TRABALHO DOCENTE E A REALIDADE DE UMA SOCIEDADE EM CONSTANTE TRANSFORMAÇÃO Suziane Freitas de Sousa1 - UCDB Grupo de Trabalho - Cultura, Currículo e Saberes Agência Financiadora: Capes Resumo Este artigo apresenta um retrato da sociedade tecnológica e os seus reflexos no trabalho docente. Espera-se contribuir para a ampliação do conhecimento da realidade tecnológica atual e identificar as exigências que recai sobre o trabalho docente, fruto desse dinamismo. O levantamento dos dados deste estudo é resultado da revisão de literaturas sobre currículo e tecnologia, implicadas na temática da dissertação de mestrado intitulada “O Bem-estar docente, sua constituição e relações com a prática da atividade física: um estudo em uma escola da rede municipal de ensino de Campo Grande-MS”. Observou-se com esse estudo que converter avanço tecnológico em prol da educação é um desafio, uma vez que os mesmos são utilizados, por vezes, para reproduzir as práticas sociais ou como instrumento ao qual o professor tenha que se adaptar. Diante do dinamismo com que as transformações acontecem na sociedade e diante dos desafios que são gerados para os docentes no trabalho diário há, em parte, reflexos nas questões de ordem pessoal, ampliando os riscos de atingir a qualidade de vida dos professores e podendo acarretar prejuízos enormes para o bem-estar docente, principalmente, quando estes avanços se aliam a outros conflitos existentes no trabalho docente que são gerados pela exaustiva jornada de trabalho, o rebaixamento salarial, a desqualificação, o não reconhecimento social do seu trabalho e entre outros. Propõe-se, ainda, oferecer subsídios às ações que visem formações continuadas e adequações da prática docente quanto ao uso da tecnologia, de modo a suscitar-lhes melhor desempenho, melhoria da sua qualidade de vida e possíveis mudanças nos currículos com objetivo de preparar cidadãos para viverem nessa sociedade que está cercada pelo dinamismo tecnológico. Palavras-chave: Trabalho Docente. Currículo. Exigências Tecnológicas. Qualidade de vida. Introdução O trabalho docente envolve os sujeitos nas suas complexas dimensões, tanto nas experiências e identidades quanto no reconhecimento das condições em que as atividades são realizadas no ambiente escolar (ASSUNÇÃO; OLIVEIRA, 2009). Para atender os professores 1 Mestranda em Educação: Práticas Pedagógicas e suas relações com a formação docente. Professora do Ensino Básico Técnico e Tecnológico (CMCG). Email: [email protected]. ISSN 2176-1396 26099 no que se refere à melhoria de sua qualidade de vida, é importante que mudanças aconteçam no local de trabalho, ou seja, no ambiente escolar, espaço no qual se concretiza o seu trabalho. Promover qualidade de vida aos professores, numa sociedade em que as transformações acontecem de maneira rápida e que nos envolve, a ponto de não pensarmos em nós, remete-nos a promover ações educativas multidisciplinares, com a criação de oportunidades para facilitar mudanças de comportamento ( NAHAS, 2013). Atenção e preocupação com a melhora do futuro da educação do país depende de um profissional preparado para exercer a profissão. E isso depende da presença por inteiro deste profissional em seu ambiente de trabalho, ou em qualquer lugar no qual esteja desenvolvendo atividades destinadas a cumprir seu papel como educador, que pode ser conquistado pela completa satisfação com sua vida pessoal de modo geral. O estudo realizado é apresentado a seguir com os seguintes tópicos: a realidade tecnológica na educação, algumas dificuldades do trabalho docente e situações que poderão auxiliar na promoção da qualidade de vida do professor. Um retrato da realidade tecnológica na Educação Atuar como trabalhador docente, numa sociedade em constantes transformações, que refletem diretamente no desempenho das atividades funcionais é um desafio. Requer, tempo, dedicação, motivação e envolvimento por completo. Mas como se envolver por completo na profissão? Esquecer a vida particular, saúde, família? Diante de tantos outros