CORPO: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE MESTRANDAS EM

Propaganda
CORPO: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE MESTRANDAS EM
EDUCAÇÃO FISICA
SILVA, Morgana Claudia – PEF/UEM - INTEGRADO
[email protected]
LARA, Larissa Michelle - PEF/UEM – UEM/PR
[email protected]
Eixo Temático: Cultura, Currículos e Saberes
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
Essa pesquisa toma como ponto de partida o corpo principio da existência humana, e meio
pelo qual o homem se situa no mundo, constrói suas relações e produz seu trabalho. O corpo
que tomamos aqui como objeto de estudo emerge da síntese das interpretações dos sentidos
produzido sobre ele por mestrandas dos cursos de pós-graduação stricto-sensu em Educação
Física, vinculados às Universidades Públicas do Paraná, na medida em que entendemos ser
determinante à formação do profissional da Educação Física a identificação dessas
representações que circulam no imaginário social. Para refletir sobre o corpo nos
aproximamos da teoria das Representações Sociais, proposta por Serge Moscovici(2003), e
para definições do percurso metodológico orientamo-nos pelos estudos de abordagem
qualitativo de caráter exploratório, fazendo uso da técnica de entrevista semi-estruturada.
Nosso foco deu-se na maneira como as mestrandas produzem sua realidade social, ação
entendida como uma das condições objetivas necessárias à compreensão dos sentidos das
representações sociais que têm instituídas em seus imaginários sobre corpo.
Palavras-chave: Corpo. Representações sociais. Pós-graduação. Formação.
Introdução
A pesquisa desenvolvida toma por base a Teoria das Representações Sociais, proposta
por Moscovici (2003), no intuito de compreender os sentidos dados ao corpo por mestrandas
dos Cursos de Pós-Graduação em Educação Física vinculados a universidades públicas do
Paraná. Por representações sociais entendemos as formas de conhecimentos elaborados e
partilhados socialmente, que contribuem para a construção de uma realidade comum aos
diferentes grupos sociais.
11726
Tomamos como objeto de estudo as representações de corpo, pois entendemos que
elas sejam um dos principais determinantes teóricos e ideológicos que fundamentam o
processo de formação do profissional da área de Educação Física. Pensamos que nesse campo
veiculam diferentes representações de corpo e que, muitas vezes, a área reforça os modelos
difundidos socialmente.
Autores como Camargo et al (2011) apontam que o conceito de corpo abrange
diversos aspectos, podendo perpassar desde o conceito físico ao imaginário. Porém, como
ponto de partida, os indivíduos sempre produzem representações que, ao serem partilhadas
socialmente, determinam as várias maneiras do indivíduo sentir e se relacionar com seu
próprio corpo. Dessa maneira, ”olhar” o corpo na perspectiva das representações sociais nos
possibilita compreender a relação que os indivíduos têm com seu próprio corpo.
Apesar de o corpo ser objeto investigativo observado em Programas de Pós-Graduação
em Educação Física, sua configuração como foco de pesquisa dava-se em abordagens que não
tangenciavam o diálogo com as humanidades. Ao fazer uma análise, podemos apontar que o
corpo, até a década de 1980, era visto pelo campo da saúde e pelas manifestações esportivas,
passando, após, a ser visualizado como algo a ser cultuado, sobretudo em virtude da
proliferação e popularização das atividades de fitness que se materializavam nas academias de
ginástica.
Darido e Rangel (2005) apontam que essa preocupação com um corpo saudável tem
como pressupostos o modelo biológico higienista, porém, com características renovadas,
apresentando relação direta entre o campo das ciências biológicas e o corpo que parte da
perspectiva da saúde e da estética. Este ponto foi utilizado como forte argumento, até mesmo
para a intervenção do profissional de Educação Física.
