Artigo 15

Propaganda
Relato de Caso
A importância da suspeita clínica da síndrome
de Hamman na sala de urgência
Importance of the suspicion of Hamman's syndrome
in the emergency room
RESUMO
A síndrome de Hamman (pneumomediastino espontâneo) pode,
com frequência, estar associada ao acometimento cervical. O
enfisema cervical espontâneo, observado nesses pacientes, é
definido como a dissecção aérea dos tecidos profundos e/ou
superficiais do pescoço sem a determinação de uma causa
aparente. Além do trauma, o enfisema subcutâneo pode advir de
outras situações relacionadas à elevação da pressão intratorácica,
assim como pode estar associada ao consumo de drogas inaladas.
Apresentamos um caso raro de enfisema espontâneo acometendo
o pescoço e o mediastino, de importante valor semiológico e que
exige do médico assistente auto grau de conhecimento e
suspeição.
Luiz Carlos Conti-de-Freitas1
Juliano Borges Mano2
Hilton Marcos Alves Ricz3
Rui Celso Martins Mamede3
ABSTRACT
Hamman's Syndrome (spontaneous pneumomediastinum) can be
associated to neck extension. Spontaneous cervical emphysema observed
in those patients is defined as air spread on deep and/or superficial neck
tissues without an apparent cause. Beyond trauma, subcutaneous
emphysema can happen in other related situation with rise of intrathoracic
pressure, as well as can be associated to use of inhalated drugs. We present
a rare case of a cervical and mediastinal spontaneous emphysema, with
important semiologic value and that it demands a high degree of the
medical knowledge and suspicion.
Key words: Mediastinal Emphysema. Subcutaneous Emphysema.
Chest Pain. Dyspnea. Tomography, X-Ray Computed.
Descritores: Enfisema Mediastínico. Enfisema Subcutâneo. Dor
no Peito. Dispnéia. Tomografia Computadorizada por Raios X.
INTRODUÇÃO
A síndrome de Hamman1 (pneumomediastino espontâneo) é
definida como a presença de ar no interstício mediastinal, sem
etiologia aparente, podendo, em cerca de dois terços dos
casos, apresentar acometimento cervical. O enfisema cervical
é um achado frequente em pacientes politraumatizados,
especialmente nas vítimas de trauma cérvico-torácico pérfurocortante, sendo menos comum em traumas fechados.
Entretanto, o surgimento de enfisema espontâneo é uma
situação rara nos serviços de urgência2. Assim, o presente
relato tem o objetivo de demonstrar a importância da avaliação
clínica de pacientes portadores de síndrome de Hamman,
ressaltando a dificuldade diagnóstica e a necessidade de
conhecimento especializado da equipe médica assistente, por
requerer um auto grau de suspeição clínica.
RELATO DE CASO
dor retro-esternal e cervical associado à sensação de
abaulamento cervical e desconforto respiratório leve quando
dirigia motocicleta, havia quatro dias. Negava tosse, odinofagia
e disfonia. Não referiu história de trauma cervical e torácico,
bronquite asmática, cirurgia prévia ou uso de drogas inalatórias.
Ao exame físico, apresentava enfisema subcutâneo cervical e
supraclavicular bilateral e desconforto respiratório, bulhas
normofonéticas sem ruídos adventícios (sinal de Hamman
negativo), com murmúrio vesicular bilateral preservado, além da
frequência respiratória de 25/min; frequência cardíaca de 84
bpm; PA: 130x90mmHg, com saturação oxigênio de 96% ao ar
ambiente. Ao exame radiológico do tórax havia
pneumomediastino sem evidência de pneumotórax (Figura 1). A
endoscopia digestiva revelou esofagite não erosiva, sem sinais
de perfuração e pangastrite com erosões planas em antro,
enquanto a bronco-fibroscopia demonstrou discreta hiperemia
de pregas vocais, sem lesões da mucosa faringolaríngea. A
traquéia e os brônquios segmentares não apresentavam lesões
expansivas ou perfurações evidentes.
Paciente masculino, de 24 anos, apresentou iniciou súbito de
1) Médico Assistente da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto – USP.
