SOBRE O COMÉRCIO EXTERIOR: críticas e - joinpp

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SOBRE O COMÉRCIO EXTERIOR:
críticas e inquietações
Samarone Carvalho Marinho*
RESUMO
As atuais pautas de comércio exterior de países tidos como
subdesenvolvidos têm seu nascedouro no antigo modelo clássico de Smith e
Ricardo. O aprofundamento da pobreza e os efeitos dessas pautas na
economia interna desses países demonstram a inviabilidade da
mundialização de mercados nos moldes neoliberalizantes como tentativas de
enfrentamento da pobreza. Neste artigo irão se nortear críticas e inquietações
a respeito deste tema.
Palavras-chave:
Comércio
Exterior.
Mundialização. Métodos de Análise.
Desenvolvimento.
Pobreza.
ABSTRACT
The current guidelines of foreign commerce of had countries as
underdeveloped, have its born in the old classic model of Smith and Ricardo.
The deepening of the poverty and the effect of these guidelines in the internal
economy of these countries demonstrate the unfeasibility of the worldwide of
markets in the molds neoliberalizing in the attempt of the confrontation of the
poverty. In this article fidgets will go to guide themselves critical and the
respect of this subject.
Keywords: Foreign commerce. Development. Poverty. Worldwide. Methods of
Analysis.
1 INTRODUÇÃO
“Exportar é o que importa?” Esta inquietação intensamente trabalhada por
Abramovay (1985, p. 71)1 norteará todo este trabalho.
Os mitos construídos por diversas políticas econômicas2 da metade do século
*
Graduando em Ciências Econômicas da UFMA.
Este autor demonstra a relação imediata entre o aumento da pobreza devido a valorização do comércio exterior, gerando um
“círculo vicioso” de dependência ao mercado externo. E coloca em cheque a necessidade de seguir à risca as pautas de
exportações impostas pelo BIRD e o FMI . Para ele […] quanto menor o mercado interno de um país, menores serão as
chances de que seu setor agrícola seja dinâmico, a menos que este setor se volte justamente para o exterior. A própria
pobreza da população empurra portanto as safras agrícolas para fora, [agravando] ainda mais esta pobreza na medida em que
limita (e portanto encarece) a produção destinada ao mercado interno […] (1985, p.75).
2
Rodríguez (1981, p.40) analisa as várias abordagens da teoria do subdesenvolvimento da CEPAL nos países latinoamericanos demonstrando o atrelamento da economia dos mesmos às ditas “economias do centro”. Isto, verificou, induziu a
um desenvolvimento desigual, de teor ricardiano, entre “centro” e “periferia” haja vista que a tendência, a longo prazo, era uma
maior vantagem comercial para os países desenvolvidos. Furtado (1999, 47-61) reconhece que os efeitos deste tipo de relação
entre “centro” e “periferia” são frutos de […]um processo de mundilialização, imposto pela lógica dos mercados, que está na
base da difusão da civilização industrial. […] [Mas] que exarceba a tendência original [das economias centrais] a limitar a
criação de empregos […] (p. 49). As recentes abordagens neoclássicas, dentre elas as de custo oportunidade de HecksherOhlin, sobre comércio exterior tonificam e incrementam as análises de Smith (vantagem absoluta), Ricardo (vantagem
comparativa) e Stuart Mill (demanda recíproca) no tocante a remontar o mito da noção de melhoria de vida da população
1
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2
XX e início deste demonstram os (des)caminhos que o Brasil e outros países latinoamericanos tomaram no sentido de combater a pobreza e o subdesenvolvimento.
As insistentes pautas governistas imantadas ao discurso mundializante da
economia de mercado, bem como o intricado jogo de relações de comércio exterior, levamnos a alguns questionamentos. As exportações, de fato, implicam um desenvolvimento
viável para o Brasil e os países latino-americanos? Até que ponto os modelos de
desenvolvimento sob a égide do Banco Mundial (BIRD) e o Fundo Monetário Internacional
(FMI) são uma forma de enfrentamento da pobreza nesses países?
Neste sentido, dado o entendimento da política de comércio exterior e suas
contradições internas, desenvolver-se-á a inquietação maior: desmistificar o processo de
desenvolvimento atrelado à política econômica de mercado externo.
2 MITOS CONSTRUÍDOS
A crescente mundialização das relações econômicas, sociais e culturais é fruto
basicamente da Revolução Industrial dos séculos XVIII e XIX3. Esta, por sua vez, alterou
drasticamente a base técnico-científica e, por conseqüência, fomentou a liberalização dos
mercados internacionais. Com isto, o acúmulo de capitais por parte de uma minoria e o
acirramento da exploração do trabalhador aumentaram em proporções iguais ao da
consolidação do Capitalismo.
