
crenças morais. A moralidade depende ultimamente do sentimento, sendo o
papel da razão apenas o de preparar o caminho para os nossos sensíveis
julgamentos por análise da matéria moral em questão.
Sobre o mérito pessoal e motivação moral Hume declara: “[...] toda
qualidade da mente que seja útil ou agradável a própria pessoa ou a outros
transmite um prazer ao espectador, granjeia sua estima e recebe a honrosa
denominação de virtude ou mérito” (HUME, 2004, p.357). Ou seja, a virtude
surge ao apreciar algo de utilidade pública e privada, e isso gera uma
satisfação pessoal por si só. São qualidades da mente, são pensamentos bons,
agradáveis, construtivos e não destrutivos a nível pessoal ou coletivo. Os
méritos pessoal e moral estão nisso, que cada ser humano racional possa por
si mesmo discernir qualidades úteis e agradáveis da vida cotidiana,
estabelecendo juízos das coisas por sua razão natural, livre de preconceitos,
ilusões, superstições ou influências religiosas.
Sobre a influência negativa da religião, Hume declara: “[...] parece
razoável supor que sistemas e hipóteses perverteram nossa faculdade natural
de entendimento, ao vermos que uma teoria tão simples e obvia conseguiu
escapar por tanto tempo aos exames mais cuidadosos” (HUME, 2004, p.349).
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
Para Hume, celibato, jejum, penitência, mortificação, negação de si mesmo,
submissão, silêncio, solidão e todas as chamadas virtudes monásticas,
deveriam ser rejeitadas pelas pessoas sensatas, porque segundo Hume não
servem a nenhum propósito humano-racional; não o faz membro mais valioso
da sociedade, e acabam afetando suas alegrias na convivência social, acabam
diminuindo e afetando a satisfação pessoal dos indivíduos e não acrescentam
em nada a sua potencialidade e sociabilidade. Conforme afirma Hume: “Elas
frustram todos, entorpecem o entendimento, endurecem o coração, toldam a
imaginação e amargam o temperamento” (HUME, 2004, p.340). Hume não via
a importância e sequer sentido para tais práticas, pois para o autor elas não
contribuíam em nada na formação do indivíduo quanto a sua moral e convívio
social com seus semelhantes. Pelo contrário, via nas virtudes monásticas algo
funesto e irracional, que precisava ser banido pelos empiristas céticos de sua
época. Baseado na razão e experiência, Hume afirmava que essas influências
religiosas não contribuíam em nada no fator motivacional moral das sociedades
humanas.
Quando Hume fala da natureza humana e do sentimento universal como
fundamento da moral, ele declara: “(...) há alguma benevolência, ainda que
pequena, infundida em nosso coração, alguma centelha de afeição pelo gênero
humano, alguma parcela de pomba entrelaçada, em nossa constituição, a
elemento de lobo e serpente” (HUME, 2004, p. 350).
Hume reconhece que dentro dos homens existem algo de bom,
moralmente falando, que está no interior do homem, um sentimento universal
de afeição entre os homens, mas também dentro desta natureza existe um
dualismo entre a pomba (bem moral) e a serpente ou lobo (mal moral). Esses
sentimentos segundo Hume são frágeis, mas são sentimentos que são
capazes de comandar as decisões de nossa mente e de produzir sempre uma
preferência pelo que é útil e proveitoso a humanidade e o indivíduo, ao invés
de escolher aquilo que é prejudicial e perigoso.
Surge então no pensamento humeano a “distinção moral”, que é um
sentimento geral de censura e aprovação, uma espécie de inclinação, mesmo
que pequena pelas virtudes ou o bem moral, e ao mesmo tempo uma aversão
proporcional aos vícios (mal moral ou corrupção humana). Conforme declara
Hume: “A noção de moral implica algum sentimento comum a toda
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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humanidade, que recomenda o mesmo objeto a aprovação generalizada e faz
que todos os homens, ou a maioria deles, concordem em suas opiniões ou
decisões relativas a esse objeto” (HUME, 2004, p. 351).
Todos os indivíduos racionais e morais devem priorizar portanto um
ponto de vista comum (bem comum) para si e para outros, em detrimento de
buscar seus próprios interesses privados e particulares devemos sempre
priorizar o universal/coletivo. De acordo com o pensamento humeano:
Ele deve, portanto, distanciar-se de sua situação privada
e particular e adotar um ponto de vista comum a si e aos
outros; ele precisa mobilizar algum princípio universal da
constituição humana e ferir uma tecla com a qual toda a
humanidade possa ressoar em acordo e harmonia. Assim,
se pretende expressar que um certo homem possua
atributos cuja tendência é nociva a sociedade, ter
escolhido esse ponto de vista comum e tocado um
princípio de humanidade com a qual toda pessoa, em
certa medida, concorda. (HUME, 2004, p. 352)
As pessoas que reconhecem este sentimento universal têm a
capacidade de ferir ou tocar na tecla com a qual toda a humanidade possa
ressoar em acordo e harmonia, ou seja, fazer com que suas afirmações
ressoem nos corações de toda humanidade quando estas estão de acordo com
esse sentimento universal moral coletivo. Um exemplo disso é a afirmação: Ele
é meu inimigo (algo particular que afeta só a uma pessoa). E outra coisa é a
afirmação: Ele é corrupto (algo universal que afeta toda a sociedade). Quem
bem utiliza e conhece esse entendimento da natureza humana será muito mais
eficaz em suas preposições, pois utiliza deste sentimento universal moral
presente em todos os seres racionais.
Para Hume o coração humano é composto dos mesmos elementos,
jamais será totalmente insensível ao bem público, nem inteiramente indiferente
as tendências dos caracteres e condutas humanas. Essa afeição humanitária
pode até não ser tão forte como a vaidade ou a ambição, mas é comum em
todos os seres humanos, e isso fomenta uma fundação para a moral humana
ou para qualquer sistema moral geral de censura ou louvor. Hume afirma que:
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
Não apenas os sentimentos decorrentes do caráter humanitário
são os mesmos em todas as criaturas humanas e produzem a
mesma aprovação ou censura, como também abrangem todas
essas criaturas, de modo que não há nenhuma cujo
comportamento ou caráter que não seja, em virtude deles, um
objeto de censura ou aprovação para todos. (HUME, 2004, p.
353)
Observa-se que aprovação e censura são os dois elementos que
incidem sobre o pensamento moral, de acordo com Hume das escolhas morais
positivas surgirão as virtudes louvadas pelas pessoas, ou diante das escolhas
e ações negativas surgirão os vícios reprovados pela sociedade na qual o
indivíduo esteja inserido. É um caráter humanitário, ou seja, um senso coletivo
comum presente em todos os indivíduos racionais. Esse sentimento universal
abrangente estende-se a toda humanidade e faz com que mesmo as ações e
comportamentos das pessoas mais distantes sejam objetos de aplauso ou
censura, tendo ou não regra de correção estabelecida pelos costumes da
sociedade. Tudo aquilo que é benéfico a sociedade ou a própria pessoa
sempre será preferido. Toda qualidade ou ação humana deve ser submetida a
censura ou aplauso geral. Conforme afirma o autor:
Qualquer conduta que ganhe minha aprovação ao tocar minha
humanidade também obterá o aplauso de todos os seres
humanos, ao excitar neles o mesmo princípio. Mas o que serve
a minha avareza ou ambição só satisfaz essas paixões em mim
mesmo, e não afeta a avareza ou ambição do resto da
humanidade. (HUME, 2004, p.354)
O indivíduo moral é aquele que prefere o bem coletivo, o respeito mútuo
entre os indivíduos, a sociabilidade, a paz social ao invés da satisfação pessoal
egocêntrica. Essa conduta com respaldo universal é o que ganha aprovação e
o aplauso de todos os seres humanos racionais. A moral então para Hume é
identificada, virtude e vício tornam-se conhecidos, os indivíduos passam a ter
uma ideia geral das ações e condutas humanas, princípios universais passam
a ser estabelecidos, e sentimentos particulares egocêntricos são controlados e
restringidos.
A humanidade para Hume levanta-se sobre estes princípios sociais e
universais contra seus inimigos comuns: o vício e a desordem. Uma
preocupação benevolente pelos demais (sentimento solidário) está difundida
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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em maior ou menor grau entre todos os seres humanos. O discurso propaga, o
convívio social o incentiva, e as naturezas solitárias e incultas são despertadas
da letargia. Segundo afirma Hume: “Exemplos de arruaças populares,
rebeliões, sublevações, pânico e todas as paixões compartilhadas por uma
multidão ensina-nos o poder que tem a sociedade para despertar e alimentar
todo tipo de emoção [...] Motivos fúteis e insignificantes bastam para
desencadear as mais incontroláveis desordens” (HUME, 2004, p. 355).
Outro elemento da natureza humana importante e consolidador da moral
é o amor pela fama, que reforça ainda mais em todos os seres racionais o
sentimento moral. Conforme declara Hume: “Em nossa busca contínua e
sincera de um caráter, um nome, uma reputação na sociedade, passamos
frequentemente em revista nossos procedimento e conduta, e consideramos
como eles aparecem aos olhos dos que nos estão próximos e nos observam”
(HUME, 2004, p. 356). Por tanto, para Hume todos estão nessa busca por
reputação ou imagem perante a sociedade onde estão inseridos, essa imagem
está baseada nas condutas e procedimentos, são observadas, avaliadas,
reprovadas ou louvadas por aqueles que convivem entre humanos. Esse é por
si mesmo um fator motivante para o confronto racional mediante ações morais.
O que pensarão? Que imagem farão de mim? Como ficará minha reputação
mediante esta ou aquela ação? Todos possuem um nome a zelar e uma
imagem social a preservar. Hume reforça esta qualidade intrínseca presente
entre os humanos em sociedade. Hume afirma que “Esse constante hábito de
nos inspecionarmos pela reflexão mantém vivos todos os sentimentos do certo
e do errado, e engendra, nas naturezas mais nobres, uma certa reverência por
si mesmo e pelos outros que é a mais segura guardiã de toda a virtude”
(HUME, 2004, p. 356). Assim os prazeres efêmeros animalescos perdem seu
valor, enquanto que as beatitudes e graças morais são progressivamente
adquiridas pelo indivíduo, seu espírito torna-se aperfeiçoado e moderado como
convém a todas as criaturas racionais.
Segundo Hume a moral baseia-se nesses 3 pilares: 1) No sentimento
universal de bondade e solidariedade presente em todos os seres humanos; 2)
Em nosso cuidado por preservar nossa reputação perante os outros; 3)
Recebermos por nossas ações a aprovação ou censura da humanidade. Esses
são os três elementos racionais que por si são fatores motivadores para as
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
ações morais de todos os homens, sem apelo a influências metafísicas ou
religiosas.
Para ele tudo o que promove o bem da sociedade é uma virtude a ser
exaltada, ou seja, útil e agradável. Justiça, fidelidade, honra, veracidade,
lealdade são elementos que preservam e tornam possível a própria existência
das sociedades humanas. Essas virtudes e qualidades imediatamente
“agradáveis aos outros” para Hume “já falam suficientemente por si mesmas, e
deve ser na verdade muito infeliz, quer em seu temperamento quer em sua
convivência social, quem nunca se apercebeu dos encantos de um espírito
exuberante, de uma efusiva amabilidade, de uma delicada modéstia, de uma
decorosa polidez” (HUME, 2004, p. 358). Por tanto, após estas breves
reflexões, podemos meditar sobre o pensamento humeano e analisar nossas
próprias condutas, conhecer nossa própria natureza humana, e reconhecer o
papel da razão e do sentimento, cada qual cumprindo seu papel.
REFERÊNCIAS
HUME, David. Investigações sobre o entendimento humano e sobre os
princípios da moral. Tradução de José Oscar de Almeida Marques. São Paulo:
Editora UNESP, 2004.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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A AUTONOMIA DA VONTADE COMO PRINCÍPIO SUPREMO DA
MORALIDADE
Jhonatan Pereira de Queiroz
Unioeste – Campus Toledo
[email protected]
RESUMO:
No propósito de explicitar e discutir os conceitos centrais da ética kantiana e
suas articulações serão abordadas na breve texto que se segue as duas
primeiras seções da Fundamentação da Metafísica dos Costumes. O mapa
conceitual gira em torno dos seguintes termos: vontade, dever, autonomia, lei
moral, imperativo categórico. Nesse sentido, a proposta de trabalho visa
analisar duas questões pontuais levantadas na obra já mencionada. A primeira:
"A autonomia é o fundamento da dignidade da natureza humana e de toda
natureza racional"(FMC, p. 235)3. A segunda, já colocada pelo próprio Kant sob
a forma de problema: "A questão que se põe é, portanto, esta: – é ou não é
uma lei necessária para todos os seres racionais a de julgar sempre as suas
ações por máximas tais que eles possam querer que devam servir de leis
universais? [...]" (FMC, p. 227).
PALAVRAS-CHAVE: Autonomia; Vontade; Liberdade; Kant.
Kant, ao escrever uma fundamentação, se propõe a buscar e fixar o
princípio supremo da moralidade; quer dizer: instaurar sob um solo seguro uma
filosofia moral absolutamente baseada na Razão (pura prática) - uma
Metafísica dos Costumes - haja em vista o contexto e significação do período
no qual decorreu o sistema filosófico kantiano - de Descartes a Hume,
passando por Leibniz, Kant revolucionariamente consagra-se pensador original
assumindo tal tarefa.
A obra citada divide-se em três partes precedidas por um prefácio:
Primeira, Segunda e Terceira Seção. No prefácio, o filósofo explicita o caráter,
desde os antigos, subdivido ou ramificado da filosofia, no qual cada subdivisão
possui seu objeto e "método" de estudo; da mesma forma, levando em conta
3
A obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes será citada, neste trabalho, com a
abreviatura FMC.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
42
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
os conceitos que intitulam a obra, Kant esclarece o que se deve entender por
metafísica e a relação desta com uma filosofia moral, que se faz necessária,
uma vez que a metafísica constitui o conjunto dos princípios a priori da Razão
quer pura - com respeito ao conhecimento - quer prática, isto é, com vistas ao
agir.
Partindo da ideia de que no conhecimento popular já se encontram
presentes as noções fundamentais da moral, embora aquele seja ainda préfilosófico, Kant propõe a passagem deste conhecimento moral popular a um
filosófico então conceitualizado. Esta é a proposta da primeira seção. Tais
conceitos fundamentais da moralidade são: a) o conceito de vontade boa em si
mesma e seu princípio formal, ou seja, aquilo que a faz boa em si mesma; b) o
conceito de dever, o qual contém em si, sob “certas limitações e obstáculos
subjetivos” o de vontade boa, e se apresenta, na prática, sob dois aspectos: há
aquelas ações praticadas de acordo com o dever, que se distinguem daquelas
praticadas por dever.
O autor inicia a primeira seção delimitando o princípio fundamental da
razão no seu uso prático, através da proposição: “Neste mundo, e até também
fora dele, nada é possível pensar que possa ser considerado como bom sem
limitação, a não ser uma só coisa: uma boa vontade” (KANT, 1979, p. 203).
Quer dizer, o incondicionado e absolutamente bom é um único, que vale para
todo e qualquer ser racional: uma vontade boa. Todos os outros talentos ou
condições do espírito são bons relativamente. A razão, em seu aspecto prático,
então, está voltada para uma vontade que é boa em si mesma, e não para a
felicidade, como pretendia a ética antiga – a não ser que fossemos animais,
servidos unicamente de instintos ou de inclinações. Ora, o que caracteriza a
simples vontade como sendo boa absolutamente? O que a constitui como tal?
Justamente o que a constitui enquanto tal: o puro querer, princípio formal da
vontade. Se a vontade fosse destituída de todo e qualquer objeto ao qual
emprega e direciona os seus maiores esforços, restaria tão somente o puro
querer, em si e por si, e “ela ficaria brilhando por si mesma como uma joia,
como alguma coisa que em si mesma tem o seu pleno valor” (KANT, 1979, p.
204). Uma vez que a razão prática é direcionada para uma vontade boa, não
resta dúvida de que é ela necessariamente quem a deve determinar. Porém,
nem sempre é isto o que ocorre. A vontade é, muitas vezes, influenciada pelos
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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instintos naturais e pelas inclinações que tendem a determina-la, “[...] se a
razão não é apta o bastante [...]” (KANT, 1979, p. 204) para guiá-la
seguramente. E é somente através daquela determinação necessária da razão
que se produz uma vontade boa em si mesma, absolutamente.
Kant, então, passa à abordagem do dever, que é intricado ao conceito
de vontade boa, e que, de certa forma, o contém. Fica claro a afirmar que
deixará de parte aquelas ações que são contrárias ao dever, e quanto àquelas
praticadas de acordo com este, também as colocará de lado, pois neste caso é
fácil distinguir quando foram praticadas em conformidade ou mera intensão
egoística. Neste primeiro passo, Kant parte de exemplos para analisar e
distinguir estes dois aspectos do conceito de dever e só depois irá defini-lo
diretamente. Essa distinção é necessária porque diz respeito à motivação da
vontade em sua ação. Ou seja, aquelas ações praticadas de acordo com o
dever, tem sua motivação ou numa intenção egoística ou em inclinações
imediatas, enquanto que naquelas praticadas por dever, a única motivação é o
próprio agir por dever, sem nenhuma outra finalidade ou intenção envolvida,
que não o próprio dever moral. Em outras palavras: o valor moral não reside de
modo algum no objeto (nem no efeito) o qual se quer atingir, mas no próprio
querer, na máxima que ordena a ação. Estas últimas – e somente estas – são
as ações que possuem valor moral. De acordo, pois, com a determinação
universal (da razão sobre a vontade) tem-se, então, a lei moral como princípio
objetivo válido para todo ser racional, e a máxima enquanto princípio subjetivo
da vontade. A primeira constitui, portanto, “[...] o princípio segundo o qual se
deve agir”; enquanto que a segunda corresponde ao “[...] princípio de acordo
com o qual o sujeito age”. A partir dessas noções, o autor formula a proposição
que define o conceito de dever, qual seja: “Dever é a necessidade de uma ação
por respeito à lei” (KANT, 1979, p. 208). Nessa proposição aparece pela
primeira vez o conceito de respeito que se distingue de inclinação ou de
aprovação. Segundo Kant, só posso ter respeito por aquele objeto que está
ligado a minha vontade, como princípio (objetivo) e nunca por aquele que o
está por efeito, afinal este último será sempre subjetivo, contingente, móbil.
Devo, pois, respeito à “simples lei por si mesma”. Nesse sentido, Kant afirma:
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
44
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
Por conseguinte, nada senão a representação da lei em si
mesma, que em verdade só no ser racional se realiza,
enquanto é ela, e não o esperado efeito, que determina a
vontade, pode constituir o bem excelente a que
chamamos moral, o qual se encontra já presente na
própria pessoa que age segundo esta lei, mas se não
deve esperar somente do efeito da ação (KANT, 1979, p.
208).
O autor questiona que lei seria essa, na qual sua representação, mesmo
não levando em consideração o efeito que dela se espera, determinaria a
vontade, fazendo desta boa absolutamente. A resposta será aquilo que servirá
de estrutura para outro conceito fundamental à reflexão ética kantiana; sua
representação é: “[...] devo proceder sempre de maneira que eu possa querer
também que a minha máxima se torne uma lei universal” (KANT, 1979, p. 209).
A segunda seção tratará justamente deste tema: “[...] a doutrina do imperativo
categórico” e a autonomia da vontade, os conceitos-chave de nossas questões.
Já no prefácio à obra, Kant delimita como tarefa da segunda seção a
transição da moral popular para uma metafísica dos costumes. Por fim, a seção
executa a fixação do princípio supremo da moralidade, uma vez que o tenha
encontrado. O que se coloca, pois, a nós como problema é fundamentar a
relação entre a lei e a vontade, condição para que esta se constitua enquanto
vontade moral, isto é, capaz de agir por dever em respeito à lei (agir
moralmente). Faz-se necessário, para tal, passar do conhecimento moral
comum para o filosófico pelo simples fato de que o princípio supremo da
moralidade é absolutamente independente da experiência, i.e., livre de todo e
qualquer aspecto empírico.
“Tudo na natureza age segundo leis. Só um ser racional tem a
capacidade de agir segundo a representação das leis, i.e., segundo princípios,
ou: só ele tem uma vontade” (KANT, 1979, p. 217). Ora, como já vimos, a
vontade não é em si plenamente conforme a razão. Daí decorre que suas
ações conforme a lei serão objetivamente necessárias, mas subjetivamente
contingentes. A relação, portanto, da lei com a vontade, para que as ações se
tornem necessárias também subjetivamente, deverá ser determinante e
apresentar-se como obrigação.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
45
De acordo com Kant, a representação desse princípio objetivo, enquanto
obrigante, chama-se mandamento, e sua fórmula imperativo, que se exprime
pelo verbo dever. O imperativo é, nesse sentido, a fórmula da representação da
lei objetiva da razão para com uma vontade subjetiva e, portanto, contingente,
pela primeira não determinada. Por conseguinte, a lei objetiva (moral) seria
igualmente válida em relação a uma vontade perfeita, porém esta não se
submeteria a obrigação conforme à lei, uma vez que naquela o querer se
identifica necessariamente à lei; pois que uma vontade perfeita – divina ou
santa – só pode ser determinada pela representação do bem, i.e., não estaria
sujeita a escolha pelo erro.
Assim, dirá ele: “Por isso os imperativos são apenas fórmulas para
exprimir a relação entre leis objetivas do querer em geral e a imperfeição
subjetiva deste ou daquele ser racional, da vontade humana, por exemplo”
(KANT, 1979, p. 218). Analisando a possibilidade de tal imperativo, Kant
constata que “naturalmente” fugimos dele, como se não quiséssemos “[...] que
a nossa máxima se torne lei universal” (KANT, 1979, p. 218). Sempre
pretendemos abrir nela uma exceção para nós em favor da nossa inclinação.
Nessa altura se põe aquela nossa segunda questão proposta de início, a
saber, se é ou não uma lei necessária para todos os seres racionais a de julgar
sempre as suas ações por máximas tais que eles possam querer que devam
servir de leis universais. O autor investiga então o que fundamenta (se é que
existe esse algo) um possível imperativo categórico ou uma lei prática e chega
então a noção de homem, de todo ser racional de maneira geral, como aquele
que “existe como fim em si mesmo”, ou seja, como aquele que possui valor em
si mesmo, ou ainda, como valor absoluto. Deste modo, formula-se uma
proposição diversa do imperativo, da qual derivará nossa primeira e principal
questão já apresentada: “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na
tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente
como fim e nunca simplesmente como meio” (KANT, 1979, p. 229).
Nesse sentido, temos o conceito de pessoa como ser humano moral, o
qual possui valor em si mesmo, isto é, aquele ser dotado de dignidade absoluta
e que existe como fim em si enquanto ser racional. De outro lado está o
conceito de coisa, como sendo aqueles seres cuja existência depende do
concurso da natureza e não da nossa vontade, os quais possuem apenas um
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
valor relativo como meio. Justamente aqui reside uma distinção importante
estabelecida por Kant que servirá para compreendermos mais adiante
ulteriores implicações.
Ora, o que faz da humanidade e de toda natureza racional fim em si
mesmo? A razão determinadora da vontade boa e, por conseguinte, o poderser moral possuindo o valor absoluto. Conforme vimos acima, objetivamente o
princípio de toda legislação prática reside na regra e na universalidade que a
torna lei; enquanto aspecto subjetivo, reside, porém, no fim; o que nos faz
relembrar que o sujeito de todos os fins é todo o ser racional como fim em si
mesmo. Conclui-se disso o princípio prático da vontade de todo ser racional
concebida como vontade legisladora universal. E segundo Kant, aqui a vontade
não está pois simplesmente submetida à lei, mas sim submetida de tal maneira
que tem de ser considerada também como legisladora ela mesma, e
exatamente por isso e só então submetida à lei (de que ela se pode olhar como
autora)” (KANT, 1979, p. 231).
É esse princípio, afirma Kant, o que convém adequadamente ao
imperativo categórico. De outro modo: se há um imperativo categórico ele só
pode ordenar que tudo se faça em obediência à máxima de uma vontade que
simultaneamente se possa ter a si mesma por objeto como legisladora
universal. Chegamos, pois, ao princípio da autonomia da vontade. Não
podemos falar de tal princípio sem tratarmos de um conceito, nos termos de
Kant, muito fecundo e implicado: o de um Reino dos Fins. Quer dizer, um
conjunto sistemático constituído por seres racionais interligados através de leis
comuns – uma “sociedade” de legisladores. Este ideal, conforme o coloca Kant,
realizaria todos os princípios acima expostos desde que por analogia fosse
tomado como um reino da natureza, i.e., um sistema regido por leis a partir das
quais tudo acontece.
Kant a esta altura define moralidade como sendo a relação de toda a
ação com a legislação, através da qual somente se torna possível um reino dos
fins. Prossegue afirmando que a moralidade é a única que pode fazer de um
ser racional um fim em si mesmo, pois só por ela lhe é possível ser membro
legislador no reino dos fins, isto é, ser autônomo. Quem, portanto, determina
todo o valor e quem possui justamente devido a tal, dignidade, é a própria
legislação. Nesse sentido, toda a natureza racional e sua dignidade é
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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fundamentada na autonomia pois é a única capaz de colocar a si mesma como
fim e só por isso é constituinte de uma vontade absolutamente boa, bem
supremo dignificante. “Podemos agora acabar por onde começamos, quer
dizer, pelo conceito de uma vontade absolutamente boa. É absolutamente boa
a vontade que não pode ser má” (KANT, 1979, p. 235).
REFERÊNCIAS
GAMBIM, Pedro. Ética filosófica: dois modelos. In: A Filosofia em Curso. Org:
PORTELA, Luis Cesar Yanzer. Porto Alegre: Ed. Evangraf, 2012.
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. São Paulo:
Ed. Abril Cultural, 1979.
LIMA VAZ, Henrique C. Escritos de Filosofia IV – introdução à ética filosófica 1.
São Paulo, 2009.
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
A SOBERANIA ABSOLUTA DO ESTADO EM HOBBES
Junior Cesar Luna
Leandro Mateus Fernandes
Mestrandos - Unioeste
[email protected]
[email protected]
RESUMO:
Neste artigo, pretende-se apresentar a questão do Estado Absoluto em
Hobbes. Sua temática central é o da soberania e o problema é responder como
e por que a soberania segundo Hobbes, tem que ser absoluta. O fim último e o
desígnio do homem para Hobbes é a sua própria conservação das
necessidades. A soberania deve ser o instrumento para a garantia desse fim,
porque ela garantirá o pacto que deu a ela origem. A soberania terá que ser
absoluta, e esta é a tese aqui defendida, pois de outra forma o estado se
dissolveria e o povo retornaria à condição de guerra.
PALAVRAS-CHAVE: Política; Estado Absoluto; Guerra; Soberania.
INTRODUÇÃO
Thomas Hobbes fundamentou, dentro de sua teoria política, a
constituição do Estado Social a partir de sua reflexão filosófica sobre a
condição natural da humanidade, e sobre o Estado de Natureza. Nesta reflexão
Hobbes leva em consideração a própria natureza humana, que para ele é
constituída basicamente de razão e paixão. No Estado de Natureza 4, segundo
Hobbes há um predomínio das paixões. Elas tornam-se o guia em todas as
ações humanas, de tal maneira que, para a satisfação dos desejos particulares,
ela é cega e não leva em consideração o prejuízo causado ao outro. Desta
forma, enquanto não for instituído o Estado Social, os homens estão
potencialmente em guerra entre si. E, portanto, a fundamentação do Estado se
4
O estado de natureza é um estado hipotético, que não existiu. Para melhor compreensão, cf.
Magalhães, que diz: “[...] condição natural do estado de guerra não é uma frase que se lê
literalmente. Trata se de uma 'hipótese da razão', uma construção lógica, para exprimir uma
situação em que os homens viveriam se não houvesse um senhor comum para subjugá-los”
(MAGALHÃES, 2014, p 51).
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dá como superação do Estado de Natureza, uma vez que neste estado pode se
multiplicar os conflitos desenfreadamente, caracterizando-se como estado de
guerra generalizada, onde o homem se torna o lobo do próprio homem e para
“domesticar” este lobo do homem, segundo Hobbes, é preciso que haja um
Estado Civil, um pacto social e um absoluto para controlar as paixões e permitir
uma convivência pacífica e segura aos homens.
ESTADO DE NATUREZA E ESTADO CIVIL
No Estado de natureza, várias são as coisas que potencializam o estado
de guerra generalizada. Em primeiro lugar a condição de igualdade natural
entre os homens. A partir desta igualdade dos homens, concebe-se que o
direito natural é ilimitado, ou seja, que todo o homem tem direito a todas as
coisas. Gerando assim, uma situação de desconfiança e insegurança
recíproca, tendo por efeito um estado de alerta constante, para a manutenção e
conservação da sua própria existência. Desta forma é que “os homens não
tiram prazer algum da companhia uns dos outros (e sim, pelo contrário, um
enorme desprazer), quando não existe um poder capaz de manter a todos em
respeito” (HOBBES, 1974, p. 79).
A competição, a desconfiança e a glória são as três principais causas
das lutas de uns contra os outros. E assim Norberto Bobbio, em sua obra
Thomas Hobbes, analisa a concepção hobbesiana de estado de natureza da
seguinte forma:
Não apenas o estado de conflito violento, mas também a
situação na qual a calmaria é precária, sendo assegurada pelo
temor recíproco (...), como seria aquele estado na qual a paz
se torna possível unicamente por causa da permanente
ameaça de guerra (BOBBIO, 1991, p. 37).
Segundo Hobbes, o medo contínuo e o perigo da morte violenta, os
quais vêm em consequência da guerra generalizada, incentivam ainda mais a
mesma. Eles não somente não permitem a civilização, ou seja, a desconfiança
recíproca não torna possível a agricultura, a indústria, a ciência e a navegação,
mas destroem tudo, de tal forma que:
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
Se alguém planta, semeia, constrói ou possui um lugar
conveniente, é provavelmente de se esperar que outros
venham preparados com força conjugadas, para desapossá-lo
e privá-lo não apenas do fruto de seu trabalho, mas também de
sua vida e de sua liberdade (HOBBES, 1974, p. 79).
Na interpretação de Renato Janine Ribeiro para Hobbes, o homem é um
indivíduo e este indivíduo não deseja tanto os bens, o que ele deseja são as
glórias, as honras e estas são as responsáveis pelas causas da violência; esta
é uma das principais consequências da busca da glória, pois quando os
homens guerreiam "[...] por ninharias, como uma palavra, um sorriso, uma
diferença de opinião, e qualquer outro sinal de desprezo, quer seja diretamente
dirigido a sua pessoa, quer indiretamente a seus parentes, seus amigos, sua
nação, sua profissão ou seu nome" (HOBBES, 1974, p. 75).
Para Janine a honra é uma atribuição a alguém, porém de caráter
externo, sendo assim afirma que:
O homem hobbesiano não é então um homo oeconomicus,
porque seu maior interesse não está em produzir riquezas,
nem mesmo em pilhá-las. O mais importante para ele é ter os
sinais de honra, entre os quais se inclui a própria riqueza (mais
como meio, do que como fim em si). Quer dizer que o homem
vive basicamente de imaginação. Ele imagina ter um poder,
imagina ser respeitado — ou ofendido — pelos semelhantes,
imagina o que o outro vai fazer. Da imaginação — e neste
ponto Hobbes concorda com muitos pensadores do século XVII
e XVIII — decorrem perigos, porque o homem se põe a
fantasiar o que é irreal. O estado de natureza é uma condição
de guerra, porque cada um se imagina (com razão ou sem)
poderoso, perseguido, traído (RIBEIRO, 1989, p. 49).
Seguindo a conclusão lógica de Hobbes, pode-se afirmar que no homem
no estado natural se encontra três princípios de discórdia. Primeiro, a
competição; segundo a desconfiança; e terceiro a glória. A primeira leva os
homens atacar uns aos outros, visando o lucro, a segunda segurança; e a
terceira a reputação. Os primeiros fazem uso da violência para dominar as
pessoas e os bens dos outros homens, os segundos, para defendê-los; e os
terceiros por ninharias.
Segundo Magalhães a incerteza é o problema maior para Hobbes,
sendo causada pela insegurança dos desejos humanos. Como há, no estado
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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natural, o desconhecimento do pensamento de outrem, este pode se antecipar
e antecipa-se.
Não pensa que, para Hobbes, querem ferir os outros
simplesmente por feri-los; eles desejam ter poder sobre
os outros, é certo, mas apenas para assegurar sua
própria preservação. Como no estado de natureza a
instabilidade é uma realidade – a igualdade transforma o
outro num inimigo em potencial (não se sabe o que ele
pretende) – antecipação é o remédio adequado a doença
da incerteza. Agressão justifica o direito da autodefesa.
Depende exclusivamente 'de minha avaliação da
situação'. Entra em cena a subjetividade humana. Para
compreender o que são nossas paixões é preciso
conhecer as circunstâncias que á determinam (...).
Desconfiança é, tanto quanto a competição, por isso
mesmo uma das principais causas da guerra. Não sou da
guerra, mas pelo fato de que devido a intensa dificuldade
de convivência os homens não tiram prazer da companhia
dos outros. É o litígio aparente - viável, mas não definido que atormenta o filósofo. A isso ele denomina de condição
natural da humanidade (MAGALHÃES, 2014, pg. 48/49).
Diante das elucubrações hobbesianas acerca do possível estado de
natureza, ele infere que neste estado, os homens, sem exceção, têm direito a
todas as coisas:
O direito de natureza, a que os autores geralmente chamam jus
naturale, é a liberdade que cada homem possui de usar seu
próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de
sua própria natureza, ou seja, de sua vida; e
consequentemente de fazer tudo aquilo que seu próprio
julgamento e razão lhe indiquem como meios adequados a
esse fim (HOBBES,1974, p. 47).
E a grande questão que se manifesta do direito natural, para Hobbes, é
como resolver este conflito do meu e do teu no estado natural? Sua proposta é
o contrato social, através das leis naturais, que segundo o pensador do pacto é
a origem do Estado Civil, mas antes de seguir para o contrato social.
Como já vimos, conforme os autores, o Estado de Natureza é um estado
de insegurança. Nele, mesmo existindo leis naturais, por mais que sejam
compatíveis com a paz, a humanidade se encontra impedida de estabelecer
objetivos claros no sentido de estimular a cada um a buscar a paz. Este
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
objetivo de encontrar a paz se torna impossível enquanto o homem viver no
Estado de Natureza, sem abdicar do direito que cada um tem de todas as
coisas. Desta forma faz-se necessário que os homens concordem entre si em
instituir um poder eficaz de coerção que torne possível a vida humana numa
relação de paz e de concórdia. E não pode haver tal poder antes de erigir-se
um estado. Portanto para constituir a paz, o homem precisa sair do estado de
Natureza e construir a Sociedade Civil, mas isso só ocorrerá através de um
acordo entre os homens.
A INSTITUIÇÃO DO ESTADO
A renúncia dos direitos que todos têm a todas as coisas, constitui-se na
principal finalidade do acordo. Só assim poderão sair do Estado de Natureza e
constituir o Estado, que, por sua vez, terá o poder comum capaz de mantê-los
em segurança e, também, de obrigá-los a cultivar o respeito de uns para com
os outros. Desta forma o Estado é resultado de um acordo entre os indivíduos
na multidão, surgindo como solução para a remoção das causas de
insegurança recíproca. Logo este acordo propiciará aos homens pactuarem
entre si, visto que, sob o temor do poder do Estado, este acordo torna-se
constante e permanente, e é a única maneira pela qual Hobbes concebe a
passagem do Estado de Natureza para o Estado Civil.
A única maneira de instituir um tal poder comum (...) é conferir
toda sua força e poder a um homem, ou uma assembleia de
homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por
pluralidade de votos, a uma só vontade (HOBBES,1974,
p.109).
Assim este acorde se dá artificialmente através de um pacto que, por
sua vez une todos os homens àquele ou àqueles, a favor do qual renunciaram
seus direitos. Por conseguinte, todos submetem de igual modo todas as suas
aspirações quanto à paz, à segurança e a uma vida mais feliz, à vontade e às
decisões deste ou destes, desde que lhe represente. Diz Hobbes:
Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim
mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens,
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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com a condição de transferires a ele teu direito,
autorizando de maneira semelhante todas as suas ações.
Feito isso, a multidão assim unida numa só pessoa se
chama Estado (HOBBES,1974, p.109)
Deste pacto, através do qual a multidão uniu-se na pessoa do seu
representante, além de ser o mecanismo de passagem do Estado de Natureza
para o Estado Civil é, também, de onde emana o poder absoluto do Estado,
bem como do soberano ora instituído.
Visto que a constituição do poder soberano provém de um contrato
mútuo entre os indivíduos na multidão e não entre um povo e o soberano, este
poder soberano torna-se duradouro e, portanto, irrevogável. Pois os
contratantes não devem obrigação apenas entre si, mas, sobretudo, estão
obrigados ao seu representante a favor do qual o contrato foi efetuado.
A natureza deste contrato é de tal ordem que ele não
pode ser rescindido apenas com o consenso das partes,
mas é preciso também o consenso do terceiro diante do
qual as partes estão reciprocamente obrigadas. (BOBBIO,
1991.p 44).
