PROMOÇÃO DE SAÚDE: os bastidores do - Uni

Propaganda
382
PROMOÇÃO DE SAÚDE: os bastidores do atendimento
primário em uma instituição pública na cidade de Pedregulho.
Mariana Silva Antonelli (bolsista PIBIC-CNPq - Uni-FACEF)
Orientadora:Dra. Patrícia Espírito Santo (Uni-FACEF)
Co-Orientadora:Dra. Daniela de Figueiredo Ribeiro (Uni-FACEF)
Desde os tempos mais antigos...
O conceito de saúde varia de acordo com as circunstâncias a que o
indivíduo está submetido, sejam elas sociais, econômicas, etc. Portanto saúde
não significa a mesma coisa para todas as pessoas. O mesmo pode ser dito do
conceito de doença onde também há variação. A doença acompanha a espécie
humana desde seus primórdios como revelam as pesquisas paleontológicas,
demonstrando que desde muito cedo a humanidade luta contra esta ameaça.
(SCLIAR, 2007)
Para explicar as conceituações de saúde e doença e sua evolução o
autor supracitado descreve toda a história do conceito de saúde iniciando com
a concepção mágico-religiosa - que partia do princípio de que a doença resulta
da ação de forças alheias ao organismo que o corrompem por causa do
pecado ou de maldição; passando pelos hebreus – para quem a doença
representava um sinal da cólera divina; chegando ao judaísmo - onde os
preceitos religiosos demonstravam-se em leis dialéticas que tinham a finalidade
de manter a harmonia grupal e acentuar as diferenças entre hebreus e os
outros povos do Oriente Médio. Logo depois ressalta que a economia teve
muita influência no desenvolvimento da medicina, com a chamada medicina
tropical, já que o colonialismo tinha sua atenção voltada aos trópicos e os
empreendimentos comerciais estavam comprometidos, devido à ameaça das
doenças
transmissíveis
endêmicas
e
epidêmicas,
surgindo
assim
a
necessidade de estudá-las, preveni-las e curá-las.
Foucault (1998) defende que a medicina moderna é uma medicina
social, coletiva, cujas raízes encontram-se na Medicina de Estado, com
383
passagem pela Medicina Urbana e culminando na Medicina da Força do
Trabalho.
A Medicina de Estado nasceu na Alemanha no início do século XVIII e
se caracterizava pela organização de um saber médico estatal, com a
normalização da profissão médica e a subordinação dos mesmos a uma
administração central além de sua conseqüente integração em uma
organização médica controlada pelo estado. (FOUCAULT,1998)
Ainda segundo o autor posteriormente surge a Medicina Urbana na
França no fim do século XVIII, caracterizada pela mudança na medicina que
passa a ser não apenas dos homens, mas também das coisas como ar, água,
uma medicina voltada para as condições de vida e do meio de existência.
Seguindo em sua explanação o autor refere-se à Medicina da Força de
Trabalho que surge na Inglaterra e que é usada atualmente, pois em sua
originalidade permitiu três sistemas médicos coexistentes, uma medicina
assistencial destinada aos mais pobres, uma medicina administrativa
encarregada de problemas como vacinação e epidemias e por fim uma
medicina privada que beneficiava quem tinha recursos para pagá-la.
Diante destas perspectivas, vemos um modelo que busca espaço no
mundo atual por sair do enfoque individual e curativo, buscando o atendimento
da população em geral de maneira preventiva.
Atualmente conferências da OMS (Organização Mundial de Saúde), a
fim de discutir a saúde no mundo, enfatizam as enormes desigualdades na
situação de saúde entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos; destaca-se
a responsabilidade governamental na provisão da saúde e a importância da
participação de pessoas e comunidades no planejamento e implementação dos
cuidados à saúde. (SCLIAR, 2007)
O autor supracitado relata que no que se refere ao Brasil, a Constituição
Federal Brasileira de 1988 declara que:
"A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença
e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para a promoção, proteção e recuperação" (CFB,1998)
e este é um dos princípios que norteiam o Sistema Único de Saúde (SUS) do
país.
