Compras alimentares Preço determina escolhas dos consumidores A maioria dos consumidores faz as compras nos hipermercados, sobretudo pelo preço mais baixo. O excesso de químicos e o receio de doenças transmitidas pelos alimentos são as principais preocupações em matéria de segurança alimentar ete em cada dez inquiridos optam pelo hipermercado para fazer as suas compras. O preço é de longe o fator que mais contribui para a escolha deste tipo de estabelecimento (80% dos casos), seguido da proximidade, da variedade e da maior oferta de produtos mais baratos. Dois terços dos participantes no estudo afirmaram usar com frequência cupões de descontos. Convém verificar se são alimentos que costuma mesmo consumir, fugindo ao impulso de comprar produtos sem interesse (como doces ou salgados) só para ganhar pontos ou cupões de desconto. Apenas 4% dos inquiridos têm o hábito de fazer as compras online. Esta opção pode ser interessante: além de poupar tempo em deslocações e filas de espera, correrá menos risco de se deixar tentar por produtos e novidades em destaque de que não precisa. S Mais de metade dos inquiridos confessa deitar para o lixo alimentos fora de prazo Em busca do preço mais baixo e promoções de última hora Perante a panóplia de produtos disponíveis, o olhar foca sobretudo os preços, em detrimento de outros aspetos como o facto de ser biológico ou do comércio justo. Um quinto dos consumidores opta com frequência por produtos em promoção, de venda rápida (perto do fim do prazo), e dois terços têm o hábito de comprar grandes embalagens, com várias unidades. Estas opções poderão ajudar a reduzir a fatura do supermercado, desde que tenha a certeza de que vai consumir o que compra em tempo útil. HÁBITOS DE CONSUMO Os hipermercados movem a maioria dos inquiridos para fazer as compras, por serem mais baratos 32 Proteste 367 • abril 2015 Desconhecimento dos prazos leva a deitar comida fora O nosso inquérito revela muito desperdício alimentar: mais de metade dos inquiridos confessa deitar para o lixo alimentos fora de prazo. Esta atitude é www.deco.proteste.pt prudente no caso de produtos perecíveis (cujo prazo refere “Consumir até”), como carne ou peixe frescos, carnes frias e enchidos, ovos, leite do dia, bolos com creme ou queijo fresco. Mas nos produtos que indicam “Consumir preferencialmente antes de”, não há mal nenhum em consumi-los findo o prazo de validade, desde que a embalagem esteja ainda fechada e o alimento bem guardado, segundo o modo de conservação aconselhado. Mas cerca de dois terços dos inquiridos não sabem qual a distinção entre estas designações, o que explica que 40% deitem fora produtos cujo prazo preferencial de consumo foi ultrapassado. Tal poderá constituir um desperdício desnecessário. Por exemplo, a massa ou o café poderão ter textura e sabor um pouco alterados após o prazo indicado, mas não há risco de intoxicação alimentar. Em todo o caso, a mensagem a reter é: antes de comprar produtos em promoção, verifique bem o prazo e assegure-se de que dispõe do tempo adequado para os consumir. Ora, 10% dos inquiridos admitem que guardam, por vezes, estes produtos mais do que uma semana no Preço determina escolha (%) Preço 82 Alimento saudável 79 Sabor 74 Origem 47 Respeitador do ambiente 47 Muito desperdício de comida (%) Alimento deteriorado por estar mal conservado 67 Prazo “consumir até” ultrapassado 54 Alimento entornado, estragado, etc. 49 Prazo “consumir de preferência antes de” ultrapassado 40 AS COMPRAS DE 1725 CONSUMIDORES Entre setembro e novembro de 2014, realizámos um inquérito junto de uma amostra aleatória de consumidores entre os 25 e os 74 anos. Objetivo: descobrir como escolhem o local das compras e os alimentos que consomem. Indagámos igualmente se as questões www.deco.proteste.pt ecológicas são determinantes e se têm preocupações sobre segurança alimentar. Os dados foram tratados de forma a obtermos uma amostra ajustada para a população no que toca a sexo, grupos etários, regiões e nível educacional. No total, participaram 1725 consumidores. Produtos locais no topo (%) Locais 32 Amigos do ambiente 23 Consumo ético 12 Orgânicos 10 abril 2015 • 367 Proteste 33 Compras alimentares frigorífico. Se acabarem no lixo, não terá poupado, mas sim