Neste panorama, as ciências sociais, através do positivismo de Comte,
começavam a se consolidar como conhecimento científico realmente válido. Esta “validade”
institucional ganha suporte na Economia, em 1776, com as observações de Adam Smith,
em A Riqueza das Nações. Logo em seguida, David Ricardo, em Princípios de Economia
Política e Tributação (1817) e John Stuart Mill, com Princípios de Economia Política (1848),
consolidam o caráter liberalizante da ciência econômica. Só alguns anos mais tarde, com
Proudhon, Marx e Engels, fomentou-se novos caminhos de análise para a Economia4.
Um sistema dedutivo e extremamente permeado por uma ética utilitarista levou a
Economia, por um longo tempo, à construção de verdades quantitativas quase intocáveis,
no que diz respeito à política de comércio exterior. Bachelard (1996) é um dos críticos
desses países face o exarcebamento das relações internacionais em detrimento da desigual distribuição de renda advinda
deste tipo de comercialização.
3
Entende-se que na fase da grande expansão marítimo-comercial (séculos XV e XVI) de caráter mercantilista, não havia ainda
se consolidado alterações relevantes nas estruturas sociais surgidas pós-Revolução Industrial.
4
Dentre eles a crítica de Proudhon à nascente sociedade liberal, observando que o verdadeiro papel do indivíduo era
influenciar e ser influenciado pelas forças coletivas, lutando pela […] igualdade em todos os planos (social, cultural, econômico,
etc.) […] (2003, p. 25). Marx e Engels, observaram juntos, que a necessidade da divisão do trabalho proferida por Smith levava
a uma alienação do trabalhador, ocorrida em muito devido a especialização de determinada tarefa. Isto “mutilava” o trabalhador
fazendo com que o mesmo perdesse a noção conjunta da produção (1998, p. 394).
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veementes desse pensamento, que num primeiro momento fora avanço e noutro retrocesso.
Assevera o autor que:
[…] a precisão numérica é, no dizer de Baudelaire, “uma rebelião de minúcias”. Essa
é uma das marcas mais nítidas do espírito não-científico, no momento mesmo em
que esse espírito tem pretensões de objetividade científica. De fato, uma das
exigências primordiais do espírito científico é que a precisão de uma medida refirase constantemente à sensibilidade do método de mensuração e leve em conta as
condições de permanência do objeto medido […] (BACHELARD, 1996, p. 261)
Observa-se, então, que os métodos empregados até hoje para análise de
comércio exterior e os dados deles advindos não referendam as realidades específicas
vivenciadas pelo Brasil e demais países latino-americanos. Desconstruir o “excesso de
precisão” e a necessidade de comprovação dessas verdades é o papel do (novo) analista
econômico. Pois, muito bem afirmado por Castro (2003, p. 112), […] é necessário conceber
um plano completamente novo de comércio internacional, que possa permitir aos países
subdesenvolvidos intensificar as suas exportações a preços competitivos no plano
internacional […]. Para que isso ocorra, é necessário uma ruptura com os mitos construídos
pela moderna teoria neoclássica de comércio exterior5.
2.1 A mundialização comercial: uma epistemologia criada
A abordagem, a seguir, dará um panorama sintético da epistemologia criada
para análise e entendimento das relações internacionais entre os países.
Ao lado da Revolução Industrial, a revolução científica da metade do século XIX
foi um divisor de águas no entendimento da organização das instituições pelo homem. Neste
sentido, o ensino e a cultura se especializaram, causando uma fragmentação do
entendimento da vida.
Seguindo este preceito, o entendimento da realidade econômica também se
pulverizou. Adam Smith, nesse panorama, revelou-se de fundamental importância na
consolidação da teoria clássica de comércio exterior, que visava à divisão do trabalho em
várias etapas e que levava à criação de uma civilização de especialistas, bem pontuada por
Castro (1968, p. 65), mas que alienava o homem do restante do processo produtivo.