384
Essa conceituação nos mostra como a relação saúde-doença foi
evoluindo desde seu enfoque positivista, com a medicina centrada na doença,
no curar, até a medicina atual já com uma visão mais global de saúde que não
se limita apenas a ausência de doença. Para entendermos melhor como se dão
as diferentes visões de saúde e sua conseqüente evolução, buscaremos uma
explicação mais detalhada acerca de alguns modelos que permeiam este
conceito.
Saúde: qual olhar está nos guiando?
Visão biomédica
Segundo Barros (2002) o modelo biomédico tem suas raízes no
Renascimento, René Descartes é o responsável por um método pioneiro na
habilitação privilegiada do sujeito que conhece frente ao objeto ou realidade
externa a ele e que vai ser conhecida, ele formula as regras que se constituem
os fundamentos do conhecimento e que persistem hegemônicos no raciocínio
médico ainda atualmente.
Newton criou teorias matemáticas que confirmaram a visão do corpo e
do mundo como uma máquina a ser explorada, a mecânica newtoniana
possibilitou a explicação de muitos fenômenos da vida cotidiana, a medicina
mecanicista passou a fornecer os instrumentos requeridos pelos médicos para
que pudessem lidar de forma cada vez mais satisfatória, com uma parte
crescente das doenças. (BARROS, 2002)
Seguindo o raciocínio do autor, diante de tais colaborações, o interesse
da medicina se transferiu da história da doença para uma descrição clinica dos
efeitos da patologia, os defeitos da máquina humana. A maioria das
descobertas médicas eram validadas em função de se adequarem ao modelo
cartesiano.
Koifman (2001) diz que na anatomia clínica do século XIX, o
aprendizado das doenças se fez não pela observação da vida, mas pela
observação de corpos mortos, diante disso a saúde passou a ser vista como
ausência de doença e a cura se dava a partir da eliminação dos sintomas.
A formação dos profissionais se tornava comprometida diante de tais
modelos a que estes eram submetidos, o modo fragmentado de conhecer
385
dentro da medicina influenciou a relação da prática médica com o doente e a
doença, ocorrendo um afastamento do médico em relação ao doente, e maior
teorização dos discursos médicos.
Concluindo, Koifman (2002) pontua que neste modelo a doença era vista
como uma manifestação de causas externas, e se procurava alcançar uma
causa universal da doença, o paciente era desprendido de sua condição de ser
humano e passava a ser reduzido à sua patologia.
O enfoque no paciente deixou de ser visto e a patologia centralizava a
atenção da medicina. Contrapondo o pensamento de corpo como máquina
surgiram outros pensamentos que ampliaram a visão da medicina em relação
ao ser humano e sua complexidade, questões tratadas pela antropologia,
melhor abordada abaixo.
Visão antropológica
De acordo com Uchoa e Vidal (1994) as noções de saúde referem-se a
fenômenos
complexos
que
conjugam
fatores
biológicos,
sociológicos,
econômicos, ambientais e culturais e o discurso antropológico aponta os limites
da tecnologia biomédica quando se trata de mudar de forma permanente o
estado de saúde de uma população que deve ser associado ao seu modo de
vida, incluindo o universo social e cultural.
Continuando, apontam que em decorrência do desenvolvimento da
antropologia, surge uma nova concepção da relação individuo e cultura,
tornando possível a integração do contexto na abordagem dos problemas da
saúde. Nesta perspectiva o contexto sócio-cultural do doente é visto como o
lugar onde se enraízam as concepções sobre a doença, as explicações
fornecidas e os comportamentos diante delas.
Para Canesqui (2003), a antropologia enfatiza a articulação da doença
na construção das identidades sociais, relações de gênero e inserção nos
padrões estruturantes da cultura, permitindo examinar as relações entre os
modelos de prática que suportam as organizações dos serviços, os programas
de prevenção, as intervenções terapêuticas e os modelos culturais dos
usuários.
386
No âmbito da saúde coletiva é preciso que as ciências sociais dialoguem
entre si articuladas a outras disciplinas, sem se restringirem às fronteiras das
especialidades, afirma a autora.