desperdiçado comida e dinheiro. Deitar fora porque se cozinhou comida em excesso é apontado por 14% dos inquiridos. É possível recriar pratos com restos (por exemplo, fazer sopa com um resto de legumes). Também a maioria dos pratos cozinhados e das sopas podem ser congelados durante três meses. O rótulo biológico europeu garante que o produto respeita o ambiente e o bem-estar animal Mais saudável e maior oferta de produtos “verdes” Assegura que a produção respeita padrões sociais e ambientais equilibrados, a um preço justo Logo após o preço, os consumidores procuram um alimento saudável e saboroso (79% e 74%, respetivamente). A preocupação ambiental apenas surge como o quinto motivo mais vezes apontado. Tal poderá dever-se, em parte, à falta de disponibilidade de produtos com anúncio destas caraterísticas, mas também à desconfiança e falta de conhecimento sobre o significado dos rótulos que alegam “orgânico” ou “biológico” (produzido sem pesticidas) ou Químicos nos alimentos preocupam (%) Abuso de químicos 59 Doenças transmitidas pelos alimentos 52 Abuso de hormonas na carne 50 Produtos geneticamente modificados 48 Abuso de pesticidas 48 59% leem os rótulos Prazo “consumir até” 98 Prazo “consumir de preferência antes de” 79 Modo de conservação 61 Origem 60 Lista de ingredientes 54 34 Proteste 367 • abril 2015 “comércio justo” (produzido em locais em desenvolvimento com respeito pelos trabalhadores e ambiente). Muitos inquiridos mostram-se incrédulos face às alegações “orgânico” (63%), “comércio justo” (62%) e “ecológico” (53 por cento). A quantidade de símbolos e alegações ambientais na área alimentar não ajuda, na verdade, a fazer escolhas informadas. Nos últimos 12 meses, 29% dos inquiridos dizem ter tido a preocupação de escolher produtos “verdes” com frequência. E quando perguntamos se optariam mais por produtos de comércio justo se houvesse maior oferta, curiosamente, um em cada quatro diz que sim, sobretudo no caso da fruta, como bananas, e frutos secos. Mais: 85% gostariam que houvesse uma maior oferta de produtos que respeitam o ambiente, estando mais de metade dispostos a pagar mais 5% pelos orgânicos, se houvesse escolha, e 62% por alimentos que garantam respeitar o bem-estar animal. Produtos sem embalagem, locais e da época Em que se traduzem as escolhas por produtos mais saudáveis e amigos do ambiente? Do nosso inquérito, tal passa sobretudo por tentar escolher, sempre que possível, frutas e vegetais que não estejam pré-embalados (71%) e cuja forma e aparência não sejam perfeitas (36 por cento). Justificação: serem, geralmente, mais baratos e os inquiridos acreditarem que contêm menos químicos, como pesticidas. O nosso inquérito revela que os químicos e pesticidas nos alimentos estão entre as principais preocupações em matéria de segurança alimentar. Quase um terço opta também, de preferência, por produtos locais, outra medida em prol do ambiente. Ao comprar bananas da Costa do Marfim ou mangas de África do Sul, está a pagar o transporte, a embalagem e a refrigeração destes bens e a contribuir para a emissão CO2 e outros gases com efeitos de estufa. Prefira também frutos e legumes da época, mais saborosos, mais baratos e menos poluentes, já que não paga a importação (geralmente, por avião) nem o recurso a estufas aquecidas, quando produzidos localmente. Mais de metade dos portugueses defende, aliás, que os supermercados deveriam apostar sobretudo em fruta e vegetais da época. Menos carnes vermelhas Muitos consumidores têm consciência de que é aconselhável comer menos carnes vermelhas, não só por uma questão de saúde, mas também porque a criação www.deco.proteste.pt intensiva de gado tem um enorme impacto ambiental. Segundo um estudo da Autoridade Sanitária Veterinária do Reino Unido, a carne de bovino é a que mais recursos naturais, energia, terras, fertilizantes e pesticidas consome e a que mais contribui para o aquecimento global do Planeta e para a poluição das águas. No polo oposto está a criação de frango e peru, ideia defendida por 61% dos inquiridos. É preferível optar por carnes de aves e peixe e ainda mais reduzir o consumo de proteínas animais. Mais de um terço dos inquiridos afirma já ter comprado menos carne nos últimos dois anos e diminuído o consumo de