Consequentemente, é impossível ocorrer a destituição do poder
soberano. Uma vez feito o pacto não é mais possível desfazê-lo, pois os
pactuantes transferiram todos os direitos individuais para o soberano restandolhes somente o direito à vida e porque este pacto que constitui o Estado Civil é
original, não havendo nenhum anterior a ele. Portanto, mediante o pacto, o
povo é obrigado a permanecer fiel ao compromisso assumido um com o outro.
E, de maneira nenhuma, os homens poderão estar vinculados a pactos
anteriores, nem tão pouco a realizarem outros pactos entre si com a intuição de
criar um novo soberano. Assim, “[...] na medida em que pactuam, devem
entender-se que não se encontra obrigados por um pacto anterior a qualquer
coisa que contradiga o atual” (HOBBES, 1974, p 111).
Outro aspecto importante que contribui para a irrevogabilidade do poder
soberano é que o soberano jamais pactuou com os súditos, o soberano é
resultado do pacto realizado entre os súditos. E, se não houver pacto entre os
súditos e o soberano, segue-se também que não pode, entre essas duas
partes, ocorrer um consenso para o rompimento do contrato. Segundo Bobbio,
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
[...] Hobbes interpreta esses contratos em favor de um terceiro
como um conjunto de pactos recíprocos entre os consociados,
cujo conteúdo é a transferência dos próprios direitos a uma
única pessoa, pactos esses seguidos pela doação de todos
esses direitos à pessoa escolhida (...) E, um rompimento do
contrato entre súditos e soberano não pode ocorrer pela
seguinte razão: entre súditos e soberano, jamais teve lugar um
contrato, já que o pacto de união é um contrato dos súditos
entre si. (BOBBIO, 1991, p.44)
Dessa forma o soberano é um terceiro que está acima das partes
contratantes, para quem os súditos transferiram os seus direitos e, portanto,
devem obedecer-lhe em tudo, menos como já ficou dito, no que se refere o
direito à vida. Portanto, segundo Hobbes, cada um, além de render-lhe
obediência, deve também considerar todos os atos do seu soberano como
sendo seus próprios atos, até mesmo quando vier a punir um súdito porque
tentou conjugar forças ou resistência no sentido de tentar depor o soberano.
Cada homem conferiu a soberania àquele que é portador de
sua pessoa, portanto, se o depuserem estarão tirando-lhe o
que é seu, o que também constituiu injustiça. Além do mais, se
aquele que tentar depor seu soberano for morto, ou por ele
castigado devida a essa tentativa, será o autor de seu próprio
castigo, dado que por instituição, é autor de tudo quanto seu
soberano fizer. (HOBBES, 1974, p.111)
Portanto, é em decorrência da forma do pacto que Hobbes concebeu
que os homens não podem desfazer o pacto e destituir o soberano. Porque o
soberano, como já foi visto, é soberano não porque pactuou com cada um
individualmente, mas são os indivíduos quem os fez soberano quando
pactuaram entre si. Consequentemente os homens ficam impossibilitados de
contrariar o pacto que deu origem ao Estado. Isto é, não podem transferir a
soberania para outro através de pactos anteriores. Porque os pactos em si são
extremamente fracos, sem poder para garantir um estado de paz e de
segurança e, sobretudo, da permanência dos homens no Estado Civil. E, uma
vez realizado o pacto, os homens perdem os seus poderes. Somente o
soberano pode salvaguardar todos os seus direitos, o que podemos chamar de
um poder absoluto.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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O PODER ABSOLUTO
Com a constituição do Estado, há a necessidade de se ter um poder
absoluto com o direto de usar todos os meios que lhe convier para garantir a
paz e preservar a vida de todos, conforme é a finalidade para qual foi instituído
o Estado. No entanto, a caracterização desta soberania absoluta não se dá
pela soma das vontades, mas a unidade de todas estas, cabendo aos súditos
somente a obediência. Diz Hobbes:
Visto que o fim desta instrução é a paz e a defesa de todos, e
visto que quem tem direito a um fim tem direito aos meios,
constituiu direito de qualquer homem ou assembleia de
homens detenha a soberania de ser juiz tanto dos meios para a
paz e a defesa quanto de tudo o que possa perturbar ou
dificultar estas últimas. (HOBBES, 1974, p 113)
Outro argumento que Hobbes apresenta quanto à soberania absoluta é
que o soberano está acima das leis, ou seja, é ele que faz as leis. Elas, além
de serem regras que orientam no sentido de saber o que é justo ou injusto e a
respeito do bem e do mal, sevem também para ordenar e obrigar aos súditos
quanto á observância e ao cumprimento das mesmas. Disto segue-se que o
soberano não fica obrigado ou limitado por ninguém em virtude da sujeição às
leis. Como as leis emanam do soberano, o mesmo se encontra em plena
liberdade, inclusive para fazer o que lhe aprouver no que diz respeito à paz e à
segurança de todos os súditos. Diz ele:
O soberano de um Estado, quer seja uma assembleia ou um só
homem, não se encontra sujeito às leis civis. Dado que tem o
poder de fazer e revogar as leis que o estorvam a e fazendo
outras novas; por consequência já antes era livre. Porque é
livre quem pode ser libre quando quiser. E a ninguém é
possível estar obrigado perante si mesmo, pois quem pode
obrigar pode libertar, portanto quem está obrigado apenas
perante si mesmo não está obrigado ((HOBBES, 1974, p 166).
No entanto, há de ficar dito, que o soberano jamais poderá infringir no
direito de preservação da vida dos súditos, visto que os mesmos, tendo
renunciado a todos os seus direitos no pacto, o fizeram em virtude da
preservação do direito à vida. Sendo assim, quando for posta em perigo a vida
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
de um súdito por decisão do soberano, o mesmo tem liberdade suficiente para
desobedecê-la. Pois,
[...] se o soberano ordena a um homem – ainda assim que
justamente condenado – que mate, fira ou mutile a si próprio,
ou que não resista àquele que o ataca, ou que se abstenha de
comer, de respirar, de tomar remédios ou de fazer outra coisa
sem a qual poderia viver, esse homem tem a liberdade de
desobedecer. (HOBBES Apud BOBBIO, 1991, p. 47)
Contudo, esta forma de desobediência ao soberano (direito do súdito de
preservação da vida, sendo este o direito primordial de todo homem) não
implica na diminuição do poder ilimitado do soberano no sistema absoluto.
Outro ponto fundamental para a sustentação desta soberania constitui-se no
fato deste poder soberano também ser indivisível.
Através do pacto, surge esta necessidade de um poder acima de todos,
senão seria impossível a continuidade deste pacto. Surge a necessidade de um
poder que seja irresistível, visível e que tenha também condições de castigar a
violação do pacto. Um poder “todo-poderoso” no nível terrestre, que faria
cumprir as leis formuladas pelo próprio homem. Um poder comum para
transformar a multidão em Estado, visto que na multidão cada um é guiado
pelos seus próprios critérios e internamente isto não estabeleceria a paz. Cito
Hobbes:
Portanto, apesar das leis de natureza, (...) se não for instituído
um poder suficientemente grande para nossa própria
segurança, cada um confiará, e poderá legitimamente confiar,
apenas em sua própria força e capacidade, como proteção
contra todos os outros (HOBBES, 1974, P.107).
Com a constituição do Estado Civil, o único que permanece com toda a
liberdade é o soberano, pois o mesmo não fez parte do pacto, ou seja,
permaneceu como se estivesse no Estado de Natureza não tendo deveres a
cumprir. Na constituição desta soberania se realiza uma unidade, não contendo
nem minoria ou maioria, mas, sim, uma forma uma de decisão. O soberano
simboliza este deus-mortal que teria o poder absoluto.
Portanto, na fundamentação do Estado é conferida toda força (visto que
todos têm força igual) a somente uma pessoa ou a uma assembleia de
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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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homens, firmando assim um poder comum, uno. Transferindo toda a força a um
terceiro, só resta aos súditos obediência para concretizar este pacto, pois, com
mesmo, foi restringida toda a sua liberdade, todos os seus direitos (menos um,
a direito de preservação). Uma vez realizado o pacto, o súdito perde todo seu
poder.
Somente o soberano, permanece com os seus direitos, ou seja, um
poder absoluto, pois o mesmo tem o poder da espada e o poder da lei,
constituindo, assim, um poder indivisível. “Desse modo, estão reunidos na
mesma pessoa os três poderes de Estado tradicionais: poder executivo [...],
poder judiciário e o poder legislativo” (BOBBIO, 1991, p. 53).
E, assim, o caráter absoluto do soberano fica estabelecido. Este caráter
absoluto do Estado hobbesiano, que é a tese fundamental de sua filosofia
política, vai se confirmando a partir do Estado de Natureza, onde os homens
tinham direito sem limites a todas as coisas, os homens restavam
constantemente envolvidos em competições pela honra e pela dignidade, de tal
maneira que poderia surgir, em decorrência de suas próprias paixões, a inveja
e o ódio de uns para com os outros e, consequentemente, a autodestruição
pela guerra entre si.
Este poder, tal como Hobbes argumentou, se não fosse tão grande e
irrevogável, ou seja, soberano e absoluto, não se constituiria efetivamente no
Estado, como necessário à sobrevivência e a conservação humana. Porque,
sem tal poder, os homens através de suas paixões tenderiam a lutar pelo que é
propriamente seu, podendo voltar ao estado de guerra. Mas o Estado, assim
instituído como poder absoluto, tem força suficiente para fazer leis no sentido
de dirigir as ações de cada um, tendo em vista o bem comum, isto é, a paz e
proteção de suas vidas. E, partindo do pressuposto de que um benefício
comum só advém de uma união de todos na pessoa de um representante, o
Estado hobbesiano traz estes aspectos fundamentais, visto que, quando o
instituíram, todos ficaram unidos na pessoa do soberano, tornando-o capaz
para dar garantia tanto à paz quanta à vida.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelos argumentos apresentados, considera-se que a soberania absoluta
do estado hobbesiano, mostrada e argumentada neste artigo, foi o principal
objetivo a ser alcançado. Todo este breve trabalho teve presente aspectos
gerais e fundamentais da sua teoria política. A Arguição de Hobbes defende
um Estado absoluto, um poder forte e uma vontade una. O soberano não
compactua e possui todos os direitos, de forma ilimitada, a partir da realização
de um pacto; os pactuantes, por sua vez, transferem seus direitos a ele, menos
o direito à vida. Tem a garantia de realizar as regras do pacto sob a “força da
espada”, expressão utilizada por Hobbes.
A teoria hobbesiana se faz importante, pois, mesmo que partindo do
pressuposto de um estado de natureza fabulado, nos leva à reflexão que
somente no Estado Civil o homem pode, ainda que de forma imperfeita, buscar
a paz e a segurança de sua vida, de seus bens e de sua família, visto que
somente o Estado, as leis, na figura do soberano podem garantir que o homem
se deixe governar por suas paixões e volte para guerra de todos contra todos.
REFERÊNCIAS
BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. Tradução de Sérgio Bath,
4ª dição. Ed. Universidade de Brasília, Brasília, 1985.
BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Ed.
Campos, Rio de Janeiro, 1991.
HOBBES, Thomas. Leviatã. 1° edição. São Paulo. Abril Cultual, 1974. (Coleção
Os Pensadores).
MAGALHÃES. Fernando. 10 lições sobre Hobbes. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014
– (Coleção 10 lições).
RIBEIRO, Renato Janine. A Marca do Leviatã: Linguagem e Poder em Hobbes.
2ª edição. Ed. Ateliê, São Paulo, 2003.
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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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A CRÍTICA HEIDEGGERIANA ÀS CIÊNCIAS POSITIVAS
Katyana Martins Weyh
UNIOESTE/Campus Toledo
Orientador: Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens
[email protected]
RESUMO:
O tema dessa pesquisa é o “fenômeno humano” na fenomenologia existencial
de Martin Heidegger. Nesta pesquisa também vamos tratar da crítica do filósofo
às ciências positivas quando se trata do humano. Essa investigação procura
responder o problema: Como Heidegger analisa o “fenômeno humano” em sua
filosofia existencial? E também: Quais são as críticas do filósofo às ciências
naturais quando se ocupam do “fenômeno humano”? Assim, temos o objetivo
de indicar como Heidegger analisa o “objeto” a partir de sua filosofia e definir os
termos de sua fenomenologia existencial, mostrando suas principais críticas.
Buscaremos validar a hipótese de que o filósofo se ocupa do “fenômeno
humano” de forma diferente das ciências positivas, pois a fenomenologia
existencial desse autor confronta os métodos que as ciências utilizam para
abordar o humano.
PALAVRAS-CHAVE:
Heidegger.
Fenômeno
humano;
Ciências
positivas;
Dasein;
Martin Heidegger (1889-1976) é um filósofo alemão vinculado à
fenomenologia contemporânea, área de pesquisa da filosofia que se preocupa
com o estudo dos fenômenos. A fenomenologia heideggeriana, por sua vez,
teve seu maior grau de repercussão a partir da publicação da obra Ser e tempo
(1927), quando a pergunta pelo sentido do ser motivou o filósofo a analisar o
“fenômeno humano”5 de forma completamente distinta da tradição históricofilosófica. Tento em vista que o que se deve colocar em questão é o sentido do
ser, Heidegger indica uma condição que se faz necessária para constituir um
ponto de partida ao acesso dessa questão e a isso chama de diferença
ontológica.
5
Adotamos fenômeno humano entre aspas até aqui, pois Heidegger utiliza um termo específico
para tratar de tal fenômeno, a saber: ser-aí.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
Faz-se necessário compreender que a diferença ontológica é uma
proposta da analítica existencial6, onde Heidegger tem por objetivo distinguir os
termos ente e ser-aí (Dasein), a fim de tornar compreensível que o ser-aí é um
modo de ser de um ente privilegiado. Nas palavras do filósofo, o ser-aí “[...] não
é apenas um ente que ocorre entre outros entes”, mas sim aquele que “se
compreende em seu ser, isto é, sendo.” (HEIDEGGER, 2008, p. 38). Este
“sendo” é o que caracteriza a especificidade do ser-aí frente aos demais entes,
e o fato de existir no mundo como um ente que compreende ser é o que
permite que o ser-aí possa perguntar pelo seu sentido. Ademais, ser-aí é um
ente privilegiado porque, como afirma Casanova: “[...] o ser-aí é um ente que,
sendo, já sempre se relaciona compreensivamente com o seu ser e que não
pode deixar de se realizar a partir de uma das possibilidades de relação com o
seu ser” (CASANOVA, 2013, p. 90).
Para Heidegger, o ser-aí é um ente denominado como pura condição de
possibilidade, capaz de compreender sua própria existência e que se mostra
como ente sempre a partir de uma possibilidade que ele é, de modo que: “A
essência é a possibilidade, não no sentido platônico duma possibilidade ideal
ou duma verdade lógica universalmente válida, nem no sentido aristotélico da
potencialidade, mas no sentido do ato de possibilitar ou dum poder-ser que traz
o que é possibilitado” (HAAR, 1990, p. 157). Isso evidencia que o pensamento
central do filósofo gira em torno da ideia de que o ser-aí não é um ente
determinado, que possui traços característicos, embora a tradição metafísica o
tenha compreendido dessa forma desde a antiguidade.
Eis aqui um problema que marca o ponto central de uma das críticas
mais enérgicas do nosso filósofo: a crítica a uma tradição metafísica que
esqueceu o ser e passou a tratar o ser-aí como mera entidade. Isso significa
dizer que ao longo de muito tempo o ser-aí foi pensado aos moldes de um
naturalismo objetificante, baseado cada vez mais em um processo tecnológicocientífico, que tratava do fenômeno humano como um como sujeito, alma,
consciência, e demais termos que remetem a proveniência da coisificação.
Heidegger afirma, no parágrafo 10 de Ser e Tempo, que não é por
capricho terminológico que tais termos são evitados ao se referir ao fenômeno
6
A analítica existencial descreve e analisa fenomenologicamente o ser-aí no mundo, ou seja, a
analítica existencial constitui o ponto de partida e via de acesso à questão do ser.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
61
humano, mas sim porque estes termos designam apenas regiões de
fenômenos que se colocam como indiferentes frente à necessidade de
questionar o ser dos entes denominados. Seguindo essa perspectiva
Heidegger vê a necessidade de apontar o erro cometido pelas ciências naturais
e investe em uma filosofia fenomenológica capaz de mostrar que o ser-aí não é
um ente hipostasiado, mas sim um modo de ser de um ente que compreende e
interroga pelo seu sentido. Casanova ao se remeter ao conceito de ser-aí
afirma:
[...] ele não se mostra apenas como mais uma definição que irá
incontornavelmente se juntar ao longo rol das definições
cunhadas no interior da história do pensamento ocidental.
Quase como se pudéssemos dizer: ser-aí é o conceito
heideggeriando de homem. Não, não e mais uma vez não! O
emprego do termo ser-aí indica no presente contexto uma
transformação radical no modo mesmo de pensar o ser do
homem. Antes de mais nada, é preciso ter em vista o fato de
ser-aí não ser um termo cunhado por Heidegger a partir da
pergunta: o que é o homem? O termo ser-aí inviabiliza desde o
princípio a colocação de uma tal pergunta, na medida em que
possui um modo de ser que o distingue fundamentalmente de
todos os entes marcados pela presença de propriedades
quididativas. (CASANOVA, 2013, p. 89)
Heidegger não pergunta o que é o ser-aí, até porque a pergunta
que mais lhe interessa e que rege toda sua filosofia é acerca do sentido do ser.
Em vista disso não é correto afirmar que o filósofo trata do conceito de homem,
muito pelo contrário. Conceito de homem é o que Heidegger quer combater
com sua crítica, uma vez que homem é uma terminologia utilizada pelas
ciências naturais, que determinam esse ente, que em sua definição tem apenas
uma determinação: seu caráter de ser no mundo enquanto pura condição de
possibilidade.
Em vista disso, o filósofo propõe com a análise fenomenológica
do ser-aí que a ontologia fundamental perceba os fenômenos como eles se
mostram e aparecem, sem que haja a necessidade de uma ou várias
explicações teóricas a seu respeito, assim, abrindo mão da necessidade de
teorizar os fenômenos humanos como foi feito desde os gregos até os
modernos. Embora pareça simples a forma de compreender o fenômeno
humano proposto por Heidegger, de modo a tomar o ser-aí a partir de seu
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
62
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
caráter de pura possibilidade de ser-no-mundo, há uma demasiada dificuldade
em pensar dessa forma na contemporaneidade.
Isso acontece porque desde os primórdios da história da filosofia, se
pensou o ser-aí como mera entidade, sem que fosse possível perceber quão
importante é sua característica fundamental: o existir. Tão importante que “[...]
a essência da pre-sença7 está em sua existência. As características que se
podem extrair deste ente não são, portanto, simplesmente dadas de um ente
simplesmente
dado
que
possui
esta
ou
aquela
‘configuração’.
As
características são sempre modos possíveis de ser e somente isso.”
(HEIDEGGER, 2008, p. 78)
Heidegger, então, se opôs ao fato de ter que utilizar da cientificidade
para poder explicar o caráter específico do fenômeno humano e esse é o alvo
de sua crítica, uma vez que o ser-aí não é um ente que possa ser determinado
pela ciência, pois sua única determinação possível é o existir no mundo
enquanto possibilidade de possibilidade. Assim, Heidegger concorda com seu
mestre Husserl, a respeito do “erro” que cometeu a psicologia moderna ao
determinar o fenômeno humano:
De acordo com Husserl, a psicologia moderna perdeu de vista
a essência dos fenômenos psíquicos, uma vez que considerou
esses fenômenos a partir de uma naturalização primordial. A
psicologia moderna, ao tentar escapar da concepção
tradicional da psicologia como uma ciência da alma, tomou os
fenômenos psíquicos como se eles fossem localizáveis
espácio-temporalmente e investigáveis segundo as leis causais
e os princípios responsáveis pela sua determinação específica.
Agindo assim, ela não percebeu em que medida uma tal
naturalização repousava sobre uma cegueira em relação à
essência propriamente dita de tais fenômenos. (CASANOVA,
2013, p. 42)
Fica claro, então, que o filósofo refuta o paradigma até então utilizado
pelas ciências positivas, pois o fenômeno humano é mais do que mero haver, é
mais do que ter um lugar e ocupar espaço no mundo, pois o existir pressupõe
uma consciência dos entes e, sobretudo, do ente que nós mesmos somos,
tanto quanto da nossa existência no mundo, com as demais variadas formas de
entidades (HEIDEGGER, 2008).
7
Pre-sença é a tradução de Márcia Sá Cavalcanti para o termo Dasein. Neste texto optamos
por traduzir Dasein por ser-aí.
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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
63
Só o ser-aí existe e apenas ele é capaz de perguntar pelo seu ser. Por
isso, ser-aí, para Heidegger, é o ser que se revela na própria existência, de tal
modo que ele afirma que todas as coisas são (nesse caso, as “coisas” se
tratam dos próprios entes), contudo, essas “coisas” não tem o caráter
específico da existência, logo é um erro, no ponto de vista heideggeriano, usar
da cientificidade para se referir a um ente diferenciado, como é o caso do seraí.
Levando em conta o projeto da ontologia fundamental proposto por
Heidegger, é notório que houve motivos que o fizeram ter a necessidade de
pensar o ser-aí de forma bastante específica, forma esta que se distancia
drasticamente do modo como a modernidade e as ciências positivas
compreender o homem. Leo Strauss acredita que a fenomenologia existencial
de Heidegger se contrapõe ao positivismo que domina a intelectualidade
moderna, pois “[...] o positivismo é o ponto de vista filosófico segundo o qual o
único saber verdadeiro é o científico” (AINBINDER, 2008, p. 12; tradução
nossa). Assim, Heidegger nos mostra que as ciências positivas analisam e
explicam o fenômeno humano apenas em suas características ônticas, o que
fez a tradição metafísica não dar o devido valor a importância da questão do
ser.
Além disso, o filosofo acertadamente faz uma diferenciação entre o que
vem a ser sua ontologia fundamental e o que são as ciências positivas. Quando
se refere à ontologia fundamental, Heidegger fala a respeito do questionamento
pelo sentido do ser, enquanto que as ciências positivas falam sobre a
investigação do ente. Sendo assim, remetemos a diferenciação já apontada em
nosso texto, a respeito de ente e ser-aí, onde, nesse caso, o ente é relativo ao
âmbito ôntico que se refere à investigação das ciências positivas e o ser-aí é
relativo ao âmbito ontológico e referente à questão primordial do projeto
heideggeriano: a pergunta pelo sentido do ser (HEIDEGGER, 2008).
Contudo, Heidegger não teve a pretensão de negar o conhecimento das
ciências positivas, no entanto, critica a forma como tais ciências bordam o
humano, pois os cientistas tem um olhar voltado aos resultados objetivos de
suas pesquisas e análises, o que dificulta e quase impossibilita que se atentem
de fato para o ser do ente que investigam. Essas ciências que tematizam o
homem, tais como a biologia, a psicologia, a antropologia, etc., não respondem
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
64
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
de forma precisa a questão do modo de ser do ente que nós mesmos somos e
isso Heidegger deixa claro em Ser e tempo:
A questão crítica, contudo, não pode parar por aqui. Está em
questão todo o ser do homem, que se costuma apreender
como unidade de corpo, alma e espírito. Corpo, alma, espírito
podem designar por sua vez, regiões de fenômenos que se
poderão distinguir tematicamente entre si, com vistas a
investigações determinadas. Dentro de certos limites, a sua
indeterminação ontológica pode ser desconsiderada. Quando,
porém, se coloca a questão do ser do homem, não é possível
calculá-lo como soma dos momentos de ser, como alma, corpo
e espírito que, por sua vez, ainda devem ser determinados em
seu ser. (HEIDEGGER, 2008, p. 84-85)
É nesse sentido que Heidegger tem uma opinião crítica frente às
ciências positivas, uma vez que ela lida com os entes apenas no domínio
ôntico, deixando a desejar, por exemplo, quando aborda o fenômeno humano
como um ente determinado positivamente. Ademais, a preocupação de
Heidegger é com a forma como as ciências positivas analisam o ser-aí,
tomando-o como um ente simplesmente presente, um ente determinado,
assim, concebendo o fenômeno humano como se estivessem analisando um
ente qualquer, passível de comprovação, experimentação e classificação.
Portanto, Heidegger acredita que o erro das ciências positivas é considerar o
homem como um ente qualquer, como algo simplesmente dado, como objeto
verificável e alvo de experimentação científica.
É nessa perspectiva que Heidegger propõe uma mudança na ontologia,
através de sua analítica existencial, pois não concordava com a objetivação do
ser do homem, como faz, por exemplo, a biologia que trata o ser-aí como ser
vivo/vida, a antropologia que trata o ser-aí como homem e sua evolução, ou até
mesmo a psicologia que trata o ser-aí como sujeito psíquico, analisando assim
seus comportamentos e funções mentais. Heidegger está preocupado com a
totalidade do ser-aí, onde o que deve ser levado em conta é a sua
especificidade, que é a sua existência, e a sua característica essencial que é a
possibilidade de ser-no-mundo.
Todavia, há de se ter em mente que Heidegger embora critique as
ciências positivas, não pretende superar a história da metafísica de forma a
abandonar ou recusar os fatos antecedentes. Ele mesmo reconhece que “seria
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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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um grande equívoco pensar que sempre poderíamos conformar a filosofia a
partir de uma recusa completa da tradição histórica” (HEIDEGGER, 1987, p. 5).
Assim, tendo em vista que Heidegger se preocupa e tenta dar um
desdobramento diferente da tradição filosófica para a questão do esquecimento
do ser, a pergunta pelo seu sentido deve ser feita. Com a analítica existencial,
Heidegger busca esclarecer a questão que diz respeito à diferença ontológica,
assim revelando um dos tópicos primordiais de sua filosofia, a saber: a
especificidade do ser-aí. Dessa forma, é possível a caracterização do
fenômeno humano com bases na sua fenomenologia existencial.
Portanto, com este trabalho, descobrimos que Heidegger se propõe a
compreender questões de grande importância para a história da filosofia,
principalmente da ontologia e que, mais tarde, serviu muito de base para não
apenas amparar a psicologia empírica quanto para criar uma psicologia clínica
com bases fenomenológico-existenciais (HEIDEGGER, 2009). Além disso,
essa pesquisa nos fez compreender como o filósofo denomina o fenômeno
humano e sua singularidade, bem como entender que o ser-aí é um ente
especial, que existe enquanto um ser de possibilidades.
Em síntese, a principal meta deste trabalho foi compreender a existência
como caráter necessário e imprescindível para a compreensão do ser-aí e
investigar a caracterização deste ente especial no campo da fenomenologia,
bem como mostrar a crítica de Heidegger às ciências positivas, por se
ocuparem do fenômeno humano de modo radicalmente diverso de sua
ontologia fundamental. Desse modo, nosso trabalho tentou mostrar que a
fenomenologia existencial heideggeriana confronta, assim, os métodos com os
quais as referidas ciências abordam o humano. Com isso, é notório que
Heidegger se tornou um filósofo de destaque na área de ciências humanas,
contribuindo em grande proporção para trabalhos posteriores, inclusive com
teóricos renomados vinculados à psicologia e à psiquiatria.
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
REFERÊNCIAS
AINBINDER, B. Sobre Heidegger: Cinco voces judías. 1ª ed. Buenos Aires:
Manantinal, 2008.
CASANOVA, M. A. Compreender Heidegger. 4ª ed. Petrópolis, RJ: Editora
Vozes, 2013.
HAAR, Michel. Heidegger e a essência do homem. Trad. Ana Cristina Alves.
Lisboa: Instituto Piaget, 1990.
HEIDEGGER, M. Introdução à Metafísica. Tradução de Emmanuel Carneiro
Leão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1987.
HEIDEGGER, M. Que é metafisica? Tradução de Ernildo Stein – São Paulo:
Abril Cultural, 1989b. (Os Pensadores).
HEIDEGGER, M. Carta sobre o Humanismo. Tradução de Rubens Eduardo
Frias – São Paulo: Centauro, 2005.
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Tradução de Márcia Sá Cavalcanti –
Petrópolis: Vozes, 2008.
HEIDEGGER, M. Seminários de Zollikon. Editado por Medard Boss. Tradução
de Gabriela Arnhold e Maria de Fátima Almeida Prado. 2ª ed. Petrópolis:
Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2009.
KAHLMEYER-MERTENS, Roberto S. Filosofia primeira: estudos sobre
Heidegger e outros autores. Rio de Janeiro: Papel Virtual, 2005.
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PLANO DE IMANÊNCIA EM GILLES DELEUZE E FÉLIX GUATTARI
Leandro Nunes
Unioeste - Unisep
Dra. Ester Maria Dreher Heuser
[email protected]
RESUMO:
Partimos da ideia de que a imanência absoluta afirmada por Deleuze e
Guattari é o próprio caos e o plano de imanência o que possibilita pensá-lo.
Conforme Deleuze e Guattari (1992), os planos de imanência são crivos no
caos. Eles o cortam e permitem a locomoção do filósofo. Cortam mas não o
separam. Em O que é a Filosofia? (1992) e Caosmose: um novo paradigma
estético (1992), o plano de imanência é apresentado como o que torna possível
desacerelar o caos. Desaceleração da caoticidade que não perde nada do
infinito. Conforme os autores, o plano de imanência “é a onda única” que enrola
e desenrola os acontecimentos; ele é um esboço traçado no próprio caos,
horizonte absoluto criativo. Assim, conceituaremos que o plano de imanência é
percorrido por infinitos movimentos que são lançados conforme a curvatura do
próprio plano. Pois, são os movimentos tomados do infinito que permitem que o
filósofo possa criar em meio ao caos.
PALAVRAS-CHAVE: Plano de Imanência; Caos; Criação; Deleuze.
Em O que é a filosofia? (1992), D&G8 afirmam que a imanência é
composta por uma variação intensiva de corpos que se encaixam ao infinito.
Variação que é responsável por toda criação possível no plano de imanência.
Uma vez que, segundo tal variação, as combinações também se tornam
infinitas. Posto isso, é possível afirmar que a imanência é um meio que flui e
que faz fluir. Um meio que se move (em si mesmo) e que põe em movimento
8
Utilizaremos “D&G” como abreviação para Gilles Deleuze e Félix Guattari.
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aquilo que o habita. Trata-se de uma abertura que perpassa toda existência
possível, seja ela efetiva ou virtual9.
Ou nas palavras dos próprios autores: “[...] a imanência é um todo
poderoso, não fragmentado, mesmo se permanece aberto: Uno-Todo ilimitado,
Omnitudo que os compreende a todos num só e mesmo plano” (DELEUZE;
GUATTARI, 1992, p. 51). Trata-se de uma unidade que abarca a totalidade das
coisas; que não deixa possibilidade de existência para nada que não esteja
contido nela mesma. Desse modo, para se pensar a criação, juntamente com
D&G, torna-se necessário problematizar a relação entre imanência e plano de
imanência. Pois, se a própria imanência é caracterizada pela caoticidade, por
velocidades infinitas que lhe atravessam incessantemente, há de se perguntar
sobre os meios que permitem o filósofo pensar na imanência. Sendo nesse
sentido que D&G afirmam a necessidade de desaceleração das velocidades
infinitas para que se possa pensar no caos. Sobretudo, para que se possa criar
em meio à caoticidade. Já que é somente quando se desacelera as
velocidades que se pode relacionar as determinações que se fazem e se
desfazem insistentemente. Sendo que, é o plano de imanência traçado pelo
próprio filósofo o responsável por tal desaceleração.
Portanto, é função do filósofo adentrar na caoticidade erigindo um plano
de imanência que a corte. Um plano que crive o caos e que lhe dê
consistência. Isso para que a imanência possa ser pensada; para que a criação
possa ser efetivada. Posto que a filosofia para D&G é um construtivismo, a
criação na imanência passa necessariamente pela demarcação de um plano de
imanência que possibilite pensar no caos; que possibilite pensar o que não
pode ser pensado (a imanência), mas que, todavia, tem de ser pensado.
Para D&G (1992), o caos caotiza e desfaz toda consistência ao infinito.
Entretanto, isso não quer referir uma impossibilidade de haver determinação no
Para Deleuze, “[...] a filosofia é a teoria das multiplicidades. Toda multiplicidade implica
elementos atuais e elementos virtuais. Não há objeto puramente atual. Todo atual rodeia-se de
uma névoa de imagens virtuais. Essa névoa eleva-se de circuitos coexistentes mais ou menos
extensos, sobre os quais se distribuem e correm as imagens virtuais. É assim que uma
partícula atual emite e absorve virtuais mais ou menos próximos, de diferentes ordens. Eles
são ditos virtuais à medida que sua emissão e absorção, sua criação e destruição acontecem
num tempo menor do que o mínimo de tempo contínuo pensável, e à medida que essa
brevidade os mantém, consequentemente, sob um princípio de incerteza ou de indeterminação.
Todo atual rodeia-se de círculos sempre renovados de virtualidades, cada um deles emitindo
um outro, e todos rodeando e reagindo sobre o atual [...]” (DELEUZE, 1996, p. 3).
9
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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caos. Pelo contrário, quer dizer somente que as determinações tão-somente
aparecem na medida em que outras desaparecem, ad infinitum. No que
concerne à filosofia, o problema refere-se estritamente a necessidade de “(...)
adquirir uma consistência, sem perder o infinito no qual o pensamento
mergulha (o caos, deste ponto de vista, tem uma existência tanto mental como
física)” (DELEUZE, GUATTARI, 1992, p. 58).
Trata-se de dar consistência ao caos sem estacionar as velocidades.
Isto é, sem nada perder do infinito. O filósofo não deseja frear as velocidades
para construir determinações; ao contrário, conforme D&G, ele deseja poder
pensar e determinar sem perder potência. Sem perder nada das velocidades
infinitas. Isso porque, não se trata de limitar as velocidades, mas de
exponenciá-las, de dar-lhes potência.
Se as determinações se fazem e desfazem incessantemente é
unicamente porque o caos caotiza tudo com seus movimentos infinitos. Na
medida em que o plano que o corta não cessa de mergulhar no caos. Isto é,
dá-se consistência e mergulha-se novamente na caoticidade para logo se
desfazer. Então, se algo não está sujeito a tal curvatura, não há a remota
possibilidade de haver determinações que não estejam contidas dentro de um
plano de imanência. Ou seja, não há consistência fora do plano, já que a pura
imanência é a infinita caoticidade. Apenas o plano de imanência que a corta
pode engendrar determinações. Assim, o plano traçado pelo filósofo constituise como pensamento e como natureza, na medida em que pensa o que não
pode ser pensado e que engendra o que pode ser determinado. Sendo que há,
por tal razão:
[...] sempre muitos movimentos infinitos presos uns nos outros,
dobrados uns nos outros, na medida em que o retorno de um
relança um outro instantaneamente, de tal maneira que o plano
de imanência não para de se tecer, gigantesco tear (DELEUZE,
GUATTARI, 1992, p. 55).
Destarte, é nesse viés que D&G (1992) afirmam que o plano de
imanência deve ser entendido como pré-filosófico. Não como anterioridade
temporal. Mas como pressuposto, como pré-entendido, pré-concebido.
Sobretudo, como condição do pensamento, pois, as consistências somente se
fazem no plano de imanência. Plano que se torna, por tal razão, condição para
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
o filósofo fazer filosofia na imanência. Isto é, em meio ao caos. Não obstante,
se o plano de imanência é pré-filosófico, a imanência deve ser compreendida
como sendo “[...] a potência de um Uno-Todo, como um deserto movente que
os conceitos vêm a povoar” (DELEUZE, GUATTARI, 1992, p. 57). Ela é
condição para a criação.
Dessa maneira, é na esteira de D&G que podemos afirmar que a criação
não advém e não pode advir de fora do plano de imanência, mas é imanente
ao mesmo: “[...] operando um corte no caos, o plano de imanência faz apelo a
uma criação [...]” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 59), uma vez que a ação do
filósofo engendra um processo criativo, seja de conceitos, seja de modos de
vida.
D&G afirmam que os movimentos infinitos são indispensáveis para a
criação, pois, é somente com eles que as determinações podem ser criadas.
Sendo a própria curvatura do plano responsável por exponenciar as
velocidades do caos: “[...] diversos movimentos do infinito são de tal maneira
misturados uns com os outros que, longe de romper o Uno-Todo do plano de
imanência, constituem sua curvatura variável” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.
54).
Cada movimento, ao percorrer a totalidade do plano de imanência, faz
um retorno sobre si mesmo segundo a curvatura sempre variável do plano.
Cada movimento se dobra em si mesmo ao mesmo tempo em que libera outros
infinitos movimentos que engendram “[...] retroações, conexões, proliferações,
na
fractalização
desta
infinidade
infinitamente
redobrada”
(DELEUZE;
GUATTARI, 1992, p. 54). Dobra que pode ser entendida como as ondas do
mar que avançam e se dobram e desdobram incessantemente. Ondas que
mudam as suas determinações, as suas formas, em cada uma das dobras, em
cada uma das vezes em que o mar é dobrado – entendendo a imanência como
o mar e as ondas como as dobras que avançam as praias de imanência na
medida em que se fazem e desfazem constantemente.
Não obstante, é preciso demarcar que quando D&G afirmam que o plano
de imanência funciona como um corte no caos, isso não significa, de modo
algum, que se separa o plano e a imanência que é cortada. É como os autores
afirmam: o plano é um crivo no caos. Isto é, ele seleciona o que cabe de direito
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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ao pensamento. É o plano que possibilita a criação de conceitos, de modos de
vida.
Todavia, é preciso delinear que o plano mesmo não “[...] é um conceito,
nem o conceito de todos os conceitos” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 47).