A história do corpo ou a história contada sobre o corpo configura-se como novos
sentidos dados a ele, como sínteses dos processos de transformação que ocorreram na
sociedade e que acabam por marcá-lo, fazendo com que este corpo passe a portar em si essa
memória. Nas palavras de Andrade (2003, p.119), essas transformações pelas quais passa o
corpo representa “um constructo social e cultural de diferentes e múltiplos marcadores
identitários”, o que nos permite inferir em seu discurso que as relações construídas pelo
homem ao longo de sua vida estão imbricadas por uma rede que atua produzindo efeitos de
sentido nesse próprio homem e saberes acerca do mundo, permitindo que as representações,
11727
algumas vezes, mantenham-se intactas e, noutras, sofram mudanças, gerando rupturas e
reformulações.
Ao longo dos tempos sempre ocorreu interferência direta pela e na sociedade nos
processos de produção dos sentidos do corpo, o que remete nossa reflexão para o fato de ser
esse corpo fruto do processo sociocultural de construção da história do próprio homem. É nele
que ficam marcadas as imagens que trazemos
nossas crenças, nossos medos, nossos
valores, ideias e significados. É esse corpo que produz sentidos, marcado por histórias ora
individuais, ora coletivas, com influências sociais, culturais, psíquicas e biológicas. É o corpo
detentor de múltiplos sentidos.
Os sentidos que o corpo assume são sínteses das relações que os homens travam com o
mundo e consigo mesmos. Estamos num mundo regido pela modernidade que traz à tona a
ideia da rapidez das “coisas” e a velocidade da informação, levando os indivíduos a se
apropriarem de novas formas de pensar, de agir e, até mesmo, de se relacionar com o outro.
Então, este corpo do qual falamos também sofreu e sofre o impacto da modernidade, pois
“assim como qualquer objeto o corpo, na sociedade de consumo, dissolve-se no jogo e nas
trocas simbólicas”, perdendo até mesmo sua identidade, tudo em nome da agilidade que se faz
cada vez mais determinante nas transformações atuais (FERREIRA, 2001, p. 36).
Segundo Giddens (1994), o corpo faz parte de um projeto de modernidade, concebido
como agente de um processo. É moldado por um projeto de construção social: a sociedade
atual. A modernidade nos projeta para os meios tecnológicos que apontam fórmulas para se
buscar um modelo de saúde e beleza. O “corpo entendido em sua perspectiva mais ampla, é
um privilegiado portador de sentidos da cultura, um lócus singular onde pulsam e tomam
forma diferentes noções de saúde/doença [...]” (BAGRICHEVSKY, 2007, p. 1).
As relações que são construídas entre os indivíduos atrelam corpo belo à saúde, com
slogans modernos de que “ter um corpo belo é sinônimo de saúde”. Isso nos é ressaltado nos
estudos de Siqueira e Faria (2007, p. 174) ao trazerem a ideia “[...] de um corpo com saúde
que hoje aparece na mídia pode levar a entender que essa noção seja consensual”. Para os
autores, esse conceito encontra-se em constante reconstrução, variando sua interpretação
conforme os diferentes contextos.
A modernidade trouxe à tona a construção imagética de representação de um corpo
ideal. Sabemos que as discussões sobre a temática do corpo não são novas, uma vez que o
estudo do corpo como fenômeno ganhou status ao longo do tempo. Porém, apesar das
11728
diversas discussões que se formaram em torno dessa temática, não se chegou ainda a um
conceito próprio, pois ele é transformado segundo o período, a cultura, entre outros. Mesmo
assim, se buscarmos uma definição, não a encontraremos, pois o corpo vai se moldando
historicamente. Para cada tipo de sociedade, a concepção de corpo assume “significados
diferentes”, sendo o que determina esta conceituação é a maneira como a sociedade se
constituiu.
A partir do panorama inicial apresentado, não temos por foco definições, mas
almejamos desvelar “impressões”, “sentidos” que os sujeitos da pesquisa (as mestrandas)
possuem em seu imaginário sobre corpo. As contribuições teóricas sobre a temática do corpo,
com interfaces da antropologia, da sociologia, da medicina, sob uma perspectiva histórica,
fenomenológica, entre outros, tem sido fomentadas. A Educação Física tem focado o corpo
inicialmente sob o ponto de vista fisiológico e, depois, sob o ponto de vista da saúde. Somente
mais tarde é que se aproximou de outras ciências no sentido de estabelecer interlocuções, e
não dependência. Assim, dado o histórico da Educação Física em relação aos vínculos com a
saúde, partimos da ideia de que, talvez, os discursos da saúde estivessem imbricados nas
vozes das mestrandas, trazendo ainda o olhar biológico que o campo da saúde sustenta
atualmente.
