- - REABILITAcao CARDiACA EM DOENTES COM DISFUNcaO VENTRICULAR ESQUERDA - TEXTO_Madale na Teixeira Revista Factor es de Madalena Teixeira Madalena Teixeira Especialista em Cardiologia pela Ordem dos Médicos. Assistente Hospitalar Graduada de Cardiologia no Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar de Gaia – Espinho EPE. Co-responsável do Programa de Reabilitação Cardíaca do CHGaia. Membro do Grupo de Estudos de Fisiologia do Esforço e Reabilitação Cardíaca da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. Resumo do artigo Aborda-se o problema da reabilitação cardíaca em doentes com insuficiência cardíaca, revendo os mecanismos de intolerância ao exercício, em particular o papel que o músculo assume nesta síndrome sistémica, que se caracteriza por um aumento da actividade neurohumoral. Discute-se o papel do treino físico na melhoria da capacidade funcional, expressa preferencialmente pela VO2 max, em que vários estudos sugerem que o treino físico a longo prazo melhora a função endotelial e as funções autonómicas nestes doentes. Apresentam-se as recomendações das Sociedades Americanas e Europeias sobre o papel do treino físico no tratamento dos doentes com insuficiência cardíaca. INTRODUÇÃO O papel da Reabilitação Cardíaca (RC) como opção terapêutica em indivíduos com doença cardiovascular é actualmente indiscutível, tendo sido os seus múltiplos benefícios, que vão desde uma melhoria da capacidade funcional e da qualidade de vida até efeitos sobre a mortalidade e morbilidade cardiovascular, amplamente demonstrados nas últimas quatro décadas1-5. A população de doentes candidata a integrar os Programas de Reabilitação Cardíaca (PRC) tem sido sucessivamente alargada, desde os doentes com enfarte do miocárdio não complicado nos anos sessenta, até doentes submetidos a revascularização coronária, valvulares, com angina estável e doença arterial periférica. No entanto os doentes com Insuficiência Cardíaca (IC) continuaram a ser afastados dos PRC até que nos finais dos anos oitenta começaram a surgir as primeiras publicações, ainda que com pequenos grupos de doentes, que evidenciavam os resultados positivos do exercício físico, contrariando o conceito enraizado até então das vantagens do repouso no tratamento da Insuficiência Cardíaca6-7. “VÁRIOS ESTUDOS SUGEREM QUE O TREINO FÍSICO A LONGO PRAZO RESTAURA A FUNÇÃO ENDOTELIAL, REVERTENDO A ACTIVAÇÃO NEUROHUMORAL, COM MELHORIA DAS PERTURBAÇÕES MECANISMOS DE INTOLERÂNCIA AO EXERCÍCIO A IC é uma síndrome complexa que se caracteriza por uma deterioração progressiva da função ventricular, verificando-se uma diminuição significativa do débito cardíaco, sendo a intolerância ao exercício um dos 30 31 AUTONÓMICAS PRESENTES NESTES DOENTES” Risco 2007, N º6, (Jul-Set), pá g. 30 -35 primeiros sintomas. Originalmente a diminuição do débito cardíaco era apontada como factor determinante na capacidade de exercício. No entanto a ausência quase total de correlação entre os índices de repouso da função cardíaca como a fracção de ejecção, e a capacidade de exercício traduzida no consumo máximo de oxigénio (VO2 max), chamou a atenção para a importância dos mecanismos periféricos como determinantes da intolerância ao esforço neste grupo de doentes. Em particular o papel do músculo assume particular relevância, com autores a considerar a existência duma verdadeira miopatia na IC. Devido à incapacidade de aumentar o débito cardíaco com o exercício vai haver uma diminuição do fluxo sanguíneo aos músculos esqueléticos, acarretando uma diminuição da capacidade aeróbia. Doentes com IC severa distribuem apenas 50% a 60% do débito cardíaco para os músculos em exercício, contra aproximadamente 90% em indivíduos saudáveis. Nestes doentes o metabolismo anaeróbio surge muito precocemente durante o exercício, sendo responsável em grande parte pela intolerância ao exercício, independentemente do fluxo. A atrofia dos músculos esqueléticos é um fenómeno comum nos doentes com IC, mesmo nas fases mais precoces do seu curso. Demonstrou-se uma diminuição