Uma especialidade considerada atualmente quando se fala do processo
saúde-doença é a Psicologia, melhor especificada abaixo.
Visão psicológica
Segundo Traverso-Yépez (2001), sofrimento e doença, bem como o
processo de envelhecimento e a morte, fazem parte da existência humana e
estão relacionados às características de cada sociedade e cada época.
Os trabalhos de Freud apontando o papel dos conflitos emocionais na
aparição de sintomas sem causa física imediata geraram a linha conhecida
hoje como medicina psicossomática baseando-se inicialmente apenas em
interpretações
psicanalíticas,
sendo
posteriormente
reconhecida
sua
complexidade.
Ainda segundo a autora, as mudanças no processo do adoecer nas
últimas décadas (diminuição de doenças infecciosas decorrente de medidas
preventivas e aumento das denominadas doenças crônicas) vão deixar mais
claro o papel dos aspectos psicológico e social expressos pela personalidade e
os estilos de vida das pessoas.
De acordo com Reis (1999), para a psicologia não há fronteiras entre o
biológico, o psicológico e o social, estas três dimensões são consideradas
partes integradas num todo que dão origem a uma expressão unitária onde o
corpo deixa de ser dos médicos e passa a ser de cada um, pois o corpo é
simultaneamente um corpo-objeto e um corpo-subjetivo e social, do qual a
pessoa tem uma percepção pessoal e se inscreve no contexto da sua vida.
Sendo assim saúde é vista como um equilíbrio biopsicossocial, onde o ser
humano é visto como um todo sem a separação de sua subjetividade nem
exclusão do contexto social.
Devido a constante mudança nas formas de se pensar saúde e doença o
pensamento sistêmico nos mostra uma visão de saúde que pensa em ambas
como complementares. Abaixo abordaremos o conceito de saúde um uma
perspectiva sistêmica.
387
Visão sistêmica
Segundo Bertalanffy (1976), até a metade do século XX existia o
pensamento de que o comportamento humano era um modelo robotizado, e os
seres humanos eram enquadrados a este modelo, para tal as máquinas, os
animais, as crianças e os doentes poderiam proporcionar modelos adequados
para a explicação do comportamento humano.
Os reflexos deste pensamento aparecem na formação dos profissionais
que muitas vezes vêem o ser humano limitado a visão da sua especialidade.
Tal postura é explicada por Esteves de Vasconcelos (2002) quando refere-se
ao conceito de paradigma. Segundo a autora o paradigma tradicional da
ciência se baseia no modelo cartesiano, de René Descartes, que abrange três
diferentes pressupostos.
O primeiro conhecido como pressuposto da simplicidade resulta em uma
compartimentação do saber, dividindo o conhecimento científico em disciplinas
cientificas, onde trabalham especialistas em conteúdos específicos, tendo
grande dificuldade de se comunicar com especialistas de outras áreas.
O segundo pressuposto trata da estabilidade onde o cientista por meio
da reversibilidade pode interferir ou manipular um sistema, produzindo seu
retorno ao estado inicial, em conseqüência ocorre a controlabilidade dos
fenômenos.
O terceiro pressuposto refere-se a objetividade que busca a eliminação
de toda a interferência do observador para obter uma visão exterior do
universo. O trabalho do cientista consiste em descobrir a realidade.
Diante de todas as afirmações feitas pela autora, concluímos que o
paradigma da ciência tradicional simplifica o universo para conhecê-lo e saber
como ele funciona tal como ele é na realidade.
Contrapondo a todo este pensamento podemos retomar Bertalanffy
(1976) ao explicar que a teoria geral dos sistemas busca identificar leis e
princípios característicos dos sistemas em geral, independentemente do tipo de
cada um e da natureza de seus elementos. Um sistema é um complexo de
elementos em interação sendo esta de natureza não ordenada. A teoria dos
sistemas é interdisciplinar e aplica-se a qualquer todo constituído por
componentes em interação.
388
Esteves de Vasconcellos (2002) complementa que a teoria dos sistemas
é considerada uma ciência da totalidade, da integridade e que a noção de
sistema vem substituir a noção de partes separadas do todo e refere-se a este
como a mais que a soma das partes.