Smith (1998) entendia a natureza humana como sendo maléfica. Assim como
Maquiavel e Hobbes, acreditava que o egoísmo ordenava atitudes e sentimentos morais; o
5
Entre eles esta a realocação dos recursos produtivos entre um país e outro que levaria uma melhoria do nível de vida da
população de um país com desvantagem comparativa. Como já colocado aqui, a CEPAL desacredita este tipo de
comercialização, demonstrando que os efeitos das expansões e contrações no nível de atividade do comércio exterior faziam
as economias periféricas “reféns” de superávits na balança comercial das economias centrais. Isto causava aos dirigentes das
nações “periféricas” uma ilusão temporária de uma liquidez em suas reservas internacionais. Mas evidenciava em muito um
intenso desequilíbrio externo (Rodríguez, 1981, p. 51-66).
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homem já nascia com uma “inaptabilidade” perversa. É sob esta crença que A Riqueza das
Nações se estabelece como obra-prima do pensamento liberal. O homem livre, individual,
egoísta por natureza, direcionava o desenrolar da sociedade econômica liberal. Uma vida
direcionada à troca permanente de bens.
A riqueza ou pobreza, segundo Smith (1998, p. 27), dependiam da capacidade
de cada homem trocar bens e quanto mais especializado fosse, melhor lugar conquistaria no
processo produtivo. Dessa forma, ele afirma:
[…] cada homem é rico ou pobre, segundo o grau em que pode adquirir as
necessidades, conveniências e diversões da vida humana. Mas depois que a divisão
do trabalho foi bem implantada, é a uma bem pequena parte destas que o trabalho
do homem proporciona. A maioria delas, ele deve derivar do trabalho de outras
pessoas, e será rico ou pobre, de acordo com a quantidade daquele trabalho que
pode comandar, ou que ele pode adquirir […] (SMITH, 1998, p. 31).
Com isto, a especialização do homem universalizava-se em relações comerciais
desiguais, propiciadoras de ganhos a que se beneficiavam quem melhor se adaptasse ao
processo de produção. Por sua vez, estes ganhos surgiam dos sacrifícios impostos6 a cada
um na divisão do trabalho.
O incremento dado por David Ricardo à teoria clássica de comércio exterior, e
que até hoje permeia o pensamento de muitos analistas econômicos, fez com que se
chegasse à teoria das vantagens comparativas. Esta teoria reitera a tese de Smith – a de
que a relações econômicas deveriam seguir o livre jogo da oferta e da procura de mercado,
o laissez-faire liberalizante.
Isto é nitidamente observado quando Ricardo (1979, p. 323), referindo-se ao
comércio exterior, comenta que a expansão (e por conseqüência a mundialização) do
mercado
[…] é tão importante para a felicidade da humanidade que nossos desfrutes sejam
aumentados pela melhor distribuição do trabalho, produzindo cada país aqueles
bens aos quais, por sua situação, seu clima e por outras vantagens naturais ou
artificiais, é adaptado, e trocando-os por mercadorias de outros países, quanto
aumentá-los por meio de uma elevação na taxa de lucros […].
Ricardo (1979) acreditava que as diferentes relações internacionais e as
vantagens de trocas comerciais entre uma nação e outra sofriam influência de um intricado
jogo de forças determinadas pela inter-relação homem e ambiente7. Para ele, a miséria
6
Estes sacrifícios foram bem observados por Engels (1985). Conta-nos ele que diante de uma Londres imperiosa do século
XIX, construída a partir da desenfreada industrialização, a exploração do trabalhador tornava-se mais desumana, com salários
paupérrimos levando a sua deterioração física e psíquica. Implicitamente, identifica-se uma contradição interna na atual forma
liberal de comércio exterior. O homem, individualmente, participa de todo o processo, mas o ganho está além dele. Ou seja,
atualizando o discurso, os países subdesenvolvidos produzem commodities, artigos para venda no exterior, sem contanto obter
os reais ganhos com tais vendas e a possibilidade de, com estas, minimamente, racionalizar o problema da fome, por exemplo.
7
Ricardo colocava-se na esteira do pensamento de Malthus, com impressões deste em Ensaio Sobre a População (1798). É,
em parte, na teoria malthusiana que se encontra as raízes da teoria evolutiva de Darwin, onde o homem evolui adaptando-se
ao ambiente.
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humana era inata, justificando, portanto, a oferta de salários de fome pagos aos
trabalhadores pelos comerciantes ingleses em sua época, e evidenciando as diferenças de
ganhos comerciais entre as nações.
3 COMÉRCIO EXTERIOR E POBREZA
Mais recentemente, alguns estudiosos8 começaram a evidenciar que a mercado
global estava agravando a pobreza nos países subdesenvolvidos e que o atrelamento de
países como o Brasil a este tipo de mercado tenderia a aumentar as desigualdades sociais.