das fibras tipo I de metabolismo oxidativo, mais resistentes à fadiga com um aumento das fibras glicolíticas tipo II, tendo trabalhos de Sullivan e colaboradores evidenciado uma relação inversa entre Quadro I Exercise Program Authors (Year of Publication) A melhoria da capacidade funcional expressa preferencialmente pelo VO2 max, tem sido um achado constante em numerosos estudos efectuados, apesar do recurso a protocolos tanto de duração, como de intensidade muito variados. O aumento de VO2 max oscilou entre 12% a 31% nos vários estudos, registando-se os maiores ganhos nos protocolos de duração prolongada que associavam exercícios calisténicos à cicloergometria – quadro I. O máximo da melhoria da capacidade funcional verifica-se ao fim de três semanas, mantendo-se para além dos seis meses se se mantiver o treino. A melhoria da capacidade funcional resulta da acção do treino a vários níveis, nomeadamente da resposta ventilatória. Nos doentes com IC há um excesso de produção de lactatos, mesmo para níveis baixos de exercício, uma redução do VO2 max e uma resposta hiperventilatória, acarretando um aumento das necessidades ventilatórias que levam rapidamente à fadiga e descondicionamento dos músculos respiratórios. O treino físico vai originar uma acumulação mais tardia de lactatos e uma melhor relação Activity, Intensity, and Frequency Jette et al (1991)56 18 4 Mon-Fr, AM : Jog at 70% to 80% max HR for 5 min 3x/wk; callisthenics 30 min; cycle 15 min at 70% to 80% max HR. PM: Walk 30 to 60 min. 22 in group with EF <30% Vo2 increase, % (Outcome vs Controls) 20 Belardinelli et al (1992)63 20 8 Cycle at 40% peak Vo2 3x/wk. Coats et al (1992)57 17 8 Cycle 20 min at 60% to 80% max HR 3x/wk. 18 Belardinelli et al (1995)58 55 8 Cycle 40 min at 60% Vo2 max 3x/wk 12 Hambrecht at al (1995)59 22 3 Walk 10 min 6x/d at 70% Vo2 max 2x/wk 31 Keteyian at al (1996)60 29 24 Rating of perceived exertion, 12-14. Treadmill, cycle, rowing, and arm ergometer at 60% exervisre capacity for 33 min 3x/wk. 16.3 Radaelli at al (1996)64 6 5 Cycle 20 min 5 d/wk 15 Dubach at al (1997)87 25 4 Walk 60 min 2xd; cycle 40 min 4x/wk at 80% Vo2max. 26 Tyni-Lenne at al (1997)65 16 8 Knee extensor: 60 repeats/min for 15 min for 8 wk (at 65% peak work rate for 4 wk and then 75% oeak work rate for 4 wk). 14 Callaerts-Vegh at al (1998)66 17 8 Walk 1 h, 2x/d; cycle 45 min at 70% to 80% HR reserve 4x/wk. 30.9 Reinhart at al (1998)67 25 8 Cycle 40 min at 70% to 80% max capacity 4x/wk; walk 1 hours 2x/d. 29 Belardinelli et al (1999)62 99 8 (plus maintenance) Cycle at 60% peak Vo2 3x/wk for 8 wk. Maintenance: 2x/wk for 12 mo. 18 at 2 mo; 2 3 at 14 mo Taylor (1999)68 8 8 Train 30 min at 45% to 70% peak Vo2 3x/wk. 17.6 Sturm at al (1999)69 26 12 (plus maintenance) Step aerobics and cycle at 50% capacity for 12 wk; then step aerobics 100 min/wk and cycle 50 min/wk. 23.3 Keteyian at al (1999)70 43 24 Treadmill, cycle, and arm argometer at 60% to 80% max HR for 33 min 3x/wk. 14.3 HR indicates heart rate (bpm); max, maximum. existindo ainda estudos em grande escala, randomizados que avaliem o efeito a longo prazo sobre a sobrevida. Aguardam-se os resultados do estudo HF-Action , agora em início, esperando que venham confirmar os resultados obtidos até à data. No entanto, e apesar das limitações mencionadas, a evidência acumulada nas duas últimas décadas foi suficientemente forte para que as Sociedades Americana e Europeia de Cardiologia emanassem recomendações sobre o papel do treino físico no tratamento dos doentes com IC 11,12. PRESCRIÇÃO DO EXERCÍCIO ventilação perfusão (Fig.1), levando o treino selectivo dos músculos respiratórios a uma melhoria da endurance muscular ventilatória, diminuindo a percepção de dispneia e melhoria da capacidade máxima de exercício9. Também a nível do endotélio foram evidentes os benefícios do exercício, tendo Hambrecht e colaboradores registado melhorias significativas na resposta vasodilatadora do endotélio, no fluxo periférico e no Vo2 max após 24 semanas de treino físico de intensidade