No intuito de compreender esse processo, propusemo-nos a ler as representações sobre
corpo instituídas na e pela sociedade sob o olhar dessas mestrandas, as quais ocupam parte de
seu tempo para pensar os modos de fazer a Educação Física. Entendemos que para se
trabalhar nesta área se faz necessário “tentar” conhecer e entender o corpo, primeiramente o
seu corpo, no sentido de uma prática educativa que tenha sentido para quem educa e aprende.
Nessa pesquisa, o corpo escolhido foi o de pós-graduandas (de mulheres). Partimos do
princípio que, em geral, a representação de um corpo é modelada, em sua maioria, para
atender a determinados padrões sociais, padrões estes que estão postos “na e pela” sociedade.
Daí elencarmos como objetivo a identificação das representações sobre corpo de
mestrandas em Programas de Pós-Graduação em Educação Física do Paraná para apreender
como elas pensam, sentem, agem e se imaginam em sociedade. Particularmente, buscamos o
corpo e seus sentidos no imaginário das pós-graduandas, sentidos esses que envolvem suas
representações de corpo.
11729
As representações sociais
A matriz teórica das Representações Sociais como norteadora básica dessa pesquisa se
deu por optarmos por essa orientação teórica em função de assumirmos ser ela uma das
condições objetivas determinantes para que possamos refletir sobre dilemas que envolvem o
imaginário social. Assim, um dos aspectos que consideramos ser necessário destacar remete
ao fato dos estudos em Representações Sociais portarem algumas características que os
tornam relevantes à compreensão da maneira como os homens elaboram suas tomadas de
posições em relação ao mundo.
Minayo (2011, p.73) aponta que representações sociais é um termo “filosófico que
significa a reprodução de uma percepção retida na lembrança ou do conteúdo do
pensamento”. Na área das Ciências Sociais ela é definida como uma categoria do pensamento
que expressa a realidade do indivíduo, procurando explicá-la, justificá-la ou questioná-la.
O conceito de Representações Sociais que ora assumimos tem por base as
contribuições de Moscovici (1978, p.28), para quem, a representação social:
[...] é um corpus organizado de conhecimentos e uma das atividades psíquicas
graças às quais os homens tornam inteligível a realidade física e social, inserem-se
num grupo ou numa ligação quotidiana de trocas e liberam os poderes de sua
imaginação.
As representações sociais advêm de sistemas que têm “[...] uma lógica e uma
linguagem particulares, uma estrutura de implicações que assenta em valores e em conceitos.
[...], mas como “teorias”, “ciências coletivas” sui generis, destinadas à interpretação e
elaboração do real”. (id, p.50). Elas cumprem importante função junto ao mundo imagético
das sociedades na medida em que tornam familiar aos sujeitos aquilo que não lhes é familiar,
criando assim a condição fundante para que possam se apropriar dos acontecimentos que
constituem sua significação.
Retomando o pensamento de Moscovici é sempre bom lembrar que, para ele, as
Representações Sociais são um conhecimento emergente do mundo no qual as pessoas se
encontram e interagem, do mundo onde os interesses humanos, necessidades e desejos
encontram expressão, satisfação ou frustração, pois o conhecimento surge das paixões
humanas e, como tal, nunca é desinteressado. A partir desse princípio, o autor define
11730
Representação Social (2003, p.48) como “[...] uma modalidade de conhecimento particular
que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação”.
As representações sociais, no senso comum, remetem a imagens, ideias, concepções e
visões de mundo que os indivíduos possuem sobre sua própria condição, e que emergem a
partir de uma realidade considerada concreta para as Ciências Sociais. Para Moscovici (2005),
as familiarizações originadas das representações estão apoiadas nas imagens que os
indivíduos fabricam, quer sejam elas oriundas de uma teoria científica, de um objeto ou de
uma ação. Elas advêm do resultado/da busca de tornar o “real” algo que é incomum, ou nãofamiliar para o grupo; e este incomum propicia as pessoas um sentimento de nãofamiliaridade. O que nos era não-familiar, que estava longe, se torna agora algo familiar, ao
alcance de nossa mão; ou seja, tornamos algo que era abstrato em algo concreto.