2) Médico Adido da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto – USP.
3) Docente da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
de Ribeirão Preto – USP
Instituição: Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP
Correspondência: Luiz Carlos Conti-de-Freitas, Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto, Universidade de São Paulo, Av. Bandeirantes 3900 – 14048-900 Ribeirão Preto, SP. E-mail : [email protected]
Recebido em: 10/01/2008; aceito para publicação em: 30/12/2008; publicado online em: 10/05/2009.
Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma.
122
Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 38, nº 2, p. 122 - 123, abril / maio / junho 2009
eleição tanto para determinar a extensão do enfisema cervical e
do mediastino quanto afastar a etiologia pulmonar. O pronto
diagnóstico e tratamento dos casos de perfuração esofágica é
mandatório, uma vez que a lesão esofágica pode levar a quadro
de mediastinite grave.
O pneumomediastino espontâneo (síndrome de Hamman) é
uma causa rara de enfisema cervical, que exige da equipe
médica um alto grau de suspeição clínica. A maioria dos doentes
apresenta boa evolução com tratamento conservador.
REFERÊNCIAS
Figura 1 – Radiografia simples de tórax demonstrando
pnemomediastino (setas).
O enfisema subcutâneo no pescoço e regiões
supraclaviculares era evidente à tomografia computadorizada
(TC) do pescoço e do tórax (Figura 2), alem do parênquima
pulmonar com coeficiente de atenuação normal. Havia
pneumomediastino de mínimo volume, sem evidências de
adenomegalia mediastinal ou de processo expansivo. Foi
iniciada antibioticoterapia de amplo espectro e oxigenioterapia.
Houve involução do enfisema cervical, com melhora completa
dos sintomas até o sétimo dia.
1. Hamman L. Spontaneous mediastinal emphysema. Bull John Hopkins
Hosp. 1939;64(1):1-21.
2. Mihos P, Potaris K, Gakidis I, Mazaris E, Sarras E, Kontos Z. Sportsrelated spontaneous pneumomediastinum. Ann Thorac Surg.
2004;78(3):983-6.
3. Macklin CC. Transport of air along sheaths of pulmonic vessels from
alveoli to mediastinum. Arch Intern Med. 1939;64:913-26.
4. Miura H, Taira O, Hiraguri S, Ohtani K, Kato H. Clinical features of
medical pneumomediastinum. Ann Thorac Cardiovasc Surg.
2003;9(3):188-91.
5. Macia I, Moya J, Ramos R, Morera R, Escobar I, Saumench J, Perna
V, Rivas F. Spontaneous pneumomediastinum: 41 cases. Eur J
Cardiothorac Surg. 2007;31(6):1110-4.
Figura 2 – Corte tomográfico axial do pescoço demonstrando extenso
enfisema cervical (setas).
DISCUSSÃO
O provável mecanismo fisiopatológico do enfisema cervical
espontâneo baseia-se na elevação da pressão intratorácica,
com rompimento alveolar seguida de dissecção aérea,
acompanhando os vasos sangüíneos até o hilo pulmonar,
mediastino e pescoço3. Os sintomas que caracterizam a
síndrome de Hamman são dor cervical e torácica, dispnéia,
odinofagia, tosse, disfonia e disfagia. Além do enfisema
cervical, outros sinais freqüentes são o enfisema torácico
subcutâneo, anormalidades faringolaríngeas e o sinal de
Hamman, caracterizado pela ausculta de crepitação associada
às bulhas cardíacas4.
A avaliação endoscópica ou radiológica contrastada do esôfago
pode descartar uma possível etiologia esofágica do enfisema
cervical. O exame endoscópico auxilia na detecção de lesões
faríngeas ou de corpo estranho, principalmente nos casos
associados à odinofagia, além de afastar etiologia tráqueobrônquica. Não obstante, alguns autores alertam para o risco de
piora do enfisema cervical durante a realização da abordagem
endoscópica das vias aerodigestivas5. A TC é o exame de
Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 38, nº 2, p. 122 - 123, abril / maio / junho 2009
123
Download