Os autores concebem o plano de imanência como aquilo que envolve os
movimentos do caos. Sendo que a sua curvatura tem por função acelerar e
desacelerar as velocidades do infinito. É nesse sentido que o plano não perde
nada do infinito em que o pensamento mergulha, pois é exatamente isso o que
define os movimentos do infinito: “[...] é uma ida e volta, porque ele não vai na
direção de uma destinação sem já retornar sobre si, a agulha sendo também o
pólo” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 53).
Contudo, o movimento do infinito não indica coordenadas espaçotemoporais, de modo que não há pontos fixos que indiquem as posições
sucessivas daquilo que se move, pois, orientar o pensamento não significa fixar
pontos de referência objetivos, nem mesmo fixar um ponto móvel “[...] que se
experimentasse como sujeito e que, por isso, desejaria o infinito ou teria
necessidade dele” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 53). O movimento toma
tudo para si. Não há pontos, só velocidades e lentidões. O próprio horizonte se
move. É desse modo que o plano de imanência torna-se o meio pelo qual as
coisas fluem.
O plano envolve movimentos infinitos que o percorrem e
retornam [...] De Epicuro a Spinoza (o prodigioso livro V), de
Spinoza a Michaux, o problema do pensamento e a velocidade
infinita, mas esta precisa de um meio que se mova em si
mesmo infinitamente, o plano, o vazio, o horizonte (DELEUZE;
GUATTARI, 1992, p. 50).
O plano de imanência é o horizonte “(...) dos acontecimentos, o
reservatório ou a reserva de acontecimentos puramente conceituais”
(DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 51). O plano é horizonte absoluto por
independer do observador. Ele é um deserto em que os conceitos povoam sem
partilhar, pois ele mesmo não é um conceito. O plano de imanência é a imagem
do pensamento que orienta o pensar sem fixar “farol”. Nesse sentido, o
movimento infinito é duplo: ele é a imagem do pensamento e também matéria
pela qual o ser se consitui.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
Quando salta o pensamento de Tales, é como água que o
pensamento retorna. Quando o pensamento de Heráclito se faz
polémos, é o fogo que retorna sobre ele. É uma mesma
velocidade de um lado e do outro: "o átomo vai tão rápido
quanto o pensamento". O plano de imanência tem duas faces,
como Pensamento e como Natureza, como Physis e como
Nous (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 53).
É nesse sentido que se afirma que há muitos movimentos engendrados
no plano. Pois, como referido, eles dobram-se uns nos outros e relançam
outros infinitos movimentos. São esses movimentos que fazem com que o
plano não pare de se tecer. É a diversidade de movimentos do infinito que
constitui a curvatura sempre variável do plano, essa é a sua natureza sempre
fractal. É também a fractalidade do plano que o torna infinito e diferente de toda
determinação que se faça nele.
Parafraseando Guattari (1992), afirmamos que a função do filósofo é
adentrar na caoticidade dobrando-a para fazer coexistir as potências do caos
com as mais altas complexidades. Pois, é conforme a “[...] velocidade infinita
que as multiplicidades [...] se diferenciam em compleições ontologicamente
heterogêneas
e
se
caotizam
abolindo
sua
diversidade
figural
e
homogeneizando-se no interior de um mesmo ser-não-ser” (GUATTARI, 1992,
p. 140-141).
É nesse sentido que podemos afirmar que os seres não cessam de
mergulhar no caos e perder suas determinações. Isso para ressurgir com
novas determinações, novas configurações, ad infinitum. É também desse
modo que os autores afirmam que o plano de imanência deve cortar o caos,
sem nada perder de suas velocidades. Isto é, o corte no caos não é uma
determinação absoluta, ao contrário, trata-se somente de uma desacelaração
das velocidades para que se possa pensar, pois, quando apenas as
desacelera, não se perde os movimentos infinitos, apenas varia-se entre
lentidões e velocidades.
Oscila-se assim entre, por um lado, um mundo finito em
velocidades desaceleradas, em que um limite se esboça
sempre por trás de um limite, uma coação por detrás de uma
coação, um sistema de coordenada por detrás de outro sistema
de coordenada, sem que se chegue jamais a tangente última
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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de um ser-matéria que escapa por toda parte e, por outro lado,
Universo de velocidade infinita em que o ser não se recusa
mais, em que ele se dá em suas diferenças intrínsecas, em
suas qualidades heterogenéticas (GUATTARI, 1992, p. 141).
Desse modo, a imanência, bem como o plano que a corta, estão sempre
num cruzamento entre o infinito e o finito; entre o caos e a complexidade, pois
não se separa o infinito do finito. Sendo nessa acepção que os autores afirmam
que o caos sempre caotiza. Isto é, o plano de imanência seleciona finitudes
(determinações) do infinito sem abdicar dos movimentos infinitos. Movimentos
que desfazem o que havia sido determinado na medida em que lançam outras
determinações. Já que, como afirmado, uma determinação não surge sem que
outra se apague. O plano de imanência envolve o caos ao mesmo tempo em
que o complexifica.
Todavia, como exposto, isso não significa que o caos perde suas
velocidades quando crivado. Trata-se somente de uma redução momentânea
da velocidade: “[...] o movimento de virtualidade infinita das compleições
incorporais traz em si a manifestação possível de todas as composições e de
todos os agenciamentos enunciativos atualizáveis na finitude” (GUATTARI,
1992, p. 142-143). Isto é, o caos é cortado pelo plano e ressurge novamente
nos estados de coisas. Nos corpos que se compõem. Isso porque o plano não
para de se tecer, de mergulhar no caos para se fazer, desfazer e refazer,
infinitamente.
Badiou (1996), no entanto, quando comenta sobre a função da filosofia
determinada por Deleuze e Guattari em O que é a Filosofia? – traçar um plano
de imanência, inventar personagens conceituais e criar conceitos – adverte
sobre os perigos da imanência. Ainda que seja função da filosofia traçar um
plano de imanência e mergulhar no caos constantemente para não perder as
velocidades infinitas da caoticidade, esse mergulho constante traz consigo o
perigo da transcendência:
A filosofia emerge sob o duplo perigo da absorção do caos, e
do esquecimento do caos na produção prematura de
transcendência. A filosofia, como tensão subjetiva, é só
aparentemente definida de modo puramente positivo (criação
de conceitos). Ela está mais profundamente sob um comando
negativo: resistir à tentação inelutável da transcendência,
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
suportar a proximidade do caos, atravessar vitoriosamente o
Aqueronte (BADIOU, 1996, p. 69).
Trata-se aqui de conseguir tomar um infinito de entidades que se fazem
e desfazem em um processo contínuo e sem fim, sem se dar à transcendência:
a imanência absoluta é cortada pelo plano; este, por sua vez, toma para si a
infinidade sempre enriquecível dos processos criadores; e isso acontece pelo
mergulho constante no caos.
Entretanto, é preciso evitar, de todo modo, as ilusões da
transcendência em todos os mergulhos que se sucedem. Trata-se de uma
tensão para apreender a potencialidade criativa do caos na raiz da finitude
sensível – sem recair nos erros e ilusões do transcendente. Ou seja, antes que
este se perca novamente no caos: “[...] a potencialidade de evento-advento de
velocidades limitadas no centro das velocidades infinitas constitui estas últimas
em intensidades criadoras” (GUATTARI, 1992, p. 142-143).
Para Guattari (1992), a criação refere-se à capacidade de redução das
velocidades do infinito pelo plano de imanência que apreende a potencialidade
do caos. Assim, o filósofo exclusivamente pensa o caos na medida em que não
o desacelera; é nesse viés que “[...] tanto o plano como o caos são imanentes:
não se separa aquilo que foi cortado do que se cortou, apenas se cria uma
desaceleração nas correntes de intensidades” (GELAMO, 2008, p. 133).
Não obstante, no que concerne ao plano de imanência, é forçoso afirmar
haver mais de um plano; uma vez que nenhum plano seria capaz de abarcar a
totalidade do caos. Visto que cada plano é um corte específico da coaticidade,
há tantos planos quanto há filosofias. Essa variedade de planos apresenta-se
em toda a história e tradição do pensamento filosófico.
Todavia, todo plano de imanência é traçado pretensamente com a
intenção de determinar o que é próprio do pensamento, sendo esta
intencionalidade inerente a cada plano. O que faz com que todos os planos
sejam, segundo D&G (1992), folhados e esburacados. Isto é, quase todo plano
de imanência traçado na história da filosofia é envolto por uma névoa de
obscuridade que possui brechas que introduzem erros, ilusões e ambiguidades
aos mesmos.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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O que muda de um plano de imanência a um outro, quando
muda a repartição do que cabe de direito ao pensamento, não
são somente os traços positivos ou negativos, mas os traços
ambíguos, que se tornam eventualmente cada vez mais
numerosos, e que não se contentam mais em dobrar segundo
uma oposição vetorial de movimentos (DELEUZE, GUATTARI,
1992, p. 72).
Em síntese, podemos afirmar que todo plano de imanência pretende
determinar o que é próprio do pensamento. Ou, em outras palavras, o que o
pensamento pensa. Assim, pode-se afirmar, com D&G, que a filosofia não é
história como superação de sistemas, mas um devir10, como um infinito
movimento na forma de coexistência de planos, geologia filosófica. Em Deleuze
pensa-se uma geofilosofia, pois, para ele, é preciso que deixemos o tempo
histórico de lado em nome de um tempo que se volte aos estratos, à
coexistência de planos de imanência.
REFERÊNCIAS
BADIOU, Alain. Deleuze em Quatro Tópicos. In. Cadernos de Subjetividade:
Gilles Deleuze. São Paulo: jun. 1996, p. 69-70.
DELEUZE, Gilles. Praias de imanência. Texto inédito, traduzido por Éric Alliez.
Folha de São Paulo, caderno MAIS, p. 13, 03/12/1995.
_______. A Imanência uma Vida. In. Educação e Realidade : Gilles Deleuze. V.
27, n. 2, jul/dez, 2002b.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a Filosofia? Tradução Bento
Prado Jr e Alberto Alonso Muñoz . Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.
GELAMO, Rodrigo Pelloso. A Imanência como “Lugar” do Ensino de Filosofia.
In. Educação e Pesquisa, v. 34, n. 1, São Paulo, jan/abr, 2008, p. 127-137.
GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo: Ed. 34,
1992.
Segundo Vasconcellos, “[...][em] Deleuze [...] [podemos dizer] que o devir é o próprio
movimento de constituição de desapareção das singularidades, a emergência do mundo em
toda a sua multiplicidade. Isso significa que o devir é sempre o que está entre dois, isto é, entre
dois termos, entre dois pontos: a abelha e a orquídia, Acab e a baleia, eu e minha infância;
nesse sentido, não é a operação de substituição de um termo por outro ou a transformação de
um em outro, por imitação, semelhança ou identificação. Entre um termo e outro, entre um e
outro, cria-se uma zona de indiscirnibilidade, de vizinhança, [...] um devir é sempre um deviroutro em Deleuze” (VASCONCELLOS, 2005, p. 152-153).
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ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
UMA INTRODUÇÃO AO CONCEITO DE PODER EM HANNAH ARENDT E
SUA DISTINÇÃO DE VIOLÊNCIA
Leandro Mateus Fernandes
Unioeste
Tarcílio Ciotta (orientador)
[email protected]
RESUMO:
O trabalho aborda a concepção da noção de poder em Hannah Arendt e como
ao decorrer da história seu significado se confunde e transforma-se na
legitimidade do uso da violência. Ao recorrer a Polis grega e a Civitas romana,
Arendt afirma a existência do poder como manifestação do povo unido, que só
ocorre no espaço público, no qual os homens são iguais e livres. Somente com
a interpretação da tradição filosófica sobre o poder é que este se torna
dominação do homem pelo homem e a violência ganha viés de poder. Não
importa como se cumpra uma ordem desde que a cumpra. Deste momento em
diante os governos passam a se estruturar no poder como violência e o sentido
histórico de poder como Polis e Civitas desaparece das relações políticas.
PALAVRAS-CHAVE: Poder; Violência; Polis; Civitas.
INTRODUÇÃO
Na obra11 de Arendt Que é Autoridade? (ARENDT, 2007, p. 211), o
poder é um conceito estrutural e importante para compreender a sua diferença
política com o conceito de violência. O poder na concepção arendtiana é o
responsável pela manutenção da existência da esfera pública, como o espaço
potencial da aparência entre homens que falam e agem com liberdade e com
igualdade.
O poder da tradição filosófica moderna e hodiernamente, entretanto, é
confundido com a relação de “mando-obediência”, transportando-o para o
11
As referências às obras de Hannah Arendt serão utilizadas aqui pela abreviação, como
seguem: ACH: A Condição Humana. (2010; A), DV: Da Violência. (2010; B), OT: Origens do
Totalitarismo. (1989), QA: Que é Autoridade? (2007), SR: Sobre a Revolução. (1963), seguidas
sempre pela paginação.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
77
cumprimento de uma função ou de uma ordem pela violência e não pelo livre
consentir. Ao voltar seu olhar para a tradição filosófica, Arendt percebe que o
poder se iguala ao domínio e que existe outra tradição que serve de fio
condutor para sua teoria política, que estrutura o poder como não dominação
do outro, esta tradição é concebida como a Polis grega e a Civitas romana.
A NOÇÃO DE PODER CRIADA PELA TRADIÇÃO E PELA POLÍS GREGA E
CIVITAS ROMANA
A retomada de uma tradição da filosofia política que entende violência
como manifestação do poder e que define as formas de governo como formas
de domínio do homem sobre o homem é feita na obra Da Violência12, na qual
Arendt analisa que segundo a tradição filosófica o poder é um instrumento de
domínio e que este se deve ao instinto de dominação do homem. Neste sentido
tradicional, mandar e ser obedecido são a essência do poder e com isso não é
necessário qualquer outro atributo para que ele exista, esta é a assertiva da
tradição sobre o poder, pois,
Sartre disse sobre a violência quando lemos em Jouvenel que
‘um homem se sente mais homem quando está se impondo e
fazendo dos outros instrumentos de sua vontade’, o que lhe dá
‘incomparável prazer’. ‘O poder’ disse Voltaire, consiste em
fazer os outros agirem como eu quiser’, está presente sempre
que eu tenha a chance de ‘afirmar minha própria vontade
contra a resistência dos outros’, disse Max Weber, lembrandonos da definição de Clausewitz de guerra como ‘um ato de
violência para compelir o oponente a proceder como
desejamos’ (ARENDT, 2010, p. 117; B).
Arendt volta à tradição para analisar e mostrar que o poder era, por meio
de muitos pensadores, entendido como dominação do homem pelo homem,
elucidando que não importam os meios das ações, mas o resultado obtido com
o poder sobre o outro, sempre favorecendo quem estava em posição de
superioridade sobre o outro, seja no campo social ou econômico e até mesmo
teórico-racional. Contra essa tradição ela afirmou que o poder não se constituía
como consentimento, mas se constituía como violência; Arendt citando a
12
Maiores detalhes sobre o conceito de poder e violência e sua relação ver Da Violência. In:
Crises da república, 2010, p. 91-169.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
78
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
afirmação de Passerin d’Entreves afirma que “[...] se a essência do poder está
na eficiência da ordem então não há maior poder do que aquele que nasce do
‘cano de um fuzil’ e que seria difícil dizer de que modo a ordem dada por um
policial é diferente da dada por um pistoleiro” (ARENDT, 2010, p. 117; B).
A autora faz objeções à falta de distinção crítica de toda essa tradição
que confunde poder com violência e propõe uma retomada analítica e histórica
para refletir sobre outra forma de ver, pensar e fazer política. Questiona ainda
se é mesmo certo relacionar o poder político com a “organização da violência”.
Um dos fatores determinantes para a estruturação do conceito de poder político
como relação de mando-obediência e a dominação do homem, foi a instituição
da soberania, ao definir o poder como poder absoluto, que emerge juntamente
com o “Estado-nação”, ou seja, o Estado europeu soberano, fundamentado
teoricamente por “Jean Bodin, na França do século XVI”, e “Thomas Hobbes,
na Inglaterra do século XVII”.
Dessas concepções também surge legitimidade para a compreensão do
poder como domínio. Arendt ainda faz duras críticas ao que ela chama de,
talvez, a pior de todas as formas de governo de domínio, o governo de
ninguém que se estabelece pela burocratização dos sistemas e nenhum
homem pode ser culpado e responsabilizado, como nos governos totalitários.
A outra forma, entretanto, de compreensão do poder político, que se
opõe à visão tradicional, é a restaurada da Polis grega, que consiste na política
e no poder como princípio de igualdade, de estar entre iguais, sem coerção,
sem persuasão e sem violência. Porém, esta tradição é elevada e melhorada
pelos romanos que encontram na Civitas, na cidade romana, uma forma de
política que tem autoridade, sem uso da força ou da violência.
Na tradição greco-romana, Polís e Civitas, tanto o poder como a lei não
têm sua essência na relação de mando-obediência. O poder não é entendido
como dominação do homem pelo próprio homem e a lei não carrega consigo o
poder ditatorial da ordem.
O poder é caracterizado na tradição romana como emanação do povo
unido, ou seja, o poder deriva da união de muitos, como ocorria na Polis. Para
Arendt o poder é o baluarte e a preservação da existência da esfera pública.
Para Fry:
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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Arendt enfatiza a ineficácia da violência para obter fins políticos
ao afirmar que ‘a prática da violência, como toda ação3, muda
o mundo, mas a mudança mais provável é rumo a um mundo
mais violento’ (Apud ARENDT, 1989, p. 177). Ela observa que
é tentador pensar o poder em termos de ordenar outros a
obedecer, mas ela remonta o conceito de "poder" às ideias
gregas e romanas de poder, que não caracterizam o poder
como um relacionamento de mando-obediência. (FRY, 2010, p.
98; C)
O poder, moderna e hodiernamente, nesta concepção da tradição
romana, poderia ser ressignificado como o povo que cede por algum tempo
apoio aos governos, às instituições de um Estado. O povo cede poder às
instituições de um país, mas esse apoio é a continuação do consentimento que
deu origem às suas leis, ele precisa de legitimidade no sentido de
consentimento e de apoio, como era entendido na Civitas romana, pois os
romanos antigos criaram,
[...] uma forma de governo, uma república, onde a regra de
Direito, repousando no poder do povo poria um fim ao domínio
do homem sobre o homem, que em sua opinião tratava-se de
um “governo próprio para escravos”. Também eles,
infelizmente, falavam ainda de obediência – obediência a leis e
não a homens; mas o que realmente queriam dizer era apoio
às normas legais às quais haviam os cidadãos dado o seu
consentimento (ARENDT, 2010, p. 120; B).
Não existe nenhuma instituição política que não seja derivada do poder
concedido pelo povo, todas as instituições políticas são manifestações de
poder, portanto elas declinam quando o povo deixa de manifestar apoio ou
consentimento. Isso é verdadeiro para qualquer forma de governo, desde os
gregos antigos. O poder é um fim em si mesmo, e por isso não precisa de
meios para sua justificação, mas da legitimação que se traduz no apoio que o
povo dá às instituições de um país. Diz Hannah Arendt:
O único fator material indispensável para a geração do poder é
a convivência entre os homens. Estes só retêm poder quando
vivem tão próximos uns aos outros que as potencialidades da
ação estão sempre presentes; e, portanto, a fundação de
cidades que, como as cidades-estados, converteram-se em
paradigmas para toda a organização política, ocidental, foi na
verdade a condição prévia material mais importante do poder.
O que mantém unidas as pessoas depois que passa o
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80
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
momento fugaz da ação (aquilo que hoje chamamos
organização) e o que elas, por sua vez, mantém vivo ao
permanecerem unidas é o poder. Todo aquele que, por algum
motivo, se isola e não participa dessa convivência, renuncia ao
poder e se torna impotente, por maior que seja a sua força e
por mais válidas que sejam suas razões (ARENDT, 2010, p.
213; B).
O poder só existe na união do povo, por essa razão, não se pode usar o
conceito de poder para um indivíduo isolado, ou sozinho. O poder se constitui
pela conservação da união, do estar juntos. É a capacidade humana,
indispensável do fazer política, a capacidade da ação em conjunto,
transformando vários “eus” em um nós, com reconhecimento da obediência
vivida pelos gregos da Polis e os romanos da Civitas.
O poder mantém a união das pessoas e depois de passado este
momento, cada um retorna para sua casa e não há mais poder. Por ser
essência da capacidade humana de agir entre si e depender da relação entre
os homens, o poder tem um caráter de potencialidade. De acordo com Leo J.
“[...] para Arendt, o poder não é poder sobre os outros, mas poder que surge
com os outros, o que ele descreve como poder relacional, em contraste com o
poder unilateral” (Apud PENTA, 1996, p. 219).
Por esses fatos, Arendt mostra que o poder é indispensável e baluarte
de toda forma de governo e não há governo político verdadeiro que não
reconheça este poder no povo, porém sabe-se que existem governos que
confundem poder com violência e esta não é baluarte e nem a essência da
política.
Sendo assim, o poder é ilimitado porque deriva da ação e da pluralidade
dos homens, pode ser dividido sem reduzir-se, diferente da violência. O que
comumente destrói as comunidades políticas é a perda do poder e o aumento
da violência.
A DISTINÇÃO ENTRE PODER E VIOLÊNCIA
Arendt associa a não distinção nos governos modernos entre violência e
poder, muitas vezes, tratados como iguais, pela incorporação da violência
como poder e, assim, torna-se difícil fazer uma diferenciação pelo viés da
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
81
ordem e obediência e este motivo traz a equalização de ambos os termos na
esfera política do poder.
Na sua forma extrema violência se traduz em “um contra todos”, mas
isso não é possível sem o auxílio de instrumentos, ao contrário do poder, e
assim ela não está na essência de todo o governo, por isso precisa de
justificação, sendo a violência incapaz de gerar o poder.
Esta forma de conceber ou entender o poder como instrumento para que
seja cumprida uma ordem, ou ainda com o intuito de mantê-la, é derivada da
tradição e não deve ser o modelo a ser seguido pelos governos. Nessa forma
de governo moderno, a violência é usada como instrumento para salvaguardar
a estrutura do poder intata. Ao se analisar o governo dos dias atuais, tem-se a
impressão de que não há como desvincular violência de poder e que aquela é
a forma de manutenção do poder. Esta visão tradicional da violência como
poder contraria a verdadeira essência da ação política. Desse modo,
[...] diferentemente da ação política, a violência é muda,
silencia a troca de opiniões e é usada como meio para obter
determinados fins (...). Enquanto a violência é, a miúdo, usada
por governos a fim de alcançar à força determinadas metas,
Arendt acredita que em fim de contas, a violência é bastante
ineficaz como instrumento político para a manutenção de um
poder soberano, porque os meios podem sobrepujar totalmente
o fim (FRY, 2010, p.98; C).
O uso da violência, para manutenção das metas, seja qual for, é
sumamente perigosa, pois como a ação está no campo da imprevisibilidade
nada garante o sucesso de tais ações. E por mais que no governo decline ou
perca o poder, não se compensará ou reconquistará pelo uso da violência com
este propósito.
A perda do poder e da autoridade em todas as grandes
potências é claramente visível, mesmo estando acompanhada
por um imenso acúmulo de meios de violência nas mãos do
governo; mas o aumento de armamentos não pode compensar
a perda de poder (ARENDT, 2010, p. 177; B).
Para Arendt, a história mostra, por meio das revoluções, que no embate
de violência por violência o governo ganha, mas sempre enquanto a estrutura
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
do poder estiver intacta, ou seja, que as ordens do governo sejam obedecidas
e que este tenha a seu lado o exército e a polícia.
Quando o poder se romper, o apoio do povo desmoronar, o governo
sempre correrá o risco de se perder. Quando o governo se desintegra
(ARENDT, 2010, p. 126; B) muda de mãos o poder das armas. Quando o poder
se esvai, as ordens começam a ser questionadas e desobedecidas, os meios
de violência são colocados à prova e os mesmos se mostram inertes, pois a
obediência é relacional, baseia-se no consentimento, no acordo, e pela
quantidade de pessoas que consegue dela participar.
Tudo depende do poder que está por trás da violência. A obediência civil
nada mais é do que o apoio e o consentimento livres. De nada adianta um
governo dar ordens se as armas que obrigariam o povo a obedecer estiverem
nas mãos do exército e da polícia e estes não mais se dispuserem a obedecêlo e se colocarem do outro lado, já que
[...] a violência, é necessário lembrar, não depende de números
ou de opiniões, mas sim de formas de implementação, e as
formas de implementação da violência, conforme mencionei
mais acima, como todos os demais instrumentos, aumentam e
multiplicam a força humana. Aqueles que se opõem à violência
com o mero poder, cedo descobrirão que se confrontam não
com homens, mas sim por artefatos fabricados pelo homem,
cuja desumanidade e força de destruição aumentam em
proporção à distância a separar os inimigos. A violência
sempre é dada destruir o poder; do cano de uma arma
desponta o domínio mais eficaz, que resulta na mais perfeita e
imediata obediência. O que jamais poderá florescer da
violência é o poder (ARENDT, 2010, p. 130; B).
Por estes motivos torna-se lógico afirmar que nenhum governo existe
exclusivamente pelo uso da violência. Até mesmo os governos totalitários têm
a polícia secreta e os seus informantes que consentem livremente poder ao
governo.
Embora a violência tenha o pretexto de gerar poder, ela não é
de forma alguma politicamente tão eficaz quanto o poder real,
que é alcançado mediante a liberdade. Arendt observa que um
governo baseado unicamente na violência não pode existir,
porque todos os governos precisam de uma base de apoio de
crentes para agir (FRY, 2010, p. 99; C).
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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Em Da violência, Arendt retoma o conceito da ação para alertar que
tanto a violência como o poder não são fenômenos naturais nem
manifestações do pré-político, privado. A violência e o poder só existem no
domínio político, garantida pela capacidade da ação.
O comportamento animal pode ser previsível, mas não a ação, pois
segundo a autora (ARENDT, 1963, p. 177), sobre o uso da violência como
meio para se conseguir fins políticos, esta prática violenta pode mudar o
mundo, como todo o agir humano. Contudo, advém desta prática um mundo
muito mais violento, como o que é visto atualmente no Iraque, país que foi
“pacificado” pelo uso da violência armada, o que gerou ainda mais violência.
Isso porque a maioria do povo iraquiano não consentiu o poder aos Estados
Unidos para intervir no país. Surge agora o Estado Islâmico extremista que
devolve a violência praticada pelos Estados Unidos, com a invasão do Iraque,
pois os “estado-unidenses” capturados são decapitados, ou seja, da violência
será gerada sempre mais violência e onde o poder deixar de existir a violência
se erguerá sempre como a base de todo o regime político.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após esta breve exposição sobre o conceito de poder e sua distinção em
Hannah Arendt, percebe-se que o poder historicamente inicia-se na Polis grega
e Civita romana e sua função era a de garantir, consentir governabilidade para
a comunidade política. O poder era a manifestação do povo unido que
deliberava nas ações da esfera pública, não havia poder diferente ou superior
entre as pessoas. Sua essência era garantir a liberdade e a igualdade no
espaço público.
É com a tradição do pensamento filosófico que o poder se confunde com
violência, e o poder passa justamente a negar sua história conceitual e agora é
entendido como a dominação do homem pelo homem. Poder significa fazer
com que o outro cumpra com as vontades e se submeta a quem estiver numa
hierarquia de posição social, financeira, intelectual e caso este reconhecimento
de submissão e de ser dominado pelo outro não se manifeste, o poder aparece
como violência, usa de meios, de instrumentos, da dor física e emocional para
garantir que os fins sejam garantidos. Esta forma de poder alicerçado na
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
violência chega ao ponto máximo com a efetivação dos regimes totalitários que
usam da própria violência para garantir a governabilidade política.
Pelos argumentos expostos sobre a relação poder e violência o que se
torna relevante ainda hoje é perceber, como enfatiza Arendt na sua obra Da
Violência, que onde o poder sucumbir o governo só passa a existir pela
manutenção da violência. Quando o governo não tem mais o consentimento do
povo, o povo não mais empresta apoio ao governo, esse passa a usar da
violência para garantir sua governabilidade.
Caso explícito para o entendimento desta estrutura é e foi o governo do
Estado do Paraná na pessoa do Carlos Alberto Richa (PSDB) que no dia
29/04/2015 massacrou professores na cidade de Curitiba, personificando o
poder como violência na ação criminosa dos policias militares que usando de
bombas de lacrimogênios, de efeito moral e de balas de borracha, machucaram
cruelmente quase quatrocentas pessoas, para que seu desejo de aprovação de
um projeto, rejeitado pelos professores e servidores públicos, fosse solidificado.
A aplicação conceitual de poder e violência de Arendt nesse caso faznos entender o quão sua reflexão política é atual e está ao nosso redor, pois
muitos governos políticos se sustentam com o uso da força, da violência e não
com o poder entendido aos modos arendtianos, como o poder do povo unido
que consente e empresta representação para o governo da liberdade e da
igualdade, nunca da violência e da dominação.
REFERÊNCIAS
ARENDT, Hannah. A condição humana. 11. Ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2010, A.
ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989.
ARENDT, Hannah. Da violência. In: Crises da república. São Paulo:
Perspectiva, 2010, p. 91-169, B.
ARENDT, Hannah. Que é autoridade? In: Entre o passado e o futuro. 6. ed.
São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 127-187.
ARENDT, Hannah. Sobre a revolução. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1963.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
FRY, Karin A. Compreender Hannah Arendt; tradução de Paulo Ferreira
Valério. Petrópolis, RJ: Vozes; 2010, C.
OLIVEIRA, Luciano. 10 lições sobre Hannah Arendt: a trilogia da ação.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
PENTA, Leo J. Hannah Arendt: On Power. The Journal of Speculative
Philosophy, 10 (3), 1996, p. 219.
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
A VERDADE PENSADA COMO SÍNTESE ORIGINÁRIA
Luana Borges Giacomini
Unioeste
Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens (orientador)
([email protected])
RESUMO:
A noção de verdade em Heidegger é o tema do presente trabalho.
Procuraremos investigar como se dá a compreensão de verdade originária no
pensamento do referido filósofo. Com vistas à obra Ser e tempo (1927),
podemos indicar que a verdade, tal como originariamente compreendida pelo
autor, diz respeito a uma estrutura primária na relação do ser-aí (Dasein) com o
mundo que o circunda. Podemos dizer que tal estrutura primária é, assim,
anterior a qualquer relação do ser-aí com o mundo, justamente por ser a
própria possibilidade de tal. Pelo fato de a metafísica tradicional não ter
tematizado satisfatoriamente a ligação ontológica entre o caráter de poder-ser
do ser-aí e a verdade, Heidegger procura fundamentar a verdade no âmbito
existencial. Deve-se, assim, ressaltar que a verdade pensada como síntese
originária, não é uma síntese entre dois entes: o ser-aí de um lado e o mundo
de outro, pois, diz respeito à própria possibilidade do nexo entre ambos.
PALAVRAS-CHAVE: Compreensão; Verdade; Desvelamento; Ser-aí.
O tema da verdade, por estar de algum modo implicado à noção de ser,
provoca um fecundo e crucial diálogo da ontologia fundamental de Heidegger
com a tradição metafísica. A questão primordialmente heideggeriana é a do
sentido de ser. Esta investigação é possível somente ao ente privilegiado que é
o ser-aí. É devido à pré-compreensão de ser, que este ente pode compreender
o sentido de ser e se perguntar pelo mesmo (além de indagar sobre outros
pontos que deste derivam, como por exemplo: o conceito de verdade). Tal ente
privilegiado é figura central na recolocação da pergunta pelo sentido de ser.
Além disso, segundo Heidegger (2012), é marcado pelo caráter ontológico de
poder-ser e se autodeterminar na relação com os outros entes manifestos no
horizonte compreensivo que seu mundo constitui. É por isso que as
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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possibilidades do ser-aí sempre estão em jogo e este só é o ente que é na
medida em que existe no mundo.
No início do §.44 de Ser e tempo (Sein und Zeit, 1927), Heidegger
afirma: “De há muito, a filosofia correlacionou verdade e ser” (HEIDEGGER,
2012, p.282). Isto é, a verdade, tradicionalmente, foi compreendida como
adequação; neste caso é pensada como a concordância entre uma proposição
de um sujeito sobre um estado de coisas dado e, por isso mesmo, verificável.
Por outro lado, costuma-se compreender filosoficamente o ser como um
conceito, e verdade como concordância do juízo com a coisa. No entanto, este
modo de pensar implica numa inevitável separação entre ser e verdade. É por
tal motivo que Heidegger, em sua analítica do ser-aí, vai partir do conceito de
verdade visto pela tradição. Assim, para tal filósofo: “Ser e verdade ‘são’, de
modo igualmente originários” (HEIDEGGER, 2012, p.301). A verdade originária
é condição de possibilidade de toda e qualquer verdade ou falsidade que se diz
do ente, pois, primariamente acontece abertura de sentido, e desta abertura
derivam todas as verdades do mundo circundante. Neste caso, “[...] deslocada
de sua tradicional residência na proposição, a verdade se localizaria no Dasein
[ser-aí]” (NUNES, 2012, p.195).
Por meio da compreensão de ser, o ser-aí pode dizer das coisas aquilo
que são e não são, isto é, apenas existe verdade mediante a abertura, inerente
ao ser-aí. É porque compreendemos o ser de alguma coisa previamente que
podemos enunciar acerca de tal. O ente precisa ter se revelado/mostrado no
nosso campo de sentido previamente para poder se enunciar acerca do
mesmo, é necessário que o ente se mostre assim como algo para que se
possa dizer acerca de sua validade ou falsidade. Por exemplo: só podemos
dizer que o giz é arenoso porque giz se mostrou previamente no nosso campo
de sentido/abertura. “O próprio ente visado mostra-se assim como ele é em si
mesmo, ou seja, que, em si mesmo, ele é assim como se mostra e descobre
sendo no enunciado” (HEIDEGGER, 2012, p.288).
No enunciado derivado, a interação entre duas representações dá
origem a uma síntese. Em tal entrelaçamento, sujeito e predicado se unem e
denotam algo. Toda relação judicativa revela algo sobre o que o ente é, ilumina
o ente de algum modo e por isso se pode dizer tanto daquilo que o ente é
(verdadeiro), quanto aquilo que ele não é (falso). Deste modo: “A verdade
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
equivale a esta mútua pertinência de sujeito e predicado. O que mutuamente
se pertence de modo correto é válido”13 (HEIDEGGER, 2007, p.146). No que
tange
ao
conceito
tradicional,
a
verdade
se
localiza
somente
em
representações vinculadas, ou seja, o juízo sob a forma da “adaequatio rei ad
intellectum” (conformidade da coisa com o intelecto). “O verdadeiro, define
Aristóteles, é apreender a enunciar o que se apreende, articulado na
proposição por meio da cópula. A cópula nada é por si mesma e pode, dessa
forma, unir e separar o que se apreende” (NUNES, 2012, p. 39).
A interpretação diz respeito “[...] ao desenvolvimento do compreender
apropriando-se das possibilidades em que o poder-ser se projeta” (NUNES,
2012, p.18). Esta apropriação, não é algo sem pressuposto, isto é, sempre
parte de um referencial (Vorhabe), explicita-se em conceitos prévios (Vorgriffe)
numa determinada perspectiva (Vorsicht). Segundo Heidegger, por se
encontrar numa direção prévia, em todo seu “fazer” o ser-aí parte desta
estrutura tríplice de interpretação. Isto justifica o ser-aí sempre ter uma lida
compreensiva com o que se lhe apresenta no mundo. O existir do ser-aí é précompreensivo, porque em todo seu mover no mundo, já compreende as coisas
nos diversos modos do seu ser. Contudo, o filósofo vai dizer que esta
compreensão que o ser-aí tem das coisas é sempre uma compreensão além
das mesmas, ou seja, é pelo fato de já estarem dadas e tematizadas que se
proporciona um distanciamento da coisa com seu “lugar” mais originário. A
facticidade proporciona tal distanciamento. É por isso, que um dos projetos
indispensáveis de Ser e tempo, se refere à hermenêutica da facticidade. É a
facticidade que determina quem somos, diz respeito ao modo como já nos
colocamos no mundo de fato. O ser-aí lançado no mundo já conta com o
mundo que existe antes dele, isto é, já conta com um modo, com uma
facticidade.
Invocar a verdade da existência é retroceder à posição prévia
da abertura, de que a temporalidade extática, possibilitando a
estrutura trimembre do cuidado, é a condição-limite
insuperável, em que todas as estruturas existentivas se
explicitam. Essa posição prévia, como pressuposto da verdade
(veritas), de que a verdade proposicional recebe a sua origem,
13
HEIDEGGER, Martin. Princípios metafísicos de la lógica. Trad. Juan José García Norro.
Madri: Editorial Síntesis, 2007, p.146. Tradução nossa.
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é o lugar da alétheia, do não-ocultamento ou não-velamento.
(NUNES, 2012, p. 196).
Martin Heidegger vai conceber alétheia como a verdade em seu sentido
originário, tal verdade se refere ao desvelamento do ser. Deste modo, “Porque
ao ser pertence o velar iluminador, aparece ele originariamente à luz da
retração que dissimula. O nome dessa clareira é alétheia” (HEIDEGGER,1979,
p. 343). Alétheia é o fenômeno do desvelamento, o aparecer do ser. O sentido
da palavra grega “alétheia” (não-velamento) se refere ao domínio do iluminado
ou do manifesto. É a esta percepção, a saber, do desvelamento, que
Heidegger vai dizer como verdade do ser, justamente pelo fato de possibilitar o
aparecer das coisas mesmas. Deste modo, “[...] o enunciado é verdadeiro
significa: ele descobre o ente em si mesmo. Ele enuncia, indica, “deixa ver” o
ente em seu ser e estar descoberto” (HEIDEGGER, 2012, p. 289).