Portanto um sistema é o todo integrado cujas propriedades não podem
ser reduzidas as propriedades das partes. Entretanto, as características do
todo se mantém mesmo que haja substituição das partes e os componentes
não são insubstituíveis. Com essa noção de integração supõe-se que segundo
a integralidade o comportamento do todo é mais complexo que a soma do
comportamento das partes. (ESTEVES DE VASCONCELLOS,2002)
Ao discutirmos o pensamento sistêmico nos deparamos com uma visão
integradora de se pensar o comportamento humano e conseqüentemente de se
pensar saúde. O ser humano deixa de ser visto como um emaranhado de
partes fragmentadas e que devem ser trabalhadas de acordo com cada
patologia para ser visto como um ser integral que não se limita apenas a
sistemas físicos e mentais mas a um ser dotado de vontades, sentimentos e
expectativas.
Diante das várias abordagens que definimos acima, fica claro que para
possibilitar saúde a todos, prevenir doenças tornou-se necessário e técnicas
para a execução de tal proposta foram desenvolvidas, dentre estas técnicas, a
promoção em saúde que trataremos a seguir.
Promoção em saúde: do que se trata?
Desde suas origens nos anos 70 o ideário da Promoção à Saúde vem
tendo uma crescente influência nas políticas públicas de distintos países. No
Brasil a promoção de saúde se faz presente na proposta da Vigilância à Saúde,
sustenta o projeto de Cidades Saudáveis, influencia práticas de Educação à
Saúde e suas diretrizes são alicerces de muitos dos projetos de reorganização
da
rede
básica
hoje
vinculados
ao
Programa
Saúde
da
Família.
(CARVALHO,2004)
A promoção da saúde representa uma estratégia promissora para
enfrentar os múltiplos problemas de saúde que afetam as populações humanas
389
e seus entornos neste final de século. Partindo de uma concepção ampla do
processo saúde-doença e de seus determinantes, propõe a articulação de
saberes técnicos e populares, e a mobilização de recursos institucionais e
comunitários, públicos e privados, para seu enfrentamento e resolução, sendo
esta também interpretada, de um lado, como reação à acentuada
medicalização da vida social e, de outro, como uma resposta setorial
articuladora de diversos recursos técnicos e posições ideológicas. (BUSS,
2000).
A promoção em saúde se propõe a enfocar os fatores sócio-ambientais
e econômicos, atuando sobre as condições de vida cotidianas e sendo
direcionada ao coletivo e à defesa dos direitos sociais. Tratando-se de um
processo de desenvolvimento do compromisso político e de impulsão às
mudanças sociais. (SICOLI e NASCIMENTO 2003)
Segundo Fleury-Teixeira et al (2008) as condições sociais são a base
para o padrão sanitário de um povo, assim como a posição de cada indivíduo
na sociedade é um determinante fundamental da própria saúde. A qualidade, o
padrão das relações sociais resulta em elemento cm ampla e determinação
sobre a saúde. Tal evidência respalda o postulado correspondente da eficácia
na intervenção nas relações sociais para o incremento da saúde.
Considerando este novo pensamento a promoção à saúde pode
contribuir para a ruptura entre as velhas e novas práticas em saúde, fornecer
elementos para transformação do status quo sanitário e para a produção de
sujeitos autônomos e socialmente solidários. (CARVALHO,2004)
O trabalho foi realizado na cidade de Pedregulho, cuja estrutura da
saúde mostraremos abaixo.
Estrutura da saúde na cidade de Pedregulho
A saúde no município de Pedregulho é estruturada por 05 Unidades
Básicas, duas unidades na zona Urbana compostas por: Ginecologia,
Obstetrícia, Clinica Médica, Pediatria, Farmácia Centralizada, Sala de Vacina e
Sala de Curativo.
390
Três Unidades nos Distritos:Igaçaba, Alto Porã e Vila Primavera – Usina
Estreito, compostas por: ginecologia, obstetrícia, clinica médica, pediatria e
sala de curativo.