Moscovici (2005, p.54) aponta que “[...] a finalidade de todas as representações é
tornar familiar algo não-familiar, ou a própria não-familiaridade”.
[...] as imagens e idéias com as quais nós compreendemos o não-usual apenas
trazem-nos de volta ao que nós já conhecíamos e com o qual já estávamos
familiarizados há tempo e que, por isso, nos dá uma impressão segura de algo “já
visto” (déjá vu) e já conhecido (déjá connu). (MOSCOVICI, 2005, p.58)
De maneira geral, as pessoas querem se sentir a “salvo” de riscos, atritos e conflitos,
ou seja, querem sentir-se “em casa”, pois entendem que as coisas sempre se repetam (as
mesmas situações, os mesmos gestos, as ideias, sempre de novo). Para que ocorra mudanças,
primeiramente existirá sempre um pouco de resistência. No todo, esta dinâmica das relações:
[...] é uma dinamica de familiarização, onde os objetos, pessoas e acontecimentos
são percebidos e compreendidos em relaçao a previos encontros e paradigmas.
Como resultado disso, a memória prevalece sobre a dedução, o passado sobre o
presente, a resposta sobre o estimulo e as imagens sobre a “realidade”. Aceitar e
compreender o que é familiar, crescer acostumado a isso e construir um hábito a
partir disso, é uma coisa, mas é outra coisa completamente diferente preferir isso
como um padrão de referencia e medir tudo o que acontece e tudo que é percebido,
em relação a isso (MOSCOVICI, 2005, p.55).
A representação social é compreendida como um conjunto de símbolos que se
constitui em ambientes sociais, como casa, escola, rua, trabalho, roda de amigos, entre outros.
11731
Ela vai estabelecer como as pessoas devem configurar sua comunicação entre seus pares, e
nortear os comportamentos dos indivíduos. Elas sempre busca bases teóricas para
compreender a relação existente entre o homem e a sociedade.
Ao se estudar as representações sociais pode-se verificar como elas são um
determinante do comportamento que ora é visto como individual e ora coletivamente. Aliás, a
coletividade é o ponto de partida dos estudos de Moscovici, uma vez que as representações
sociais emergem das próprias realidades sociais que se fazem presentes no cotidiano dos
homems. Nelas, estão implícitas as afirmações, as explicações, os conceitos que certa
coletividade possui sobre um determinado assunto. De acordo com Moscovici (2003, p.46),
elas “devem ser vistas como uma maneira específica de compreender e comunicar o que nós
já sabemos”.
Dessa maneira, toda representação elaborada por um grupo de indivíduos visa criar
uma rede de relações na qual aparece o primeiro processo referente à representação sócia
elaboração dos conhecimentos por uma “certa” coletividade
,a
que leva em consideração a
organização cognitiva do grupo em questão.
O corpo nas representações sociais
Em relação ao campo da Educação Física, historicamente, o corpo sempre foi objeto
de estudo em diferentes épocas e em distintos contextos. Buscou-se conhecer o corpo que se
apresentava com base nos acontecimentos sociais de cada época e as várias concepções que
este corpo possuía, ou seja, as concepções criadas para ele, formando-se “conceitos” que
orientaram as preferências de cada grupo social.
Se considerarmos que as representações sociais se caracterizam por se sustentarem
mais em seus valores do que em seus conceitos, conforme aponta Moscovici (2003),
poderemos inferir que os conceitos produzidos na Educação Física em relação ao corpo fazem
parte fundante da sociedade, e estes conceitos são reinventados, organizados e reinterpretados
de acordo com as crenças e valores sociais. Podemos dizer que, tomar as representações
sociais como produto social é importante para compreendermos como a Educação Física
também busca “entender quando e porque um determinado esquema figurativo foi admitido
por um grupo social e desta maneira expor as práticas sociais que estão relacionadas com
estas representações” (PEREIRA, 2008, p.15).