O ser-aí, na condição paradigmática do ente que somos, necessita de
um retornar, de um encontro das coisas desde elas mesmas, pois, lançado no
mundo, sempre conta com uma facticidade específica a qual o posiciona
sempre além da coisa. O retorno, neste caso, significa retornar àquilo que se é
por antecipação, até mesmo antes de ser sujeito (do eu. Tal como
tradicionalmente compreendido). A abertura do ser-aí, fundamentalmente, é
possibilidade de ser. Deve-se ressaltar que tal caráter de possibilidade, do seraí, não consiste numa indiferença do árbitro. O caráter de poder-ser possui
condicionantes de suas possibilidades. Isto é, tal possibilidade é ser nas
circunstâncias de um mundo que conta com uma facticidade específica.
Portanto:
A “essência” da presença [ser-aí] está em sua existência. As
características que se podem extrair deste ente não são,
portanto, “propriedades” simplesmente dadas de um ente
simplesmente dado que possui esta ou aquela “configuração”.
As características constitutivas da presença [ser-aí] são sempre
modos possíveis de ser e somente isso (HEIDEGGER, 2012, p.
85).
Como e possível entrever a partir da citação, Heidegger, em sua
analítica existencial, vai se ocupar com uma interpretação do ser-aí em seu
significar originário. Para tanto, parte de sua lida com as coisas na prática; ao
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90
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
partir disto, o filósofo procura elucidar que a apreensão das coisas no mundo
circundante depende do uso que se tem com as mesmas. Compreendemos as
coisas de determinado modo a partir do uso que se estabelece com a ela, ou
seja, a circunstância em que utilizo a coisa para determinado fim. Podemos
dizer, assim, que o significado da coisa depende da ocupação que se
desempenha com ela. O significado de uma coisa aparece na medida em que
lidamos com tal, ou seja, na medida em que é utensílio. Isto implica em afirmar
que só podemos dizer o que uma coisa é, na medida em que ela não se
encontra meramente presente (enquanto uma presença por si subsistente).
Aqui, torna-se clara a diferença entre a mesmidade heideggeriana e a
aristotélica (o ente só pode ser mostrado porque ele é ele mesmo). A
mesmidade de Heidegger não consiste no ser simplesmente dado do que
aparece. Dizer o que uma coisa é, não implica em tomá-la como apenas
presente e possuidora de um conjunto de determinações. Heidegger vai
procurar dizer o que a coisa é a partir daquilo que não está presente. É o que
não se encontra presente na coisa que o filósofo vai dizer essencialmente do
ente.
Para Aristóteles (cf. Metafísica, IV 1003 a33), “o ser se diz em
vários sentidos, ainda que em ordem a uma só coisa e a certa
natureza única.” A mesmidade é delimitada (conforme
“horismos”, delimitação) por ele como “tò tì en einai” (o que
antes de ser era). Este é um dos termos que ele utiliza para
nomear a substância. A substância é a primeira categoria, que
diz respeito ao que se encontra presente em sua mesmidade, e
que mantém aí como que todas as outras determinações
reunidas. (CORDEIRO, 2011, p.185).
Aquilo expresso no sentido tradicional da proposição é um modo
derivado de interpretação, o que não implica numa inferioridade. Mas, não diz
respeito ao acontecimento originário. Podemos utilizar de um exemplo do
próprio Heidegger, para tornar mais claro esse caráter derivado da proposição,
a saber, “o giz é muito arenoso”. Neste enunciado, “arenoso” não é apenas
uma determinação do giz no sentido de que ele possui tal propriedade. Ou
seja, é apenas algo predicado de tal objeto. O giz só aparece como é, na
medida em que se diz sobre ele, neste caso, por exemplo, o ser arenoso
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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
91
(predicado), que poderia ser, também: branco, comprido, fino, etc. É pelo fato
de não termos o trato primário com a escrita que se dá o derivado (secundário).
Não obstante, o intento de Heidegger consiste em mostrar que na noção
tradicional de verdade ainda permanece encoberto o horizonte fenomênico
(intencional) do ser-no-mundo (In-der-Welt-Sein). Isto é, a facticidade do serno-mundo uma vez insuficientemente tematizada, torna obscuro o horizonte
fenomênico no qual a verdade se configura a este ente, sempre como
acontecimentos de verdade em circunstâncias fáticas específicas. Do outro
modo o conceito é interpretado como uma propriedade de entes tomados como
subsistentes por si só e independentes do ser-no-mundo.
O ser-aí é ser-no-mundo, deste modo, se encontra numa relação
imediata com o mundo circundante. Isto é, “[...] o seu significar compreensivo
não se dirige primariamente nem a coisas concretas nem a conceitos gerais,
mas àquilo que se desencobre e lhe vem ao encontro” (CORDEIRO, 2011, p.
183). A compreensão originária corresponde ao ser-aí, isto é, o situar-se
significativamente com as coisas. É devido a isso que se torna possível à
compreensão a expressão fonética. A compreensão que o homem possui da
linguagem corresponde ao conjunto de emissões verbais, ordem sintáticasemântica do enunciado. No entanto, tal compreensão corriqueira da
linguagem, proporciona o distanciamento com a sua fonte, a saber, a
compreensão originária.
O lugar originário da verdade, não é a adequação da proposição à coisa,
pois qualquer proposição veritativa não pode prescindir de ser descobridora do
que seja a verdade. Dito de outro modo, qualquer discurso (lógos) que acerca
do verdadeiro se transponha para a forma conceitual de verdade, se dá
originalmente em seu horizonte intencional, não podendo deixar de levar em
conta o âmbito compreensivo no qual esta verdade é descoberta: o horizonte
compreensivo do ser-no-mundo.
O caráter apofântico do lógos consiste em deixar ver o ente desde o
próprio ente. Isto significa que o falar deve ser compreendido como
“apofainestai”, isto é, fazer ver o ente. Fazer ver o ente, aqui, não se refere à
representá-lo na consciência. Pois “o pensado é antes o próprio ente, e não
uma representação ou imagem que concorde com o ente que precisamente se
encontra ausente” (HEIDEGGER, 2009, p. 135). Entendendo o logos como
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
porta-voz do mundo, sua “função” é deixar ver algo que já se deu. No entanto
no §7 de Ser e Tempo, Heidegger fala que o que é verdadeiro, de modo ainda
mais originário, é a “aisthésis”, que diz respeito a simples percepção sensível
de alguma coisa. A “aisthésis” enquanto percepção imediata da coisa é sempre
uma percepção verdadeira. Deve-se ressaltar, que a “aisthésis” (percepção
originária) é privilégio do ser-aí. Ela é uma intuição, que aqui podemos tomar
como percepção imediata da coisa.
Heidegger considera que o mundo, sempre já se deu enquanto
“aisthésis”. Aristóteles não percebeu tal fenômeno deste modo. Isto é, não o
concebeu a partir do “logos apofântico”, como possibilidade de ser, de um
sentido, mas, sim, do ente na determinação de seu estar presente. Isto
significa: o ente, na multiplicidade de suas determinações, aparece como um.
Ou seja, o ente é aquilo que subjaz “hypokeimenon”. Neste caso, o deixar ver
do “logos” consiste numa visão a partir da determinação de sua presença. O
modo de relacionar racionalmente é problemático, segundo Heidegger, na
medida em que pode se perder frente a função primária do “logos”, a saber, da
mostração.
Martin Heidegger afirma que, na metafísica tradicional, o estar presente
se refere ao mostrar-se do ser como um ente, que também ocorre na filosofia
aristotélica. Aristóteles apresenta o ser na determinação de sua unidade como
“tò tì em einai”.
Todavia podemos perceber no §7 de Ser e Tempo, que
Heidegger vai considerar o papel da fenomenologia como o de mostrar, deixar
ver aquilo que não se mostra, isto é, que não está presente. Fica claro que
Heidegger não se preocupa com um ente específico, mas sim, com o ser dos
entes, que é justamente o que nunca aparece como determinado, ou seja,
presente. A fenomenologia não responde a questão: “que é uma coisa?” de
modo a apresentar o ser como um “ente” determinado, que se mostra.
Determinar é um mostrar desde ser, que se encontra presente. No entanto, ser,
para Heidegger, está encoberto em todo o mostrar do ente, deste modo, não
podemos dizê-lo através da presentificação de um ente.
O “lógos apofântico” se fundamenta numa estrutura ainda mais
originária, que Heidegger denomina “como hermenêutico”, aqui, a coisa não se
determina por seu encontrar-se presente (como um na multiplicidade de suas
determinações), mas, sim, por aquilo que nela se encontra ausente, não
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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manifesto. Heidegger, ao afirmar que aquilo que não se encontra presente (que
não é determinado, não é ente) pertence propriamente ao que uma coisa é,
torna claro que o ser de uma coisa não é nada além de possibilidade de ser.
Deve-se ressaltar que nesta estrutura hermenêutica da verdade,
Heidegger aponta a realização de uma síntese, mas não aquela como ligação
de elementos através da cópula. A síntese referida, aqui, como na do “lógos
apofântico”, é um deixar ver algo, como algo. Para tanto, há a abertura de um
mundo em conjunto com ser-aí, que se encontra aberto doando possibilidade
para o deixar ver e fazer. Isto é, o acontecimento do mundo e do ser-aí se dá
conjuntamente, perfazendo, então, a estrutura ser-no-mundo. A síntese, não se
dá entre dois entes, a saber, ser-aí e mundo (separados). Aqui, ela não traz um
elemento de ligação entre dois entes. A síntese é a relação que sempre já se
deu, ela não é posterior, no sentido de proporcionar a junção entre dois entres
presentes. Ela é condição mesma, para o surgimento dos entes e do ser-aí.
Isto implica dizer que sem esta relação anterior, não seria possível seres-aí,
pois é esta síntese, que, por ser originária, sempre já “[...] operou em todo vir-aser do homem em seu ser” (CORDEIRO, 2011, p.195).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A síntese originária é o imediato, o começo, princípio enquanto “arché”.
Desde sempre o homem está atravessado pela síntese originária. O enunciado
é secundário, porque antes já se deu ser-aí (Dasein), ou seja, o enunciado se
mostra como descobridor porque revela algo que já apareceu. Primariamente,
o ser-aí habita o âmbito de sentido, antes de tudo, ele é o “lugar” em que as
coisas vêm de encontro, isto é, lugar de sentido.
Ser-verdadeiro enquanto ser-descobridor é um modo de ser do ser-aí.
Segundo Heidegger, “[...] o que possibilita esse descobrir em si mesmo deve
ser necessariamente considerado ‘verdadeiro’, num sentido ainda mais
originário. Os fundamentos ontológico-existenciais do próprio descobrir é que
mostram o fenômeno mais originário da verdade” (HEIDEGGER, 2012, p.291).
Pelo fato do ser-aí ser essencialmente abertura, possibilidade do descobrir o
que se abre, o ser-aí é e está na “verdade”. Essencialmente o ser-aí é
“verdadeiro”.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
REFERÊNCIAS
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Tradução revisada e apresentação de
Marcia Sá Cavalcante Schuback; posfácio de Emmanuel Carneiro Leão. 7.ed.
Petrópolis: Vozes, 2012.
HEIDEGGER, Martin. Principios metafísicos de la lógica. Trad. Juan José
García Norro. Madrid: Editorial Sintesis, 2007.
HEIDEGGER, Martin. Coleção os Pensadores - Conferências e escritos
filosóficos. Tradução, introduções e notas de Ernildo Stein. São Paulo: Abril
Cultural, 1979. Texto utilizado: Sobre a essência da verdade.
RÉE, Jonathan. Heidegger – História e verdade em Ser e tempo. Tradução de
José Oscar de Almeida Marques, Karen Volobuef. São Paulo: Editora Unesp,
2000
NUNES, Benedito. Heidegger & Ser e tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2002.
NUNES, Benedito. Passagem para o poético: filosofia e poesia em Heidegger.
São Paulo: Edições Loyola, 2012.
CORDEIRO, Robson Costa. Heidegger e a verdade como síntese originária.
Artigo publicado na ÍTACA – Revista de pós-graduação em filosofia IFCSUFRJ. V. 18, p. 180-196, 2011. Link para acesso:
http://revistas.ufrj.br/index.php/Itaca/article/view/196/187.
STEIN, Ernildo. Seminário sobre a verdade: Lições preliminares sobre o
parágrafo 44 de Sein und Zeit. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1993.
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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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REPENSANDO O ESPAÇO POR MEIO DA FENOMENOLOGIA:
CONTRIBUIÇÕES DE HEIDEGGER
Maria Lucivane de Oliveira Morais
UNIOESTE/Campus Toledo
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Roberto S. Kahlmeyer-Mertens
[email protected]
RESUMO:
O objetivo geral dessa comunicação consiste em realizar uma breve reflexão
sobre dois conceitos primordiais na obra Ser e tempo publicada em 1927 por
Martin Heidegger: ser-aí e espaço. Por meio da fenomenologia o filósofo
avança nas discussões conceituais sobre tais temáticas tendo como questão
direcionadora de todo o seu trabalho a busca pelo sentido do ser. O Dasein ou
o ser-aí corresponde a nós mesmos, representa o existir em cada caso
particular. Para compreendê-lo Heidegger cita a questão do espaço um dos
âmbitos sobre o qual o ser-aí se lança construindo sua existência a partir da
temporalidade que toma para si o sentido ontológico. Como metodologia optouse pela realização de pesquisas bibliográficas, fundamentais para a elaboração
de reflexões criticas em relação à obra deste filósofo de grande relevância para
o século XX.
PALAVRAS-CHAVE: Heidegger; Fenomenologia; Ser-aí; Espaço.
INTRODUÇÃO
O conceito de espaço é amplamente discutido por Heidegger ao
relacioná-lo de forma indissolúvel com o ser-aí. Por vezes, o filósofo se utiliza
da expressão ser-no-mundo para exemplificar a unidade entre mundo e vida
humana na palavra existência. (SARAMAGO, 2008). Entre as ideias a serem
discutidas nessa comunicação encontram-se uma breve definição do ser aí e a
forma como o espaço se materializa como elemento capaz de promover a
autocompreensão a existência e sentido do ser almejado por Heidegger. A
justificativa para a escolha dessa temática, ainda que superficial, deve-se a fato
de que embora a obra Ser e tempo tenha sido publicada nas primeiras décadas
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
do século XX, no Brasil, ainda são escassas as discussões que apontam para
a forma fenomenológica como Heidegger analisa o espaço e, ao longo de sujas
investigações o vincula ontologicamente a noção de lugar. Como metodologia
para a elaboração das discussões posteriores, optou-se pela realização de
pesquisas bibliográficas, tendo a obra acima citada como fundamento básico
de análise e, outros comentadores de grande relevância no cenário nacional
como Franck (1986), Saramago (2008), Nunes (2010), dentre outros.
O SER-AÍ E O ESPAÇO
Qualquer sujeito que se disponha a compreender as imensas
contribuições e novos desdobramentos da fenomenologia (Ciência dos
Fenômenos) que Heidegger propôs ao se desvincular de Husserl, precisa
considerar que este método filosófico tem como fim último compreender o
sentido do ser.Em sua principal obra Ser e tempo o conceito de Dasein
(traduzido como ser-aí) é facilmente percebido o eixo integrador de todas as
discussões tecidas e, que por meio da ontologia lança luz sobre conceitos
obscurecidos pela tradição, apreendendo-os e superando as limitações de sua
interpretação.
Nas palavras de Nunes (2010) a base que legitima o método
fenomenológico no qual é possível a compreensão do ser se lança sobre a
existência humana a que se aplica a temporalidade. Nesse sentido, o “[...] ente
que temos que analisar somos nós mesmos. O ser desse ente é sempre e
cada vez meu. A essência deste ente está em ter de ser. [...] a essência da
presença está em sua existência”. (HEIDEGGER, 2003, p.85). Será esse ser
que, ao se abrir em mundo cheio de possibilidades, delineará o sentido de sua
existência bem como a dimensão espacial na qual se manifesta.
Por integrar ontologicamente o espaço no qual realiza todas as
dimensões de sua vida, o ser-aí pode ser compreendido como um ser-nomundo, que se relaciona com outros sujeitos, compartilha sua existência e
atribui sentido as múltiplas possibilidades do poder-ser sobre o espaço no qual
se projeta. Portanto, “[...] pode escolher-se a si mesmo, ganhar-se e também
perder-se ou não ganhar-se- nunca ou só “aparentar” que se ganha. [...] o
Dasein existe e enquanto existe”. (NUNES, 2010, p.48).
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
97
Nas palavras de Heidegger:
A demonstração fenomenológica do ser dos entes que se
encontram mais próximos faz-se pelo fio condutor do ser-nomundo cotidiano, que também chamamos de modo de lidar no
mundo com o ente intramundano. Esse modo de lidar já se
sempre se dispensou numa multiplicidade de modos de
ocupação. (HEIDEGGER, 2003, p.114)
A cotidianidade do ser-no-mundo determinará os modos de ocupação
espaço, permitirá o encontro com os entes de que se ocupa, fará emergir a
determinação mundana de entes intramundanos e, ao mesmo tempo,
possibilitará ao ente não se perder ao se familiarizar com novos fenômenos.
(HEIDEGGER, 2003, p.114).
De acordo com Saramago (2008), importa a Heidegger perguntar sobre
o sentido do sentido do ser, o papel que desempenha na dimensão espacial da
existência e qual é o significado ontológico do espaço que até então era
considerado apenas como espacialidade fática. Critica as ciências humanas
que lhe atribuem definições rígidas e vinculadas ao caráter imediato e utilitário
da existência, aos objetivos que tornam o espaço familiar e habitável sendo
apenas uma base física sobre a qual se manifesta a existência humana. Diante
de tais definições, não é possível entender o sentido fundamental do espaço,
tampouco tecer considerações sobre o modo como o ser-aí delineia sua
cotidianidade mediana, construindo valores, socializando-se, suprindo suas
necessidades básicas, relações utensílios, dentre outros.
É necessário que o Dasein tome consciência de si a partir de si mesmo,
um compreender-se como possibilidade em meio a um “[...] processo
desencadeado no interior dos fenômenos e na concretude dos fatos”
(HEIDEGGER, 2003, p.112). A autocompreensão da existência será a base
sobre a qual se assenta a compreensão heideggeriana do espaço em que o
ser-aí mergulha em sua vida fática e estabelece sentido para a espacialidade.
Como resultado, seu registro e compreensão, devem-se ao que lhe é mais
próximo em seu cotidiano, seu espaço de ação, bem como as regiões que se
estendem para além delas. (SARAMAGO, 2008). Ao utilizar a palavra “mundo”
Heidegger esclarece ao leitor que poderá tomar distintos significados dentre os
quais conceitua:
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
1. Mundo é usado como um conceito ôntico, significando sim, a
totalidade dos entes que se podem simplesmente dar em um
mundo.
2. Mundo funciona como termo ontológico e significa o ser dos
entes mencionados no item 1. “Mundo” pode denominar o
âmbito que abarca a multiplicidade dos entes [...].
3. Mundo pode ser novamente entendido em sentido ôntico.
Nesse caso, é o contexto “em que” a presença14 fática vive
como presença. E não o ente que a presença em sua essência
não é, mas pode vir ao seu encontro dentro do mundo. Mundo
possui um significado pré-ontológico existenciário. Desde
sentido, resultam diversas possibilidades: mundo ora indica o
mundo “público” do nós, ora o mundo circundante mais próximo
(doméstico e próprio).
4. Mundo designa por fim, o conceito existencial-ontológico da
mundanidade. A própria mundanidade pode modificar-se e
transformar-se, cada vez, no conjunto de estruturas de
“mundos” particulares, embora inclua em si o a priori da
mundanidade em geral. (HEIDEGGER, 2003, p.112)
Na sequência dessas definições, Heidegger conceitua o adjetivo
mundano como aquele que indica um modo de ser do ser-aí e jamais o modo
de ser deste em um dado mundo, que nesse caso é definido como
intramundano. O fenômeno da mundanidade possibilita buscar a compreensão
da natureza do ser aí que se lança e vem de encontro ao mundo por meio da
analítica. “Para se ver o mundo é, pois necessário visualizar o ser-no-mundo
cotidiano em sua sustentação fenomenal”. (HEIDEGGER, 2003, p.113).
Tais apontamentos, segundo Saramago (2008) demonstram que a
compreensão do mundo, deve ocorrer de forma fenomenológica, sendo
investigado de que maneira, a partir de determinadas situações concretas,
inseridas em uma cotidianidade que interliga mundo e ser-aí.
A ocupação do espaço dá origem a uma familiaridade com o mundo no
qual o ente intramundano vem ao seu encontro e a um novo lugar. “[...] Cada
lugar se determina como lugar deste instrumento para [...] a partir de um todo
de lugares direcionados do conjunto instrumental ‘à mão’ no mundo
circundante. O lugar é sempre ‘o aqui’ e o ‘lá’” (HEIDEGGER, 2003, p.156).
O ser-aí contribui para a configuração de lugares ao espacializá-los. Os
lugares, por sua vez, darão origem a uma região. Ao ocupá-la, o ser-aí elabora
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Termo utilizado na tradução de Schuback (2013) correspondendo à Dasein ou, noutra
tradução: ser-aí.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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seu próprio ser, descobre as conjunturas que definem as regiões, lhes
instrumentam e dão sentido. Para definir esse tema, Heidegger considera:
Regiões não se formam a partir de coisas simplesmente dadas
em conjunto, mas estão sempre a mão nos vários lugares
específicos. Os próprios lugares específicos dependem dos
entes que se acham a mão na circunvisão da ocupação ou
que, como tais, são encontrados. O que constantemente está a
Mao não tem um lugar, pois é previamente levado em conta
pelo ser-no-mundo da circunvisão. O onde de sua manualidade
é levado em conta na ocupação e se orienta para os demais
entes a mão. (HEIDEGGER, 2003, p.112)
Ao inserir o conceito de região em suas análises, Heidegger o delimita
pela noção de pertencimento, não apenas fornecendo direções para um
conjunto de lugares, mas o âmbito no qual está um determinado lugar. Por
outro lado, cada lugar, “[...] já está sempre orientado para e no interior de uma
região e, para que um local possa ser encontrado no conjunto de tudo o que se
apresenta e disponibiliza a região deve já ter sido descoberta”. (SARAMAGO,
2008, p.82).
As regiões se articulam entre si, e revelam seus diversos locais. Ambas
as categorias sofrem mudanças em suas determinações originais devido a
ocupação cuja significatividade permite evidenciar os sinais de orientação
espacial e/ou suas considerações teóricas.
Face a essa análise fica evidente a necessidade de Heidegger em
demonstrar que a relação espacial ocorre apenas com pelo agir do ser-nomundo e por sua espacialidade fática. Saramago (2008) verifica que até as
relações de localização que ocorrem entre seres intramundanos, dependem da
espacialidade do ser-aí e da forma como se move em sua ocupação cotidiana.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio da fenomenologia, Heidegger questiona e desenvolve analises
sistemáticas sobre o sentido do ser. Ao analisar o espaço, busca superar
definições tradicionais comumente repetidas pelas ciências humanas e, por
meio dessa categoria aponta para um dos motivos que justificam a existência
do ser-aí. Nesse sentido, o espaço é observado como aquele que é descoberto
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
100
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
e recriado pelo ser-aí na medida em que existe e se abre como possibilidade
lançando-se me direção ao mundo. É dividido em lugares distribuídos em uma
circunvisão sendo configurados de forma ontológica uma vez que o ser aí
também é espacial.
Essas análises superficiais buscam evidenciar alguns conceitos
elencados na obra deste filósofo sem qualquer pretensão de torná-los
definitivos, entretanto, serão aprofundados em estudos posteriores devido à
grande importância de compreender o espaço não apenas de forma tradicional,
mas a partir do viés fenomenológico.
REFERÊNCIAS
FRANCK, Didier. Heidegger e o problemas do espaço.
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Trad. SHCUBACK, Marcia Sá Cavalcante.
Petrópolis, RJ, 2013
NUNES, Benedito. Heidegger & Ser e tempo. 3ª edição. Rio de Janeiro, Zahar,
2010
SARAMAGO, Ligia. A topologia do ser: lugar, espaço e linguagem no
pensamento de Martin Heidegger. Rio de Janeiro: ED. Puc-Rio; São Paulo:
Loyola, 2008
SARAMAGO, Ligia. Sobre A arte e o espaço, de Martin Heidegger. Rev.
Artefilosofia, Ouro Preto, n.5, jul.2008, pp. 61-72.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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PROBLEMA DO MAL EM SANTO AGOSTINHO
Robson Marins do Amaral
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Unioeste
Célia Machado Benvenho (orientadora)
[email protected]
RESUMO:
O pensamento de Agostinho de Hipona foi construído tomando como base
teorias filosóficas, cristãs e não-cristãs. Sua posição enquanto membro do
corpo da Igreja Católica e suas inquietações diante dos desafios enfrentados
pela sua religião nos seus primeiros séculos de vida permitem ao homem
perceber que, inevitavelmente, suas obras influenciaram todos de seu tempo
e, por meio das mesmas, Agostinho defendeu sua fé. A preocupação de
Agostinho com o problema do mal se encontra presente em todas as suas
obras, e o curioso é a sua ousadia para estruturar as suas posições sobre este
assunto que, ainda hoje, angustia o homem moderno. Agostinho descobre que
ninguém é mau por nascença; sendo Deus, Sumo Bem, criador de todas as
coisas, como poderia uma existência perturbar a criação? Algo de muito
precioso, dado ao homem por Deus, é o livre-arbítrio, que fazendo bom uso
deste, e com a graça de Deus, podemos crer nos mistérios do criador.
Agostinho apresenta que o que há é uma ausência de bem na pessoa, não há
pessoa ruim, existem pessoas que amam aquilo que é secundário e por isso
acabam fazendo o mal. O mal é simplesmente o desvio do caminho que, pela
essência do homem, se deveria seguir; quando o homem se desvia, acaba se
enrolando com ações más que se é capaz de causar.
PALAVRAS-CHAVE: Mal Moral; Mal Físico; Pecado; Agostinho.
No presente trabalho faz-se um estudo acerca do problema do mal em
Santo Agostinho, descrevendo uma das questões que mais intriga o homem: o
problema do mal, pois este vai exatamente contra aquilo que o homem mais
deseja, a felicidade. Num primeiro momento pretende-se expor em que
contexto o Autor escreveu sobre o mal. Não se trata de um mero relato
biográfico que se possa ler por pura curiosidade, mas sim, de uma busca para
entender o que levou um autor medieval a tratar de um tema tão intrínseco a
nós. Num segundo momento, desejamos apresentar os principais pontos do
problema do mal e quais são os questionamentos feitos por Santo Agostinho
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
102
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
sobre o mesmo e suas causas. Santo Agostinho traz respostas vivas às
duvidas sinceras do homem de hoje que, após 15 Séculos, ainda vive a
indagação sobre o problema do mal e sua existência. Desta forma pretende-se
esclarecer ao homem o conceito agostiniano do mal.
O trabalho visa explicar como o tema influência de maneira significativa
também no mundo contemporâneo, justo que o mal está presente na história
da humanidade desde seus primórdios. Desse modo o objetivo deste trabalho
é demonstrar as raízes do mal e a influência que esse exerce na sociedade
contemporânea. Pois, da mesma forma que doença corpórea é um mal e
queremos conhecê-la para encontrar a cura, assim também com o problema
do mal, pois, conhecendo o caminho do mal ficará mais fácil trilhar o caminho
do bem. Mal está em todo o universo, seja em forma corpórea dos seres que
inúmeras vezes vêm ao mundo sem algum membro que deveria fazer parte do
seu corpo; seja através das atitudes humanas que destroem a natureza ou que
ferem de alguma forma outros seres humanos, seja pela própria natureza que
aniquila cidades inteiras através de inundações furações, etc. Não se pode
ignorar a existência do mal, pois, esse faz parte da vida humana de alguma
maneira.
Santo Agostinho trata a questão do mal pelo ponto de vista cristão,
criando assim uma justificativa à possibilidade da existência do mal diante da
perfeição e onipotência de Deus que tudo criou e ordenou. O filósofo pondera
na sua obra, Confissões que “Para Deus, com certeza, o mal não existe
absolutamente; e não só para Ele, mas para tudo o que Ele criou, pois nada há
que possa romper e destruir a ordem que Deus pôs no seu universo”
(AGOSTINHO, 1985, p.116).
A presença do mal parece implicar a falta de Deus. Às vezes a
desorientação causada por esta revolta interior cria as atitudes mais
complicadas; por causa do mal se nega a existência de Deus, mas, muitas
vezes, o que se quer realmente é responsabilizar a Deus pelo sofrimento das
criaturas. Por este motivo Santo Agostinho faz alguns questionamentos sobre
esse problema do mal:
Mas se é assim, onde está o mal, por onde entrou no mundo?
Qual é sua raiz e a sua semente? Será que não existe? Então
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
103
por que tememos e receamos o que não existe? E se tememos
sem motivo, esse mesmo é sem dúvida o mal que nos
atormenta e despedaça inutilmente o coração; e tanto mais
grave é esse mal quanto, não havendo razão para temer,
tememos, ou esse mesmo temor imotivado é que é o mal.
(AGOSTINHO, 1985, p. 105)
Esses mesmos questionamentos feitos por Agostinho muitas vezes
adentram a alma humana querendo, dessa forma, alcançar a resposta para o
problema do mal, o qual impede ao homem de ter o que mais deseja, a
felicidade. Para Agostinho o mal é privação do ser, assim como a escuridão é
privação de luz. Ele mostra que o mal é a ausência de uma perfeição que
deveria existir num ser. No Gênese, por sete vezes, se apresenta que Deus
fez as coisas “boas” e, assim sendo, não existe um começo do mal; “Deus viu
tudo o que tinha feito: e era muito bom” (Gêneses 1,31).
Deus, ao criar, tem o desejo do bem para o universo como um todo.
Existem vários seres no universo, sendo uns mais perfeitos e outros menos;
aumentando assim a diversidade e a riqueza do universo. Agostinho quer,
desta forma, afirmar que a causa do mal não é Deus, pois, sendo o mal a
privação de uma perfeição devida, Deus não pode ser seu autor porque,
fazendo as coisas, Deus lhes dá tudo o que lhes é necessário.
Santo Agostinho afirma: “Compreende-se também que, sendo Deus o
autor de todos os bens, no entanto, como não fez todas as coisas iguais, cada
uma é boa por si, e por isso todas juntas são boas, porque Deus fez todas as
coisas boas em extremo.” (AGOSTINHO, 1985, p.116)
O Autor quer mais uma vez afirmar que, sendo boas todas as coisas
criadas por Deus, é impossível que o mal venha de Deus e, assim, mostra que
a maldade é apenas o perverso movimento de uma vontade que se afasta de
Deus, e que tende para as coisas mais baixas. O mal se apresenta como um
“afastar-se do bem”, um afastar-se de Deus e, deste modo, encaminhar-se
para aquilo que foge da lógica da bondade infinita de Deus. O Homem por sua
vontade e liberdade faz suas escolhas e, nesse sentido, pode correr o risco de
optar pelo mal; mas essa opção não é vontade de Deus e nem criação de
Deus.
Muitas vezes, vemos o mal como algo que não podemos compreender
como um bem, por pura falta de capacidade, talvez por estarmos limitados a
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
104
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
uma esfera material e temporal deste corpo limitado. Como fala o dito popular:
Deus escreve certo por linhas tortas. Ou, ainda, como diz São Paulo “Agora,
vemos como num espelho, de maneira confusa; depois, veremos face a face.
Agora, conheço de modo imperfeito; depois, conhecerei como sou conhecido”
(1 Cor 13,12), e aí veremos que nem tudo o que se apresenta como mal é, de
fato, mal.
Deste modo, pode-se afirmar que Santo Agostinho dá uma grande
contribuição para a solução ao problema do mal, o tira de Deus e o coloca no
homem, onde tem muito menor importância e relevância. Agostinho viu as
implicações de sua teoria e animou-se, pois o problema diminuiria de tamanho
diante de seus olhos. O mal seria apenas a ausência do bem, assim como se
dá diante da escuridão quando uma luz fosse acessa: a escuridão
desapareceria automaticamente diante da presença da luz. Em seguida
Agostinho faz uma distinção, separando dois tipos de mal, com o
questionamento do que seria o mal. Ele classifica o mal como sendo a
obediência à lei temporal que é a lei dos homens, mutável; e a lei eterna
perfeita e imutável.
Agostinho define a lei temporal com estas palavras:
E por seu lado, a lei temporal o que ordena ela a seu parecer
senão que esses bens que os homens desejam e podem ter
por algum tempo e considerá-los como seus, de tal forma que
os possuam, a fim de que a paz e a ordem na sociedade sejam
salvaguardadas? Isso quanto for possível, tratando-se dessa
classe de bens. O modo como a lei temporal distribui esses
bens a cada um o que é seu seria difícil e muito longo de
explicar. Aliás, é claro ser inútil para a finalidade a que nos
propusemos. Baste-nos constatar que o poder dessa lei
temporal em aplicar seus castigos limita-se interditar e a privar
desses mesmos bens, ou de uma parte deles, aqueles quem
pune. É, pois pelo temor que ela reprime, e assim dobra e faz
inclinar o ânimo dos desafortunados, ao que ela manda ou
proíbe. Foi justamente para o governo dessas pessoas que ela
foi feita. Com efeito, pelo fato de temerem perder seus bens,
elas observam as normas necessárias para a sociedade ser
constituída e mantida. Isso o quanto é possível ser feito entre
homens desse tipo. Entretanto essa lei não pune o pecado
cometido por serem amados com apego demasiado esses
bens, mas unicamente aquela falta que consiste em subtraí-los
injustamente de outro. (AGOSTINHO, 1995, p.65)
Quanto à lei eterna, ela diz:
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
105
Mas quanto àquela lei que é chamada a razão suprema de
tudo, à qual é preciso obedecer sempre e em virtude da qual os
bons merecem uma vida feliz e os maus uma vida infeliz, é ela
o fundamento da retidão e das modificações daquela outra lei
que justamente denominamos de temporal, como já
explicamos. Poderá a lei eterna ou, em outros termos, poderá
ela alguma vez ser considerados injusta, quando os maus
tornarem-se desaventurados e os bons, bem aventurados?
(AGOSTINHO, 1995, p 41)
Agostinho faz ainda uma relação entre as duas leis, defendendo seu
ponto de vista de que não é legitima uma lei que não seja justa e que não
tenha sua origem na lei eterna: “Reconhecerás também, espero, que na lei
temporal dos homens nada existe de justo e legitimo que não tenha sido tirado
da lei eterna”. (AGOSTINHO, 1995, p.41)
A relação da lei como mal está no fato de que existem dois tipos de mal:
o mal físico e o mal moral. O mal moral constitui o verdadeiro objeto da analise
do tema sobre o mal, pois esse tem relação direta com a desobediência à lei
eterna, essa por outro lado, é uma lei positiva.
O mal físico pode ser entendido como uma diferenciação entre diversos
níveis de bondade e perfeição. Se uma coisa é melhor que outra, essa última
seria mal apenas em relação à primeira. Tal mal some automaticamente frente
à complexidade e perfeição da criação, que tem em Deus sua origem. Esse
mal, que Agostinho chama de “físico”, pertence à ordem corporal e se traduz
pelo sofrimento, sendo o mal a única explicação para o fato de que os homens
bons possam sofrer provações.
Já o mal moral, que constitui o pecado, é a submissão da razão às
paixões. Consiste em valorizar os bens mutáveis e passageiros mais do que
os bens eternos e imutáveis, ou seja, como diz São Paulo: “servir a criatura em
lugar do Criador” (Romanos. 1,25), desprezar, assim, o Bem Supremo em
detrimento de bens menores, os quais, todavia, não constituem um mal em si
mesmos.
Assim, pois, as mesmas coisas podem ser usadas
diferentemente: de modo bom ou mal. E quem se serve do mal
é aquele que se apega a tais bens de maneira a se embaraçar
com eles, amando-os demasiadamente. Com efeito, submetese aqueles mesmos bens que lhes deveriam estar submissos.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
106
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
Faz dessas coisas bens aos quais ele mesmo deveria ser um
bem. Ordenando-as e fazendo delas bom uso. (AGOSTINHO,
1995, p.67)
No pensamento filosófico de Agostinho, o mal aparece como um tema
importante, tanto é que várias de suas obras, de uma forma ou outra, retomam
alguns de seus pressupostos sobre o problema do mal. O problema do mal,
pelo que se analisa, recebeu atenção de Agostinho em dois pontos centrais, e
a partir dessa estrutura, Agostinho discute o mal. A primeira sustentação de
Agostinho está em dizer que o mal não existe ontologicamente, por ser apenas
um afastar-se do bem. Essa sua concepção irá iluminar todos os argumentos a
respeito do problema do mal.
O mal não tem substância e, portanto, não é
uma força oposta do bem, como defendia a doutrina maniqueísta. Desse
modo, não existe, e nem foi criado, pois o Sumo Criador, conforme afirma
Agostinho, somente criou coisas boas. Diante disso, Deus não tem qualquer
relação com o mal, eis que a obra da criação é boa e nenhuma criatura
carrega a substância do mal, pois não é possível carregar a substância do que
não existe, ou seja, do nada.