desafios para a profissão docente, a atualização, perante as mudanças e avanços tecnológicos, é um aspecto que pode vir a contribuir para o êxito de um profissional, promovendo satisfação e autorrealização. O avanço tecnológico é a fonte das grandes transformações na sociedade; e a velocidade com que acontece, por mais que venha a contribuir com a educação, não foi criado para tal. Então, converter tanto avanço tecnológico em favor da educação se torna um desafio cada vez maior. Barreto (2003) coloca como questão central “os modos de incorporação das tecnologias da informação e da comunicação (TIC) aos processos pedagógicos”, ou seja, a maneira como essas tecnologias estão sendo apropriadas e postas em prática pelos professores passa a ser o fator central de tal conversão. As tecnologias estão inseridas na educação, seja em espaços tradicionais ou em espaços mais sofisticados de aprendizagem. É “presença obrigatória”. (BARRETO, 2003, 26100 p.274). Isso influência conforme o modo como a tecnologia é inserida, remetendo ao usuário utilizá-la como um simples acessório para a reprodução da educação ou, como um instrumento ao qual a educação deve se adaptar, tornando-se então uma educação focada na tecnologia. Barreto (2003) específica dois modos de apropriação pedagógica das tecnologias nos contextos educacionais: o primeiro, aponta para o não distanciamento das demais práticas sociais de muitos sujeitos e a possibilidade de acesso a tantos outros e o segundo, implica na “formulação de questões silenciadas quando se adere ao modismo e à perspectiva de consumo”, (BARRETO, 2003, p. 274) tecnologias para quê? Tecnologias para quem? Tecnologias em que termos? Cabe ao professor tomar ciência de que maneira as tecnologias deverão se inserir em suas práticas pedagógicas. Mas isso não é tão simples. Barreto (2003) expõe as implicações de novos desafios para o trabalho docente, recaindo reflexões sobre a prática pedagógica. Há, portanto, a necessidade em se definir o sentido da tecnologia na educação. Este é o ponto que requer do profissional maior empenho e conhecimento para conseguir dar novas ressignificações ao uso dessas ferramentas no processo ensino-aprendizagem. As ressignificações nos remetem a deslocamentos operados que buscam desde identificar os incluídos nas e os excluídos das tecnologias, os modos e os sentidos desse acesso, reconhecendo que tais deslocamentos podem refletir em surgimento de um novo paradigma na formação de professores, onde as tecnologias são inseridas para aperfeiçoar o processo de formação como um todo. Com isso a educação pode ser tratada por meio de um discurso econômico, cujo pensamento vise apenas substituição do professor por elas, por representar mão-de-obra cara e ineficiente. “[...] o professor é a 'tecnologia' a ser substituída, expurgada, na medida em que é cara e pouco eficiente”. (BARRETO, 2003, p. 276) Quão cruel nos parece ser esta afirmação desse autor, uma vez que o docente dedicase, por vezes, integramente, e deixa de estar por completo com sua família, em função do trabalho, e ser ressignificado dessa maneira! Mas o fato é que as tecnologias estão aí, se não tomarmos ciência no seu devido tempo e aprendermos a apropriarmos delas para nos auxiliar, ela poderá nos transformar em agentes desnecessários para a educação. Então, sobreviver profissionalmente diante da existência de um sistema tecnológico, que nos mostra que o professor pode ser substituído por instrumentos mais baratos, acessíveis e de manuseio simples, e o que possui as seguintes características: 26101 Trazer para a escola um enorme potencial didático-pedagógico; ampliar oportunidades onde os recursos são escassos; familiarizar o cidadão com a tecnologia que está em seu cotidiano; dar respostas flexíveis e personalizadas para pessoas que exigem diversidade maior de tipos de educação, informação e treinamento; oferecer meios de atualizar rapidamente o conhecimento; estender os espaços educacionais; e, motivar os profissionais e alunos para aprender em