11732
Para Sá (1998), quando se relaciona um objeto do estudo – nessa pesquisa, o corpo –
com a teoria das representações sociais, é importante que se considere o contexto sóciocultural dos sujeitos investigados (as mestrandas), uma vez que este objeto de estudo deve ser
apreendido segundo um prisma “conceitual” da teoria que considera as bases funcionais,
econômicas e sociais de uma cultura, levando em conta a dinamicidade local e a conduta das
sujeitas nas suas mais diversas interações.
Mauss (1974) foi um dos primeiros estudiosos a dar enfoque ao corpo como objeto de
estudo com base na perspectiva sociológica, situando este corpo como a imagem da
sociedade, e que está inserido na produção dos sistemas simbólicos que a sociedade construiu
e constrói. Esta sociedade (e consideramos aqui a sua localização em cada época) influencia
diretamente no pensamento construído coletivamente sobre corpo, pensamento este que nos
revela um “sujeito” pertencente a uma cultura vigente de certo período determinado. Segundo
Crespo (1990, p.8):
[...] os estudos sobre o corpo processam-se num quadro de crise de civilização e
civilizações; e parece que a história do corpo encontra-se no cruzamento dos
múltiplos elementos econômicos, políticos e culturais de uma totalidade. Assim,
temos que aprofundar as investigações sobre as práticas e as representações do
corpo, pois ainda há muito por conhecer numa área em que a “dimensão escondida”
das condutas humanas é de uma riqueza imprevisível.
Os indivíduos não são iguais, existindo múltiplas maneiras de se dar sentido ao corpo.
Mas, primeiramente é necessário compreender a (de)codificação das representações sobre o
corpo ao longo dos tempos. Esta (de)codificação aparece tomando-se por base os inúmeros
estudos que buscam entender como diferentes grupos sociais pensam e agem, tendo como
objeto central de estudo o corpo.
Sempre foi familiar a apropriação da temática do corpo no campo da Educação Física,
e efetivamente ele também é objeto de estudo das Ciências Sociais e Humanas com
frequência cada vez maior. É notório que este corpo a que nos referimos tenha passado por
transformações, as quais o descaracterizam, em muitas vezes, como um produto da sociedade,
sendo “moldado” pela moda, por produtos de cosméticos, cirurgias plásticas e,
principalmente, pelas academias de fitness, que prometem um corpo “belo/idealizado”. Então,
essa (des)estruturação que passa o corpo ante às transformações que determinam o ideal de
11733
beleza, de acordo com os padrões vigentes do momento, são reflexos dessa fragilização que
passa o homem na sociedade moderna (GÓES, 1999).
O processo pelo qual passa o corpo é reflexo da cultura existente. Ele é cada vez mais
banalizado na sociedade, pois percebemos indivíduos não se relacionando com seu próprio
corpo (no sentido de não aceitá-lo como é), e sim, buscando sua idealização para atender às
exigências ou relações simbólicas que são instituídas na e pela sociedade.
De acordo com Gomes (2006, p.43), a:
[...] cultura característica da sociedade de consumo capitalista se encarregou de
banalizar o corpo feminino que se arma de adereços, os quais se tornam signos
atinentes às exigências midiáticas do mercado, destinando-se ao embelezamento, à
higiene do corpo, a um tipo de moda que se enquadra na matriz universal símbolo do
corpo da mulher que se cuida, pois atende aos apelos do consumo.
Gonçalves (1994, p.28) apresenta os meios tecnológicos como possuidores de uma
capacidade de produção em massa e dos meios de comunicação como mecanismo de
padronização de gostos, hábitos e consciências. Ambos padronizam o corpo por meio da
moda, da estética e da indústria têxtil, ditando normas de comportamento corporal e
intelectual.
Podemos dizer que a representação social que indivíduos constroem sobre o corpo faz
parte do cotidiano social, recebendo significados individuais e sociais. Porém, estas
“representações recebem influências históricas e culturais, do contato com os universos
consensuais e reificados, do acesso à ancoragem e à objetivação, transformando o não familiar
em familiar” (CARVALHO, 2009, p. 21).