Agostinho enfrentou a relação do mal com o homem na intenção de
responder a motivação pela qual o homem se afasta do bem. Nesse sentido,
abre-se a contestação agostiniana sobre o mal moral, ou seja, o
comportamento humano de afastar-se do mal. Para ele o mal moral é o
pecado, sendo este, ao mesmo tempo, a causa e o efeito. O afastar-se do
bem, que é pecado, dá-se em função da vontade corrompida que, em
decorrência do livre arbítrio, escolhe o caminho do distanciamento do Bem
Supremo. Quanto mais o homem se afasta do Sumo Criador do bem, pior será
a sua condição moral. Frente a compreensão de Agostinho acerca do mal
moral, somente este é desprovido de antídoto, nesta perspectiva o mal se
mostra como um problema da vontade que, por estar corrompida desde a
queda de Adão no Éden, se direciona para o pecado ao afastar-se do bem. A
especulação
agostiniana
referente
ao
remédio
para
o
mal
passa
necessariamente pela razão e graça. O homem somente poderá libertar-se do
ato de afastar-se do bem por meio do livre arbítrio que, por sua vez, somente
conseguira resultado no caminho do remédio do mal com a ajuda da graça.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
107
Sem a graça, não será possível falar-se em antídoto para o mal moral,
eis que a vontade humana tem propensão em afastar-se do bem. Sustenta
Agostinho a fidelidade na perseverança de aproximar-se do bem e na
perseverança em amá-lo. Que a Fidelidade no bem seja um excelente dom de
Deus e que a sua procedência seja aquele do qual está escrito em Tiago que
todo dom precioso e toda dádiva perfeita vêm do alto, descendo do Pai das
luzes. A razão sozinha não poderá direcionar o livre arbítrio da vontade para
escolha do bem, tendo que o homem, nesse sentido, é impotente e necessita
do favor divino identificado como graça para se aproximar do bem. Por isso, o
antídoto para o mal moral é a razão com a ajuda da graça.
Em suma, o que Santo Agostinho quer mostrar é que se Deus
existe, o problema do mal deve ter uma solução digna da Sua bondade e da
Sua sabedoria, ainda que seja misteriosa e impenetrável aos nossos meios
limitados de conhecimento em face da grandeza dos planos da sua
providência.
REFERÊNCIAS
AGOSTINHO, Santo. A Vida Feliz. Tradução: Nair de Assis Oliveira. São
Paulo: Paulinas, 1993. 157 p.
AGOSTINHO, Santo. Cidade de Deus Contra os Pagãos: parte II. Tradução:
Oscar Paes Leme. Bragança Paulista: São Francisco, 2008.589p.
AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução: Maria Luiza Jardim Amarante.
São Paulo: Paulus, 2002. 450p.
AGOSTINHO, Santo. O Livre-Arbítrio. Tradução: Nair de Assis Oliveira. 4. ed.
São Paulo: Paulus, 2004. 296 p.
BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. Tradução: Euclides Martins
Balancin. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 1989.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
108
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
FILOSOFIA PARA CRIANÇAS COM ALTAS
HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO (AH/S)
Thaylan Corassa
UNIOESTE
Michelle Silvestre Cabral
[email protected]
RESUMO:
O presente trabalho propõe relacionar dois temas distintos, a saber, o
Programa Filosofia para crianças, desenvolvido pelo filósofo americano
Matthew Lipman e as Altas Habilidades/Superdotação conforme este aparece e
vem se destacando no universo educacional contemporâneo. A partir deste
contraponto, far-se-á uma explanação sobre o Projeto de Extensão
desenvolvido na UNIOESTE, Campus Toledo, Filosofia para Crianças com
Altas Habilidades/Superdotação, o qual surgiu a partir da junção destes dois
temas.
PALAVRAS-CHAVE: Filosofia; Crianças; Altas Habilidades/Superdotação.
Matthew Lipman nasceu em 1922, foi um filósofo americano,
reconhecido como fundador do Programa Filosofia para Crianças. Sua decisão
de trazer a filosofia para este grupo decorreu de sua experiência como
professor na Universidade de Columbia, instituição de ensino superior privada
localizada na cidade de Nova Iorque, onde Lipman constatou a dificuldade dos
estudantes para raciocinar. Assim, procurou desenvolver neles habilidades de
raciocínio, particularmente através do ensino de lógica. A aposta de que as
crianças têm a capacidade de pensar abstratamente desde muito cedo o levou
à convicção de que incluir a lógica na educação infantil ajudaria a melhorar
suas habilidades de raciocínio.
No ano de 1972, Lipman se mudou para Nova Jérsei e passou a lecionar
na Montclair State University (Universidade Estadual de Montclair), onde criou
o Institute for the Advancement of Philosophy for Children (Instituto para o
Avanço da Filosofia para Crianças) (IAPC), e começou a introduzir a filosofia
nas classes de educação primária e secundária de Montclair. No mesmo ano,
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
109
publicou seu primeiro livro Harry Stottlemeier's Discovery (Descoberta de Harry
Stottlemeier), especificamente destinado a ajudar as crianças na prática da
filosofia. O IAPC continua a atuar em âmbito internacional para promover a
filosofia para crianças.
A filosofia para crianças, proposta por Lipman, seguiria o mesmo curso
das demais filosofias: não considerar nada evidente, tratar o óbvio como
problemático. Assim, esta nova filosofia se dedicaria às peculiaridades da
infância, entre as quais podem ser destacados, o conflito de gerações, a falta
de diálogos, o declínio da comunidade familiar, etc. Para atacar tais problemas,
Lipman sugere a criação de comunidades de investigação, nas quais adultos e
crianças
participem
juntos
como
semelhantes.
Por
comunidades
de
investigação, entende-se: a) igualdade de participação, tanto dos professores
quanto dos estudantes; b) compromisso com o espírito de investigação, sendo
que, por investigação, Lipman quer dizer “[...] qualquer forma de prática
autocrítica cuja meta é uma percepção mais compreensiva ou um julgamento
mais trabalhado” (HEUSER, 2002); c) empenho de todos os participantes em
acompanhar e contribuir de maneira pertinente e significativa com o diálogo
disciplinado pela lógica que, por sua vez, tem a forma de investigação
compartilhada, contrapartida do pensar por si mesmo; d) Compromisso com a
aprendizagem
coletiva.
Neste
sentido,
afirma
Heuser:
“Com
esses
pressupostos, torna-se evidente que Lipman tem a Comunidade de
Investigação como um ideal a ser buscado, que talvez nunca seja alcançado
em sua plenitude, mas, mesmo assim, como algo que deve estar no horizonte
de toda educação comprometida com o pensar” (2002, p. 42).
A metodologia de Lipman tem se mostrado muito interessante na medida
em que dá atenção globalizada àquelas três características que, de acordo
com o filósofo, produzem Pensamento de Ordem Superior, a saber, criticidade,
criatividade e cuidado. O programa Filosofia para Crianças parte, portanto, do
pressuposto de que se forem desafiadas as crianças podem fazer filosofia, não
no modo como esta é realizada nas academias institucionalmente (como
filosofia profissional ou denominada de adultos), mas elas poderiam, a partir de
uma discussão bem orientada, desenvolver pensamentos reflexivos e críticos
tanto quanto aqueles o fazem. Segundo Lipman, “[...] o que as crianças são
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
110
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
capazes de fazer, ao que parece, seria diretamente dependente da nossa
capacidade de desafiá-las de maneira adequada” (1999, p. 43).
Pensar bem ou de modo reflexivo, para os simpatizantes do programa
lipmaniano, é atributo essencial para se alcançar a autonomia, ou seja, para se
tornar um sujeito capaz de pensar por si próprio. Paralelamente a tal teoria,
encontramos
os
estudos
em
torno
ao
conceito
de
Altas
Habilidades\Superdotação e suas características determinantes. Segundo o
Conselho Nacional de Educação, o mesmo pode ser definido como:
Art. 5º Consideram-se educandos com necessidades
educacionais especiais os que durante o processo educacional
apresentarem: (..) III – altas habilidades/superdotação, grande
facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente
conceitos, procedimentos e atitudes. (..) Art. 8o As escolas da
rede regular de ensino devem prever e prover na organização
de suas classes comuns: (..) IX – atividades que favoreçam, ao
aluno que apresente altas habilidades/superdotação, o
aprofundamento e enriquecimento de aspectos curriculares,
mediante desafios suplementares nas classes comuns, em sala
de recursos ou em outros espaços definidos pelos sistemas de
ensino, inclusive para conclusão, em menor tempo, da série ou
etapa escolar, nos termos do Artigo 24, V, “c”, da Lei 9.394/96.
(..) (VIRGOLIM, 2007, p. 100).
Já segundo o Conselho Brasileiro para Superdotação – ConBraSD:
O superdotado/talentoso/portador de altas habilidades é aquele
indivíduo que, quando comparado à população geral,
apresenta uma habilidade significativamente superior em
alguma área do conhecimento, podendo se destacar em uma
ou várias áreas: • Acadêmica: tira boas notas em algumas
matérias na escola – não necessariamente em todas – tem
facilidade com as abstrações, compreensão rápida das coisas,
demonstra facilidade em memorizar etc. • Criativa: é curioso,
imaginativo, gosta de brincar com ideias, tem respostas bem
humoradas e diferentes do usual. • Liderança: é cooperativo,
gosta de liderar os que estão a seu redor, é sociável e prefere
não estar só. • Artística: habilidade em expressar sentimentos,
pensamentos e humores através da arte, dança, teatro ou
música. • Psicomotora: Habilidade em esportes e atividades
que requeiram o uso do corpo ou parte dele; boa coordenação
psicomotora. • Motivação: torna-se totalmente envolvido pela
atividade do seu interesse, resiste à interrupção, facilmente se
chateia com tarefas de rotina, se esforça para atingir a
perfeição, e necessita pequena motivação externa para
completar um trabalho percebido como estimulante. (Apud
VIRGOLIM, 2007, p. 102).
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
111
As investigações sobre as Altas Habilidades/Superdotação são previstas
na legislação brasileira e visam a criação de metodologias específicas de
atendimento ao grupo de crianças identificadas com traços característicos de
AH/S. Diante da necessidade em oferecer aos indivíduos que compõem este
grupo uma educação adequada e de qualidade, que corresponda aos seus
interesses e disposições, se acredita que a filosofia tem muito a contribuir,
afinal possui como cerne de sua ação a reflexão acerca do sentido dos
acontecimentos, do seu fundamento e o hábito do questionamento. Estas
poderão propiciar não apenas novos estudos e informações em relação ao
fenômeno AH/S, mas produzir dados e elementos que permitam o
desenvolvimento de diferentes propostas em educação, no que tange ao
âmbito específico das pesquisas. A filosofia aplicada ao trabalho de
potencialização de habilidades com crianças identificadas com AH/S significará
refletir sobre os pressupostos filosóficos, pedagógicos, metodológicos,
ideológicos presentes nas propostas educacionais especiais que vêm sendo
aplicadas, podendo trazer grandes reforços no sentido de apresentar caminhos
alternativos para o programa, bem como produzir novos conhecimentos sobre
o assunto.
Neste sentido, unindo a proposta de Lipman e o trabalho realizado na
Secretária Municipal de Educação do município de Toledo – PR de estudo e
identificação de crianças com AH/S, surgiu o Projeto Filosofia para Crianças
com Altas Habilidades/Superdotação (AH/S). O projeto consiste em realizar
encontros semanais (realizados na UNIOESTE – Campus Toledo) nos quais
são propostas atividades, exercícios, jogos, entre outros, que servem de
impulso para iniciar conversas e indagações orientadas no sentido do
questionamento filosófico, promovendo um trabalho conjunto de construção do
pensar e do saber, no qual as crianças são estimuladas a elaborar seus
próprios conceitos.
As atividades desenvolvidas envolvem leitura, interpretação, escrita,
variações acerca de um mesmo tema, relações entre fatos, diferentes usos da
linguagem, processos de pensamento e de expressão, relações espaciais,
temporais e históricas, sensibilidade para as artes como modo de expressão e
de invenção. Durante os meses de março a junho de 2015, ocorreram as
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
112
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
atividades
do
Projeto
Filosofia
para
Crianças
com
Altas
Habilidades/Superdotação, parceria UNIOESTE – SMED/Toledo.
No decorrer destes quatro meses realizaram-se estudos e pesquisas
bibliográficas com objetivo de elaborar e aprofundar a fundamentação teórica
do trabalho e das oficinas desenvolvidas. Aconteceram, ainda, encontros
semanais com as crianças (cerca de 30) encaminhadas pela SMED em dois
turnos: matutino e vespertino, no período vespertino às terças-feiras e no
período matutino às quartas-feiras. A organização dos grupos segue a lógica
do contra turno escolar. Além disso, foi realizada a divulgação do trabalho em
eventos de natureza técnico-científica.
Nos primeiros encontros foram desenvolvidas, com os participantes,
atividades que promoviam a compreensão de noções como grupo, equipe,
união, cooperação, colaboração, segurança, etc. Iniciou-se com o curta:
Alimento para todos e todas, produzido pela TV Caritas Brasileira, através do
qual inseriu-se a questão: O que é filosofia? A questão foi debatida entre os
participantes que foram instigados a manifestar comentários e interpretações
sobre o tema.
Durante o mês de abril, trabalhamos com a história “O reizinho mandão”,
de Ruth Rocha, a partir da qual realizamos uma discussão, em que as crianças
puderam questionar e apresentar suas ideias acerca do que perceberam ou
pensavam sobre a história. As mesmas foram orientadas a expressarem seus
pensamentos através de escrita e desenho. Também, iniciamos com a
investigação sobre o conhecimento de mundo, que teve como questão
condutora, Você conhece o mundo? Foram realizadas discussões acerca do
tema, abordando diferentes elementos do mundo e o que se conhece dele.
No mês de maio as atividades se concentraram sobretudo em estudos,
pesquisas bibliográficas e elaboração das oficinas. Também foi realizada a
divulgação do trabalho e dos resultados alcançados no Projeto no XV
Seminário de Extensão da UNIOESTE – SEU 2015, que neste ano aconteceu
no Campus da UNIOESTE de Marechal Cândido Rondon. Já no mês de junho,
deu-se continuidade ao tema conhecimento. A questão que fundamentou as
discussões foi: Como produzimos conhecimento? O objetivo foi investigar a
gênese do processo de conhecer. Para tanto foram realizadas dinâmicas e
atividades com músicas, abordando a questão sobre a construção de
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
113
conhecimento a partir do desenvolvimento da linguagem. Trabalhamos também
com a história Lolo Barnabé, de Ruth Rocha, a partir da qual foram elaboradas
questões sobre como conhecemos e construímos os objetos e se o
conhecimento é necessário para a evolução. Os registros aconteceram através
de escrita e desenho sobre os temas abordados.
A abordagem sobre a questão do conhecimento teve continuidade, no
mês de julho, com a leitura da obra O mundo inteiro, de Liz Garton Seanlon e
Marta Frazze. Após a leitura, foram realizadas discussões sobre a história,
buscando estabelecer relações com as discussões ocorridas nos encontros
anteriores. Trabalhamos, ainda, com o curta da Disney, Donald no país da
matemágica, 2002, que busca destacar os aspectos matemáticos presentes no
cotidiano, nas artes e em diferentes elementos do mundo. A partir das
questões levantadas e abordadas pelos alunos, na sequência realizamos uma
dinâmica, leitura e discussão da história Menina bonita do laço de fita, de Ana
Maria Machado. Esta atividade buscou correlacionar as diferenças e similitudes
entre o curta e a história lida, convidando os participantes a pensarem sobre os
elementos que caracterizam e definem o conhecimento prático e o
conhecimento teórico, na medida em que ambos constituem modos de
conhecer válidos, embora se constituam de diferentes maneiras.
O projeto Filosofia para Crianças com AH/S, neste sentido, visa
estimular e desenvolver de modo harmônico e integral as potencialidades
criativas e o senso crítico destes estudantes.
REFERÊNCIAS
CHITOLINA, Claudinci Luiz. A criança e a educação filosófica /Claudinci Luiz
Chitolina. – Maringá: Dental Press, 2003.
DANIEL, Marie-France. A filosofia e as crianças / Marie-Francie; prefácio de
Matthew Lipman ; tradução de Luciano Viera Machado – São Paulo: Editora
Nova Alexandria, 2000.
DONALD NO PAÍS DA MATEMÁGICA. Direção de Wolfgang Reitherman, Les
Clark e Joshua Meador. Burbank, CA 91521, Estados Unidos: Walt Disney,
1959. Animação em curta-metragem. Duração 28min. Disponível em:
[https://www.youtube.com/watch?v=BXQ8qm6hQHM]. Acesso em: 13 de
agosto de 2015.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
HEUSER, Ester Maria Dreher. Filosofia como diálogo investigativo: O programa
Filosofia para Crianças de Matthew Lipman. 2002. (Dissertação de mestrado
apresentada no Programa de Pós Graduação em Educação nas Ciências, área
Filosofia. UNIJUÍ. 2002).
KOHAN, Walter Omar. Lugares da infância: filosofia / Walter Omar Kohan (org.)
– Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
LIPMAN, Matthew. A Filosofia vai à escola. São Paulo: Sumus Editorial, 1990.
MACHADO, Ana Maria. Menina bonita do laço de fita. Editora Àtica, 2007.
ROCHA, Ruth, O reizinho mandão. Quinteto Editorial, 2009.
ROCHA, Ruth, Lolo Barnabé. Moderna Editorial, 2010.
SEANTON, Liz Garton. O mundo inteiro. Ed Paz e Terra, 2009.
VIRGOLIM, Angela M. R. Altas habilidades/superdotação: encorajando
potenciais / Angela M. R. Virgolim – Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Especial, 2007.
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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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A CRÍTICA DELEUZIANA À FILOSOFIA DE DESCARTES
Vanessa Henning
Graduada em Filosofia – UNIOESTE
[email protected]
RESUMO:
Ao apresentar uma crítica a respeito da Imagem dogmática do pensamento no
terceiro capítulo de Diferença e Repetição (1968), o filósofo francês Gilles
Deleuze pretende apontar os perigos que a filosofia da representação
demonstra em relação à produção de novos saberes na história da filosofia.
Isto porque a produção conceitual apresentada no período moderno está
formulada a partir dos pressupostos subjetivos, que apontam à repetição a
forma da identidade e, à diferença, ao “negativo” do erro. Um exemplo disto
são os pressupostos subjetivos presentes na filosofia de Descartes, que são
levantados a partir de um sentimento e, transformados pelo filósofo de La
Flèche, em axiomas da razão. Estes pressupostos apresentam na forma “todo
mundo sabe”, de forma pré-filosófica os significados de pensar e ser, sendo a
partir desses elementos a elaboração de um método que o conduza o
pensamento à verdade. E é neste sentido que a filosofia de Descartes não
propõe um pensar inédito, uma vez que toda a sua produção conceitual se
encaminha sobre os pressupostos da filosofia da representação. Assim,
diferentemente do pensador moderno, Deleuze entende que a figura do filósofo
como a do grande legislador, cujo sentido intrínseco confere a de um
genealogista que legisla em função da criação de novos valores. Assim é
nesse sentido que o filósofo francês entende que a verdadeira crítica e a
criação de novos valores têm o mesmo significado: a destruição da imagem de
um pensamento que pressupõe a si própria, a gênese do ato de pensar no
próprio pensamento.
PALAVRAS-CHAVE:
Imagem
dogmática;
Pensamento;
representação;
Descartes.
Ao percorrer a obra Meditações Metafísicas, o cogito se apresenta estar
imune a quaisquer pressupostos, dada todas as hipóteses que poderiam levar
a um ciclo vicioso de possibilidades e acepções serem excluídas pelas
exigências da dúvida metódica. O cogito é definido então, como a primeira
verdade que inaugura o processo de conquista de novos conhecimentos
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concebidos dentro da lógica da clareza e distinção15, uma vez que é dado
puramente por meio de uma intuição intelectual, sem quaisquer dependências
em relação a outros elementos possíveis. Este encontro do primeiro princípio
na filosofia cartesiana apresenta o sujeito como uma res cogitans, isto é, uma
realidade pensante não possuindo uma ruptura entre pensamento e ser. (Cf.
REALE, 1990, p. 365.)
Contudo, na análise desenvolvida por Gilles Deleuze no terceiro capítulo
de Diferença e Repetição (1968) são apontados alguns pressupostos na
construção da primeira verdade da filosofia cartesiana. Pois, ainda a intenção
de Descartes tenha sido a de eliminar os pressupostos objetivos em seu
procedimento investigativo, no momento em que extingue da natureza do
cogito os conceitos de animal e racional, o filósofo não consegue escapar da
presença dos pressupostos implícitos ou subjetivos que não se apresentam
sob uma vestimenta conceitual, mas surgem de um sentimento particular e são
transformados em axiomas da razão. Os pressupostos subjetivos levantados
por Descartes aparecem de maneira pré-filosófica e em uma condição
universal o significados de Ser e de Pensar. Assim, quando Descartes
apresenta sua célebre frase “Penso, logo sou” ela se mostra como uma
verdade impossível de negar, dado o conhecimento antecedente dos
elementos envolvidos nesta proposição.
Para Deleuze, “[...] todo mundo sabe, ninguém pode negar é a forma da
representação e o discurso do representante [...]” (DELEUZE, 2009, p. 190),
uma vez que pensar não se trata de uma atividade natural de uma faculdade,
como também o pensamento não é capaz de pensar sozinho e nem por si
mesmo, mas precisa ser forçado por elementos que se apoderam dele para,
assim produzir um pensar no pensamento. É neste sentido que o filósofo afirma
quando Descartes lança tal forma da representação, sua pretensão era
selecionar somente os objetos que possam se reconhecer nos valores
impostos pelo “[...] pressuposto de um pensamento natural, dotado para o
verdadeiro, em afinidade com o verdadeiro, sob o duplo aspecto de uma boa
Diz Descartes: “E, portanto, parece-me que já posso estabelecer como regra geral que todas
as coisas que concebemos mui claramente e mui distintamente são todas verdadeiras”
(DESCARTES, 1962b, p. 137).
15
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vontade do pensador e de uma natureza reta do pensamento” (DELEUZE,
2009, p. 190).
Os pressupostos levantados no elemento da cogitatio natura universalis
mostram que Descartes já esteve, desde o início relacionado com o objeto de
busca, contudo apenas era preciso estabelecer um caminho para levá-lo ao
verdadeiro; por este motivo, a construção de o método se mostra fundamental
para que conduzir o sujeito aos objetos que correspondam ao que é de direito
ao pensamento. A relação entre pensamento e verdade é apontada por
Deleuze como condição essencial para a fundamentação da filosofia da
subjetividade, pois mostra que a “[...] confluência das faculdades sobre um
objeto traz em seu interior o ‘reconhecimento’ como resultado da concordância
entre elas, tendo em vista a identidade desse mesmo objeto” (GELAMO, 2008,
p. 166).
Em Descartes, o pedaço de cera é concebido nos variados modos de
percepções (visto, tocado, imaginado, concebido, etc.) pelo fundamento que as
caracteriza como modos do sujeito pensante16. Assim sendo, o Eu penso é
dado como começo, pois revela “[...] a unidade de todas as faculdades no
sujeito; exprime, pois a possibilidade de todas as faculdades se referirem a
uma forma de objeto que reflita a unidade subjetiva; ele dá, assim, um conceito
filosófico ao pressuposto do senso comum, ele é o senso comum tornado
filosófico” (DELEUZE, 2009a, p. 195). E é neste ponto que os elementos do
senso comum e do bom senso mostram-se fundamentais para a constituição
do modelo da recognição, ao passo que o senso comum revela a identidade
atribuída ao cogito, como unidade da razão, em que é realizado o trabalho
concordante de todas as faculdades - concórdia facultatum; e o bom senso, em
sua função de conduzir e direcionar as faculdades para que elas tragam a
forma do objeto como sendo o mesmo segundo a forma da identidade da
unidade legisladora.
Para Deleuze (2009, p. 133) a atividade exercida pelas determinações
do cogito segue o modelo da recognição que permite apenas que se pense o
diferente aquilo que é idêntico, semelhante, análogo e oposto, para que possa
Pergunta Descartes: “Ora, qual é esta cera que não pode ser concebida senão pelo
entendimento ou pelo espírito? Certamente é a mesma que vejo, que toco, que imagino e a
mesma que conhecia desde o começo” (DESCARTES,1962, p. 133).
16
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ser mantido “[...] aquilo que é essencial como pressuposto: o modelo do bom,
do belo, do verdadeiro, do importante, etc., e recorre a esses modelos para
encontrar soluções para os problemas, tranquilizando o pensamento”
(GELAMO, 2008, p.166). É por este motivo que as coisas pensadas por meio
deste modelo não estimulam o pensamento a pensar, uma vez que o
pensamento nada mais faz do que reconhecer a si mesmo no objeto captado
pela recognição. Um exemplo disto, quando Descartes apresenta a essência
do triângulo igual à soma de dois ângulos retos e, mesmo que não se pense a
definição essencial do triângulo, ainda assim não se pode pensá-lo fora dessa
igualdade. Isto quer dizer que embora estimule o pensamento a pensar tanto
no triângulo como também nos seus ângulos retos, isso não permite uma
problematização do conceito para que algo novo surja, pois tudo é suposto
dentro do que já é definido como condição. Assim, nas palavras de Deleuze,
[...] objetar-se-á que nunca nos encontramos diante de um
objeto formal, objeto qualquer universal, mas sempre diante
deste ou daquele objeto, recortado e especificado num
emprego determinado das faculdades. A forma da recognição
nunca santificou outra coisa que não o reconhecível e o
reconhecido, a forma nunca inspirou outra coisa que não
fossem conformidades. (DELEUZE, 2009, p. 195-196)
Mas em que sentido, os pressupostos que formam a imagem dogmática
podem ser perigosos ao pensamento? A periculosidade da imagem dogmática
está no fato de aceitar apenas aquele pensamento que seja condizente com os
valores impostos pela cogitatio natura universalis. Assim, todas as outras
formas de pensar que escapam deste modelo são caracterizadas como erros,
porque “[...] vêm uma falsa representação – uma falha no bom senso que toma
o senso comum de forma bruta – caracterizada por uma falha na percepção e
pelo falso reconhecimento” (Descartes, 2009, p. 196)
O erro, desta forma, se caracteriza como “negativo” na ação do
conhecimento, pois tudo que desviar o pensamento dos ditames do senso
comum faz com que o leve a condução de falsas resoluções. Assim, pelo fato
de o erro não representar um objeto como sendo o mesmo, todas as várias
formas de pensar que fogem da imagem dogmática são reduzidas a erro e
vestidas à figura do negativo. Um exemplo disto é o fato da esquizofrenia e
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outras estruturas do pensamento, tais como a loucura, a besteira e a maldade
não serem caracterizadas como formas de pensar filosóficas. Ora, que
exemplo maior àquele da exclusão da loucura por parte de Descartes em suas
Meditações Metafísicas?!17
Deleuze explica a noção de erro no pensamento a partir da junção com
o postulado “privilégio da designação” com o exemplo de um professor que, ao
pedir para um aluno elaborar um trabalho de um dado assunto, pode até
encontrar em suas correções, coisas banais ditas como relevantes ou, também,
problemas mal formulados e algumas observações sem sentido, entretanto, de
nenhuma será apresentado algum “erro” no resultado, uma vez que já se tem
estabelecido para a proposição um critério de verdade. Assim, todos os
elementos são avaliados conforme esse critério de valor e encadeados
conforme a lógica da recognição. Isso mostra que tais pressupostos na filosofia
são agravantes ao pensamento, pois não propõem um novo pensar, mas
apenas uma busca de soluções para problema dados.
Ao contrário dessa concepção, Deleuze compreende o pensar como
uma criação de problemas e, isso somente é possível quando o pensamento é
violentado para tal ação. Ao propor uma violência às faculdades, sua intenção
é para que elas possam sair de sua condição natural (cogitatio natura
universalis) e não submeter ao modelo de pensamento posto pela recognição.
Isso significa “[...] a destruição da imagem de um pensamento que pressupõe a
si próprio a, gênese do ato de pensar no próprio pensamento”, não supondo ao
conceito da filosofia, mas partindo de uma misosofia. (DELEUZE, 2009, p.
138). O filósofo propõe um aprender distinto daquele defendido pela a tradição
ocidental, que é centralizado no modelo de recognição platônica. E é em sua
obra, Proust e os Signos (1964), que Deleuze compreende e apresenta o ato
17
Para Descartes, a loucura deve ser abolida do sujeito que se propõe a traçar o processo
meditativo do cogito, pois ela apresenta ser impossível de condicionar o pensamento às
exigências da luz natural. O louco descrito por Descartes diz respeito ao homem preso nas
percepções sensíveis, em que todos os seus conteúdos mentais referem-se a criações e
interpretações de natureza empírica, sendo por este motivo incapaz de conduzir o pensamento
à abstração dos elementos essenciais de uma realidade matemática. Sobre a loucura, escreve
Descartes: “E como poderia eu negar que estas mãos e este corpo sejam meus? A não ser,
talvez, que eu me compare e esses insensatos, cujo cérebro está de tal modo perturbado e
ofuscado pelos negros vapores da bile que constantemente asseguram que são reis quando
são muito pobres; que estão vestidos de ouro e de púrpura quando estão inteiramente nus; ou
imaginam ser cântaros ou ter um corpo de vidro. Mas quê? São loucos e eu não seria menos
extravagante se me guiasse por seus exemplos.” (DESCARTES, 1962, p. 118-119)
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de aprender como um encontro com os signos e que, por sua vez difere do ato
de saber defendido pela recognição, por este se limitar em buscar respostas a
problemas já dados.
Aprender diz respeito essencialmente aos signos. [...] Aprender
é, de início, considerar uma matéria, um objeto, um ser, como
se emitissem signos a serem decifrados, interpretados. [...]
Alguém só se torna marceneiro tornando-se sensível aos
signos da madeira, e médico tornando-se sensível aos signos
da doença. [...] Tudo que nos ensina alguma coisa emite
signos, todo ato de aprender é uma interpretação de signos ou
de hieróglifos. (DELEUZE, 2003, p. 4)
Assim, não se pode saber a forma como a pessoa aprende, uma vez
que, como já vimos, para Deleuze, o pensamento não é de ordem natural.
Apesar disso, independente do modo como a pessoa aprende, esse processo é
sempre mediante os signos e não por meio de assimilações de conteúdos
objetivos. Um exemplo disso, quando alguém se torna de modo repentino um
especialista na arte de tocar violão, isso se deu porque em algum momento, os
encontros que essa pessoa teve a fizeram despertar uma paixão pela música.
É nesse sentido que o aprender, segundo Deleuze, se compreende como um
acontecimento singular no pensamento, mostrando o que importa nesse
processo é muito mais o acontecimento do que os elementos que se adquire
com essa passagem.
O processo de aprender se dá em meio à vida, quer seja na relação com
coisas, quer seja com pessoas, pois sempre haverá algo que mobilizará um
aprendizado. Assim, ainda que a forma como se aprende seja obscura, “[...] é
apenas ao final que aquele conjunto de signos passa a fazer sentido; e, pronto,
deu-se o aprender, somos capazes de perceber o que aprendemos durante
aquele tempo, que nos parecia perdido” (GALLO, 2012, p. 3). Deleuze
pretende, dessa forma, acabar com a imagem do pensamento baseado em um
modelo da recognição. E é nesse sentido que o filósofo defende um
pensamento sem imagem, sem pressupostos e direcionamentos que apenas
podem nos levar a caminhos já trilhados.
Ao contrário de uma cogitatio natura universalis, o pensamento surge
quando ele é forçado e, isso acontece no momento em que se encontra um
problema, ou seja, o problema é o que nos força a pensar. O aprendizado se
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Relatos de Experiências nas Oficinas de Filosofia para o Ensino Médio
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dá pelo pensamento, e “[...] aprender é, pois, um acontecimento da ordem do
problemático” (GALLO, 2012, p. 4). Por esse motivo, aprender em Deleuze
nada tem a ver com adequação, mas a criação de algo novo, de algo singular,
inédito e, isso somente é possível mediante uma violência ao pensamento.
REFERÊNCIAS
DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Tradução: Luiz Orlandi, Roberto
Machado. Rio de Janeiro: Graal. 2009.
DELEUZE, Gilles. Proust e os Signos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária,
2003.
DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. In: Obra escolhida. Trad. J.
Guinsburg e Bento Prado Júnior. Editora: Difusão Europeia do Livro. São
Paulo, 1962
GALLO, Sílvio. As múltiplas dimensões do aprender... Congresso de educação
básica: aprendizagem e currículo – COEB. Florianópolis, Santa Catarina – SC,
2012.
GELAMO, Rodrigo Pelloso. Pensar sem pressupostos: condição para
problematizar o ensino da filosofia. Pro-Posições, v. 19, n. 3 (57) - set./dez.
2008.
REALE, Giovanni. História da filosofia: Do Humanismo a Kant. Giovanni Reale,
Dario Antiseri. Coleção filosofia São Paulo – SP, 1990.
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DA RELAÇÃO ENTRE PSICANÁLISE, FÍSICA QUÂNTICA E SEMIÓTICA:
UM NOVO CONHECIMENTO
Alexandre Moschen Ortigara
UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
[email protected]
RESUMO:
Partindo da busca do desvelamento do desconhecido, é que relacionar
Psicanálise, enquanto postuladora de um inconsciente, ou desconhecido
interno, à Física Quântica, enquanto propositora do desconhecido externo, em
conceitos como energia escura, antimatéria, princípio da indeterminação, e
tendo como elo a semiótica que a proposta desse trabalho foi possível. A partir
do conceito de Onipotência, presente na psicanálise, a crença de poder tudo
está presente, é possível verificar como essa crença permanece enquanto fé
no hábito para validar a razão, e a partir dessa fé, enquanto onipotência é que
se buscará propor um novo conhecimento, a partir de uma nova utilização,
numa nova direção. Para finalizar, se reafirma que essa onipotência humana é
a origem do conhecimento, reafirma que a razão é fé no hábito, e afirma ser
possível construir um novo conhecimento se se relacionar psicanálise, física
quântica e semiótica.
PALAVRAS-CHAVE: Onipotência; Psicanálise; Física Quântica; Semiótica;
INTRODUÇÃO
Às comparações realizadas entre xamã/feiticeiro e sacerdote, e
adicionando o professor, segundo os quais eles são os meios de invocação de
poder das respectivas épocas da civilização abordados por Freud em Totem e
Tabu (1913), Foucault em “A ordem do discurso”, adiciona elementos
importantes à discussão. Um outro conceito de “Discurso Verdadeiro”, que
consiste em desejo e poder, sintetizados nesse trabalho na forma de desejo de
poder, ou ainda onipotência. Para esse fim será necessário conceber que o
humano possui um inconsciente que contém os desejos mais íntimos e que por
sua vez são Amorais. Esses desejos têm uma carga de energia que conduzem
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Modalidade cara-a-tapa
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às ações que possuem muito mais controle sobre o humano que sua própria
consciência perceptiva.
Partindo da relação cósmica com o homem, serão citados alguns
modelos cosmológicos a título de comparação da importância humana em cada
modelo. Em seguida serão citados alguns limites da razão e como ela foi
delimitada, e mesmo com esses limites serviu de base para construir a ciência
moderna, que em muito contribuiu para melhorar a vida humana. Por fim será
abordado como essa onipotência humana se manifesta nas relações e como
ela se perpetua e principalmente como pode ser maléfica ao humano. Este
trabalho iniciou pelo seu final e os desdobramentos que seguem são fruto de
reflexões, conversas filosóficas, debates em sala, e análise psicoterapêutica.
CONCEITO DE ONIPOTÊNCIA
Ao abordar a onipotência como tema central, faz-se necessário,
inicialmente, uma apresentação do conceito, bem como suas implicações na
vida do sujeito nas fases iniciais e complementares do desenvolvimento.
Onipotência pode ser definida pela própria palavra, que pode ser interpretada
como “pode tudo”, ou ainda “possui tudo”. Sua origem psíquica tem origem no
Id, que é constituído pelo princípio do prazer, e está presente no humano
desde o seu nascimento.
Na primeira fase do desenvolvimento humano, essa onipotência
constitui-se na relação do bebê com a mãe. Nessa relação, a mãe é para a
criança parte dela, criando assim uma relação simbiótica para com a mãe. Com
essa simbiose, a onipotência da criança está na figura da mãe, vez que a
função materna satisfaz as necessidades alimentares da criança. Portanto, a
onipotência está constituída na mãe, enquanto objeto de satisfação plena da
criança. Com isso podermos reformular o conceito de onipotência como desejo
de poder tudo, e é esse entendimento de onipotência que se adota no decorrer
desse trabalho.
Ao entrar em contato com o mundo externo a criança inicia o processo
de dissociação dessa simbiose com a mãe, é a partir da ausência que a
criança inicia a construção do Ego (Eu), e assim desenvolve essa outra
instância psíquica, onde o id buscará através desse Ego, de realidade,
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satisfazer seus desejos. Nesse processo de constituição do sujeito em que
inicialmente tudo é o sujeito, há, num segundo momento, uma diferenciação
entre o eu e o outro, inicia o processo de alteridade até então inexistente. Aqui,
nesse estágio do desenvolvimento do humano, o mundo dualista é
predominante, suas relações partem sempre de si para com o outro e muitas
decisões se resumem a certo ou errado, bem ou mal, ou ainda uma vida em
preto e branco, sumarizando, uma vida dualista.
