A7 ID: 54284103 09-06-2014 Tiragem: 34299 Pág: 45 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 19,85 x 23,03 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 1 A semana da liberdade no ano da liberdade João Carlos Espada Cartas do Atlântico A escolha dos portugueses foi pela democracia constitucional, não pela democracia fundamental rês grandes comemorações assinalaram a semana que passou. Na quarta-feira, 4 de Junho, passaram 25 anos de dois eventos de sinal contrário: o esmagamento pelas tropas chinesas do movimento pró-democracia de Tiananmen, e as primeiras eleições (parcialmente) livres na Polónia — que marcaram o princípio do fim do comunismo na Europa central e de Leste. Na sexta-feira, 6 de Junho, passaram setenta anos do desembarque na Normandia — a maior operação anfíbia da História, que marcou o início do fim do império de Hitler. Os três eventos estão profundamente associados, a mais do que um título. O desembarque na Normandia, a 6 de Junho de 1944, abriu caminho à derrota do III Reich, a 8 de Maio de 1945. Mas a vitória de liberdade nessa data foi apenas parcial. Como Churchill denunciou pouco depois, “uma ‘cortina de ferro’ caiu sobre a Europa, desde Stettin no Báltico até Trieste no Adriático”. A vitória da liberdade ficaria adiada na Europa de Leste, sob férrea ditadura comunista, até 1989. Na China, foi de novo adiada em 4 de Junho de 1989. Ralf Dahrendorf, um anglo-alemão que na juventude foi libertado de um campo de concentração nazi pelos aliados, apresentou o grande conflito Leste/Oeste como um conflito entre duas interpretações de democracia (na altura designadas por democracia popular versus democracia liberal): T “Democracia. Nenhuma outra palavra resume melhor os sonhos dos revolucionários na Europa e noutras paragens ao longo dos últimos duzentos anos. ‘Nós, o povo’ é simultaneamente o sujeito e o tema das revoluções. [No entanto], a democracia tem dois tipos de significado completamente diferentes. Um é constitucional, um arranjo através do qual é possível mudar os governos sem revolução, por eleições, parlamentos e o resto. O outro significado de democracia é muito mais fundamental (...). A democracia deve ser autêntica; o governo deve voltar para o povo; a igualdade deve tornar-se real. É o sonho rousseauniano da ‘volonté générale’ que inspirou os revolucionários da França de 1789, uma vontade geral que misteriosamente leva todos a concordar, sem força ou constrangimento” (After 1989: Morals, Revolution and Civil Society, 1997, p. 6). A 4 de Junho de 1989, os polacos fizeram uma escolha decisiva entre estes dois significados da democracia. Essa escolha foi memoravelmente descrita por Timothy Garton Ash: “Em política, eles estão todos a dizer: não há ‘democracia socialista’, há apenas democracia. E por democracia eles entendem a democracia parlamentar multipartidária tal como é praticada na contemporânea Europa do Oeste, do Norte e do Sul. Todos eles estão a dizer: não há ‘legalidade socialista’, há apenas legalidade. E com isso eles querem dizer o Estado de direito, garantido pela independência do judiciário, ancorada constitucionalmente. Eles estão todos a dizer: não há ‘economia socialista’, há apenas economia. E economia quer dizer não uma economia socialista de mercado, mas uma economia social de mercado. A direcção geral é totalmente clara: uma economia cujo básico motor de crescimento é o mercado, com extensa propriedade privada dos meios de produção, distribuição e troca” (The Magic Lantern: The Revolution of ‘89 Witnessed in Warsaw, Budapest, Berlin and Prague, 1990). É importante recordar que os portugueses enfrentaram uma escolha semelhante durante os 18 meses que se seguiram ao 25 de Abril de 1974, durante o chamado PREC. Graças à sabedoria do povo português e de um conjunto de líderes democráticos — Mário Soares, Sá Carneiro, Freitas do Amaral, Ramalho Eanes, entre outros — a escolha dos portugueses foi pela democracia constitucional, não pela democracia fundamental, ou, talvez melhor, fundamentalista. Se a semana passada assinalou três datas da liberdade — os 70 anos do Dia D e os 25 anos das eleições polacas bem como do esmagamento de Tiananmen —, o ano de 2014 assinala tudo isso e algo mais: os 40 anos do 25 de Abril português, que inaugurou a Terceira Vaga de democratização mundial. Todos esses eventos vão estar em análise brevemente numa grande conferência internacional no Estoril: a 22.ª edição dos Encontros Internacionais de Estudos Políticos, o Estoril Political Forum, de 23 a 25 de Junho. Voltaremos seguramente a estes temas neste espaço. “Democracia. Nenhuma outra palavra resume melhor os sonhos dos revolucionários na Europa e noutras paragens ao longo dos últimos duzentos anos” Professor universitário, IEP-UCP Escreve à segunda-feira