Para Siqueira e Faria (2007), em pesquisa sobre corpo, saúde e beleza, é possível
identificar que o corpo belo dos anos 1960 (corpo natural) passou a ser identificado como um
corpo marcado pelos músculos hipertrofiados, nos anos 1980 (acentuando aqui o aumento das
academias de fitness) e que, nos anos 2000, o corpo almejado era aquele que misturava uma
boa forma física com atividades que gerassem bem-estar. É claro que essas três categorias
apresentadas por Siqueira e Faria não vão dar conta da variedade de “corpos” que as
diferentes sociedades e culturas comportam.
As imagens quer sejam em revistas, outdoors, televisão, entre outro, legitimam o
discurso de padrão que a sociedade determina, ou seja, as pessoas devem se ajustar ao modelo
de corpo e beleza que veicula na sociedade atual. Para Del Priori (2000, p.100), os “discursos
11734
são tão mais perigosos quanto mais aderirem de maneira sub-reptícia a nosso quotidiano,
fazendo-nos confundir sua normalidade com banalidade”. Ainda, para Siqueira e Faria (2007,
p. 172), o corpo que a mídia explicita é “um espaço onde as representações a seu respeito são
amplamente construídas e reproduzidas”. Dessa forma, em todas as esferas, a representação
de um corpo belo é exemplo a ser seguido.
Sendo assim, pesquisas na área das representações sociais, tendo como objeto o corpo,
podem remeter a explicações psicosociológicas que tenham origem nas representações, pois o
corpo, para o homem, constitui-se com base nas representações individuais e sociais, sendo
construído, reconstruído e desconstruído de diversas maneiras.
Apoiados em Jodelet (2001), podemos aduzir que a representação social é um saber
prático, sendo necessário observar três questões: a partir de onde se sabe? O que se sabe?
Sobre o que se sabe, e com que efeito? Assim, podemos dizer que essas questões podem
fornecer pistas para compreender que toda representação se origina de um sujeito (as
mestrandas), seja ele individual ou coletivo, e se refere a um objeto (o corpo). Este corpo
envolve o conceito das representações sociais, pois ele, o corpo, compreende um saber
prático, sendo o meio pelo qual o homem está no mundo; é a forma encontrada pelo homem
para se articular como mundo, de acordo com Merleau-Ponty (1989).
Os caminhos trilhados
Tomamos como base para a delimitação do nosso percurso metodológico trilhar pelos
estudos de abordagem qualitativa de caráter exploratório. Voltaremos nosso olhar para a
maneira como as atoras sociais da pesquisa produzem sua realidade social, pois entendemos
ser essa uma das condições objetivas necessárias à compreensão dos sentidos das
representações sociais que têm instituídas seus imaginários sobre corpo. Como aponta Sá
(1998, p.26), as representações sociais como “teoria de base” escolhida para o percurso
metodológico, possuem um “poder convencional e prescrito sobre a realidade.
Inicialmente foi necessário estabelecer aproximações com a teoria das representações
sociais para podermos mergulhar nos aspectos que a pesquisa nos possibilitaria e, somente
depois dessa “familiarização”, passar às entrevistas com as mestrandas. Ao buscarmos
identificar as representações sociais das mestrandas partimos do princípio que elas possuem
conhecimento e dão sentido aos seus corpos; elas constroem suas práticas cotidianas.
11735
Para podermos trilhar esses caminhos, lançaremos mão dos princípios teóricometodológicos dos estudos em representações sociais, considerando que as atoras são
mulheres que fazem parte de Programas de Pós-Graduação de universidades públicas do
Estado do Paraná. Nossas trilhas se iniciam considerando que a partir do modo como essas
mulheres vêem o seu corpo poderemos desvelar quais são os sentidos que elas dão a ele.
Assim, incursionaremos por suas falas, buscando fazer emergir seus sentidos. Estes poderão
apontar as interações que vão envolver, de forma simbólica, seu universo humano, ou seja,
como elas se relacionam, em sua vida, com a temática.