continuamente, em qualquer estágio de suas vidas. (BARRETO, 2003, p. 277) Parece-nos que a situação da educação no país ficaria resolvida com a inserção de um grande número de materiais didático-pedagógico produzidos por órgãos institucionalizados. Esta maneira de analisar a educação e a tecnologia permite termos uma visão de que esta é o centro das questões educacionais. No Brasil, o MEC eleva esse material ao posto de fazer pedagógico, que será produzido com a finalidade de apoio pedagógico e que auxiliará na educação, citado por Barreto (2003), transferindo a nomenclatura de trabalho docente para atividade e para tarefa docente, negando o professor com sujeito principal do processo. No discurso o MEC, opera-se duas inversões: substitui a lógica da produção pela da circulação e a lógica do trabalho pela da comunicação, na crença de que tudo irá bem se não alterar a formação dos professores do ensino básico e os seus respectivos salários. Isso posiciona a tecnologia no local do sujeito do processo e confirma a negação dos professores como sujeitos principais. (BARRETO, 2003) A educação, contudo, necessita estar além desse paradigma de transformar a tecnologia como foco do processo de aprendizagem e o professor como mero executor dos programas didáticos elaborados através de programas tecnológicos. E, para tomar frente a esta visão, o educador necessita refletir e se posicionar diante de uma realidade que é cada vez mais presente no trabalho docente. Kenski (1998) orienta os educadores a atuarem da seguinte forma perante os avanços tecnológicos: Favoráveis ou não, é chegado o momento em que nós profissionais da educação, que temos o conhecimento e a informação como nossas matérias-primas, enfrentamos os desafios oriundos das novas tecnologias. Esses enfrentamentos não significam a adesão incondicional ou a oposição radical ao ambiente eletrônico, mas, ao contrário, significam criticamente conhecê-los para saber de suas vantagens e desvantagens, de seus riscos e possibilidades, para transformá-los em ferramentas e parceiros em alguns momentos e dispensá-los em outros instantes. (KENSKI, 1998, p. 61) Ainda sobre a influência da tecnologia na educação da sociedade atual, a autora afirma que 26102 As velozes transformações tecnológicas da atualidade impõem novos ritmos e dimensões à tarefa de ensinar e aprender. É preciso que se esteja em permanente estado de aprendizagem e de adaptação ao novo. Não existe mais a possibilidade de considerar-se alguém totalmente formado, independentemente do grau de escolarização alcançado. Além disso, múltiplas são as agências que apresentam informações e conhecimentos a que se pode ter acesso, sem a obrigatoriedade de deslocamentos físicos até as instituições tradicionais de ensino para aprender. (KENSKI, 1998, p. 60) Essa velocidade com que as transformações vêm acontecendo gera ao trabalho docente grandes desafios. Velocidade é o “termo síntese do status espaço-temporal do conhecimento na atualidade”, segundo Kenski (1998), pois, ao mesmo tempo em que há uma velocidade para se aprender, há, também, uma velocidade para se esquecer. Ou seja, é muito pouco tempo, do qual a sociedade detém, para aprender o novo, promovido pela tecnologia, e é muito pouco o tempo que se tem para interagir com ela e superá-la. (KENSKI, 1998) Fantin e Rivoltella (2010) alerta sobre a importância da educação ficar atenta com as transformações promovidas pelas mídias e tecnologias, devido ao significado cultural e o comportamento social que promovem na sociedade. Dentre os significados, a autora destaca a perda da centralidade da televisão e mudança gradual do perfil do usuário de ‘status’ de espectador para o de produtor. Afinal, a presença e o uso das tecnologias nas práticas culturais de crianças e jovens precisa estar articulada a uma reconfiguração das práticas educativas na escola, e isso remete à complexidade da formação de professores nos cenários atuais, às competências necessárias para viabilizar mediações significativas a partir de sua relação