moderada. Vários estudos sugerem que o treino físico a longo prazo restaura a função endotelial, revertendo a activação neurohumoral, com melhoria das perturbações autonómicas presentes nestes doentes10. O grande número de publicações científicas a expressar as vantagens do treino físico em doentes com IC produzido nas duas últimas décadas, peca pela reduzida dimensão, não Fig. 1 Fiber type I, percent PAPEL DO TREINO FÍSICO Duration, wk 60 40 20 0 Fiber type IIB, percent a enzima oxidativa e a acumulação de lactatos durante o exercício8. O aumento da actividade neurohumoral é uma das características da IC, sendo o seu grau associado à gravidade e prognóstico da doença. A nível periférico a influência neurohumoral acarreta uma vasoconstricção que por sua vez vai originar um aumento das resistências periféricas, com diminuição do fluxo sanguíneo ao músculo esquelético. Nos doentes com IC há um aumento dos níveis de noroepinefrina e endotelina e uma redução da resposta vasodilatadora do endotélio. No. of patients 5 10 15 20 À luz dos conhecimentos actuais consideram-se com indicação para integrar PRC doentes com IC crónica estável, em classes funcionais II-III de NYHA, bem como doentes em classe IV estabilizados, na ausência de contra-indicações absolutas - quadro II. A prescrição do exercício nestes doentes deve Quadro II Candidatos 25 Classe II - III (IV NYHA?), estável ≥ 3 semanas 20 Qualquer etiologia Na ausência de contra-indicações absolutas: a) Cárdio-vasculares ... • IC instabilizada nos últimos 3-5 dias • Isquémia de limiar baixo (<2 METs ou 50 watts) • Arritmias ventriculares complexas em repouso, agravadas durante o exercício • Arritmias supraventriculares não coontroladas 10 0 5 10 15 20 25 Peak VO2, ml/kg per min b) Patologia associada Mancini DM - Circulation 1989; 80: 1338 32 33 ser sempre feita numa base individualizada, de acordo com o seu perfil de risco, tendo em conta as suas preferências pessoais. Devemos basearnos preferencialmente, nos dados obtidos da Prova Cardiopulmonar, uma vez que nos permitem uma caracterização mais objectiva da capacidade funcional. Quando isso não é possível podemos usar Provas de Esforço clássicas “optimizadas”, com protocolos de rampa ou de pequenos incrementos. A alteração da resposta cronotrópica nos doentes com IC mais avançada, bem como o uso de bloqueadores beta, desaconselha o uso de protocolos com base na resposta da frequência cardíaca, podendo a percepção subjectiva do esforço - ligeira a moderada (11 – 14 da escala de Borg) ser também utilizada. Não existe consenso em relação à intensidade de treino ideal, tendo as intensidades mais usadas oscilado entre 40% a 80% do VO2 max obtido numa prova de esforço limitada por sintomas, sendo fundamental a conjugação entre a intensidade do exercício prescrita, com a duração e frequência das sessões de treino. Assim, em doentes fortemente limitados, com capacidade aproximada de 3 Mets, o treino será iniciado com sessões múltiplas diárias, de curta duração - 5 – 10mn e com intensidade reduzida – 25-40 watts. Para capacidades na ordem dos 3 a 5 Mets a intensidade poderá ser um pouco mais elevada - 40 – 80 watts, com sessões menos frequentes e mais longas. Doentes menos limitados, com capacidade superior a 5 Mets, poderão fazer 3 – 5 sessões semanais de 25 -30mn. “…DADA A ESPECIFICIDADE DESTES DOENTES, O EXERCÍCIO AERÓBIO MAIS ACONSELHADO É O TREINO EM CICLOERGÓMETRO QUE PERMITE O TREINO A INTENSIDADES MAIS BAIXAS, BEM COMO O TREINO INTERVALADO. A MARCHA É OUTRA MODALIDADE RECOMENDADA, SENDO DESACONSELHADOS O JOGGING, BICICLETA NO EXTERIOR E A NATAÇÃO.” O treino intervalado tem-se mostrado muito útil, sobretudo quando há um forte compromisso inicial, permitindo exercitar os músculos a níveis intensos sem acarretar aumento do stress a nível cardiovascular (Fig. 2). Fig. 2 Treino intervalado Interval Exercise Steep Ramp Test Os benefícios dos PRC começam a ser notórios ao fim de cerca de 3 semanas de treino, obtendo-se o efeito máximo entre as 6 semanas e os seis meses. Após uma