proteínas animais. Quase metade tenciona começar a comer mais peixe em vez de carne e um quinto pensa reduzir o consumo de proteínas animais e optar por substitutos vegetais, como grão, feijão, soja ou tofu. Rótulos mais claros e diretos Cerca de 6 em cada 10 inquiridos têm o cuidado de ler os rótulos, sobretudo as mulheres, para ver o prazo de validade, mas também para saber como bem conservar o alimento, conhecer a origem do produto e os ingredientes incluídos. A maioria dos consumidores reivindica informações mais claras e fáceis de ler e perceber: 44% gostariam que os rótulos fossem diferentes, por exemplo, com um código de cores relacionado com o benefício para a saúde. Em matéria de ambiente, o logótipo biológico europeu, usado, por exemplo, em fruta, legumes, carne e ovos, é uma excelente iniciativa, já que se pode identificar facilmente alimentos produzidos segundo critérios ecológicos precisos e fazer uma escolha informada. Esta certificação é uma garantia de que o alimento respeita o ambiente e o bem-estar animal. Por fim, nunca é demais insistir: procure não desperdiçar comida e comprar só aquilo que irá mesmo consumir. Cerca de um quarto dos nossos caixotes de lixo é composto por restos de comida (alimentos estragados, fora de prazo, restos, etc.) e, por vezes, por alimentos que nem sequer foram tocados. Segundo a FAO (Agência para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas), a quantidade de alimentos desperdiçados na Europa e nos Estados Unidos é de 95 a 115 quilos per capita por ano. Tantos recursos naturais, energia e embalagens usadas, tanto lixo que se avoluma nos aterros sanitários, tantas emissões de gases com efeito de estufa e poluição das águas e dos solos gerados em vão. E tanto dinheiro desperdiçado. ¬ www.deco.proteste.pt PROTESTE ENTREVISTA EM 60 SEGUNDOS O estudo revela que 30% dos inquiridos duvidam da segurança alimentar. Há motivos para isso? Apesar de os alimentos estarem mais seguros do que há 20 anos, a atuação e falta de transparência de algumas entidades governamentais tem ajudado a criar suspeição e prejudicado o setor. “A atuação de algumas entidades fiscalizadoras, como no escândalo da carne picada, ajuda a criar suspeição na segurança alimentar no País” Nuno Lima Dias, técnico alimentar Qual a área mais problemática? Os produtos de origem animal. Veja-se como atuou a ASAE, a entidade fiscalizadora, no escândalo da carne picada. Os consumidores têm razão para estar desconfiados e exigem uma política de transparência, os detalhes da fiscalização e os nomes dos infratores. Continuaremos a realizar análises, a divulgar os resultados e a identificar os visados. A maioria dos inquiridos não acredita nas alegações e símbolos ecológicos. Há legislação e controlos? A maioria das alegações é da iniciativa do produtor ou de uma associação de produtores. Nem sempre assentam em legislação, recomendações ou códigos de boas práticas. É preciso uniformizar os símbolos e criar um quadro legal, como já acontece com o rótulo biológico europeu, e controlos rigorosos. A maioria dos inquiridos optariam por comprar mais produtos do comércio justo se houvesse mais oferta. Não são uma aposta das cadeias de distribuição? Em Portugal, é difícil encontrá-los. Ao contrário de outros países europeus, a distribuição não aposta neles e há poucas lojas com produtos só de comércio justo. Trata-se de alimentos, alguns de países em desenvolvimento, cuja produção respeita padrões sociais e ambientais equilibrados, por um preço justo. Ao pagar um valor correto aos pequenos produtores, contribuímos para lhes proporcionar uma vida mais digna. Onde encontrá-los? Como se reconhecem? São mais caros? Cacau, açúcar, chá, café, massas, arroz e biscoitos são produtos de comércio justo que pode, em princípio, encontrar junto dos produtos biológicos ou de vida saudável. Têm a designação “Fair Trade”, “Comércio Justo” ou o símbolo no rótulo. Em estudos que realizámos, ao comparar produtos com as mesmas características, verificámos que nem sempre são mais caros. “Os produtos do comércio justo, nem sempre mais caros, comprometem-se a respeitar padrões sociais e ambientais equilibrados” Antonieta Duarte, técnica na área da responsabilidade social abril 2015 • 367 Proteste 35