com a cultura, mídia e tecnologia, e à discussão de um novo perfil profissional. (FANTIN; RIVOLTELLA, 2010, p. 4) Portanto, verificamos a intensidade com que as transformações tecnológicas vêm acontecendo em nosso meio e que afeta a profissão docente, incorrendo na necessidade de atermo-nos às formações de professores, com o objetivo de despertar o modo adequado e necessário para que a apropriação e o uso das mídias se tornem um auxílio à atividade docente, sem comprometer a qualidade do ensino e a vida pessoal do professor, com o excesso de trabalho diante das demandas às quais tem que atender, em tempo cada vez menor. Dificuldades do Trabalho Docente Pode-se dizer que as dificuldades no trabalho docente inicia-se pelo tipo de conhecimento que é exigido hoje, e transmitido pelos professores na escola. Este possui características de rizoma e não de árvore. A árvore representa a delimitação clara do 26103 conhecimento dentro de uma área de formação, que possui uma raiz, um tronco, galhos e folhas, bem definidas, assim como o conhecimento. De acordo com Kenski (1998) A metáfora da árvore, portanto, nos remete ao conhecimento temporal e espacialmente articulado, estruturado em uma continuidade determinada e que, para ser compreendido, precisa respeitar os desdobramentos hierarquicamente estabelecidos nos campos específicos de cada ciência (KENSKI, 1998, p. 65). Hoje o conhecimento é um emaranhado de caminhos e ligações nos quais diversas áreas de conhecimento podem dar suporte a um conhecimento específico, isso sem mencionar que um saber só é verdadeiro até o momento em que outro saber surja para se sobrepor ao anterior. Seria o conhecimento rizomático que, conforme Kenski (1998), tem como característica os princípios de conexão e de heterogeneidade e que, com o auxílio da tecnologia e da comunicação, prolifera-se sobretudo nas redes. Com relação ao conhecimento, podemos perceber o quão importante e harmoniosa deve ser relação do professor com a tecnologia, pois o ato cognitivo é tão volátil que negar a tecnologia ou utilizá-la de modo não adequado, poderá transformar o professor em um profissional tradicional com características de reproduzir informações em instrumentos tecnológicos. Kenski (1998) detalha os princípios do conhecimento rizomático: não existe ponto central, escalas de importância ou tipologia ideal; apresenta uma multiplicidade, caracterizada pela inexistência de qualquer relação com o uno, individual, específico; não existem pontos ou posições definidas, mas somente linhas, interconectadas, planas, em que se interrelacionam as mais variadas possibilidades; ruptura a-significante do conhecimento - que representa uma ideia, um conceito ou saber, zelosamente retido no tronco de uma ciência específica, que pode ser retomado em outra área, ressignificado e conectado a outras opções que satisfaçam as necessidades momentâneas de conceitualização; nesse sentido há ainda o ponto que trata da decalcomania, que é caracterizado pelo conhecimento que gira em torno da não-exclusão e da não-vinculação a um modelo e; por fim, a cartografia, garante ao rizoma um novo modo de compreender: é uma abordagem que não vigore a reprodução e o decalque, mas sim a possibilidade de indicar os pontos importantes de uma experimentação totalmente ancorada no real. A exposição de Kenski (1998) sobre os princípios do conhecimento rizomático permite destacar que o trabalho docente se torna um pouco mais complexo, pois a metáfora da árvore, que representa a compreensão do conhecimento e as formas de sua apreensão e é a 26104 referência clássica das estruturas dos saberes e das ciências, é vista como um pensamento que não compreende a multiplicidade e trata de identificar e definir as especificidades dos saberes, em delimitar os campos de cada ciência, isolando e valorizando a árvore de determinado conhecimento. (KENSKI, 1998). Diante de tantas transformações que podem auxiliar ou dificultar a vida do professor o conhecimento rizomático exige que o profissional docente, veja o mundo