Uma ESF (Estratégia Saúde da família) composta por: médico,
enfermeira, técnica de enfermagem, agentes comunitárias. auxiliar
administrativa. A cidade ainda possui um hospital filantrópico.
COM O QUE PODEMOS AJUDAR?
Este estudo pretende contribuir para desvelar as questões anteriormente
apontadas com vistas às:
Objetivo geral
Conhecer um serviço de promoção em saúde na cidade de Pedregulho.
Objetivos específicos
Conhecer o espaço em que este atendimento é prestado.
Conhecer a metodologia utilizada pelo serviço.
Conhecer as percepções dos usuários acerca do atendimento prestado.
COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI...
Utilizamos a metodologia qualitativa que de acordo com Martins e
Bicudo (2005) questiona, e põe em duvida, o valor da generalização,
diferenciando-se da pesquisa comum feita em moldes tradicionais. Sadala
(2000) argumenta que a pesquisa qualitativa busca descrições individuais,
interpretações oriundas das experiências vividas, tentando compreender os
fenômenos que não são passíveis de serem estudados quantitativamente, por
apresentarem dimensões eminentemente pessoais.
De acordo Minayo (1999) a pesquisa qualitativa responde a questões
muito particulares, trabalha com o universo de significados, motivos,
aspirações, crenças e atitudes, com um nível de realidade que não pode ser
quantificado.
A Busca de Relatos
391
Marconi & Lakatos (1990) destacam que a entrevista é considerada por
alguns autores o instrumento por excelência da investigação social sendo esta
a outra técnica a ser utilizada, na modalidade de entrevista estruturada (cujo
roteiro será posteriormente elaborado). As entrevistas foram gravadas e
posteriormente transcritas literalmente. Cada entrevista foi identificada por um
código. O material será guardado pelo período de cinco anos.
Finalizando foram escolhidos 4 colaboradores, 2 técnicos e 2 usuários, a
fim de se realizar uma entrevista em profundidade, elaborada com o intuito
de melhor configurar o fenômeno pesquisado.
Análise de dados preliminar
Depois de repetidas leituras da transcrição literal das entrevistas
realizadas, foi efetuada uma pré-análise de conteúdo, segundo os moldes
propostos por Minayo (1999), identificando os temas abordados pelos
participantes, e organizados em categorias que abordaremos a seguir.
Vínculo
Esta categoria busca retratar a questão vincular como sendo um dos
fatores que levam os pacientes ao posto de saúde.
“Aqui no posto de saúde de Pedregulho eu conheço todo mundo,são todas
pessoas muito boas,tenho amizade com todas eles não tratam a gente com
indiferença, sempre tratam muito bem...”
Considerando que a saúde e o que se relaciona a ela são fenômenos
culturalmente construídos e culturalmente interpretados, a antropologia nos
coloca frente a frente com nossas verdades de maneira crítica e favorecendo a
construção de um novo processo de saúde e doença.
Em decorrência do desenvolvimento da antropologia, surge uma nova
concepção da relação individuo e cultura, tornando possível a integração do
contexto na abordagem dos problemas da saúde. Nesta perspectiva o contexto
sócio-cultural do doente é visto como o lugar onde se enraízam as concepções
sobre a doença, as explicações fornecidas e os comportamentos diante
delas.(UCHOA e VIDAL,1994)
Como podemos observar a busca pelo atendimento no posto de saúde
não visa apenas curar doenças o buscar um atendimento necessariamente. O
392
posto se torna um lugar de encontro de troca de experiências, de amizades,
estes fatores não são excluídos e se tornam parte essencial para uma melhoria
na saúde. A realidade dos pacientes é valorizada e este espaço de conversa é
cedido como algo complementar na busca da melhoria da qualidade de vida
dos pacientes.
O afeto é levado em consideração e as relações se tornam mais
próximas, fazendo com que os pacientes optem pelos serviços do posto de
saúde por ser um lugar agradável para eles, um lugar em que todos se
conhecem.
Concepção de saúde
Nesta categoria levantamos o significado de saúde para os pacientes.