Nesse momento da vida, as concepções de mundo e, portanto, de
perceber o mundo e construir o conhecimento se resumem a dualidade da
escolha e, talvez por esse motivo, as religiões expliquem o mundo dessa
forma, dividindo a maioria das relações entre bem e mal, que coincidem com a
maneira de Platão e Aristóteles explicarem o conhecimento: entre o mundo das
ideias e o mundo sensível, segundo Platão; e entre a razão e a experiência,
segundo Aristóteles.
Num segundo momento de apreensão do conhecimento, essas relações
se alteram. Também se alteram as concepções de mundo daquela criança que
continua a se desenvolver, e ela possui uma capacidade simbólica mais
elaborada que daquela que possui Id e Ego (Eu), afinal, agora ela possui uma
outra instância psíquica, o Super-Ego (Ideal de Ego). Nessa criança já existe
uma internalização da culpa, as relações que eram de pura satisfação de
desejo inicialmente pelo Id, e que encontraram na realidade – com o Ego –
grandes
obstáculos,
agora
necessitam
superar
novos
desafios
para
encontrarem sua satisfação, necessitam satisfazer desejos que não são
moralmente aceitos e, para isso, aprimora essa simbolização para a
concretização
dessa
satisfação.
Pode-se
afirmar
que
ocorre
uma
transformação da maneira de satisfazer um mesmo desejo, o que antes era
satisfeito de uma maneira, agora diante da impossibilidade de satisfação
completa, consegue satisfações parciais por conta da do instrumento da
sublimação, a ilusão consciente.
Nesse momento, a relação com o conhecimento ganha um grande salto
de qualidade, a capacidade de abstração está desenvolvida a partir de uma
relação entre dois objetos, (duas coisas, duas entidades), chega-se a um
terceiro resultado, diferente das duas possibilidades, construindo assim um
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Modalidade cara-a-tapa
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novo objeto, sentido ou resultado. Peirce estabelece, a partir da Semiótica,
uma relação mais nítida com a simbolização e construção do conhecimento.
Num terceiro momento do conhecimento, Einstein, com a Teoria da
Relatividade Geral, nos apresenta uma nova relação de entendimento de
mundo, ao afirmar que a velocidade não é a mesma em todos os lugares do
universo, vez que a energia presente num corpo altera velocidade da relação
dos objetos no espaço-tempo, e com essa descoberta apresentam novas
dificuldades de fundamentação do conhecimento.
Fazendo uso dessa capacidade simbólica mais elaborada, podemos, por
meio de uma analogia, entender que possuímos as características atômicas de
quaisquer objetos encontrados na natureza, ou seja, somos feitos de átomos.
Se fosse possível utilizar essa mesma descoberta de Einstein em átomos,
verificar-se-ia a mesma alteração da velocidade na relação desses átomos,
conforme a sua proximidade. Ao falarmos de humanos, que são compostos por
estes átomos, pode-se utilizar da mesma analogia, quando encontram-se numa
relação de intenso prazer, a percepção temporal é alterada, constatada
somente ao consultar o decorrer do tempo. No olhar para o relógio espanta-se
com o passar do tempo tão acelerado, num momento de grande satisfação, ou
ainda intensa relação de energia libidinal.
DA CONCEPÇÃO DE MUNDO E CONCEPÇÃO DE HOMEM
Ao se localizar no cosmos aristotélico, tendo como centro do universo a
Terra, o conhecimento humano era buscado para explicar a finalidade das
coisas e dos eventos em benefício do homem. Ao romper com essa teoria,
Copérnico demonstra que o Sol é o centro e não mais a Terra. Com essa
perfeição divina da igreja desfeita, que se baseava no sistema aristotélico, o
homem está lançado a sua própria sorte, não depende mais dos desígnios e
benevolência divina para melhorar sua existência, e sim do conhecimento que
possui sobre a natureza, agora não mais possui importância divina, não está
mais no centro do cosmos.
Com a Teoria da Relatividade Geral, Einstein possibilita ainda outro
modelo, onde não há mais um centro próximo do homem. Entender essa
construção do conhecimento cosmológico é entender antes a própria ideia de
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
construção de conhecimento, onde teorias antes aceitas servem de base para
o homem se pensar no mundo, e a partir disso como se relacionar com esse
mundo e o quê esperar dele.
Com essas relações, explicar o cosmos é explicar a importância do
homem na relação da vida com a natureza a qual ele está lançado. Se num
primeiro momento é privilegiado pelo divino, que tudo cria para o homem, num
segundo momento está abandonado a própria fortuna, e só depende dele
assumir a responsabilidade pela sua existência.
DA BASE DO CONHECIMENTO
Kant propõe delimitar a razão ao apresentar, em sua Crítica da razão
pura, de que modo se apresentam esses limites da razão e a partir daí as
ciências têm grande desenvolvimento e aumenta-se significativamente os
ramos estudados pela ciência empírica até a chegada da Teoria da
Relatividade Geral, que se desdobra na Física Quântica e abre portas a à
novos fundamentos do conhecimento. Kant encontrou em Hume, a afirmação
que o “despertou do sono dogmático”, ao afirmar que nosso conhecimento
acerca da verdade empírica está pautado puramente no hábito, demonstrando
a falta de garantias que existe ao afirmar que o sol irá nascer novamente no
horizonte ao leste. Essa afirmação é pautada na fé da experiência que se
repete, ou puramente na fé nos sentidos que percebem essa experimentação
de mundo. E no seu Tratado sobre o entendimento humano, o próprio Hume
demonstra como nossos sentidos nos traem.
Encontra-se em Peirce uma fundamentação geral para essa proposta de
relações entre psicanálise e física quântica através da semiótica como uma
teoria/doutrina dos signos. Nessa relação metafísica versus epistemologia, a
semiótica aparece como grande mediador, ou quase unificador, desse conflito
entre o que é possível pensar e o que é possível conhecer, remetendo a
diferenciação proposta por Kant.
De
universal,
enquanto
cabível
tanto
à
metafísica
quanto
à
epistemologia, possui-se somente a matemática. Se a matemática é o único
conhecimento universal, vez que explica atos puros de razão, ou o que é
possível pensar, e também explica atos da experimentação, ou que é possível
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Modalidade cara-a-tapa
129
conhecer. Porém, não explica necessariamente como se atribui valor a algo
tendo como valor algo puramente subjetivo, e aí a semiótica consegue
relacionar mais adequadamente as relações de valor, principalmente quando
relacionadas à psicanálise.
COMO SE MANIFESTA A ONIPOTÊNCIA NAS RELAÇÕES
Com o entendimento de que quando nos relacionamos com algum
objeto trocamos energia com o mesmo, é que se buscará identificar o problema
da onipotência nas relações. Porém, antes é necessário retomar que quando
se descreve o ser humano enquanto entidade psíquica fala-se de um sujeito
em desenvolvimento, e que, portanto, não perde suas características mais
elementares, e sim as conserva, modificando por meio da simbolização ou
semiose, a manifestação/satisfação do mesmo desejo primário, como explica a
psicanálise.
Tendo em vista o conceito inicial da onipotência, em Totem e Tabu,
Freud cita A Origem das Religiões, de Hume, para quem há uma tendência
universal, entre os homens, de conceber todos os seres como eles próprios e
de transferir para todos objetos qualidades que conhecem familiarmente e de
que estão intimamente cônscios. Aqui necessitaria de uma atualização
psicanalítica. La Planche, em sua Teoria da sedução generalizada, a partir de
uma sedução originária, como o autor assim define: “[...] esta situação
fundamental na qual o adulto propõe à criança significantes não-verbais tanto
quanto verbais, e até comportamentais, impregnados de significações sexuais
inconscientes” (LAPLANCHE, 1988, p. 119), possibilita a demonstração desse
processo inconsciente nas mais corriqueiras relações humanas. Talvez a
proposta aqui não seja permanecer nessa relação do adulto com a criança,
mas a partir desse inconsciente que se comunica com o outro inconsciente, ou
ainda seduz esse inconsciente, demonstrar como nossas relações estão
impregnadas de sexualidade, e como nessa construção do conhecimento, essa
relação sofre grandes perdas a partir de discursos carregados de uma
onipotência.
Assim, as figuras dos cuidadores estabelecem uma relação de sedução
inconsciente
com
seus
tutelados,
e
também
passam
características
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
130
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
inconscientes a essas entidades psíquicas de desejo. Portanto, se fossemos
atualizar a citação de Hume com uma adição psicanalítica, visualizar-se-ia
assim: para uma tendência universal, entre os homens, de conceber todos os
seres como eles próprios e de transferir para todos objetos qualidades que
conhecem familiarmente e de que estão cônscios e não-cônscios.
Com isso é possível entender a característica de onipotência atribuída
aos deuses. O humano lactante, o bebê humano, não perdeu essa
característica, somente simbolizou diferente esse desejo de poder tudo.
Diferente do deus onipotente e bom de Descartes, ao qual é vedado construir
uma arma que possa destruir ele mesmo, essa onipotência presente no
humano, cada vez mais tem demonstrado o seu potencial destrutivo, de
extinção da própria vida biológica celular, que tanto diferencia esse pequeno
ponto no universo chamado Terra.
Em sua obra A Ordem do Discurso, Foucault, no início de sua aula,
comenta sobre três sistemas de exclusão que se dão pelo discurso, a saber:
“[...] a palavra proibida, a segregação pela loucura e a vontade de verdade”
(FOUCAULT, 2014, p. 18). Seguindo o texto, relaciona a vontade da verdade
ao desejo e ao poder nas palavras que seguem: “[...] é que se o discurso
verdadeiro não é mais, com efeito, desde os gregos, aquele que responde ao
desejo ou aquele que exerce o poder, na vontade de verdade, na vontade de
dizer esse discurso verdadeiro, o que está em jogo, senão o desejo e o poder?”
(FOUCAULT, 2014, p. 19).
Nessa invocação da verdade, que possui por caráter a exclusão, podese fazer alusão ao sujeito narcísico, onipotente em seu pensar, que dispensa o
outro, pois se basta nessa relação de satisfação que o discurso da verdade lhe
proporciona, como uma autoerotização, no qual o outro é desnecessário às
suas realizações, assim numa possível alternância entre termos esse eu
narcísico poderia ser um eu onipotente. Onipotente por conta dessa relação
onde pode tudo através do seu discurso de vontade de verdade, ou invocação
do dito que se autoerotiza.
Se fosse possível sumarizar esse sujeito que se erotiza na vontade de
verdade, ou ainda que se erotiza na palavra que contém desejo e poder,
poderíamos sintetizar como um desejo de poder, e um desejo de poder tudo
pela palavra; poderia se afirmar que esse sujeito narcísico é um sujeito
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Modalidade cara-a-tapa
131
onipotente. E aqui esse conceito de onipotência se mescla aos sentidos
semânticos do narcisismo e de vontade de verdade. Parece não ser possível
estabelecer um primeiro contato de prazer com o conhecimento sem sentir
satisfação com a maneira como o autor explica ou demonstra um novo
conhecimento, no caso pela escrita, sem ser afetado por essas palavras, que,
no caso, afetam nosso inconsciente.
Estabelecida essa relação de identidade com o autor, ao ser
questionado acerca do autor (estudado) ou dos argumentos que ele utiliza, em
certa quantia se estará questionando não somente o autor, mas também o
professor e, dependendo da relação que ele possui consigo, possivelmente se
ofenderá com o questionamento e a resposta acerca de uma indagação, de
uma curiosidade, em muito se assemelhará a pregação do sacerdote que
invoca a punição divina para devidos questionamentos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A
partir
disso,
entende-se
que
a
fonte
do
conhecimento/saber/entendimento está nessa relação de onipotência desse
sujeito que possui como primeiro desejo de poder tudo, ou retornar à condição
onde não havia nenhuma falta, construído a partir da relação do
desenvolvimento humano com o desenvolvimento da civilização.
Entende-se ainda que a razão nada mais é que a fé no hábito da
repetição da experiência frente à capacidade de criar nexo entre as relações
que se apresentam com os objetos, e por isso, apresenta-se somente como
mais um ato de fé, e que por meio dessa fé produziu-se e produz-se coisas
inimagináveis ao homem totêmico.
Entende-se também que continua se reproduzindo essa onipotência
destrutiva nas mais variadas relações humanas, sejam com objetos coisas,
objetos humanos, objetos animais, objeto vida, objeto mundo.
Entende-se por fim, partindo de uma lógica de signos e relações
simbólicas, que há grande convergência entre psicanálise e física quântica, e
que se ambas forem mediadas pela semiótica é possível compreender melhor
algumas relações humanas para consigo mesmo, para com o conhecimento e
para com a sua percepção de mundo.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
132
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
REFERÊNCIAS
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e Brasil. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2006.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de
France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Leituras Filosóficas.
Tradução Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo. Edições Loyola, 2014.
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_____. Obras psicológicas completas. Edição Standard Brasileira. Rio de
Janeiro: Imago, 2006. v. 7.
FREUD, Sigmund. (1911). Formulações sobre os dois princípios do
funcionamento psíquico. In: _____. Obras Completas. Tradução de Paulo
César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. v. 10.
FREUD, Sigmund. (1912-1913). Totem e Tabu. In: _____. Obras Completas.
Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
v. 11.
FREUD, Sigmund. (1914). Introdução ao Narcisismo. In: _____. Obras
Completas. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das
Letras, 2013. v. 12.
FREUD, Sigmund. (1916-1917). Conferências introdutórias à psicanálise. In:
_____. Obras Completas. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo:
Companhia das Letras, 2013. v. 13.
HUME, David. História natural da religião. Tradução de Jaimir Conte. São
Paulo: UNESP, 2005.
LAPLANCHE, Jean. Teoria da sedução generalizada e outros ensaios.
Tradução Doris Vasconcellos. Porto Alegre. Artes Médicas, 1988.
LORETO, Oswaldo di (Org.). Posições tardias: contribuição ao estudo do
segundo ano de vida. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.
NIETZSCHE, Friedrich W. Escritos sobre a educação. Trad. Noeli Correia de
Melo Sobrinho. Rio de Janeiro: PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2003.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
RESUMO
134
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
COMO ENTENDER E CONVIVER COM ESSE FENÔMENO CHAMADO
CRIANÇA
Eli Schmidtke
Unioeste
[email protected]
RESUMO:
O ser humano nasce envolto em uma cultura, e essa cultura vai influenciar
diretamente o seu modo de vida. Com o passar do tempo recebemos tantas
informações do meio em que vivemos que acabamos por agir de forma
automática, o que nos faz lembrar René Descartes quando afirma “[...] a longa
e familiar convivência que tiveram comigo deu-lhes o direito de ocuparem meu
espírito contra meu desejo e de se tornarem quase que senhoras de minha
crença.” (Descartes, 2009, p.158). É esse convívio que faz com que vivamos
sem questionar os acontecimentos. Eles estão dados, eles estão resolvidos,
mas no final da citação anterior aparece a palavra quase, e é essa palavra que
vai abrir a porta para o questionamento e nesse caso específico, o
questionamento sobre a criança. A criança quando nasce é considerada filho(a)
de alguém. Alguém é responsável por essa forma de vida, e é sobre essa
responsabilidade que estaremos descrevendo e questionando. A criança deve
ser acolhida, protegida e para isso alguém precisa se dispor a isso, geralmente
quem se dispõe é conhecido como pai e/ou mãe, mas essa disposição
geralmente é confundida com posse, e é essa posse que também discutiremos
ao longo desse texto. A criança é uma forma de vida, quando nasce ela não
está isenta de mundo, ela já é possuidora de informações. Devido ao nosso
modo de vida somos levados a acreditar que precisamos imprimir nesse novo
ser nosso jeito de viver. Não olhamos para esse ser como alguém que está no
mundo e que por estar no mundo é preciso ter com ele uma interação18. A
interação se torna dificultada por causa da criança nos parecer tão pequena,
desprotegida e frágil. Essa visão acaba por confundir nossos sentidos e faz
com que olhando para aquela figura nos esqueçamos que ela pode interagir de
18
sf (inter+ação) 1 Ação recíproca de dois ou mais corpos uns nos outros. I. social,
Sociol: ações e relações entre os membros de um grupo ou entre grupos de uma sociedade.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Resumo
135
outros meios, como por exemplo, a audição, é possível estimular uma criança
com sons. O olfato pode ser estimulado com cheiros e aromas, a visão pode
ser estimulada com objetos visuais, o paladar está disponível para alimentação
exclusiva de leite materno até o sexto mês, mesmo assim é fonte de prazer
para a criança, e o tato que é o principal órgão receptor da criança, o tato é a
extensão do corpo. Toda ação feita pelo adulto responsável vai se transformar
em estímulos e o bebe vai responder, ou ter a informação sobre a ação do
adulto. Por exemplo, se o adulto ao se dirigir ao berço e o apanhar com mais
força, ou mais rápido, a criança percebe esse movimento. Se nos atentarmos
para esses detalhes e ter a criança como individuo capaz de se comunicar e
transferir informações e não nos deixar levar pelos nossos sentimentos e
observações erradas sobre ela, ou seja, se dominarmos nosso corpo e nossa
alma para o reto caminho, que nesse caso é a interação por completo com a
criança, teremos também um relacionamento proveitoso e talvez um ser
humano mais livre e mais feliz, pois ele é autônomo e pode decidir sobre sua
vida e seu futuro.
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136
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
RELATOS DE EXPERIÊNCIA DAS OFICINAS DE
FILOSOFIA PARA O ENSINO MÉDIO
138
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
APRESENTAÇÃO
Neste capítulo o leitor terá acesso a Relatos de Experiência de Oficinas
de Filosofia aplicadas ao Ensino Médio. Tendo em vista que o curso de
Filosofia da Unioeste é uma licenciatura, o colegiado deste tem a preocupação
na formação de professores. A Semana Acadêmica do curso é, sem dúvida,
um momento único não só para pensar o ensino de Filosofia no Ensino Médio,
bem como para oportunizar a participação dos estudantes das escolas da
região, que conhecem o ambiente universitário e, através de oficinas
elaboradas para eles, entram em contato com problemas filosóficos diversos.
Os oficineiros foram desafiados a desenvolver a Oficina a partir de um
problema filosófico e com uso de fragmentos de textos de filósofos, o que
resultou no desenvolvimento da atividade de Oficina em quatro etapas
fundamentais: sensibilização, problematização, investigação e formação de
conceitos. Participaram desta modalidade de atividade na Semana Acadêmica
as seguintes escolas: Colégio Estadual Jardim Europa (Toledo); Colégio
Estadual Presidente Castelo Branco/PREMEN (Toledo); Colégio Estadual
Senador Attílio Fontana/CESAF (Toledo); Colégio Estadual Dario Vellozo
(Toledo); Colégio Estadual Germano Rohden – EJA (Toledo); Colégio Estadual
Vinícius de Morais (Tupãssi); Colégio Estadual Novo Horizonte (Toledo);
Colégio Estadual Luiz Augusto Moraes Rego (Toledo); Colégio Martin Luther
(Marechal Cândido Rondon).
Além de propiciar uma importante experiência de aproximação entre as
escolas e a universidade, debatendo temas filosóficos, o objetivo desta
atividade, que aqui se apresenta na forma de Relatos de Experiência, é o de
fornecer material didático para os professores de Filosofia das redes pública e
privada utilizarem em suas aulas.
Os temas filosóficos desenvolvidos com os alunos do ensino médio
nesta edição da Semana Acadêmica e que aqui aparecem em forma de
Relatos de Experiência, foram os seguintes: “Discutindo o gosto: aspectos da
identidade pessoal em David Hume”; Delírios do consumo na perspectiva de
Benjamim Constant”; “A liberdade a partir do viés político de Benjamim
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
139
Constant”; “Sexualidade e Discursos em Foucault”; “Existencialismo em JeanPaul Sartre” e “Sartre: Estamos condenados à liberdade?”.
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140
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
DISCUTINDO O GOSTO:
ASPECTOS DA IDENTIDADE PESSOAL EM DAVID HUME
Alderberti Batista Prado19
Angélica de Fátima de Almeida Lara20
Cristiane R. Xavier Candido21
Gelmano Ferreira da Rocha22
Célia Machado Benvenho
Nelsi Kistemacher Welter23
INTRODUÇÃO
“Gosto é coisa da sua cabeça”? “Gosto não se discute”? O intuito dessa
oficina é promover, juntamente com os alunos do Ensino Médio, uma reflexão
acerca da identidade pessoal, perspectivando o lugar e o papel que os gostos
assumem
na
antropologia
humana,
refletindo
sobre
suas dimensões
psicológicas e a sua especificidade e atentos à liberdade humana. Nessa
perspectiva, buscaremos pensar: o que faz de nós o que somos? O que
permite que nos reconheçamos? Será nossa identidade, paradoxalmente,
aquilo que nos distingue? Como escolhemos nossos gostos? Pressupomos
que a psicologia é a ciência que compreende o homem a partir das condições
que, ao mesmo tempo o limita, mas também lhe fornece estruturas. Hume nos
apresenta em seu ensaio “Do padrão do gosto” uma análise psicológica e
antropológica das dimensões do gosto, buscando pensar as características
mais ou menos perniciosas para a sociedade. Apresentando a variedade de
gostos nas culturas, ele estabelece uma divisão para seus aspectos: o gosto é
natural e é também cultural, alegando que esta variedade de gostos na
sociedade é aparente e está no âmbito cultural, ao qual ele chamará de âmbito
geral do gosto, que se relaciona com a ciência e a opinião e sempre
acompanha o estabelecimento dos “padrões de gosto”, enquanto o gosto
natural, ou o âmbito específico do gosto, será relacionado à moralidade e a
19Licenciado
na Graduação de Filosofia pela Unioeste campus Toledo.
Licenciada na Graduação de Filosofia pela Unioeste campus Toledo.
21 Acadêmica do 4º ano em Licenciatura do Curso de Filosofia campus Toledo; Bolsista de
Iniciação à Docência do PIBID Filosofia.
22 Licenciado na Graduação de Filosofia pela Unioeste campus Toledo.
23 UNIOESTE, Professoras coordenadoras da atividade Oficina Didática de Filosofia durante a
SAF da Unioeste; [email protected], [email protected].
20
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
141
casos particulares de ciência, e diz respeito a uma propensão natural do
homem a aprovar a virtude e reprovar o vício. Utilizando o exemplo do
personagem Ulisses de Homero e de Fénolon, ele busca demonstrar que é fácil
condenar o primeiro e aprovar o segundo a partir do gosto porque esse sempre
se associa aos nossos prazeres. Ninguém gosta do que lhe causa dor, se um
masoquista gosta de se machucar é por que isso lhe causa prazer, se não lhe
causasse, não poderíamos alegar que sua ação se pauta em um gosto. Essa
enigmática identidade entre gosto e prazer é própria e natural à humanidade?
Afinal, o gosto é “uma capacidade de perceber belezas”? A beleza não é uma
qualidade objetiva e sim uma percepção do espírito, sendo diferente para cada
um? É o que buscamos refletir nesta oficina.
PALAVRAS-CHAVE: Delicadeza; Gosto; Percepção Estética.
PÚBLICO PARTICIPANTE:
Oficina aplicada aos alunos (26 alunos) do 4º ano de ADM (Ensino
Médio Técnico em Administração Integrado) do Colégio Estadual Senador
Attílio Fontana - CESAF, além de professores da rede estadual de ensino
eacadêmicos do curso de Filosofia da Unioeste campus Toledo.
DURAÇÃO: o tempo utilizado para o desenvolvimento da atividade foi de
2:00h.
OBJETIVOS DA OFICINA:
Refletir sobre o gosto; explorar formas de se indagar pelo nosso
problema da identidade; evocar a arte em momentos recorrentes, para
sensibilizar e evidenciar alguns aspectos do gosto;problematizar o status da
identidade a partir do gosto, buscando pensar em que sentido o gosto faz com
que nos reconheçamos; buscar historicamente suas dimensões, refletindo
sobre as culturas de massa e sua relação com os sistemas políticos; evocar
fatos sociais, suas consequências e influências sobre o gosto;conceituar o
gosto, ao fundamentarmos e explorarmos o pensamento do filósofo escocês
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
142
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
David Hume, cujas considerações a respeito do gosto consideramos
pertinentes de apresentar seu contraponto, i.e. uma perspectiva racionalizada,
geométrica do gosto, expressa na simetria.
RECURSOS DIDÁTICOS:
Para a realização da atividade foram utilizados os seguintes recursos e
materiais: imagens diversas, tesoura, fita adesiva, quadro negro, giz, 6
cartolinas de cores variadas, canetinhas, projetor multimídia (para exibição de
trecho de filme e slides produzidos no Power Point), caixa de som, 50 folhas
sulfite A4, 50 canetas esferográficas, 50 copos descartáveis, 2 térmicas, suco
de laranja natural, exposição oral.
DESENVOLVIMENTO:
1ª ETAPA: SENSIBILIZAÇÃO (aproximadamente 35 minutos)
Num primeiro momento, convidamos os alunos a entrarem e observarem
o ambiente preparado com estímulos visuais. Tratavam-se de imagens
diversas extraídas da internet, com cartolinas possuindo diversas frases e
trechos de poemas de variados autores (vide imagem 1), e a provarem um
suco que trouxemos para apreciação (vide imagem 2). Como o intuito era
buscar demonstrar como os gostos constituem a nossa identidade, propomos
aos alunos que expusessem, através do diálogo, algumas de suas paixões e
preferências, escrevemos as seguintes categorias de gostos no quadro:
música, filmes, novela, comida, esporte, jogo, cor, lugar, banda, na escola,
religião etc. e alguns falaram um pouco sobre o que gostavam ou não
gostavam, mostrando que de certa forma isso expressa o que somos, e permite
que nos conheçamos, tanto a nós mesmos como os outros, i.e. expressa nossa
identidade, afinal “somos assim” e “não assado”. Pedimos a cada participante
que escolhesse alguns gostos de “suas preferências” e escrevessem em um
papel. Nesse primeiro momento, consideremos importante que eles pudessem
se reconhecer e conhecer os outros a partir destas preferências.
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Relatos de experiências...
143
Imagem 2
Imagem
1
Na sequência, foi passado um trecho do filme O Fabuloso Destino de
Amélie Poulain, filme francês lançado em 2001, escrito por Guillaume Laurant e
dirigido por Jean – Pierre Jeunet, no qual ela apresenta seus pais e a si mesma
a partir dos gostos, evidenciando a delicadeza de Amélie ao sentir prazer nas
coisas simples (vide imagem 3).
Imagem 3
2ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO (aproximadamente 20 minutos)
Embora isso não seja muito claro, pensamos que os alunos iriam
concordar com a expressão da identidade a partir do gosto e que este deve ser
buscado individualmente e garantido socialmente (numa perspectiva de que “os
vícios privados constituem as virtudes públicas”), e aí é que começa nossa
problematização. De fato, os participantes defenderam que o gosto era
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144
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
momentâneo, efêmero, num primeiro momento, enquanto buscávamos
proporcionar uma reflexão mais aprofundada dos participantes em relação aos
seus próprios gostos. Buscamos refletir com eles se os gostos formam nossa
identidade por que a cultura e a sociedade costumam banir determinadas
práticas e excluem alguns gostos. Se o gosto expressa o que somos, como ele
passa a ser caracterizado como um vício? Usamos exemplos históricos para
ilustrar essa limitação, o caso da pedofilia, o exemplo de Nero, Maria Antonieta,
etc. Por fim, ainda os indagamos se há gostos que não são efêmeros e como
pensar a arte ao longo da história em meio a isso (vide imagem 4).
Imagem 4
3ª ETAPA: INVESTIGAÇÃO (aproximadamente 35 minutos)
Imagem 5
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
145
Imagem 6
Iniciamos uma discussão sobre a consolidação dos padrões de gosto na
sociedade, sua origem e função, como, por exemplo, o patenteamento da
beleza a partir da máscara Phi, como expressão da simetria, do padrão (vide
imagens 5 e 6). Com isso, buscamos refletir sobre as culturas de massa e
alguns padrões históricos específicos. Ao mostrarmos que estes padrões
influenciam nossas preferências, buscamos pensar em nossa autonomia frente
o gosto, afinal, “somos livres para gostar, mas não para escolher do que
gostar”, como apontou Schopenhauer. Apresentamos, com isso, uma
perspectiva racionalizada de um padrão de gosto e sua relação com a
harmonia matemática.
4ª ETAPA: FORMAÇÃO DE CONCEITOS (aproximadamente 30 minutos)
Propusemos uma leitura dirigida de um excerto do texto “Do Padrão do Gosto”,
no qual Hume utiliza uma passagem de Dom Quixote para exemplificar a
sensibilidade e a imaginação sob o manto da delicadeza (vide imagem 7), com
o intuito de demonstrá-la. Utilizamos um exemplo em que Hume retrata a
delicadeza com relação à percepção. Neste momento, descortinamos um
experimento tácito realizado com os participantes desde o início da oficina, mas
a felicidade do experimento dependeu do fato de os alunos desconhecerem
sua natureza, tratava-se de um pouco de canela que havia sido colocada no
suco, e perguntamos se eles haviam percebido algo diferente no suco e o que
era. Nenhum deles percebeu a canela no suco. Finalizamos com a
fundamentação,
após
a
leitura
dirigida
do
excerto
de
Hume,
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
para
146
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
compreendermos a dimensão do gosto, sua consolidação e legitimidade.
Pedimos que eles escrevessem atrás do papel contendo “suas preferências”,
baseado no que foi discutido na oficina, o que ele vê no seu gosto, ao que o
seu gosto o remete, (mas de fato eles acabaram somente falando por uma falta
de tempo). O intuito dessa atividade foi de levá-los a refletirem sobre sua
origem psicológica e antropológica, atentos à percepção estética como
elemento primário da educação estética, uma educação da percepção.
Independente de esse gosto ser secreto ou partilhado, será que os alunos
puderam refletir sobre suas origens?
Imagem 7
AVALIAÇÃO DA OFICINA:
Iremos apresentar esta avaliação a partir de duas perspectivas: do ponto
de vista dos alunos (e outros participantes) e do nosso. Para compreender o
primeiro, nos ativemos a um questionário que entregamos a eles no final da
oficina, assim como seus relatos e manifestações referentes a ela. De modo
geral, o que se pode observar nas suas considerações, coincidentemente, foi
justamente o que consideramos necessitar de ajustes, i.e., estas perspectivas
convergem. A maior consideração a ser feita seria com relação a uma maior
sincronia entre os exemplos e a teoria. Alguma vez, durante a oficina,
apresentamos o exemplo considerando estar suficientemente claro. Os relatos
dos participantes manifestaram que os aspectos mais teóricos apresentados
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
147
durante a oficina, e que não foram situados através de exemplos, não puderam
ser tão bem compreendidos. Longe de considerar a que se deve isso, nosso
intuito é adaptar esta sincronia. Um pouco de nervosismo atrapalhou, mas, em
geral, ficamos satisfeitos com os resultados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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Tradução de João Paulo Monteiro e Armando Mora D’Oliveira. São Paulo:
Nova Cultural, 1999. Pg. 333 – 350.
PLATÃO. A República. Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira. 8ª edição.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.
OUTRAS REFERÊNCIAS:
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
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ANEXO
ANEXO 1: Excerto do texto utilizado na oficina
Uma causa evidente em razão da qual muitos não experimentam o
devido sentimento de beleza é a falta daquela delicadeza da imaginação que é
necessária para se ser sensível àquelas emoções mais sutis. Toda a gente
pretende ter esta delicadeza, todos falam dela, e procuram tomá-la como
padrão de toda espécie de gosto e sentimento. Mas como neste ensaio nossa
intenção é misturar algumas luzes de entendimento com as impressões do
sentimento, será adequado oferecer uma definição da delicadeza mais rigorosa
do que as até agora tentadas. E, para não extrair nossa filosofia de uma fonte
excessivamente profunda, recorreremos a um conhecido episódio do Dom
Quixote.
É com muita razão, diz Sancho ao escudeiro de nariz comprido, que
pretendo ser bom apreciador de vinho: é uma qualidade hereditária em nossa
família. Dois de meus parentes foram uma vez chamados a dar sua opinião
sobre um barril de vinho que era de esperar fosse excelente, pois era velho e
de boa colheita. Um deles prova o vinho, examina-o, e depois de madura
reflexão declara que ele seria bom, não fora um ligeiro gosto a couro que nele
encontrava. O outro, depois de empregar as mesmas precauções, dá também
um veredicto favorável ao vinho, com a única reserva de um sabor a ferro que
facilmente podia nele distinguir. Não podes imaginar como ambos foram
ridicularizados por seu juízo. Mas quem riu por último? Ao esvaziar o barril,
achou-se no fundo uma velha chave com uma correia de couro amarrada.
A grande semelhança entre o gosto mental e o corpóreo facilmente nos
permitirá aplicar esta estória. Embora seja inegável que a beleza e a
deformidade, mais do que a doçura e o amargor, não são qualidades dos
objetos, e pertencem inteiramente ao sentimento, interno ou externo, é preciso
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
149
reconhecer que há nos objetos certas qualidades que estão por natureza
destinadas a produzir esses peculiares sentimentos. Ora, como essas
qualidades podem estar presentes em pequeno grau, ou podem misturar-se e
confundir-se umas com as outras, acontece muitas vezes que o gosto não é
afetado por essas diminutas qualidades, ou é incapaz de distinguir entre os
diversos sabores, em meio à desordem em que eles se apresentam. Quando
os órgãos são tão finos que não deixam escapar nada, e ao mesmo tempo são
suficientemente apurados para distinguir todos os ingredientes da composição,
dizemos que há uma delicadeza de gosto, quer empreguemos estes termos em
sentido literal ou em sentido metafórico. Portanto, podemos aqui aplicar as
regras gerais da beleza, pois elas são tiradas de modelos estabelecidos e da
observação do que agrada ou desagrada, quando apresentado isoladamente e
em alto grau. Se as mesmas qualidades, numa composição contínua e em
menor grau, não afetam os órgãos com um sensível deleite ou desagrado,
excluímos a pessoa de toda pretensão a esta delicadeza. Estabelecer essas
regras gerais, esses padrões reconhecidos da composição, é como achar a
chave com correia de couro que justificou o veredicto dos parentes de Sancho
e confundiu os pretensos juízes que os haviam condenado. Mesmo que o barril
nunca tivesse sido esvaziado, o gosto dos primeiros seria igualmente delicado,
e o dos segundos igualmente lânguido e embotado. Mas teria sido mais difícil
provar a superioridade do primeiro, convencendo todos os presentes. (Pg. 339340).
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
150
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
O QUE DEVO FAZER? SOBRE A LEI MORAL
Angela Maria Silva
Felipe Ricardo Deuter Becker
Henrique Zanelato
Jhonatan Pereira Queiroz24
Célia Machado Benvenho
Nelsi Kistemacher Welter25
INTRODUÇÃO
A oficina tem como objetivo introduzir aos alunos do ensino médio
alguns conceitos básicos da filosofia moral de Kant a partir de exemplos
comuns, mas retirados do texto do próprio autor. Para isso, termos como Boa
vontade, Dever, Imperativo categórico serão expostos de forma mais didática,
para uma melhor compreensão dos alunos. Pretendemos fazer com que os
alunos se perguntem sobre os motivos pelos quais nossas ações são decididas
e determinadas, sobre os motivos pelos quais as consideramos certas ou
erradas, boas ou más, mostrando que as leis, unicamente, não devem servir
para nos guiar na vida, visto serem convencionadas de acordo com os
costumes de cada povo, ou intenções, mas que, de acordo com Kant, todo agir
deve ser fundamentalmente orientado pela razão.
PALAVRAS-CHAVE: Dever; Lei moral; Imperativo categórico.
PÚBLICO PARTICIPANTE:
Oficina aplicada ao3º ano do ensino médio do Colégio Evangélico Martin
Luther, aos 2º e 3º anos do ensino médio do Colégio Estadual Novo Horizonte,
24
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, 4º ano de Licenciatura em Filosofia, integrantes
do
PET
e
PIBID,
[email protected];
[email protected];
[email protected] e [email protected].
25 UNIOESTE, professoras orientadoras da atividade Oficina Didática de Filosofia e Relato de
Experiência, cé[email protected] e [email protected].
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
151
com participação de alunos da Licenciatura em Filosofia da Unioeste e
professores da rede estadual de ensino.
DURAÇÃO: Aproximadamente 1h30min.
OBJETIVOS DA OFICINA:
 Suscitar a reflexão acerca de ideias pré-concebidas em relação ao
agir moral;
 Despertar o questionamento acerca do que guia o agir moral;
 Introduzir os alunos ao pensamento moral de Kant através do contato
com sua obra;
 Apresentar o conceito kantiano de dever como fundamento da ação
moral.
RECURSOS DIDÁTICOS: trechos do texto kantiano, quadro e giz.
DESENVOLVIMENTO:
1ª ETAPA: SENSIBILIZAÇÃO
A sensibilização foi dividida em três etapas: após a sala ser dividida em
três grupos, cada um deles recebeu um enunciado com a descrição de uma
ação cometida contra o dever26; depois, exemplos de ações de acordo com o
dever27; e exemplos de ações realizadas por dever28. Após cada um dos
enunciados serem entregues e discutidos em grupo, era aberto um tempo para
debate com os outros grupos sobre o que cada um pensava das ações. A
condução da discussão era feita de modo a passar do que era “mau” ou
“errado” (primeiros exemplos) para o que é “bom” ou “certo” (últimos
exemplos), tentando mostrar a objetividade da moral proposta por Kant.