Essa pesquisa terá como população as mestrandas dos Cursos de Pós-Graduação,
stritu-senso, em Educação Física das Instituições de Ensino Superior (IES) públicas do Estado
do Paraná: Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Estadual de Maringá
(UEM) e Universidade Estadual de Londrina (UEL). Conforme nos diz Moscovici (1978), as
sujeitas sociais (para nós, atoras sociais) são pertencentes a um grupo social específico
(mestrandas em Educação Física do Paraná) que vivenciam sua realidade objetiva nos
programas de pós-graduação.
Para a realização dessa pesquisa, optamos pela utilização da técnica de entrevista
semi-estruturada1. Um gravador digital e um diário de campo foram os instrumentos
utilizados para registro dos dados coletados. Esta técnica nos permite um caráter de maior
interação social entre pesquisadora e mestrandas, possibilitando que a pesquisadora possa
captar efetivamente os dados pesquisados.
As entrevistas partirão de uma única pergunta deflagradora que, em princípio, segue a
seguinte formulação: Como você profissional da Educação Física pensa o corpo? Nessa
pesquisa, fizemos a opção pela técnica da Análise do Discurso - AD2, que se justifica, em
Orlandi (1996, p.12), na ideia de que é “pelo discurso que melhor se compreende a relação
entre linguagem/mundo, porque o discurso é uma das instâncias materiais (concretas) dessa
relação”.
1
A entrevista semi-estruturada baseia-se em uma ou poucas questões que servem como guia e tem como
característica a constituição como pergunta aberta. Ela permite flexibilização para o pesquisador poder introduzir
outras questões que surjam diante do que acontece no processo (a entrevista) pois, de acordo com os discursos
que surgirem será possível o aprofundamento em relação às informações que se deseja obter. A recomendação
para seu uso é quando se tem definido de forma clara os meios de análises das informações obtidas durante a
entrevista.
2
Todas as vezes que nos remetermos à análise do discurso usaremos o termo AD.
11736
Nossos primeiros achados
Ao pensar nessas mestrandas partimos do pressuposto que algumas delas buscam um
campo de trabalho ligado diretamente com a formação de professores/profissionais, ou seja, o
Ensino Superior, e outras já poderão estar envolvidas nesse campo, quer seja nos cursos de
Licenciatura ou de Bacharelado, fazendo circular, direta ou indiretamente, os sentidos que
elas próprias possuem de corpo entre seus estudantes, fomentando a criação de novos
sentidos.
Iniciamos nosso trabalho com um “pré-piloto” que nos possibilitou afinar o
instrumento, testando-o e ajustando-o nos momentos necessários. Nesse processo, buscamos,
dentro do Programa de Pós-Graduação Associado em Educação Física UEM-UEL, a
aproximação com a primeira mestranda a participar da pesquisa. Vale ressaltar que antes de
cada entrevista foram fornecidas às mestrandas informações sobre o porquê da realização da
entrevista, de sua escolha como sujeito da pesquisa e dos procedimentos éticos que todo
pesquisador deve ter para resguardar a identidade dos participantes.
Iniciamos as entrevistas com duas estudantes do Programa na UEM e uma estudante
do programa na UEL. As entrevistas duraram, em média, 35 minutos, partindo da pergunta
deflagradora da pesquisa e, a partir da materialização de seu discurso, extraímos questões a
partir de suas respostas com outras perguntas.
Em nossas primeiras análises podemos apontar que estas entrevistas do processo do
“pré-piloto” nos possibilitaram o primeiro olhar de aproximação com o instrumento. Nos
discursos das estudantes 1 e 2 pudemos identificar um discurso ainda atrelado à formação
com foco biologicista, buscando, no processo de formação, a fundamentação que aproximasse
a mestranda de um olhar mais social. Já nossa estudante 3 nos apresentou um discurso
pautado no conhecimento cientifico, tendo os sentidos de seu corpo representados pelo
conhecimento técnico-científico da área de seus estudos.