“...eu não sei te explicar o que é ser saudável, pra mim ser saudável é não ter
problema de saúde, estar 100% bem com os exames de sangue todos em dia
de urina, fezes.”
“É ter paz, é estar em paz com a família com os amigos, cuidar dos problemas
de saúde e aproveitar a vida com o que a gente gosta, ou o restinho dela.”
Acima observamos que as concepções de saúde dos pacientes são
distintas e levam em consideração diferentes fatores.
Pensar saúde em uma perspectiva biomédica nos leva a pensar que o
interesse da medicina se transferiu da história da doença para uma descrição
clinica dos efeitos da patologia, os defeitos da máquina
humana.(KOIFMAN,2001) Para tal, estar saudável significa não apresentar
patologias, o que podemos observar é que apesar de relativamente incompleto
o conceito de saúde como ausência de doença ainda é hegemônico e se faz
presente nos discursos até das pessoas que não tiveram acesso a uma
formação médica.
Contrapondo esta concepção, o pensamento sistêmico adota uma visão
onde o próprio sistema reflete suas interações e vivencia a possibilidade de
formar alternativas para lidar com o que define como problema.(AUN et
al,2004).
Assim, podemos observar que o afeto, a proximidade da família são
fatores significantes para a qualidade de vida o que nos leva a pensar na
questão contextual que não deve ser excluída do processo saúde e doença.
393
Hospital versus Posto de Saúde
“...na Santa Casa tem um povo que nem olha a gente direito, se você é rico,
conhecido na cidade é bom mas pros pobres já é mais difícil eles nem olham a
gente. Só fazem a ficha e manda você esperar nem pergunta se você precisa
de alguma coisa, então eu prefiro o posto que trata a gente com carinho.”
“...porque eu acho que a Santa Casa trata a gente com indiferença e no posto
não todo mundo é amigo de todo mundo.”
Fica clara a comparação entre os serviços prestados pelo posto de
saúde e pela Santa Casa. Os pacientes buscam na Santa Casa a realidade eu
vivem no posto de saúde. O hospital tem uma função emergencialista, onde
tudo é feito rapidamente, sem a possibilidade do estabelecimento do vínculo.
Além disso a alta rotatividade de plantonistas faz com que a cada consulta o
médico seja diferente.
Os pacientes atendidos pelo posto nítidamente buscam um atendimento
igual na Santa Casa, mas o que não fica claro é que ambos tem diferentes
funções e o tratamento por conseqüência não é o mesmo.
Ao falar do atendimento emergencial nos atemos a questão do modelo
biomédico e ao pensamento cartesiano que em uma de suas regras postulava
que se deve separar cada dificuldade a ser examinada no maior número de
partes possível e que sejam requeridas para solucioná-la, relacionando com a
medicina moderna podemos ver que o paciente não é visto em sua totalidade,
este é reduzido a sua patologia e o tratamento é feito buscando a cura desta,
deixando de lado as várias facetas e dificuldades que uma doença pode
ocasionar.(BARROS,2002)
Portanto, os profissionais emergencialistas estão focados na resolução
do problema, na cura da patologia, o que faz com que neste contexto a visão
totalitária do ser humano não seja o mais importante.
Acesso a informação
Nesta categoria procuramos mostrar como o acesso a informação, pode
auxiliar no processo de qualidade de vida.
“...pouco tem dia que eu venho na nutricionista porque quando a gente tem
problema de pressão tem que controlar e também não pode comer de tudo que
394
nem eu gosto de arroz com banha de porco mas a doutora disse que não pode
por causa do colesterol então eu tenho que me controlar porque se não dá
problema.”
Como podemos perceber o acesso a informação torna as pessoas mais
próximas do tratamento, do conhecimento da doença e até mesmo das formas
de intervenção.
Lefevre e Lefevre (2007), ressaltam que a informação contribui para a
obtenção do máximo possível ganho de saúde e a maior perda possível da
doença, já que na medida em que a informação é repassada ao paciente no
atendimento, a doença que o acomete vai sendo contextualizada e remetida
aos processos de determinação, dos quais o paciente é integrante como
subjetividade.