sob uma nova lógica, uma nova cultura, uma nova sensibilidade, uma nova percepção. Atuar neste emaranhado de conhecimentos requer uma exigência pessoal e profissional muito além do que simplesmente entrar em uma sala de aula e ministrar um conteúdo. A rotina que o professor tem dentro da escola, é um ponto que merece destaque no trabalho docente, pois se modifica constantemente, no sentido de o tempo ser tomado totalmente com atividades laborais. Encontrar tempo para que o professor se dedique em atualização e aprendizagem dos instrumentos tecnológicos requer um ponto que gera outra dificuldade: a necessidade de reorientar a carga horária para que possam se dedicar a interação com essas novas ferramentas. Quando se percebe a tentativa em se conhecer melhor estes caminhos tecnológicos em prol da educação, os professores enfrentam dificuldades como a baixa qualidade didática de muitos programas e a formação de que dispõe, que não supre as necessidades de conhecimentos necessários quanto ao uso das tecnologias, pois cursos deveriam ser propostos para o desenvolvimento de competências que lhe permitissem tornar-se agente produtor, operador e crítico das tecnologias educativas. Moraes (2002) relata a realidade das novas tecnologias quando inseridas na educação, Analisando a evolução tecnológica cada vez mais acelerada, percebemos que, como educadores, estamos defasados em relação às mutações do mundo moderno e suas respectivas demandas educacionais. Temos falhado não apenas pela dificuldade que temos em encontrar ou propor soluções que permitam um maior acesso à esses novos recursos por parte da maioria da população economicamente desfavorecida e marginalizada, mas sobretudo, pela ausência de um modelo adequado de formação do professor para o uso competente dessas novas tecnologias nos ambientes escolares. (MORAES, 2002. p. 3) Neste trecho de Moraes (2002) podemos perceber o quanto os professores estão despreparados em conhecimento para atuarem de maneira competente com as novas tecnologias. Isso é um reflexo da falta de formação adequada para que este profissional tenha capacidade de usufruir desses novos meios de ensino-aprendizagem, de forma que, não recaiam em modelo metodológicos que atendam paradigmas tradicionais com a utilização de 26105 instrumentos novos. Há uma grande tendência em se perder as conquistas promovidas com o objetivo de desenvolver um cidadão crítico e reflexivo, se os professores utilizarem-se das tecnologias apenas para reproduzir tecnicamente o conhecimento. Moraes (2002) continua relatando as falhas que vêm acontecendo na educação e que dificultam o trabalho docente: Estamos falhando por falta de metodologias mais adequadas e epistemologicamente mais atualizadas, inspiradas em paradigmas que facilitem a operacionalização dos trabalhos na direção construtiva e criativa que almejamos. Estamos falhando porque não estamos formando, adequada e oportunamente, as novas gerações para enfrentarem os desafios atuais, já que estamos educando com metodologias cientificamente defasadas, usando tecnologias que camuflam velhas teorias a partir de propostas que continuam vendo o aluno como um mero espectador, um simples receptor de estímulos, um eterno copiador e reprodutor de informações. (MORAES, 2002. p. 3) Com isso é possível observar como a formação de professores é peça chave quando nos propomos a relatar as dificuldades do trabalho docente. Esta dificuldade não se dá apenas quanto aos conhecimentos oriundos das tecnologias, existem fatores em diversas áreas que também dificultam o trabalho docente. Fantin e Rivoltella (2010) retrata as dificuldades dos professores diante das mídias e das tecnologias em um estudo realizado em dois contextos diferentes, que apresentaram certas semelhanças referentes aos resultados. É bom enfatizar que o estudo de Fantin e Rivoltella (2010) retrata dois contextos específicos que não representam a totalidade da população, mas que vale destacar, pois é um estudo representativo sobre as dificuldades apresentadas