26
Comerciante que é desonesto para salvar seu negócio, homem doente que se suicida e
mulher que se nega a ajudar uma vizinha necessitada.
27 Comerciante que não é desonesto por medo de ser pego, homem doente que não se suicida
por medo de possíveis consequências e mulher que ajuda a vizinha para se promover.
28 Comerciante que não é desonesto por considerar que a justiça deve ser promovida sempre,
homem que não se suicida por considerar a preservação da vida um dever e mulher que ajuda
sua vizinha por achar que a solidariedade com os necessitados também é um dever.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
152
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
2ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO
A problematização foi feita mais ou menos ao decorrer da sensibilização,
pois os alunos foram confrontados com os três tipos de exemplos a fim de se
posicionarem frente cada uma das ações. Assim, na medida em que as ações
se modificavam eles tinham que expor os motivos de considerarem tal ação
como certa ou errada, tentando confirmar a tese kantiana de que a moral está
no entendimento comum e que precisa, antes, ser esclarecida do que
ensinada.
3ª ETAPA: INVESTIGAÇÃO
Nessa parte, passamos para a exposição teórica sobre Kant, visto que
até aqui não havíamos tocado em seu nome. Aqui, a partir de três trechos
sobre Boa vontade, Dever e Lei moral, lidos com e pelos alunos, a explicação
foi feita de modo a relacionar esses trechos com os enunciados discutidos na
sensibilização29.
29“Mas,
para desenvolver o conceito de uma vontade altamente estimável em si mesma e boa
sem qualquer intenção ulterior, tal como já se encontra no são entendimento natural e não
precisa tanto ser ensinado quanto, antes pelo contrário, esclarecido, conceito este que está
sempre por cima na estimativa do valor inteiro das nossas ações e constitui a condição de todo
o restante, vamos tomar para exame o conceito do dever, que contém o de uma boa vontade,
muito embora sob certas restrições e obstáculos subjetivos, os quais, porém, longe de ocultá-lo
e torná-lo irreconhecível, antes, pelo contrário, fazem com que se destaque por contraste e se
mostre numa luz tanto mais clara” (KANT, pág. 115).
“Ora, uma ação por dever deve pôr à parte toda influência da inclinação e com ela todo objeto
da vontade, logo nada resta para a vontade que possa determiná-la senão, objetivamente, a lei
e, subjetivamente, puro respeito por essa lei prática, por conseguinte a máxima de dar
cumprimento a uma tal lei mesmo com a derrogação de todas as minhas inclinações.
Não está, pois, o valor moral da ação no efeito que dela se aguarda; logo, tampouco em
qualquer princípio da ação que precise tomar seu motivo do efeito que é aguardado” (KANT,
pág. 129).
“Mas que lei afinal pode ser esta cuja representação, mesmo sem levar em consideração o
efeito que dela se espera, tem de determinar a vontade para que esta possa chamar-se
absoluta e irrestritamente boa? Visto que privei a vontade de todos os impulsos que poderiam
resultar para ela da observância de uma lei qualquer, nada mais resta senão a legalidade
universal das ações que sirva sozinha de princípio à vontade, isto é, nunca devo proceder de
outra maneira senão de tal sorte que eu possa também querer que a minha máxima se torne
uma lei universal. Aqui, pois, é a mera conformidade a leis em geral (sem se basear em
qualquer lei determinada para certas ações) o que serve e tem de servir de princípio à vontade
[...]” (KANT, pág. 133).
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
153
4ª ETAPA: FORMAÇÃO DE CONCEITOS
A conceituação da oficina também foi feita por meio da leitura de outro
trecho de Kant, dessa vez mais próxima dos exemplos da primeira, para
mostrar a aplicabilidade prática de toda a sua teoria moral. Esse último trecho
se trata de outro exemplo de ação, onde Kant se pergunta pela possibilidade
de transformar tal ação em lei universal, princípio de seu imperativo
categórico30. Assim, tentávamos, mais uma vez, aproximar os primeiros
exemplos do texto de Kant, com a intenção de mostrar que o texto filosófico,
especialmente no que se refere à ética, não está tão longe do cotidiano comum
como parece.
30“Seja,
por exemplo, a seguinte questão: será que eu não posso, quando estou em apuros,
fazer uma promessa com a intenção de não cumpri-la? É fácil distinguir aqui o significado que
a questão pode ter: se é prudente ou se é conforme ao dever fazer uma promessa falsa. O
primeiro caso pode, sem dúvida, ter lugar muitas vezes. Vejo bem, é verdade, que não basta
livrar-me de um embaraço presente por meio deste subterfúgio, mas que é preciso refletir bem
se dessa mentira não poderia originar-se para mim um incômodo muito maior do que aqueles
de que estou me livrando agora, e – visto que, apesar de toda a minha pretensa esperteza, não
é tão fácil assim prever as consequências de tal sorte que a perda de confiança não venha a se
tornar muito mais desvantajosa para mim do que todo o mal que penso evitar agora – <é
preciso refletir também> se não seria uma linha de ação mais prudente proceder aqui segundo
uma máxima universal e adotar o hábito de nada prometer senão na intenção de cumpri-lo.
Contudo, logo fica claro pra mim que uma tal máxima tem sempre por fundamento as
consequências a serem receadas. Ora, ser veraz por dever é coisa bem diversa de ser veraz
por receio das consequências desvantajosas, na medida em que, no primeiro caso, o conceito
da ação já contém em si mesmo uma lei para mim, no segundo, tenho primeiro de voltar os
olhos numa outra direção a fim de ver a partir daí quais efeitos para mim poderiam por ventura
estar ligados a isso. Com efeito, se me afasto do princípio do dever, é certíssimo que isso é
mau; se renego a minha máxima de prudência, isso pode sim, às vezes, ser muito vantajoso
para mim, muito embora, na verdade, seja mais seguro ater-me a ela. Entretanto, para me
instruir da maneira mais breve possível, mas infalível, com respeito à solução do problema se
uma promessa mentirosa seria conforme ao dever, pergunto a mim mesmo: será que eu ficaria
contente se a minha máxima (livrar-me de um embaraço por meio de uma promessa falsa)
valesse como uma lei universal (tanto para mim quanto para outros), e será que eu poderia
dizer para mim mesmo: que todo o mundo faça uma promessa falsa quando se encontrar num
embaraço do qual não possa se livrar de outra maneira? Assim, logo me darei conta de que
posso, é verdade, querer a mentira, mas de modo algum uma lei universal de mentir; pois,
segundo semelhante lei, não haveria propriamente promessa alguma, porque seria vão alegar
minha vontade com respeito a minhas ações futuras a outros que não dão crédito a essa
alegação ou que, se precipitadamente o fizessem, me pagariam com certeza na mesma
moeda, <e> por conseguinte, <porque> a minha máxima se destruiria a si mesma tão logo se
tornasse uma lei universal” (KANT, pág. 137).
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
154
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
AVALIAÇÃO DA OFICINA:
A oficina, de modo geral, foi boa. A participação dos alunos foi
aumentando à medida que desenvolvíamos as questões sobre os enunciados e
sobre o texto. A nossa confiança também crescia conforme a participação
deles melhorava. No entanto, no que se refere à parte da conceituação,
pensamos que seria melhor algo onde eles pudessem se expressar, através de
conversa ou trabalho escrito, pois foi quase outra conceituação.
A recepção dos alunos também foi boa, no geral. Alguns comentários sobre o
modo da apresentação, o modo de debate em grupo, os exemplos do cotidiano
foram positivos. A maior cobrança, porém, foi quanto à introdução de outros
materiais, como slides, por exemplo.
Figura 1: Sensibilização – discussão em
grupos das situações apresentadas
Figura 3: Investigação – Leitura da obra do
Filósofo sobre a temática.
Figura 2: Sensibilização – discussão em grupo
das situações apresentadas
Figura 4: Investigação – Leitura da obra do
Filósofo sobre a temática.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
155
Figura 5: Conceituação – discussão dos conceitos
abordados.
REFERÊNCIAS:
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Guido
Antônio de Almeida. São Paulo: Discurso Editorial: Barcarolla, 2009.
GAMBIM, Pedro. Ética filosófica: dois modelos. In: A Filosofia em Curso.Org:
PORTELA, Luis Cezar Yanzer, Evangraf: Porto Alegre, 2012.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
DELÍRIOS DO CONSUMO NA PERSPECTIVA DE HERBERT MARCUSE
Angélica Limberger
David Henrique Fiametti
Kamilla Regina Silva Santana
Letícia Nunes Goulart31
Célia Machado Benvenho
Nelsi Kistemacher Welter32
INTRODUÇÃO
Nascido em Berlim, Herbert Marcuse (1898-1978) foi um influente
sociólogo e filósofo alemão, naturalizado norte-americano, pertencente à
Escola de Frankfurt. Tematizou várias questões da sociedade moderna e
contemporânea, dentre elas a questão do consumo em nossa sociedade, que
chamava de “sociedade da opulência”. Neste trabalho pretendemos investigar
os principais elementos que constituem a sociedade do consumo segundo
Herbert Marcuse, em uma sociedade cada vez mais alienada e narcisista, em
que o EU e os seus interesses, especialmente materializados pelo
ter/consumo, são muito mais importantes do que qualquer outro. Vivemos em
um mundo em que, embora a máquina tenha sido inventada para suprir as
necessidades humanas, o homem acabou servindo a máquina e perdendo a
consciência crítica. Segundo Marcuse as sociedades industriais criam falsas
necessidades, obrigando as pessoas a fazerem parte do sistema de produção
e consumo. Faz isso através de instrumentos como: comunicação em massa,
cultura e publicidade, gerando um modo de pensamento que ajuda a reforçar o
sistema existente, criando um universo unidimensional, onde as ideias e
pensamentos se tornem homogêneos e o pensamento crítico tende a ser
anulado.
31
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE); acadêmicos(as) do 4º ano e do
Pibid Filosofia, [email protected], [email protected], [email protected],
letí[email protected].
32 UNIOESTE, Professoras coordenadoras da atividade Oficina Didática de Filosofia durante a
SAF da Unioeste; [email protected], [email protected].
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
157
Este trabalho tem como objetivo apresentar a ideia do consumo
exacerbado em nossa sociedade na visão de Herbert Marcuse e de como nós
chegamos a este ponto crítico de consumir sem nos questionarmos
criticamente sobre isso. Atualmente, porque há tanta insatisfação na sociedade
e a necessidade de novos aparelhos eletrônicos, carros, vestimentas,
alimentos cada vez mais industrializados ou qualquer outro tipo de conforto?
Eis uma situação contraditória: parece que nunca consumimos tanto, mas
também parece que nunca antes estivemos tão descontentes. Estamos
vivendo em uma sociedade de abundância, mas empobrecida de afeto, onde
fabricamos muito mais do que precisamos, criando uma sociedade que vive
apenas de aparências, uma casca derivada do sistema capitalista. No entanto,
ficamos cada vez mais obrigados a este trabalho por estarmos consumindo
cada vez mais. Desta forma, os motivos que ocasionam o mal estar hoje são,
além da fome, miséria, desemprego, crenças, depressão, instabilidade
financeira, entre outros, também a submissão a uma lógica de consumo que
tende a fortalecer frustrações. São fatores esclarecedores de que há uma
grande aflição real nesta sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: Civilização. Consumo. Cultura. Indústria. Opulência.
PÚBLICO PARTICIPANTE:
Oficina desenvolvida com alunos do ensino médio, acadêmicos,
mestrandos e docentes. Público do período matutino: 25 participantes; período
noturno: 50 participantes. Tivemos a presença dos Colégios Estaduais Dario
Vellozo, Presidente Castelo Branco - PREMEN, Germano Rhoden– EJA e o
Colégio Evangélico Martin Luther, de Marechal Cândido Rondon.
DURAÇÃO: 1 hora e 30 minutos.
OBJETIVOS DA OFICINA:
a) Entender a ideia de sociedade de consumo em Marcuse;
b) Envolver os alunos fazendo-os refletir sobre o consumo inconsciente;
c) Instigá-los a conhecer a filosofia de Herbert Marcuse;
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
158
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
d) Apresentar um texto primário e auxiliar os alunos a interpretá-lo;
e) Aumentar o vocabulário;
f) Compreender a importância da indústria cultural envolvida em nosso
meio social;
g) Compreender a função do consumo para a manutenção da sociedade
atual;
h) Investigar como funciona a indústria da cultura em nossos desejos
(manipulação);
i) Analisar o porquê da sociedade não se questionar mais sobre o que
está servindo e para onde está indo o seu dinheiro e sobre o modo como ele
está sendo usado;
j) Visualizar perspectivas de superação da sociedade do consumo a
partir de Herbert Marcuse.
RECURSOS DIDÁTICOS:
Material: quarenta folhas sulfites A4, quarenta canetas esferográficas,
multimídia, quadro, giz, quarenta saquinhos plásticos, laços, uma cartolina,
pincel marcador preto. Objetos para a atividade de sensibilização: pão, repolho,
imagens impressas, palitinhos de dente, garrafinha de água, celulares,
baterias, carregadores, carimbo ou adesivos, envelopes de carta, sapatos,
vestimentas (tudo que insinue ao consumo consciente e inconsciente pode ser
utilizado, vai depender da criatividade de cada oficineiro). A oficina ofereceu
um parâmetro: dialogado, expositivo, reflexivo e sinestésico corporal.
DESENVOLVIMENTO:
1ª ETAPA – SENSIBILIZAÇÃO:
Neste início de oficina, duas pessoas ficaram responsáveis pela acolhida
e primeira sensibilização dos participantes, a qual foi desenvolvida com a
colagem de uma etiqueta em que estava impresso um código de barras. A
utilização do código de barras foi a forma de sensibilização encontrada pelos
oficineiros para iniciar o assunto sobre o consumo a partir da perspectiva de
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
159
Herbert Marcuse. Para alguns participantes, a colagem na entrada da sala não
provoca reação aparente alguma; já outros (a maioria) questionavam a
finalidade
da
etiqueta,
pois
estavam
sendo
comparados
como
"produtos/mercadorias”. Apesar desses questionamentos iniciais, para não
interromper a reflexão do por que das etiquetas, não foi explicadaa finalidade
das mesmas neste momento. No decorrer da oficina, com a apresentação do
conteúdo e com as perguntas que faziam os participantes refletir sobre o
consumo, explicou-se a finalidade da etiqueta.
Figura 1 e 2: Sensibilização com o uso de etiquetas (David e Angélica)
2ª ETAPA: BIOGRAFIA DO AUTOR
Um dos oficineiros apresentou um pouco da história do autor estudado.
Foram expostos dados importantes da vida de Herbert Marcuse, como local e
data de nascimento, contexto da sociedade em que viveu e recebeu educação;
a participação de Marcuse na Escola de Frankfurt; contextualização sobre a
Segunda Guerra Mundial, pois estava ligado diretamente com a Escola e seus
membros, os quais eram judeus e foram perseguidos pelo Regime Nazista (o
qual exterminou milhares, inclusive, em campos de concentração). Por causa
dessa perseguição, a Escola se muda para os Estados Unidos para fugir da
morte. Mas, situando-se a partir de então num país capitalista, evitam falar de
temas como dialética, lutas de classe e Marx, justamente por serem
“hóspedes” e buscarem abrigo nesse país.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
160
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
Figura 3 e 4: Introdução ao conteúdo (David)
3ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO
Após a introdução sobre Herbert Marcuse, foram realizadas questões a
partir dos adesivos colados nos pulsos dos participantes da oficina:
1. Quando você entrou, recebeu um adesivo no pulso. Que tipo de
adesivo é esse?
2. O que significa?
3. Em que é utilizado?
4. Por que você acha que foi adesivado com um código de barras?
5. Você acha que o nosso corpo também pode ser utilizado como objeto
ou mercadoria na sociedade?
6. Você pode nos dar um exemplo?
7. E as fotos que postamos no facebook, whatsapp, e instagram não nos
tornam um meio de propaganda para produtos ou empresas?
Os alunos mostraram curiosidade sobre as questões e o adesivo,
principalmente quando foi comentado sobre a exposição do nosso corpo nas
redes sociais, como produto gratuito, eles debateram muito entre eles, o que
levou a várias questões e curiosidades ao decorrer da oficina.
Os participantes foram questionados sobre os objetos da mesa. Os
oficineiros pediram que considerassem o que seria supérfluo e essencial no dia
a dia. O debate foi conduzido através das seguintes perguntas:
1. Qual a diferença dos objetos desta mesa e desta outra mesa?
2. Por que os objetos de uma mesa têm mais valor do que a outra?
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
161
3. Qual o objeto mais importante na opinião de vocês?
Em seguida, todos os objetos foram retirados da mesa restando
somente o pão e a garrafinha de água.
Na sequência, o oficineiro fez a seguinte pergunta:
4. Tirando todos estes objetos, restando somente pão e água,
perguntamos se tais elementos seriam suficientes para sobrevivermos? Por
quê?
Os participantes disseram que não, pois para sobreviver somente
com pão e água seria quase impossível, e que os objetos sobre a mesa são
fundamentais no nosso cotidiano. O oficineiro perguntou se daqui cem anos
eles pagariam mil reais na garrafinha de água e dez reais em um celular
moderno. Todos ficaram em dúvida. O oficineiro questionou sobre os recursos
da natureza, que estariam se tornando escassos em nosso planeta. Alertou,
em seguida, que tal questão seria retomada no decorrer da oficina.
Figura 5: Explicação turma
matutino (Letícia)
Figura 6: Explicação turma noturno
(Letícia)
4ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO
Foi apresentado o vídeo “Homem capitalista” (animação que está
disponível no Youtube). Após, os participantes foram questionados sobre o que
acharam do vídeo, já que é muito impactante, pois relata o consumo
desenfreado e a destruição total da natureza pelo homem. Dentre outras, as
perguntas direcionadas foram:
1) Como o homem trata a natureza e os animais?
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
2) Há satisfação nesse consumo desenfreado? Qual a necessidade
disso?
3) Se alienígenas pudessem observar a Terra, o que veriam? E o que
provavelmente pensariam do homem?
Os participantes gostaram bastante do vídeo, tanto porque é engraçado
e dinâmico quanto por questionar nossas atitudes e fazer-nos refletir acerca do
consumo exagerado, do maltrato com a natureza e de onde isso pode nos
levar. Os alunos participaram bastante, responderam às questões e também
fizeram outras, fazendo com que o debate fluísse e o assunto fosse bem
trabalhado.
Figura 7: Exibição do vídeo e posterior questionamento aos participantes
(Angélica)
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
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5ª ETAPA – INVESTIGAÇÃO
Após a discussão, foi desenvolvida a visão de Herbert Marcuse sobre a
sociedade de consumo, através de uma exposição mais específica sobre o
tema tratado. Como exemplo nesta exposição um repolho foi utilizado para
demonstrar a ação da mídia sobre um determinado produto, tornando-o
máxima potência de consumo, dessa forma levando o consumidor a crer que
qualquer coisa pode se tornar fundamental em seu cotidiano.
CONTEÚDO:
Será que as pessoas perderam a razão a ponto de subestimar o que é
real e o que não é? Ao que parece, enquanto a sociedade não produzir novas
sensibilidades para construir uma “nova sociedade”, não poderá haver uma
mudança maior para o bem de todos, mas ao mesmo tempo, também terá de
haver uma transformação, pois tudo, ou quase tudo é direcionado para o
consumo. Não podemos simplesmente fechar nossos olhos ao que está
acontecendo e fingir que está tudo bem, quando não está. Os centros de
atendimento psicológico e clínicas estão cada vez mais lotados, o que indica
que há, sim, uma população doente e indivíduos vazios de si mesmos apesar
das possibilidades de consumo inéditas. Vivemos em um mundo onde as
mercadorias parecem ter vida própria, e estas mercadorias que vem até nós
contém propriedades humanas que estão sendo transferidas e projetadas
como se fossem delas. Há mais relações humanas por trás dos produtos do
que podemos imaginar, e quanto mais nós atribuímos valor às coisas, mais
diminuímos nossas relações sociais. Colocamos todo nosso desejo reprimido
no “consumo”. Marcuse descreve isso como a “desumanização da tecnologia e
a instauração do consumismo subjugando a liberdade e o sentido da existência
humana”, pois é muito mais fácil “gastar” do que debater sobre o assunto do
qual tratamos e do que modificar as relações sociais, pois tais relações nos
deixam humanamente carentes e vulneráveis. Com isso nos tornamos
apáticos, não nos colocamos mais no lugar do outro, ficando indiferentes em
relação a várias outras questões como, por exemplo, a violência. A mídia nos
apresenta de uma maneira na qual está se tornando tudo muito “normal”, está
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
sendo “natural” famílias não se abrirem mais para discussões sobre tais
assuntos. Assim, já podemos perceber uma relação íntima entre o estímulo
exacerbado para o consumo em nossa sociedade e a violência. A sociedade
está reprimindo áreas próprias das relações humanas, sociais e intersubjetivas
e as transferindo a remédios, álcool, drogas, dentre outras. Assim, toda a
estrutura de opressão social e econômica permanece inalterada; os
verdadeiros motivos não são enfrentados e por vezes nem compreendidos. E
para podermos fazer política sobre e a partir de tais questões, deveríamos
estar refletindo criticamente sobre tal, nos libertando dos ditames do consumo.
No Datashow foram apresentadas três imagens, as quais direcionaram a
discussão de como a mídia transforma produtos simples em máximo
consumismo para a construção de indivíduos cada vez mais alienados na
sociedade da opulência.
Figuras 8, 9, 10: Exposição de Produtos
6ª ETAPA – INVESTIGAÇÃO
Em seguida, o vídeo “O Super Consumo”, 06min02seg, tratou de
apresentar um ciclo dependente que nos leva a crer que tudo está sendo
comercializado de uma forma irracional, onde a angústia toma o lugar
dafelicidade e o consumo excessivo ultrapassa a razão do porque e para que
tantos excessos.
Após o vídeo foi aberto para discussão e perguntas dos participantes.
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Relatos de experiências...
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DIRECIONAMENTO:
1. Por que a indústria maltrata os animais?
2. Por que compramos tanto?
3. Será que tudo que compramos é realmente necessário?
4. Quais são as consequências do consumo descontrolado em nossas
vidas?
5. Você alguma vez já foi ao mercado para comprar algo que não
precisava? Já comprou apenas por prazer?
6. Você se sentiu bem após comprar? Por quê?
Enquanto o vídeo era passado, os alunos demonstraram angústia por
ver os animais serem maltratados com tanta frieza. Após, alguns comentaram
que se fosse para matar os animais para seu próprio consumo, seriam
vegetarianos. Os participantes conseguiram identificar com facilidade o
direcionamento do vídeo, ou seja, o consumo excessivo da indústria cultural e
o mal que ela vem causando.
Figura 11: Questionário
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
Figura 12: Explicação
7ª ETAPA - CONCEITUAÇÃO
Em seguida, o poema "Eu etiqueta" de Carlos Drumonnd foi declamado.
Cada integrante do grupo fez a leitura de duas estrofes do poema, que havia
sido entregue impresso para os alunos no início da oficina Na sequência,
entregamos um questionário com perguntas referentes à oficina e um
questionário avaliativo. Por fim, embaixo da carteira de cada um havia um
envelope escrito “Rótulos e designs são somente para produtos, e não para
pessoas!”.
Figura 13: Oficina turma matutino
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
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Figura 14: Oficina turma noturno
AVALIAÇÃO DA OFICINA:
O ponto de partida para todo o processo de nossa oficina é a
aprendizagem do educando. A Filosofia é uma porta de entrada para que
através dela o oficineiro consiga fazer com que o aluno pense, reflita, consiga
desenvolver sua capacidade de assimilar conceitos, de argumentar, de forma a
ampliar a sua visão do mundo, fazendo com que o aluno pense coisas que ele
até então não havia pensado. O professor deve sensibilizar o aluno de forma a
tornar a oficina interessante, tentando sempre conectar o tema pensado com a
realidade do aluno. Na Filosofia é importante que o aluno possa posicionar-se
de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais,
utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões
coletivas, com o objetivo de desenvolver a compreensão, a cidadania como
participação social e política.
O ensino de Filosofia está desafiado a mudar a lógica da construção do
conhecimento, pois a aprendizagem ocupa toda a nossa vida, de modo que a
Filosofia não é apenas uma disciplina para si mesma, pois agrega nela
condições de abordar inúmeros temas que podem e muitas vezes são
relacionados às outras disciplinas escolares, de maneira a refletir sobre a
construção do pensamento humano e as transformações do mundo que nos
rodeia. A questão do desenvolvimento do pensamento, a falta de compreensão
do mundo, os conceitos básicos de homem, mundo/sociedade, indivíduo,
educação/escola são questões que a Filosofia visa abordar, de modo que
busca questionar formulando problemas e, com isso, tratando de resolvê-los,
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
168
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
utilizando para tanto o pensamento lógico, a intuição, a capacidade de análise
crítica, a criatividade, selecionando procedimentos para que isso possa se
tornar efetivo e verificando sempre sua adequação ao meio.
A atividade educacional é constituída não apenas de conteúdos, mas
também de formas ou estruturas que possibilitem o pensar. A Filosofia, de um
modo geral, possibilita essa condição, pois ela é uma disciplina que tem por
objetivo incitar o estudante a desenvolver suas capacidades, a pensar sobre a
realidade do mundo, de modo como já dito, a pensar coisas que ele até então
não havia pensando e nem se questionado a respeito.
A elaboração desta oficina teve como propósito apresentar, mesmo que
de modo breve, as noções de consumo, opulência e alienação, voltada para a
indústria cultural; explanar o senso crítico dos alunos e provocar discussão
sobre a temática, objetivando desenvolver nos alunos um caráter crítico e
formador de opinião sobre a sociedade em que os mesmos estão inseridos. Ao
final da oficina, quando os alunos realizaram suas perguntas, nós percebemos
o quanto eles puderam captar a ideia central que elaboramos, nos deixando
bem felizes e satisfeitos, com um resultado positivo, apesar do nervosismo e da
falta de experiência em sala de aula.
Portanto, a oficina, como uma ferramenta didática pedagógica, nos
proporcionou um amadurecimento, especialmente como forma de aperfeiçoar
as práticas didáticas aprendidas durante as disciplinas de Estágio. Também
mostrou a verificação dos conteúdos estudados em sala de aula nas disciplinas
de Ética e Política. De modo geral, vemos que a participação na elaboração e
aplicação dessa oficina nos trouxe uma experiência boa para auxiliar nas
regências do Estágio.
REFERÊNCIAS:
ANDRADE, Carlos Drummond.Obra Poética, volumes 4 - 6. Lisboa:
publicações Europa – América, 1989.
FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. Rio de Janeiro: Editora Imago,
1997.
MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização. 6° Edição. Boston: Editora
Zahar,1966.
SUPER CONSUMO – Trecho do Filme “Samsara” Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=nubnu56a9WU&spfreload=10; Acesso em:
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
19/11/2014.
ANIMAÇÃO – HOMEM CAPITALISTA. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=5XqfNmML_V4; Acesso em: 21/11/2014.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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170
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
A LIBERDADE A PARTIR DO VIÉS POLÍTICO DE BENJAMIN CONSTANT
Elizandra B. Sosa
Gabriel Drehmer
Josieli A. Opalchuka
Luana B. Giacomini33
Célia Machado Benvenho
Nelsi Kistemacher Welter34
INTRODUÇÃO
Como objetivo da oficina visamos interpretar no decorrer do pensamento
ocidental as noções de liberdade política, atentando para a concepção clássica
e moderna, sobretudo, a partir do texto discursivo de Benjamin Constant (Da
liberdade para os antigos e para os modernos). A partir do texto base
supracitado, fomentamos a discussão que, voltada para a parte conceitual,
contrastou as duas concepções em voga.
Contrastando as noções de liberdade, tanto na época dos antigos
quanto dos modernos, Constant intenta, assim, mostrar como aquilo que se
entende por indivíduo face à política se mostra mutável no decorrer do
percurso histórico do pensamento ocidental, atentando para os benefícios e
malefícios de cada uma das concepções e, portanto, para a necessidade de
um repensar da política face ao conceito de liberdade, depurando-o e refinando
os modos de atuação e segurança dos direitos junto ao Estado. Se antes, com
os gregos, havia uma supressão da vida particular em detrimento da vida
pública, com a nacionalização dos Estados há a impossibilidade da atuação do
indivíduo que, face ao comércio, angaria para si um interesse muito mais
particular em relação à política do que os gregos na sua época. Apesar da
necessidade da nova organização social e geográfica na modernidade,
Constant elenca um problema que se refere à falta de noção do sujeito junto ao
ato público. Portanto, ao apontar uma saída, o autor propõe a assimilação de
33UNIOESTE,
acadêmicos do 4º Ano de Filosofia, [email protected],
[email protected], [email protected], [email protected].
34 UNIOESTE, Professoras coordenadoras da atividade Oficina Didática de Filosofia durante a
SAF da Unioeste; [email protected], [email protected].
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
171
alguns ideais provenientes dos gregos, mantendo, ainda, as respostas às
necessidades dos grandes Estados. Assim, o que Constant intenta com o
contraste entre as duas noções propostas não é a mera crítica de um pelo
outro, mas antes chegar a um conceito que assimile ambas as noções e, pela
mediania entre elas, dê uma resposta mais plausível aos problemas referentes
aos direitos humanos e seus deveres junto à comunidade política.
PALAVRAS-CHAVE: Liberdade Política; Antigos; Modernos; Constant.
PÚBLICO PARTICIPANTE:
Como participantes da oficina estiveram presentes os alunos do ensino
médio do Colégio Estadual Luiz Augusto Moraes Rego (17 alunos), juntamente
com um professor acompanhante, bem como dois alunos do curso de
licenciatura em filosofia.
DURAÇÃO: 1h45min.
OBJETIVOS DA OFICINA:
a) Abordar os conceitos da liberdade pelo viés da política Antiga e
Moderna através do texto intitulado Da liberdade dos antigos comparada a dos
modernos, de Benjamin Constant.
b) Elaborar um pensamento conceitual acerca da liberdade.
c) Promover o debate sobre a questão da liberdade, contrapondo as
ideias trazidas pelos alunos com as apresentadas pelo texto.
d) Relacionarpolítica e liberdade, desde os antigos aos modernos e
introduzir a discussão contemporânea.
RECURSOS DIDÁTICOS:
Na oficina foram utilizados: recurso multimídia para reprodução de
slides, quadro e giz no decurso das atividades de conceituação, cópias
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
impressas contendo trechos do discurso do autor base para o debate e cópias
para a atividade de avaliação da oficina pelos alunos participantes.
DESENVOLVIMENTO:
1ª ETAPA: SENSIBILIZAÇÃO
Após dar as boas-vindas e apresentar o tema e o autor referencial em
termos gerais, foi reproduzido o vídeo Reach: Liberdade além da janela, com o
objetivo de despertar a atenção dos alunos para a questão da liberdade. No
vídeo, visualiza-se, de forma didática, a relação entre a liberdade individual e
os meios de atuação onde o indivíduo, primordialmente livre, pode atuar
mediante
as
possibilidades
cabíveis.
Em
seguida,
os
alunos
foram
questionados sobre como interpretaram o vídeo a partir das seguintes
questões: “Deque trata o vídeo?” “O que isso pode simbolizar do ponto de vista
da liberdade?”, “O robô era livre?”, “Onde ele poderia agir?”, “O que simboliza o
fio que o mantinha ligado?”.
2ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO
Em seguida, foram feitas questões mais conceituais: “É possível ser livre
estando ligado ou limitado por algo?”. “E quanto a vocês, se consideram livres?
É uma liberdade ilimitada? Como? Por quê?”, “Foi sempre assim?”, “Como era
antigamente?” A partir do vídeo, das respostas e demais comentários dos
alunos, foram explorados os conceitos de liberdade positiva e negativa, no
intuito de problematizar a questão da liberdade dentro de um parâmetro
político, mostrando os impedimentos em termos de normas que juntas
propiciam a liberdade.
3ª ETAPA: INVESTIGAÇÃO
De forma dinâmica, a investigação se deu através de um debate
fomentado pela leitura de trechos específicos do texto de Benjamin Constant,
momento em que a sala foi divida em dois grandes grupos, onde uma parte da
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
173
sala ficou responsável por assimilar o conceito de liberdade para os antigos e a
outra parte da sala para os modernos. Assim, a partir da fala dos próprios
alunos, depois da leitura, interpretação e discussão entre os grupos,
contrapondo pontos específicos dissonantes entre os textos e apresentando os
semelhantes (entre a visão antiga e a moderna), juntamente com o auxílio dos
oficineiros, fez-se a primeira investigação que conduziria à formação de
conceitos com base filosófica.
4ª ETAPA: FORMAÇÃO DE CONCEITOS
A formação de conceitos, realizada com apresentação oral e auxílio de
slides, se voltou para a concepção de Constant, usando alguns autores
específicos de cada época (Aristóteles e Hobbes, como exemplo), no sentido
de mostrar, com a descrição do autor, se comprova a noção de liberdade
dentro do parâmetro histórico e filosófico de cada uma das épocas. Para
conceituar e contextualizar a parte referente aos antigos, voltamo-nos para
Aristóteles como importante pensador da política antiga, mostrando que a
filosofia do autor em questão não discorda ou negligencia a realidade social na
qual estava inserido. Para os modernos, em termos gerais, foram usados
dados referentes à nova organização política, social e econômica, visando
ilustrar um âmbito diferente do grego, da pólis, onde não caberia mais o
conceito antigo de liberdade, mas sim um mecanismo que visa interesses
diferentes abarcando a nova realidade que se apresenta com a modernidade. A
oficina seguiu com a explanação sobre a liberdade moderna, trazendo para
uma discussão contemporânea, principalmente a partir da conquista dos
direitos humanos (DUDH), das concepções de igualdade entre cor, raça, sexo,
classe social, utilizando slides para a apresentação e comparando com a
antiguidade, sempre retomando o debate anterior a partir de Benjamin
Constant. Nesta etapa, o interesse dos alunos foi mais visível, visto que se
tratava de um assunto mais próximo de suas realidades.
Para finalizar, foi exibido o vídeo Programa Político, com duração
03h58min minutos, que traz uma crítica bem-humorada sobre a situação dos
candidatos políticos no nosso país, de modo a incentivar maior participação na
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
174
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
política atual, bem como, incentivar a reflexão e uma maior atenção para com
os assuntos públicos.
AVALIAÇÃO DA OFICINA:
Aspectos positivos:
De forma geral, o que planejávamos não se distanciou do que ocorreu
durante a oficina. Já era esperada a pouca participação dos alunos devido à
timidez e ao estranhamento do ambiente e, como solução, promovemos a
interação, questionando aluno por aluno, promovendo maior comunicação
entre os integrantes, o que foi um ponto positivo, já que deram respostas
surpreendentes que contribuíram muito para a nossa explanação. Tivemos que
superar algumas dificuldades como a timidez, o nervosismo, a diferença entre a
linguagem utilizada por nós, acadêmicos, com a dos alunos do ensino médio,
além da incerteza em relação ao comportamento dos alunos e a participação, o
que resultou em alguns momentos de improviso, mas, por fim, tudo ocorreu de
maneira tranquila. Conseguimos superar esses obstáculos e atingir nossos
objetivos. O material utilizado, slides, vídeos e os trechos do texto impresso,
nos ajudaram a manter o foco da discussão, além de servir como ponto de
apoio. Destaca-se o bom comportamento dos alunos ao participarem e o
respeito com que tratam uns aos outros e com o qual nos trataram, bem como
a atenção dispensada a quem falava. Os vídeos e slides foram citados como
úteis e coerentes o que ajudou na compreensão do tema. Os alunos também
elogiaram o tema da oficina citando, principalmente, a explanação sobre os
modernos e sobre os direitos humanos.
Pontos negativos:
De acordo com as avaliações feitas pelos alunos, ficou nítida a diferença
de domínio de conteúdo entre os oficineiros, na qual apontaram a timidez,
insegurança e dificuldade em se expressar (no sentido de usar uma linguagem
complexa para o entendimento deles). Outro aspecto negativo foi a separação
das falas por temas: liberdade antiga, liberdade moderna, a substituição da
guerra pelo comércio e a declaração universal dos direitos humanos pelos
oficineiros, o que resultou, por vezes, na falta de relação de um conteúdo com
o tema central, deixando a fala restrita, como se decorada, impossibilitando, em
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
175
certa medida, a relação entre a exposição do conteúdo e o próprio conteúdo,
perdendo parte de sua significação. Os acadêmicos que participaram da oficina
mantiveram-se como ouvintes, exceto por um que gerou certo constrangimento
ao questionar algo incoerente com a proposta da oficina, utilizando uma
linguagem estritamente filosófica criando um abismo na compreensão dos
alunos. Houve um incômodo gerado pela entrada e saída constante de
acadêmicos, fotógrafos e professores durante a realização da oficina,
dissipando a atenção dos alunos e oficineiros.
REFERÊNCIAS:
Livro:
CONSTANT, Benjamin. A Liberdade dos antigos comparada à dos modernos.
Trad. e Org. de Marcel Gauchet. Collection Pluriel: Paris, 1980.
Sites:
PROGRAMA POLÍTICO. Produção de Bianca Caetano e Ohana Boy.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=il-cG20QeG4. Acesso em:
03/08/2015.
REACH: Liberdade além da janela. Produção de Luke Randall. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=TnSlW1yo9DA. Acesso em 03/08/2015.
