108 RESENHA AMIN, Samir. Eurocentrism. Second Edition, New York: Monthly Review Press, 2009 Tiago Camarinha Lopes ____________________________________ Economista pela Goethe Universitat Frankfurt a. M, Alemanha (Diplom Volkswirt) Mestre em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia, MG, Brasil Doutorando em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia, MG, Brasil Representante para o Brasil da IIPPE (International Initiative for Promoting Political Economy) Membro do Grupo de Pesquisa CNPq Desenvolvimento e Políticas Públicas (UFU) Membro do Grupo de Pesquisa CNPq Estudos sobre Desenvolvimento Dependente (UFU) Atuou na organização de grupos de leitura de O Capital em universidades da Alemanha no final dos anos 2000 Desenvolve projeto de pesquisa nas seguintes áreas Teoria e História do Planejamento Econômico, Economia Política, História do Pensamento Econômico, Teoria do Valor e Teoria Econômica Pesquisa a relação entre as teorias marxistas e sraffianas, a teoria do valor trabalho e as conexões entre a teoria da programação e a história do planejamento econômico Estuda a economia política de Oskar Lange e busca aproximar os enfoques qualitativos dos quantitativos na ciência econômica EMAIL: [email protected] Recebido em: 27 fev 2013 Aceito em: 04 abr. 2013 109 A criação do materialismo histórico e seu uso para desvendar os mistérios da história da civilização foi um dos maiores avanços no campo das ciências da sociedade. Ainda assim, boa parte do estudo do passado é dominado por uma perspectiva que não corresponde à generalidade que o método avançado por Marx pretende atingir. Devido ao fato do modo de produção capitalista ter se expandido globalmente a partir de um ponto geográfico específico, a europa ocidental, muitas análises acabam carregando aspectos da cultura específica do assim chamado velho continente. Samir Amin busca em seu livro explicitar que o eurocentrismo é expressão da crise da modernidade e resultado do que ele chama de “culturalismo”, definido como uma teoria baseada em um conjunto de hipóteses que afirma que alguns aspectos culturais têm a capacidade de persistir intactos mesmo com transformações econômicas, sociais e políticas. Para superar portanto a perspectiva eurocêntrica, que inclusive é forte dentro do próprio marxismo, Samir Amin elabora uma tese que rompe com a noção da progressão linear no desenvolvimento das sociedades (sintetizada na sucessão comunismo primitivo, escravismo, feudalismo, capitalismo e socialismo) ao dar ênfase para uma visão verdadeiramente universalista da história da civilização humana. A idéia apresentada primeiramente ao público na edição original de 1988 é reforçada por Amin com um novo prefácio que posiciona a obra claramente como oposição e crítica às teorias sociais que se apóiam em reinterpretações das crenças religiosas a fim de argumentar que a modernidade foi produto principalmente da Reforma Protestante. Para estruturar seu ataque a Max Weber e defender o aparato analítico erguido por Karl Marx, o livro é organizado em quatro tópicos subdividos em 18 capítulos que se direcionam para uma interpretação específica do materialismo histórico, associada a uma visão nãoeurocêntrica da história e da teoria social que muito se assemelha às concepções dos autores críticos oriundos da periferia do mundo. A meta de Amin com isso é esboçar um fundamento partindo da teoria da história marxista que a desconecte finalmente do eurocentrismo. Com base em seu argumento, a perspectiva européia insiste em se embrenhar no marxismo ocidental, filho revoltoso do próprio Iluminismo. O termo delinking usado por Amim para se referir à opção de sociedades periféricas de não seguirem alinhadas à centralidade capitalista ocidental e de poder assim possivelmente transitar para a construção de uma cultura universal e socialista capta bem o esforço empreendido de desvincular a teoria marxista do já superado eurocentrismo. Em um primeiro passo na elaboração de seu argumento, Amin trata de explicar de que forma a visâo eurocêntrica reescreve a história da civilização em bases puramente ideológicas, algo estranho ao materialismo dialético. Assim, a idéia de que o capitalismo só poderia ter se originado na Europa Ocidental devido a aspectos culturais únicos é rejeitada em favor de uma outra visão da formação do capital enquanto modo de produção. Para Amin, o papel periférico exercido pelas sociedades diversas pode reverter-se para uma força central que passaria a ser o lócus mais importante das transforções sociais e políticas. Neste sentido, sua tese reforça a desconstrução da noção de cultura superior que se difindiu com intensidade a partir do imperialismo das potências ocidentais durante a formação do mercado mundial. Depois de assegurar que o domínio ideológico reproduz a noção da irrelevância do mundo periférico, Amin apresenta o histórico de civilizações que ele chama de culturas de 110 tributo. Estas formas de organização econômica pré-capitalista estariam geograficamente espalhadas por todo o mundo, o que salienta sua perspectiva globalista em oposição à prepodenrância do Velho Continente na esmagadora maioria das análises sobre o desevolvimento histórico do atual sistema econômico. É interessante destacar que, apesar de se opor às bases teóricas que enfatizam o mundo da cultura como capaz de modelar a realidade social, Samin também se apóia parcialmente em determinações partindo da superestrutura. Na terceira parte do livro ele apresenta uma noção de cultura capitalista que se associa necessariamente àquela perspectiva centralista devido às contingências históricas que posicionaram esta localidade na fronteira do desenvolvimento capitalista derradeiro. Para quebrar com esta visão, Amin se posiciona em relação não só às políticas socialistas predominantes no século 20, como critica o marxismo que segue a tradição intelectual imperialista ocidental. O potencial revolucionário é deslocado por Amin para toda região que pretenda desconectar-se da lógica do sistema mundial, com o que ele se aproxima da noção de desenvolvimento desigual elaborado dentro da tradição trotskysta. O enfoque nestas regiões periféricas é de fato o que torna o livro de Amin extremamente relevante para os estudiosos da condição econômica capitalista não-central, como é o caso da América Latina como um todo. A contribuição e força de Amin é enfatizar esta potencialidade de progresso contida em áreas relegadas ao esquecimento por boa parte da tradição marxista ortodoxa. Como superar o modelo linear predominante nos esquemas popularizadores do materialismo histórico? Para Amin, a resposta estaria no desenvolvimento de uma teoria que tratasse da dinâmica de surgimento e desenvolvimento de sistemas-mundo, num sentido mais livre do que aquele atribuído ao conceito de modos de produção. Apesar de ter sido publicado já há alguns anos, e de ter uma profundidade teórica e erudição impressionante, o relançamento de Eurocentrism expressa que novas idéias dentro da esquerda com disposição a dialogar e criticar a visão marxista tradicional estão ganhando força, algo que todo leitor pretendente a pensar por si deveria louvar.