Estes discursos nos aproximam do que Moscovici aponta sobre representações sociais
e se apresentam como uma “[...] modalidade de conhecimento particular que tem por função a
elaboração de comportamentos e a comunicação” (2003, p.48). Trazem como conteúdo
aspectos da formação profissional e, quanto mais aprofundados em conhecimento técnicocientífico, mais transformações de sentidos possibilitam ao corpo.
Podemos inferir que esse processo de refinamento do instrumento foi fundamental
para a dinâmica das entrevistas, a qual nos possibilitou o enriquecimento da proposta inicial
11737
do instrumento a partir da linguagem oral. Este refinamento do instrumento nos dá indícios/
pistas que autorizam, a partir de uma pré-análise, apontar que os discursos até agora portam
em si um assujeitamento na fala das mestrandas, o qual poderá fazer com que desvelemos os
sentidos dados por elas em relação às representações de corpo.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, S. S. Saúde e beleza do corpo feminino – algumas representações no Brasil do
Século XX. Revista Movimento, Porto Alegre, V.9, nº 1, p.119-143, janeiro/abril de 2003.
BAGRICHEVSKY, M. Do ‘corpo saudável’ que se (des)constitui: imperativos moralizantes
rumo à saúde persecutória? In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE
E CONGRESSO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 15., 2., 2007, Recife.
Política científica e a produção do conhecimento em Educação Física. Anais ... Goiânia:
CBCE, 2007.
CAMARGO, B.V.; et al. As funções sociais e as representações sociais em relação ao corpo:
uma comparação geracional. Revista temas em Psicologia. Sociedade Brasileira de
Psicologia, Ribeirão Preto: V.19, nº1, p.257 – 268, semestral, 2011.
CARVALHO, R. S. Transtornos alimentares em mulheres: um estudo de representações
sociais do corpo. Dissertação de mestrado apresentada ao programa de Pós-graduação em
Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Minas Gerais – Juiz de Fora: 2009, 147p.
CRESPO, J. A história do corpo. Lisboa – Portugal: DIFEL, 1990.
DARIDO, S. C.; RANGEL, I. C. A. Educação física na escola: implicações para prática pedagógica.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.
DEL PRIORI, M. Corpo a corpo com a mulher: pequena historia das transformações do
corpo feminino no Brasil. São Paulo: Ed. Senac, 2000.
FERREIRA, N. T. Olhares sobre o corpo e imaginário social. IN: Imaginário &
representações sociais em educação física, esporte e lazer. (Org.) Sebastião Josué Votre.
Rio de Janeiro: Editora Gama Filho, 2001
GIDDENS, A. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora da Unesp, 1994.
GIL, A. C. Como elaborar um projeto de Pesquisa. São Paulo: 4ª ed. Atlas, 2006.
GOMES, B. C. R. O corpo na representação social de mulheres da comunidade Boa
Esperança. Dissertação de mestrado apresentada ao programa de Pós-graduação em
Educação da Universidade Federal da Paraíba, 2006, 118p.
11738
GONÇALVES, M. A. S. Sentir, pensar, agir – corporeidade e educação. Campinas:
Papirus, 1994.
GÓES, F. Do body building ao body modification: paraíso ou perdição. In: VILLAÇA, N;
GÓES, F; KOSOUSKI E. (org). Que corpo é esse? Rio de Janeiro: Mauad, 1999
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
JODELET, D. As representações sociais. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2001.
MAUSS, M. As técnicas corporais. In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU-EDUSP,
v.2, 1974, p. 211-233.
MERLEAU-PONTY. M. Fenomenologia da percepção. 2ª. Ed. São Paulo: Martins Fontes,
1989.
MINAYO, M. C. et al. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Rio de Janeiro: Vozes,
2004.
MOSCOVICI, S. Representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
___________. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2003.
ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 4ª ed.
Campinas: Pontes, 1996.
PEREIRA, 2008.
________. A construção do objeto de pesquisa em representações sociais. Rio de Janeiro:
EDUERJ, 1998.
SIQUEIRA, D. C. O.; FARIA, A. A. Corpo, saúde e beleza: representações sociais nas
revistas femininas. Revista Comunicação, Mídia e Consumo. São Paulo, vol. 4, n.9, p.171 –
188 – março, 2007.
Download