Figuras 1 e 2: Introdução à temática da oficina
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
Figuras 3: Integrantes da Oficina
Figuras 4: Alunos participantes da Oficina
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
177
SEXUALIDADE E DISCURSO EM FOUCAULT
Lucas Henrique Nunes Batista
Patricia Joca Martins
Lucas Paiva Scussiato
Jackison Roberto dos Santos Pinheiro Junior35
Célia Machado Benvenho
Nelsi Kistemacher Welter36
INTRODUÇÃO
Esta oficina teve como intuito principal trabalhar o que Foucault chama
de hipótese repressiva que se inicia a partir do séc. XVII e que seria o marco
de uma época de repressão, próprio das sociedades chamadas burguesas. No
início deste período, as práticas sexuais não procuravam segredo, podia se
dizer tudo sem se importar com o cuidado às palavras proferidas. No entanto,
nesse século ocorre uma mudança drástica quanto ao que se falava sobre o
sexo; a sexualidade é então rodeada por valores morais, sendo confinada ao
lar, e até se restringindo ao quarto dos pais. Uma regra de silêncio foi imposta,
não mais se podia falar sobre sexo de forma transgressora. Reinou a censura.
O sexo então passa a ser algo utilitário e desagradável. O que não era
regulado para reprodução foi expulso, negado e reduzido ao silêncio. Isso fez
com que as práticas sexuais ilegítimas tomassem outro lugar dentro da
sociedade burguesa, o que, de certo modo, segundo Foucault, coincidiu com a
chegada do capitalismo: ela faria parte da ordem burguesa. Se o sexo era
reprimido com tanto rigor, é por ser incompatível com uma colocação no
trabalho. Porém, sendo o sexo reprimido, ou seja, fadado à proibição, o
simples fato de falar dele e de sua repressão possui como que um ar de
transgressão deliberada, e é nesse ponto que irá se discutir de como quem
emprega essa linguagem se coloca até certo ponto fora do alcance do poder;
35
UNIOESTE; acadêmicos do 4º Ano de Filosofia e PIBID Filosofia; E-mail:
[email protected],
[email protected], [email protected],
[email protected].
36 UNIOESTE, Professoras coordenadoras da atividade Oficina Didática de Filosofia durante a
SAF da Unioeste; [email protected], [email protected].
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
desonra a lei; antecipa, por menos que seja, a liberdade futura. Sabendo-se
que Foucault tem como intuito seguir o fio que, em nossas sociedades, durante
tantos séculos ligou o sexo e a procura da verdade pretendeu-se, então,
discutir com as/os alunas/os a forma como estes discursos foram implantados
e com que intuito foram implantados, passando a analisar os discursos e sua
relação com as instituições de poder (da Igreja, do Estado, escola e família,
contextualizando também o parecer da medicina e da psiquiatria) e o papel do
indivíduo perante a essa fomentação discursiva que ocorria na época. Isso foi
feito a partir da obra de Michel Foucault, História da Sexualidade I: Vontade de
Saber.
PALAVRAS-CHAVE: Discurso; Sexualidade; Poder.
PÚBLICO PARTICIPANTE:
A oficina foi aplicada durante a XVIII Semana Acadêmica de Filosofia,
contando com a participação de alunos do 3º ano do Colégio Evangélico Martin
Luther (11 alunos), e alunos do 2º Ano do Colégio Estadual Luiz Augusto
Morais Rego (17 alunos); Acadêmicos e docentes do curso de Filosofia e
professores da rede pública de Ensino Médio;
DURAÇÃO: O tempo utilizado para o desenvolvimento da atividade foi de
1h30min.
OBJETIVOS DA OFICINA:
 Caracterizar a relação entre o discurso e a sexualidade;
 A partir de uma analise genealógica, abordar a modificação discursiva
decorrente dos sécs. XVII, XVIII e XIX;
 Discutir sexualidade e poder;
 Analisar o dispositivo de aliança e o de sexualidade.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
179
RECURSOS DIDÁTICOS:
Papel, caneta, multimídia, excertos da obra “Historia da Sexualidade: A
Vontade de Saber” de Michel Foucault, curta metragem “O Mundo ao
Contrario”, cartazes com o conteúdo do projeto fotográfico “Sexualidade e
Ignorância” dos alunos de Jornalismo da USP.
DESENVOLVIMENTO:
1ª ETAPA: SENSIBILIZAÇÃO
A sala continha cartazes utilizados no projeto fotográfico “Sexualidade e
Ignorância” dos alunos de Jornalismo da USP (esse material foi abordado na
etapa de conceituação) e, como sensibilização, foi utilizado um trecho do curtametragem “O Mundo ao Contrário” que retrata inversamente como as
instituições sociais usam dos discursos para que se possa regular e interferir
na vida e nos atos sexuais das pessoas, sempre visando seguir a norma
vigente, resultado da moral, da política e da economia e suas demandas para a
sociedade.
2ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO
Após a sensibilização foram levantados os seguintes questionamentos,
a partir do vídeo, para iniciar uma reflexão nos alunos que os guiou pelo
pensamento do autor:
 Qual é o tema do vídeo?
 O que o vídeo mostra ao espectador?
 O que vocês entendem por sexualidade?
 O que significa sexualidade?
 Existe apenas uma forma de sexualidade legítima?
 Como vocês acham que a escola trata esse tema?
 Como vocês acham que a igreja trata esse tema?
 Como vocês acham que a família trata esse tema?
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
180
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
 Vocês acham que a tentativa de “normatizar” as práticas sexuais tem
relação com a economia e/ou a política atual?
3ª ETAPA: INVESTIGAÇÃO
Nessa etapa, a partir de uma apresentação de slides, foi apresentado o
pensador Michel Foucault e o que ele entende por poder, discurso e como
esses conceitos se encontram dentro da nossa sociedade, e a relação com a
regulação da prática sexual. Para expressar melhor os conceitos, entregamos
uma folha com trechos específicos da obra de Michel Foucault, tratando sobre
as instituições de poder e como elas agem e influenciam o cotidiano e o
posicionamento das pessoas em relação à sexualidade, sobre o que é
considerado certo e errado. Trabalhou-se também até que ponto pode se
subverter essa lógica das instituições, as práticas sexuais não normativas,
visando esclarecer quais eram seus lugares dentro da sociedade e o seu
papel.
4ª ETAPA: FORMAÇÃO DE CONCEITOS
Após o vídeo e da explanação do pensamento de Foucault, discutiu-se
sobre o conteúdo dos cartazes, que pertencem a um projeto fotográfico de
alunos/as da USP. A intenção era de causar uma reflexão sobre discursos
comumente expressados pela sociedade, para as pessoas LGBT dentro de
âmbitos da nossa sociedade, inclusive dentro da escola, levantando a questão
das PME’s. Por fim, pedimos para cada aluno/a fazer um texto sobre o que
entenderam do pensamento do autor, tentando estabelecer uma relação com o
tema do vídeo e dos cartazes, colocando seu posicionamento se realmente há
a importância de se discutir gênero e sexualidade dentro da nossa sociedade, e
se este tema deve ser abordado dentro da escola e o porquê.
AVALIAÇÃO DA OFICINA:
A primeira dificuldade encontrada pelo grupo se dá na polêmica do tema
tratado, apesar de tentarmos tratar de uma maneira tranquila e que não ferisse
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
181
ninguém. A segunda dificuldade foi buscar os conceitos de Foucault de
maneira que pudéssemos encaixa-los no tema da Sexualidade e trazer isso
para o dia a dia do aluno. Para essas duas dificuldades, estabelecemos que
precisávamos elencar os conceitos primordiais do autor: DISCURSO, que é
conceituado como uma rede de signos que se conecta a outras tantas redes de
outros discursos, em um sistema aberto, e que registra, estabelece e reproduz
não significados esperados no interior do próprio discurso, mas sim valores
desta sociedade que devem ser perpetuados; e PODER este, para o autor, não
existe, o poder é uma realidade dinâmica que ajuda o ser humano a manifestar
sua liberdade com responsabilidade, ele acredita no poder como um
instrumento do discurso entre os indivíduos de uma sociedade. A partir disso,
procuramos distinguir como o francês traz esses dois conceitos no tema da
Sexualidade, mostrar que a repressão do sexo iniciou durante o séc. XVII e
que isso se dá, como mostra o francês, com o surgimento da burguesia, e nos
séculos posteriores o discurso sobre o sexo serviu para criar uma ciência sobre
ele e usado como forma de manutenção social pelas instituições de poder.
Durante a oficina, a principal dificuldade foi a pequena participação da turma
nos momentos para discussão e conceituação. No entanto, isso não foi um
problema para que eles entendessem a oficina, pois após a oficina vários
alunos (em sua maioria alunos do Morais Rego) vieram ao grupo para tirar
dúvidas sobre a oficina e sobre o autor estudado. Nesse momento, a conversa
foi descontraída e bastante produtiva, porque não havia mais a formalidade da
sala de aula que causava certa insegurança a eles.
REFERÊNCIAS:
CASTRO, Edgardo. Vocabulário de Foucault – Um Percurso Pelos Seus
Temas, Conceitos e Autores. Belo Horizonte: Autentica Editora, 2009.
FOUCAULT, Michel. Historiada Sexualidade I: A Vontade de Saber. Rio de
Janeiro: Edições Graal, 1998.
FOUCAULT, Michel. Ética, Sexualidade, Politica – 2. ed. - Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2010.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal,
1979.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
182
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
Curta metragem “Mundo ao contrario” Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=YQewUi4dz5s>. Acesso em: 13/11/2014.
Projeto fotográfico dos/as alunos/as da USP: “Sexualidade e
Ignorância”https://www.facebook.com/humanizaredes/posts/371745509684685.
Acesso em: 06/08/2015.
ANEXOS: Imagens do desenvolvimento da Oficina.
Figura 1: Alunos participantes da Oficina
Figura 2: Participantes da Oficina
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
183
Figura 3: Participantes da Oficina
Figura 4: Desenvolvimento da oficina
Figura 5: Acadêmicos responsáveis
pela Oficina
Figura 6: Desenvolvimento da oficina
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
184
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
EXISTENCIALISMO EM JEAN-PAUL SARTRE
Michelle Silvestre Cabral37
Natalia Aparecida Pacheco Ferro
Rafael Saragoça Ortolan
Thaylan Corassa38
Célia Machado Benvenho
Nelsi Kistemacher Welter39
INTRODUÇÃO
A presente oficina pretende explorar aspectos da uma corrente filosófica
denominada Existencialismo, a partir do pensamento de Jean-Paul Sartre. O
intuito é promover o contato de estudantes do Ensino Médio com trechos de
textos primários da filosofia ressaltando a possibilidade de aproximação entre
algumas problemáticas presentes nestes textos com a vida. A oficina centra-se
em temas como existência, reflexão e condição humana e buscará orientar
atividades de interpretação, conversação e problematização em torno destes.
Acredita-se que o exercício do diálogo e reflexão filosóficos, na medida em que
busca tornar o estudante protagonista dos movimentos de seu próprio pensar,
podem propiciar o desenvolvimento do pensamento crítico, criativo e
autônomo, potencializando sua aprendizagem.
PALAVRAS-CHAVE: Existencialismo. Homem.Reflexão.
37
UNIOESTE, Docente do curso de Filosofia, [email protected].
UNIOESTE, Acadêmicos do 4º no de Filosofia, [email protected];
[email protected]; [email protected].
39 UNIOESTE, Professoras coordenadoras da atividade Oficina Didática de Filosofia durante a
SAF da Unioeste; [email protected], [email protected].
38
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
185
PÚBLICO PARTICIPANTE:
Oficina desenvolvidacom2º e 3º anos do Ensino Médio do Colégio
Estadual Novo Horizonte (24estudantes) e do Colégio Martin Luther King
(7estudantes), com participação de alunos da Licenciatura em Filosofia da
UNIOESTE e professores da Rede Estadual de Ensino.
DURAÇÃO: 1:30 h.
OBJETIVOS DA OFICINA:

Proporcionar aos estudantes experiências educacionais que lhes
permitam estabelecer relações e conectar suas próprias inquietações a
problemas filosóficos;

Debater temáticas através do contato direto com textos
consagrados da História da Filosofia;

Cultivar o exercício do pensar como especificidade da atividade
filosófica;

Estimular a criatividade e a liberdade de pensamento em
atividades de reflexão e escrita filosófica.
RECURSOS DIDÁTICOS:
Materiais: Excertos da Antologia de Textos Filosóficos, multimídia, folhas
A4, lápis, caneta, trechos de filme.
Metodologia filosófica: A oficina será desenvolvida a partir de uma
metodologia expositivo-dialógica, na qual se mesclará a exposição de textos e
informações sobre filósofos com a estimulação constante à participação dos
estudantes na construção de um diálogo crítico/investigativo. Além do trabalho
direto com textos de filosofia, será exibido trechos do filme O mundo de Sofia,
de Gaarder, com o intuito de levantar questões próximas às vivências dos
estudantes, possibilitando a sensibilização destes para a investigação
filosófica.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
186
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
Figura 1: Livros utilizados na Oficina
DESENVOLVIMENTO:
1ª ETAPA: SENSIBILIZAÇÃO
Logo na chegada dos participantes, foi distribuído um pequeno
pergaminho com a orientação de abri-lo apenas no momento em que fosse
indicado pelos oficineiros. No pergaminho estava contida a imagem de um
espelho com a pergunta: Quem sou eu?, a qual serviu de guia para a
investigação a ser realizada na oficina. Os estudantes foram acomodados em
carteiras dispostas em forma de um semicírculo, com intuito de estimular a
colaboração entre estes e a o pleno contato visual de todos.
Na sequência, realizou-se uma breve apresentação dos oficineiros, bem
como uma contextualização da atividade a qual estariam participando.
Expomos que o início se daria com a exibição de um trecho do filme O mundo
de Sofia (12 primeiros min.), o qual se baseia na obra homônima de Gaarder
(1991).
Após isso, exibiu-se o filme. Neste trecho do filme, a personagem
principal Sofia aparece por diversas vezes em seu contexto escolar e familiar
realizando atividades rotineiras consideradas comuns para uma adolescente
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
187
prestes a completar quinze anos de idade. Em meio aos acontecimentos do
filme, Sofia descobre em sua caixa de correio uma correspondência anônima,
endereçada a ela, contendo a pergunta “Quem sou eu?”. A pergunta deixa
Sofia inquieta, sobretudo porque percebe que tem dificuldades para formular
uma resposta imediata e final para a mesma. Percebe que ao refletir sobre a
questão, novas e novas questões surgem como que relacionadas a esta e,
igualmente, não se esgotam em uma resposta apenas. Como tentativa de
buscar uma solução, Sofia passa a interrogar seus colegas de escola e sua
mãe, os quais não dão tanta importância ao problema apresentando respostas
vagas e imprecisas. A situação se torna ainda mais enigmática, quando
encontra uma nova carta contendo a questão “De onde vem o mundo?”.
A exibição do filme tinha o objetivo de sensibilizar os estudantes à
temática abordada na oficina. A escolha do filme se deveu justamente por
buscar-se, nesta etapa, despertar o interesse do estudante a partir do elemento
sensível presente na obra cinematográfica. Além disso, havia o fator de o
enredo ser constituído justamente em um contexto juvenil, possibilitando a
identificação dos estudantes com as vivências representadas.
Figura 2: Exibição do Filme
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
188
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
Figura 3: Reflexões sobre o Filme
2ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO
Para a problematização, primeiramente sugerimos que os estudantes
refletissem sobre o filme que assistiram e as questões que apareceram, de
modo a apurar se as mesmas já tinham sido pensadas por eles em algum
momento de suas vidas. Em seguida, solicitou-se aos participantes que
abrissem o pergaminho que receberam no início da oficina e respondessem à
questão contida neste: Quem sou eu? Com tal pergunta, pretendeu-se
introduzir
a
problemática
existencialista
desenvolvida
no
pensamento
sartreano. Os pergaminhos, com as respostas, foram recolhidos e reservados
para fins de registro.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
189
Figura 4: Trabalho com o pergaminho
3ª ETAPA: INVESTIGAÇÃO
Inicialmente foram apresentadas (através de projeção em slides) breves
informações sobre a vida e obra do filósofo Jean-Paul Sartre (1905-1980), além
de definições de alguns conceitos centrais que aparecem na obra sartreana.
A investigação foi realizada por meio de leitura, análise e conversação
sobre um texto produzido pelos oficineiros a partir de excertos de O
existencialismo
é
um
humanismo,
de
Sartre
(2009)
e
citações
de
comentadores. Para tanto, distribuiu-se os participantes em quatro grupos, aos
quais foram entregues cópias do texto impresso. Cada oficineiro acompanhou
um dos grupos, auxiliando na leitura e interpretação do texto e orientando a
conversação no sentidod e estimular a colocação e a contraposição dos
diversos pontos de vista presentes no grupo; sempre que necessário, incitando
a discussão com perguntas claras e na linguagem dos participantes; buscando
deslocar a discussão que geralmente fica entre ministrante e grupo para
colocá-la principalmente entre os participantes; e, por fim, ressaltando que a
compreensão do tema estaria a cargo de todo o grupo e não do ministrante.
Após esse momento, os grupos foram desfeitos e buscou-se estabelecer
um diálogo entre todos. Foi solicitado que cada grupo elegesse seu
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190
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
representante para apresentar a interpretação do grupo e as possíveis relações
estabelecidas entre o problema discutido e a vida de cada um. Muitos
estudantes se dispuseram a comentar sua interpretação, apresentando
exemplos que surgiram no momento do contato com o texto. As perspectivas
foram compartilhadas, respeitando as diferenças surgidas e estabelecendo
uma troca de experiências rica em conteúdo e significação.
Figura 5: Desenvolvimento da Oficina
Segue abaixo cópia do texto entregue aos participantes:
“Quem sou eu?” Essa é uma das perguntas que animam a personagem
Sofia do romance de Gaarder, O mundo de Sofia (1991). Essa é também uma
das perguntas que, entre outras como “Qual o sentido da vida?” ou “Porque
tudo existe e, não antes, o nada?”, etc., atravessam a história do pensamento
humano. Alguns pensadores afirmam que isso é assim, justamente porque são
questões que envolvem os elementos mais fundamentais da condição humana.
Questões que, muito possivelmente, ocupam as pessoas em um ou outro
momento de suas vidas e que podem ser decisivas para determinar os rumos
de sua existência.
Certamente que uma resposta como “Eu sou João” ou “Sou Maria”
poderiam por fim ao movimento interrogativo, encerrando-a. Ou, talvez, numa
resposta mais abrangente “Sou professor de..., moro em...” enfim, poderia
oferecer mais informações que, sendo circunscritas, também implicariam o
anulamento da questão enquanto questão e poria fim ao movimento do pensar.
Mas, além disso, tal modo de responder a referida questão significaria, já de
antemão, uma atitude determinada sob a qual estaríamos considerando os
elementos implicados na mesma, ou seja, o eu, o indivíduo seria tomado como
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
191
suporte de predicados, como algo pronto, acabado. Como um dado cujo
acesso se faria por meio meramente descritivo. Estratégia esta que objetiva o
homem, tornando-o objeto.
Sartre faz parte de uma corrente filosófica, o Existencialismo, que
pretende compreender o humano para além desse modo comum: propõe
pensá-lo como sujeito que se constitui no mundo a cada ato. Segundo
Moutinho (2009, pp. 610-611), o existencialismo consiste,
em partir do homem não como “animal racional”, não como
“bípede falante e implume” etc, mas como ser-no-mundo. Esse
ponto de partida é filosófico, não científico. Onde está a
diferença? É que não se parte aqui de uma definição do que é
o homem (se se preferir, não se busca definir o que é o
homem). Essa estratégia tem uma pré-condição que a Filosofia
rejeita: ela objetiva o homem, ela o torna objeto.
O lema mais geral do existencialismo é a afirmação de que “A existência
precede a essência”. De acordo com Sartre (In: MARÇAL, 2009, p. 619),
Que significa dizer que a existência precede a essência?
Significa que o homem primeiro existe, se encontra, surge no
mundo, e que se define depois. O homem, tal como o
existencialista o concebe, se não é definível, é porque de início
ele não é nada. Ele só será em seguida, e será como se tiver
feito. Assim, não há natureza humana [...]O homem é não
apenas tal como ele se concebe, mas como ele se quer, e
como ele se concebe depois da existência, como ele se quer
depois desse impulso para a existência, o homem nada mais é
do que aquilo que ele faz de si mesmo.
Esta especificidade localiza o homem na contramão das definições
usuais das ciências, pois não parte de nenhuma definição pré-concebida de
humanidade. Esse seria, para Sartre, o traço mais característico do homem: o
estar-em-aberto desde sempre para tornar-se aquilo que fizer de si mesmo.
Para fundamentar tal tese, Sartre lança mão da atitude reflexiva: meio
através do qual o homem poderia alcançar a coincidência imediata consigo
mesmo, já não como objeto dado, mas enquanto atividade constituinte. A
reflexão, método por excelência da filosofia, seria, portanto, o caminho de
desvelamento da especificidade humana: a referência imediata a si, ou seja, a
consciência. Conforme Moutinho (2009, p. 612): “É isso que Sartre designa por
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
consciência, esse ser que envolve algo como uma reflexividade interna, que
tem essa reflexividade como modo de ser”. Neste sentido, para Sartre,
consciência pode ser descrita como a certeza absoluta que o ser humano tem
de si mesmo, independentemente de teorias ou definições intermediárias; ou,
ainda, como o traço característico que marca o modo de ser dos atos humanos,
a relação a si.
Figura 6 e 7: Investigação: leitura do texto
Figura 8 e 9: Investigação: leitura do texto
4ª ETAPA: FORMAÇÃO DE CONCEITOS
Nesta etapa, questionamos os participantes se, após todo diálogo,
realizariam alguma alteração na primeira resposta que haviam formulado para
a pergunta contida no pergaminho. Distribuímos folhas aos mesmos e
solicitamos que registrassem através de escrita sua nova perspectiva.
Buscou-se, com esta oficina, destacar a especificidade da existência
humana face a objetividade dos entes mundanos. Partindo da compreensão de
que,
assim
como
a
personagem
Sofia
busca,
através
de
seus
questionamentos, construir para si mesma o sentido de sua vida, cada um de
nós pode se deparar, no decorrer de nossas vidas, com momentos radicais de
angústia e de busca por sentido. Seguindo o pensamento de Sartre, é possível
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
193
que em tais situações, percebamos que faz parte de nossa condição ter que
constituir o significado da existência a cada ato. Neste ínterim, ressaltamos que
um dos objetivos da oficina é, concordando com Sardi (2004, P. 144), “registrar
que, por detrás de toda a complexidade do pensamento filosófico, há algo que
participa de nossa condição humana e que nos cumpre ainda compreender
melhor, e que é acessível a todos, adultos, jovens e crianças. Pois somos,
antes, ‘humanos’, e partilhamos juntos o mistério de nossas existências, o
enigma da realidade”. Assim, contamos que as atividades propostas a partir do
pensamento sartreano poderiam fazer emergir, das experiências e vivências
próprias de cada um, motivos para pensar sobre o que nos caracteriza como
ser-no-mundo, a saber, a atividade ininterrupta de invenção de si mesmo.
Figura 9 e 10: Investigação: Discussão
Figura 11 e 12: Conceituação
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
194
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
Figura 12: Participantes da Oficina
AVALIAÇÃO DA OFICINA:
Acreditamos
que
os
objetivos
propostos
foram
alcançados
no
desenvolvimento da atividade, sobretudo pelo retorno que os estudantes nos
deram ao final, demonstrando interesse e disposição em participar do diálogo e
trazendo relatos de suas vivências que puderam ser relacionados ao tema e a
problemática tratada. Também tivemos um retorno muito positivo quanto ao
modo como a atividade foi conduzida, tanto por parte dos acadêmicos, do
professor de Ensino Médio presente e dos acadêmicos que acompanharam o
trabalho.
REFERÊNCIAS:
GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia.
Tradução de João Azenha Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
MARÇAL, Jairo (org.). Antologia de Textos Filosóficos. Curitiba: SEED-PR,
2009.
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Relatos de experiências...
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O MUNDO DE SOFIA. Direção de Erik Gustavson. Noruega/ Suécia: Versátil
Filmes, 1999. Filme completo baseado na obra homônima de Jostein Gaarder.
Duração 113 minutos.
SARDI, Sérgio Augusto.Ula – Um Diálogo Filosófico entre Adultos e Crianças.
In: Filosofia e educação - confluências. TREVISAN, Amarildo Luiz;
ROSSATTO, Noeli Dutra (Orgs.). Santa Maria: Ed. FACOS/UFSM, 2004.
SARTRE, Jean-Paul.O Existencialismo É um Humanismo. In: MARÇAL, Jairo
(org.). Antologia de Textos Filosóficos. Curitiba: SEED-PR, 2009.
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
SARTRE: ESTAMOS CONDENADOS À LIBERDADE?
Neusa Rudek
Francielle Festner
Pâmela Elger40
Célia Machado Benvenho
Nelsi Kistemacher Welter41
INTRODUÇÃO
A presente oficina parte do princípio de esclarecer os conceitos
sartrianos de Existência, Essência e Liberdade. O devido esclarecimento
realizar-se-á por meio do pensamento de Jean-Paul Sartre (1905-1980), em O
ser e o nada e em sua respectiva obra O existencialismo é um humanismo, que
foi considerada um texto circunstancial. O filósofo existencialista parece entrar
em contradição ao afirmar que a “existência” precede a “essência” e que
estamos condenados à “liberdade”. A existência precede a essência porque o
homem primeiro existe, depois se define, enquanto todos os outros entes são o
que são, sem se definirem. Sartre explica que, de fato, o ponto de partida para
fundamentar a existência é a subjetividade do indivíduo, mas, não é uma
subjetividade rigorosamente individual. Esta, apenas, permite ao sujeito
apreender-se e apreender ao outro como sendo sua própria condição de
existência. O outro é indispensável à minha existência na medida em que se
apresenta como liberdade posta à minha frente: deste modo, descobre-se a
intersubjetividade, através da qual, decide-se pelo que se é e pelo que os
outros são. Portanto, só posso conhecer-me diante do outro, ou seja,
postando-me diante dos outros, diante dos objetos, diante do mundo: a
consciência me põe diante daquilo que sou e daquilo que não sou, sou
humano, não sou objeto nem qualquer outra coisa. Além disso, pode-se
considerar que não existe uma essência universal ou uma natureza humana. O
40
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, acadêmicas da 4º série e do Pibid Filosofia,
[email protected], [email protected] e [email protected].
41 UNIOESTE, Professoras coordenadoras da atividade Oficina Didática de Filosofia durante a
SAF da Unioeste; [email protected], [email protected].
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
197
que há é uma universalidade de condição humana que, claramente, é o
conjunto dos limites a priori que esboçam a situação fundamental de um
projeto no universo. A subjetividade individual, o eu penso, é a única teoria que
atribui uma dignidade ao homem, excluindo-o do estatuto material do objeto,
determinado pelo conjunto das qualidades e fenômenos que o constituem.
Assim, por exemplo: uma mesa ou uma cadeira, não possuem consciência de
si, de ser algo ou pertencer ao conjunto dos materiais, de se colocar diante de
qualquer outro objeto ou de si mesmo. O estatuto da subjetividade é regido por
um conjunto de valores distintos das propriedades que determinam os objetos
ou o em-si, esses valores são os limites a priori ou a liberdade ontológica. O
homem existe e é livre para construir-se por meio de suas escolhas. Não há
uma essência que o anteceda e o determine como um objeto que possui uma
finalidade intrínseca. No caso do homem, há uma liberdade ontológica que
possibilita ao homem lançar-se no mundo. O homem está lançado no mundo
como um projeto primeiramente livre e vazio de conteúdo. Estar lançado no
mundo é estar livre para projetar a si mesmo. Sartre usa o conceito de parasi referindo-se ao homem, já que, de acordo com ele, somente o homem pode
projetar-se, lançar-se para o futuro. Nas obras supracitadas, Sartre trata das
implicações da liberdade para com o homem. Descreve-a como uma angústia,
pois o homem está condenado numa existência absurda, isto é, condicionado à
liberdade de escolhas e as mesmas não remeterem a nada. Não há como
libertar-se da liberdade de decidir, de escolher, como agir. Não é possível
deixar de escolher, mesmo que se opte por não escolher, escolhe-se algo,
abster-se de uma decisão, portanto, é uma escolha. Estamos condenados à
liberdade porque não escolhemos ser livres, ser livre é determinação
ontológica, refere-se ao projeto estrutural constitutivo do lançado, ou seja, a
liberdade é inerente à condição do humano. Nesse sentido, é coerente, em
termos sartrianos, afirmar que o homem está condenado à liberdade.
PALAVRAS-CHAVE: Existência; Essência; Liberdade.
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
198
ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
PÚBLICO PARTICIPANTE:
Oficina aplicada ao 2° e 3º ano do ensino médio do Colégio Estadual
Jardim Europa (26 alunos), 1°, 2° e 3° ano do ensino médio do Colégio
Estadual Presidente Castelo Branco (12 alunos), com participação de alunos
da Licenciatura em Filosofia e do Curso de Ciências Sociais da Unioeste, bem
como de professores da rede estadual de ensino, totalizando 55 participantes.
DURAÇÃO:1h30min.
OBJETIVOS DA OFICINA:
- Desconstruir a leitura comum de liberdade.
- Apresentar a condição de liberdade para as possibilidades.
- Instigar os alunos para a reflexão acerca da condição humana.
- Possibilitar a reflexão acerca das escolhas pessoais.
- Destacar a importância do tema proposto.
RECURSOS DIDÁTICOS:
Cartolinas; canetas; folhas sulfite; imagens de revistas diversas; fita
adesiva; multimídia; slides; vídeo; texto impresso, lousa e giz.
DESENVOLVIMENTO:
1ª ETAPA: SENSIBILIZAÇÃO
Os
alunos
foram
recepcionados
e
conduzidos
de
modo
que
escolhessem a partir de imagens recortadas e dispostas dentro de um cesto
sobre a mesa; na sequência acomodaram-se em seus lugares. O objetivo
desta dinâmica é sensibilizá-los a partir de suas escolhas. Após, fez-se uma
breve apresentação dos integrantes da oficina e do tema proposto.
Prosseguiu-se com a exposição selecionada do filme Thelma and Louise, cujo
tempo aproximado é de 5 minutos. Após, seguiu-se com breve explicação do
ANAIS da XVIII SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA da UNIOESTE Toledo-PR
Relatos de experiências...
199
filme, destacando que os protagonistas depararam-se com escolhas, decisões
e consequências. Em seguida, foi exposto o conteúdo em questão (explicação
sobre o estatuto dos objetos, que possuem essência e, por isso, são
determinados) de modo a prepará-los para o próximo passo. A finalidade de
trabalhar com estes exemplos é mostrar como os objetos não possuem
liberdade, que estão fechados em si e que possuem uma essência que os
determina, isto é, mesmo que submetidos às transformações, permanecem sob
o estatuto de objetos ou de seres existentes em seus ambientes próprios.
2ª ETAPA: PROBLEMATIZAÇÃO
Após a sensibilização e exposição do tema, foram feitas as seguintes
questões com o intuito de levantar diferentes exposições, bem como distintas
questões entre os alunos: A partir das imagens que escolheram ao serem
recepcionados, vocês perceberam que a questão abordada referia-se às
escolhas? O que possibilita as escolhas? Somos responsáveis pelas mesmas?
Os objetos podem fazer escolhas? São livres? Quais as possibilidades dos
objetos? Pode-se afirmar que o modo como existem é de caráter determinado?
Para Sartre, o que determina um objeto? Quais as possibilidades do homem?
O homem é diferente dos objetos? De que modo caracteriza-se essa
diferença? O que é ser livre em termos sartrianos? As escolhas são
importantes no tocante à construção individual e coletiva?
3ª ETAPA: INVESTIGAÇÃO
Os materiais utilizados para a sensibilização serviram como ponto de
partida para um questionamento acerca do tema proposto. Foram
utilizados
4parágrafos da obra O existencialismo é um humanismo de Jean-Paul Sartre,
na respectiva ordem: parágrafo 1 da pág. 18, parágrafo 2 da pág. 19, parágrafo
2 da pág. 21 e final da pág. 24. Os textos impressos foram enumerados
conforme a quantidade de grupos formados, neste caso, foram formados 4
grupos. Todos os alunos do grupo dispunham de uma cópia do mesmo texto.
Cada grupo trabalhou parágrafos distintos, por exemplo: o grupo 1 trabalhou o
parágrafo 1 da pág. 18; o grupo 2 trabalhou o parágrafo 2 da pág. 19; o grupo 3
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trabalhou o parágrafo 2 da pág. 21; e o grupo 4 trabalhou o parágrafo final da
pág. 24. Cada grupo recebeu uma folha sulfite e caneta para anotar as
observações e as conclusões da leitura. Os grupos tiveram o tempo de 20 min.
para ler e discutir acerca do texto e dos conceitos em questão. Em seguida,
cada grupo escolheu um representante para apresentar a compreensão acerca
do texto. Os alunos expuseram suas posições e levantaram questões como o
esperado. A compreensão acerca do tema pode ser observada nas falas dos
alunos.
4ª ETAPA: FORMAÇÃO DE CONCEITOS
O primeiro momento da sensibilização foi realizado quando os alunos
foram recepcionados de modo a escolherem uma dentre as imagens
recortadas de revistas e dispostas em um cesto sobre a mesa. Após
escolherem as imagens, os alunos dirigiram-se aos seus lugares. Prosseguiuse com a apresentação dos integrantes da oficina e do tema em questão.
Apresentou-se, por meio de slides, a bibliografia de Jean-Paul Sartre e seus
conceitos a partir da obra O existencialismo é um humanismo. Seguiu-se com a
parte selecionada do filme Thelma and Louise e em seguida iniciou-se a
problematização em forma de questões acerca do filme, relacionando-o com o
cotidiano. Formou-se os grupos e os textos foram distribuídos para cada aluno.
Os alunos leram o texto e debateram entre eles para poderem formar uma
conclusão acerca dos conceitos. Os integrantes do grupo apresentaram os
conceitos em forma de questionamento, relacionando-os com o cotidiano,
correspondendo ao resultado esperado. Para finalizar, foi exposto outro vídeo
de 3 min. sobre os conceitos de Sartre e um breve diálogo sobre a
responsabilidade das escolhas no tocante ao cotidiano dos alunos, em seguida
foi realizada a avaliação da oficina pelos participantes e após, os alunos foram
conduzidos ao coffe break.
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201
AVALIAÇÃO DA OFICINA:
A oficina atendeu aos resultados esperados. Os alunos participantes a
avaliaram de forma positiva. Houve um pequeno contratempo no momento de
apresentar o primeiro vídeo, pois o multimídia não conectava o aplicativo do
filme. Precisamos da ajuda de um dos alunos para fazer o ajuste. Ao que
parece, faltou, por parte dos integrantes da oficina, alguém com habilidades
para usar o multimídia. Mesmo assim, não houve prejuízo na aplicação da
oficina. A maioria das avaliações consideraram que deveria haver mais tempo
para as discussões entre os grupos, mais tempo para a oficina. Em relação ao
número de participantes, foram cerca de 55 e não houve dificuldades quanto à
organização dos grupos, pelo contrário, facilitou a discussão em torno dos
conceitos abordados. Nossas expectativas eram, de fato, bem diferentes
daquelas que se efetivaram no decorrer da oficina, mas, de modo positivo. O
número de participantes foi bem maior do que o previsto, mas, assim mesmo,
nos preparamos para um público com 60 participantes no tocante ao material
que seria utilizado, bem como um vídeo auxiliar, caso não completássemos o
tempo previsto. Consideramos, durante o planejamento da oficina, certos
imprevistos como o acima citado, portanto, não houve grande ansiedade em
torno da efetivação da oficina. Imprevistos acontecem, mas, pode-se, desde
que se tenha o domínio do conteúdo a ser abordado, improvisar os ajustes. Foi
uma experiência maravilhosa observar os alunos discutirem e se posicionarem
quanto ao conteúdo filosófico da oficina. Estávamos preparados para intervir e
realocá-los caso dispersassem ou não compreendessem devidamente, mas,
para nossa surpresa, não houve necessidade. Consideramos que os objetivos
da oficina foram atingidos e também que a oficina sendo aplicada a outro
público, poderá ser completamente diferente. Acreditamos que é importante,
neste processo, que ocorra a divulgação das oficinas e que o aluno tenha
liberdade de escolher de qual delas deseja participar.
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ANAIS da XVIII Semana Acadêmica de Filosofia da UNIOESTE
ANEXOS:
Figura 1: Recepção dos alunos e
direcionamento à escolha das
imagens;
Figura 2: Alunos organizados para o
início da próxima atividade.
Figura 3: Apresentação dos
integrantes da oficina e do tema
proposto.
Figura 4: Apresentação de slides
sobre a vida do filósofo Sartre.
Figura 5: Apresentação conceitos
que serão trabalhados
Figura 6: Apresentação do filme
Thelma and Louise;
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Figura 7: Formação dos grupos para
investigação
203
Figura 8: Discussão e apresentação
dos conceitos
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada. 13ª ed. Tradução de Paulo Perdigão,
Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. 3ª ed. Tradução de
João Batista Kreuch, Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
THELMA AND LOUISE: https://www.youtube.com/watch?v=tnKnTqu3v2c
8 – Bit Fhilosofhy – EP5 Sartre (LegendadoPt)
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