Referências
BARROS, José Augusto C.. Pensando o processo saúde doença: a que
responde o modelo biomédico?. Saude soc. , São Paulo, v. 11, n. 1, July
2002.Disponível
em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010412902002000100008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 03 Dec. 2008.
BERTALANFFY,L. Teoria geral dos sistemas. Petrópolis. Vozes,1976.
BUSS, P. M. Promoção de saúde e qualidade de vida. Ciênc. saúde
coletiva , Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, 2000 . p. 163-177.
CANESQUI, A. M. Os estudos de antropologia da saúde/doença no Brasil na
década de 1990. Ciência e saúde coletiva. 2003. p.109-124. Disponível em: <
http://www.scielo.br/pdf/csc/v8n1/a09v08n1.pdf >. Acesso em out,2008.
CARVALHO, S. R.. As contradições da promoção à saúde em relação à
produção de sujeitos e a mudança social. Ciênc. saúde coletiva, Rio de
Janeiro, v. 9, n. 3, 2004. P. 669-678.
ESTEVES DE VASCONCELLOS,M.J. Pensamento sistêmico:o novo
paradigma da ciência.2º edição. Ed. Papirus,Campinas,2003.
FLEURY-TEIXEIRA, Paulo et al . Autonomia como categoria central no
conceito de promoção de saúde. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro,
2009. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141381232008000900016&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 30 mar. 2009.
395
FOUCAULT, M. O nascimento da medicina social. In: _______. Microfísica
do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1998. p. 79-98.
KOIFMAN, L. O modelo biomédico e a reformulação do currículo médico da
Universidade Federal Fluminense. História, ciências, saúde. Manguinhos,
vol.
VIII(1):
48-70.
Mar,
Jun,
2001.
Disponível
em:
<
http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v8n1/a03v08n1.pdf > Acesso em 22 out 2008.
LEFEVRE, F;LEFEVRE,A.M.C. Promoção de saúde:a negação da
negação. Rio de Janeiro. Futura, 2007.
MARCONI, M. A. & LAKATOS, E. M. Técnicas de pesquisa: planejamento
e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisa, elaboração
e análise e interpretação de dados. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1990. 231p.
MARTINS, J.; BICUDO, M.A.V. A pesquisa qualitativa em psicologia:
fundamentos e recursos básicos. 5ª ed. São Paulo: Centuro, 2005.
MINAYO, M. C. de S. (org.) Pesquisa social: teoria, método e criatividade.
11ª ed. Petrópolis: Vozes, 1999. 80p.
PEDREGULHO,Secretaria da Saúde. 2009.
REIS,J. Modelo metateórico da Psicologia da Saúde para o séc. XXI:
Interacção ou integração biopsicossocial?.Análise psicológica. Lisboa 1999.
Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v8n1/a03v08n1.pdf >. Acesso
em 23 out 2008.
SADALA, M. L. A. Cuidar de pacientes com Aids: o olhar fenomenológico.
São Paulo: Editora UNESP, 2000. 106p.
SCLIAR, M. História do conceito de saúde. Physis , Rio de Janeiro, v. 17, n.
1, 2007, p. 29-41
SICOLI, Juliana Lordello; NASCIMENTO, Paulo Roberto do. Promoção de
saúde: concepções, princípios e operacionalização. Interface (Botucatu),
Botucatu, v. 7, n. 12, fev. 2003 . Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141432832003000100008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 30 mar. 2009.
TRAVERSO-YÉPES, M. A interface psicologia social e saúde: perspectivas e
desafios. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 6, n. 2, p. 49-56, jul./dez. 2001.
Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/pe/v6n2/v6n2a07.pdf >. Acesso em
25 out 2008.
UCHÔA, E., VIDAL, J.M.Antropologia Médica: Elementos Conceituais e
Metodológicos para uma Abordagem da Saúde e da Doença. Cad. Saúde
Públ., Rio de Janeiro, 10 (4): 497-504, out/dez, 1994 . Disponível em: <
http://www.scielo.br/pdf/csp/v10n4/v10n4a10.pdf >. Acesso em 22 out 2008.
Download