interrupção superior a seis meses perde-se o benefício adquirido, pelo que se recomenda que após o programa o doente permaneça activo indefinidamente. Max. short time exercise capacity 175 watts 150 125 100 50% 75 50 25 0 3 0 50 100 0 Seconds 5 [min] 10 A preocupação com a segurança foi sempre uma constante desde o aparecimento dos primeiros PRC para doentes com IC, sendo fundamental uma criteriosa selecção dos doentes bem como a supervisão, pelo menos numa fase inicial, que permita rapidamente identificar sinais de alerta para a necessidade de alterar ou mesmo interromper o programa. Os riscos dependem essencialmente da idade, da presença de doença cardíaca prévia e da intensidade do exercício. Foram analisados os efeitos adversos em 467 doentes com IC incluídos em 21 estudos, verificando-se que a sua incidência foi baixa, sendo os mais frequentes hipotensão, arritmias e agravamento dos sintomas. doentes muito debilitados, com resultados muito favoráveis. Recentemente cada vez mais estudos defendem a vantagem e segurança do treino de resistência, com recurso a pesos baixos e bandas elásticas, com particular atenção para o treino dos membros superiores, tão necessários nas actividades diárias. Assim o treino físico em doentes com IC parece ser seguro, beneficiando a capacidade funcional, devendo os doentes com IC crónica integrar temporariamente um programa supervisionado, para uma maior segurança posterior no treino independente. No entanto, a nível nacional e de acordo com os dados de 2004 obtidos no inquérito colocado pelo GEFERC aos Centros Reabilitadores, apenas uma percentagem marginal de doentes com IC integrava um PRC – quadro III, situação que urge modificar se pretendermos tratar os nossos doentes de acordo com as linhas orientadoras e aproximarmo-nos das médias europeias e norte-americanas.13 Madalena Teixeira 15 30 s work / 60 s recovery Katharina Meyer - Eur Heart J 1999; 20: 851-3 Em relação à modalidade de exercício a prescrever, dada a especificidade destes doentes, o exercício aeróbio mais aconselhado é o treino em cicloergómetro que permite o treino a intensidades mais baixas, bem como o treino intervalado. A marcha é outra modalidade recomendada, sendo desaconselhados o jogging, bicicleta no exterior e a natação. O tipo de treino seleccionado terá de ser sempre adaptado às características de cada doente, havendo trabalhos que demonstram as vantagens do treino segmentar de grupos musculares individualizados, sendo cada vez mais frequente o uso de electroestimulação em 2. Giannuzzi P, Saner H, Bjornstad H, Fioretti P, Mendes M, Cohen-Solal A, Dugmore L, Hambrecht R, Hellemans I, McGee H, Perk J, Vanhees L, Veress G; Secondary prevention through cardiac rehabilitation: position paper of the Working Group on Cardiac Rehabilitation and Exercise Physiology of the European Society of Cardiology. Eur Heart J. 2003 Jul;24(13):1273-8. 3. Thompson PD, Buchner D, Pina IL, Balady GJ, Williams MA, Marcus BH, Berra K, Blair SN, Costa F, Franklin B, Fletcher GF, Gordon NF, Pate RR, Rodriguez BL, Yancey AK, Wenger NK; Exercise and physical activity in the prevention and treatment of atherosclerotic cardiovascular disease: a statement from the Council on Clinical Cardiology (Subcommittee on Exercise, Rehabilitation, and Prevention) and the Council on Nutrition, Physical Activity, and Metabolism (Subcommittee on Physical Activity). Circulation. 2003 Jun 24;107(24):3109-16. Quadro III Diagnóstico HMB IC CCL FM CHG DF HSS HSA HPH HFF CCJ CCB HSM Média EAM 40% 30% 70% 19% 62% 17% 88% 30% 72% 95% 70% 70% 100% 59% CAGB 30% 42% 30% 61% 19% 33% 12% 5% 5% 20% 1% 0% 22% PTCA 13% 5% 0% 8,3% 0% 50,0% 0% 40% 2,4% 0% 10% 4% 0% 10% Angor 9% 0% 0% 2,4% 10% 0,0% 0% 3% 25% 0% 0% 0,0% 9% 0,0% 0% 6% 0% 0% 0% 1% 0% 3% IC Transplante 0% 8% 23% 0% 0% 0% 4% 0% 0,0% 0% 1% 0% 0% 0% 0% 0% Valvulopatias 2% 21% 0% 3,6% 0% 0,0% 0% 3% 2,4% 0% 0% 1% 0% 3% 0,0% 0% 2% 0% 1% 0% 1% Pace / CDI 0% 4% 0% 0% 0% 0% 0,0% 0,0% 0% 0% 0% 0% 34 Bibliografia 1. 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