pelos professores. Em relação ao contexto F, a dificuldade que mais aparece é a falta de conhecimentos específicos para trabalhar com os meios e ferramentas, 82%; e em segundo lugar é a falta de infra-estrutura e condições de acesso, 74%; depois vem a falta formação inicial e continuada 66%, e por fim a falta de tempo para aprender a usar, 48%. No contexto M, parece que a inadequação técnica dos professores, em essência, é um dado decisivamente minoritário: 72,7% indicam na infra-estrutura o primeiro obstáculo para o uso das mídias na escola com escolha habitual, 54,4% indica a necessidade de formação de professores, 42,4% fala da falta de tempo e de recursos, e 36% a falta de conhecimento técnicos que tornam inadequado o trabalho com e sobre as mídias. (FANTIN; RIVOLTELLA, 2010, p. 11- 12) Percebe-se que, apesar da similaridade entre os contextos, o que representa a realidade brasileira é o contexto “F”, pois o contexto “M” representa uma realidade exterior. Esta dificuldade em particular dos professores é reflexo de algo maior que representa a educação, segundo Belloni (1998), 26106 A escola ainda não conseguiu integrar esses bens culturais produzidos pelas mídias, e que são consumidos pela maioria das crianças, consumo este desigualmente distribuído entre grupos sociais. A escola de qualidade terá que integrar as novas tecnologias de comunicação de modo eficiente e crítico, sem perder de vista os ideais humanistas da modernidade (isto é, evitando aquele velho mecanismo que consiste em jogar fora a criança com a água do banho), mostrando-se capaz de colocar as tecnologias a serviço do sujeito da educação - o cidadão livre -, e não a educação a serviço das exigências técnicas do mercado de trabalho. (Belloni, 1998, p.151) A partir da leitura sobre a realidade contemporânea realizada por Belloni (1998), percebe-se que a escola necessita rever sua função e que, para iniciar esta tarefa, pensar a formação de professores e os aspectos de infraestrutura são pontos que devem ser considerados, para que a educação seja encaminhada rumo a uma qualidade de ensino aceitável. Todavia, a realidade e as dificuldades do trabalho docente, diante as transformações tecnológicas, estão postas. Compreender se é possível ter uma qualidade de vida para o professor, com formação inicial e continuada ineficientes e com espaço precário para atendimento das demandas educacionais, é uma questão crucial. Qualidade de Vida na Sociedade Tecnológica A qualidade de vida em uma sociedade em constante transformação é sonho almejado por muitas pessoas, mas, muitas vezes não alcançado, e só pode ser relatado de forma subjetiva. Nahas (2013) define qualidade de vida como “a percepção de bem-estar resultante de um conjunto de parâmetros individuais e socioambientais, modificáveis ou não, que caracterizam as condições em que vive o ser humano”. (NAHAS, 2013, p. 15) O trabalho docente é composto por grandes desafios, como mostrado acima, que se expressam através das dificuldades cotidianas, aos quais os profissionais buscam superar para que suas necessidades básicas sejam supridas, além de alcançar, em alguns momentos, satisfação no percurso profissional. Rebolo (2012) define bem-estar docente como [...] uma possibilidade existente na relação do professor com o seu trabalho, que pode ou não se concretizar, dependendo das características do trabalho; do modo como essas características são interpretadas e avaliadas pelo professor e dos modos como o professor enfrenta e resolve os conflitos gerados pelas discrepâncias entre o que espera e o que tem, entre a sua organização interna e a organização do trabalho. (REBOLO, 2012, p. 24) 26107 O bem-estar compreende a satisfação dos profissionais em tudo que se pode alcançar com seu trabalho. O bem-estar divide-se em duas dimensões: a subjetiva e a objetiva. Dessa forma, conseguimos compreender as situações que influenciam, direta e indiretamente, na pessoa. O bem-estar docente compreende a avaliação que a própria pessoa faz de sua vida, sendo tratada como