O tipo de modelo de desenvolvimento inserido nesses países, segundo estes
estudiosos, demonstra a dependência que os dirigentes locais assumiram com os capitais
das instituições financeiras internacionais. Neste sentido, o comércio exterior, conforme
Chomsky (2002), é consubstanciado pelo Consenso de Washington9, colocando à tona a
face mais deteriorante da política de mercados internacionais aos países subdesenvolvidos.
As fragilidades dos países subdesenvolvidos ante a mundialização de mercados
demonstram que as ânsias e os fatores norteadores do comércio exterior diferenciam-se das
especificidades10 de países como o Brasil. Neste sentido, Viola (2000, p. 11) vê como
entrave o excessivo economicismo que
[…] a teoría económica neoclásica há desempeñado en la configuración de las
imágenes dominantes del desarrollo, entre ellas, la identificación del desarrollo com
el crecimiento económico y com la difusión a escala planetaria de la economía de
mercado. Ello há comportado un notable reduccionismo, al identificar la realidad com
un número muy reducido de variables cuantificables, ignorando todo aquello
(desigualdad social, ecología, diversidad cultural, discriminación de género) que
queda fuera de la contabilidad […].
Nas relações aparentemente vitoriosas do capitalismo mundial, fica
demonstrado também o caráter curto-prazista da lógica keynesiana11 como forma de
endossar os equívocos cometidos pela teoria neoclássica. Tais erros são evidenciados nas
desiguais relações comerciais surgidas da teoria das vantagens comparativas. Esta teoria,
por sua vez, analisa Santos (2001, p. 300), demonstra que as atividades locais estão
subordinadas às “entidades estranhas” da produção mundial. Vê-se, portanto, que é mínima
8
Entre eles estão Chomsky (2002), Viola (2000) e Santos (2001).
Para Chomsky a política econômica imposta pelo Consenso de Washington é a reedição das antigas idéias liberais propostas
por Adam Smith, guardadas as comparações em termos de tamanho de mercados. Tem-se, portanto, o estabelecimento do
novo-liberalismo.
10
As especificidades aqui colocadas dizem respeito ao movimento de produção local que não atenda necessariamente a lógica
do comércio exterior. Um exemplo a ser citado é a pequena produção racionalizada de arroz, mandioca e milho em Alcântara,
no Estado do Maranhão.
11
Santos (2003) faz um sucinto apanhado da teoria de Keynes a respeito das eventuais crises cíclicas que poderiam atingir o
mercado mundial. Tais crises norteariam as decisões de mercado e o governo atuaria com uma intervenção necessária para
garantir ao mesmo tempo o bem-estar e o crescimento rápido das nações.
9
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a preocupação com as especificidades de cada país, onde o processo alienado da produção
é imposto pela lógica de mercado.
3.1 Ambigüidades implícitas: epistemologia refutada
Marx (2001, p. 98-107) fora impiedoso em sua crítica às análises de Ricardo ao
falar que […] as categorias econômicas são apenas as expressões teóricas, as abstrações
das relações sociais da produção […], portanto, riqueza e forças produtivas não são criadas
de acordo com as leis da natureza, mas sim são fruto de um intenso e dialético processo
histórico-social.
Essa lei natural das trocas internacionais proferida por Ricardo, segundo Marx
(2001, p. 173), não faz muito sentido pois os próprios adeptos da economia de mercado
[…] não conseguem compreender como é que um país pode enriquecer à custa de
outro porque estes mesmos senhores também não querem compreender como é
que, no interior de um país, uma classe pode enriquecer à custa de uma outra classe
[…].
A expropriação do excedente do trabalho, conforme Marx, explica tal relação
e esta independe dos determinantes geográficos existentes. Os recursos naturais, afirma
González:
[…] são úteis em um sistema social determinado no contexto de uma escolha que se
entende dentro da história produtiva das sociedades. Eles explicam muitas coisas,
mas, no essencial, não explicam por que umas regiões se desenvolvem e outras
não. As razões disso, há que procurá-las nos modos produtivos das sociedades […]
(MARX, 1998, p. 74).
Inexiste, em termos gerais, uma fórmula adaptativa para o entendimento dos
problemas da vida humana. E por um longo período, que dura até os dias atuais, os
métodos de análise sobre o comércio exterior primaram pelos valores de troca e de uso que
poderiam surgir das relações internacionais deixando o homem e suas reais necessidades à
margem de todo processo produtivo.
A explicação dada por muitos analistas econômicos da atualidade, que vêem a
solução da pobreza e do subdesenvolvimento sob a ótica das exportações desmedidas,
depõe contra a própria viabilidade deste processo. Basta verificar, sem cair no histriônico
mundo das precisões, que, no Brasil, as contradições entre os índices de crescimento do
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comércio exterior12 e o coeficiente de Gini13, ambos no mesmo período (de 1992 a 2000),
não se coadunam para formar um entendimento racional da realidade do país.
ano
Índice de Valor Comércio Exterior (US$)
77,0
1992
82,9
1993
93,6
1994
100,0
1995
102,7
1996
114,0
1997
110,0
1998
14
103,2
1999
2000
118,4
Fonte: Secex, PNAD
Coficiente de Gini
0,58
0,60
0,62
0,60
0,60
0,60
0,60
0,60
0,62
Ao se considerar a amostragem dos números, sem lhe atribuir uma devida
qualificação, poder-se-ia concluir que a riqueza provida das exportações estagna,
indiretamente, a má distribuição de renda no país. É o que demonstra o coeficiente de Gini.
Entretanto, o entendimento da realidade humana vai além do cetaris paribus embutido neste
tipo de análise. É preciso ir além do que é mostrado pelos resultados em uma dada série
temporal e fazer uso dos números, com argúcia e responsabilidade, de forma a nortear
caminhos e possibilidades quanto ao enfrentamento da pobreza.
Neste modelo de economia global, o próprio Hayek15 admite a impossibilidade de
justiça social entre os homens.
[…] Descubrir el significado de lo que se llama ‘justicia social’ há sido una de mis
principales preocupaciones por más de diez años. He fracasado en este esfuerzo o,
más bien, he llegado a la conclusión de que, en referencia a una sociedad de
hombres libres, la frase no tiene ningún signficado […] (HAYEK, 1993, p. 182).
Os homens livres, a que se refere o teórico novo-liberal, nada têm em comum
com o homem livre que dignifica a sua existência pelo esforço de seu próprio trabalho. Muito
menos aqueles homens têm haver com o homem utilitarista de Stuart Mill (1996) que se
utiliza das instituições burguesas em benefício próprio a fim de conseguir a sua vil liberdade.
Estes homens livres independem e vivem à margem do modelo de comércio
exterior, não preenchem, portanto, o perfil evasivo investigado por Adam Smith. Escondem12
As análises sobre os índices apresentados pelo IBGE (2000), e que são em grande parte aqui reproduzidos, têm origem no
trabalho de Gonçalves (1981). São índices agregados de comércio exterior obtidos a partir de diversas séries então disponíveis
e selecionadas de acordo com um critério de índice “ideal”, que privilegiou os índices de Fisher, com base móvel, (Megale,
2003). Esta base móvel, por sua vez, age de forma especulativa, ficando evidente a fragilidade nos ambientes de “alta
mobilidade de capital” – países como o Brasil, México e Argentina.
13
Mede o grau de desigualdade na distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar percapita. Seu valor varia de 0
quando não há desigualdade (a renda de todos os indivíduos tem o mesmo valor) a 1 quando a desigualdade é máxima
(apenas um detém toda a renda da sociedade e a renda de todos os outros indivíduos é nula).
14
A queda no índice deveu-se principalmente à crise cambial sofrida pelo Brasil em janeiro de 1999. Isto inibiu os
investimentos externos e, novamente, em caráter curto-prazista, fez com que o país ficasse refém da política de econômica
externa do BIRD e do FMI.
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se nas migalhas escondidas do campo e têm suas vidas diminuídas pela racionalidade
mínima do mercado global.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da racionalidade mínima vigente no mercado global, pobreza e
desenvolvimento tornam-se discursos midiáticos sem proposições sólidas para sua
resolução.
A dependência do estado brasileiro, ao mercado externo, bem como a dos
demais países latino-americanos demonstra, mais uma vez, a urgência de um olhar para
dentro como forma de descontruir o dilema da dependência externa.
Aqui não se fala em estancar a rotação de capitais externos, como diria Marx,
mas em buscar uma proposição igualitária que promova o desenvolvimento não só da
cidade, mas do campo.
O papel a ser exercido pelo (novo) analista econômico é de fundamental
importância, pois acreditando no seu poder remodelador de uma nova ordem mundial,
poderá atuar no sentido de romper o excessivo atrelamento do Brasil ao atual modelo de
comércio exterior, que exclui a participação do país no mercado externo e, principalmente,
desfavorecem o desenvolvimento viável.
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15
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São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005
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