elemento essencial da qualidade de vida, que por sua vez, corresponde uma avaliação mais ampla, pois envolve as condições de vida e a experiência de vida, incluindo, aí, o trabalho. (JESUS, 2006). Se atentarmos para a qualidade de vida, nesta sociedade tecnológica, é algo que exige um grande desafio para ser conseguido. E esse desafio se torna ainda maior quando buscamos pensar na qualidade de vida dos professores, que estão imersos, de maneira direta, na realidade de transformações e conhecimentos voláteis. São tantas as exigências cognitivas para que os mesmos desenvolvam um bom trabalho nesse contexto dinâmico. Kenski (1998) destaca a importância da formação e de tempo para que o professor possa se familiarizar com as novas tecnologias educativas. Necessita conhecimento suficiente para fazer escolhas conscientes sobre as formas mais adequadas para os diversos tipos de conhecimentos, e compreensão lógica que permeia a movimentação entre os saberes na sociedade tecnológica. Outra situação que serve de apoio para o alcance de bem-estar para os professores é a estrutura organizacional onde se concretiza o trabalho docente, A escola do presente e do futuro, aquela que todos queremos, tem de resgatar os ideais da modernidade clássica transformando-os para adaptá-los à modernidade radical, às infinitas possibilidades ofertadas pelas tecnologias de comunicação e de informação. Somente com a modernização radical do campo educacional - que vai da pesquisa acadêmica às estratégias políticas - poderá a escola cumprir sua função social: a de formar o cidadão autônomo, competente técnica e politicamente. (BELLONI, 1998, p 152) Para cumprir o papel na escola e atender as demandas da sociedade pós-moderna, a formação de professores deveria proporcionar, ao profissional, condições de chegar a escola com a capacidade de produzir conhecimento, propiciar a formação em ambientes que tenham laboratórios de ensino e de pesquisa e como campo de estágio para estudantes de graduação e pós-graduação da área da educação, inventar metodologias de ensino, investir na produção de materiais (BELLONI, 1998), tudo isso para auxiliar a formação de professores. Isto contribuiria, certamente, para que os mesmos tenham condições de atuar na escola, promovendo a qualidade de ensino, sem que haja desgaste para adquirir conhecimentos e habilidades necessários para o desempenho da profissão. 26108 Caso contrário, as tecnologias poderão contribuir como mais uma condição de intensificação do trabalho do professor. Neves e Silva (2006) relatam o sofrimento das professoras quanto às relações hierárquicas, à longa e exaustiva jornada de trabalho, à dificuldade de operar o controle-de-turma, ao crescente rebaixamento salarial, à progressiva desqualificação e ao não reconhecimento social de seu trabalho. Nessas condições, mesmo que o prazer tenha sido destacado com a relação afetiva que estabelecem com os alunos e no fato de perceberem os resultados do seu trabalho, ou seja, dar uma boa aula, incentivar a vontade de aprender a ler e escrever, que são resultados que as gratificam e lhes deixam maravilhadas, isso nos remete a salientar a importância de se estar bem preparado para enfrentar as diversas dificuldades inerentes à profissão docente, além das que poderão surgir com as novas exigências produzidas pelas transformações tecnológicas. Conforme Assunção e Oliveira (2009), sendo o professor o ator central nos processos de reformas educacionais, recai sobre ele a responsabilidade frente às novas exigências profissionais que, se não forem oferecidos suporte necessário, ao invés de qualidade de vida e bem-estar, as transformações tecnológicas poderão vir a comprometer a saúde dos professores. Assunção e Oliveira (2009) aponta que a intensificação do trabalho acontece mediante fatores qualitativos, “que correspondem às transformações da atividade sem o necessário suporte social para acomodar as exigências do trabalho”, e os fatores quantitativos, “que envolvem o aumento do volume de tarefas”. (ASSUNÇÃO; OLIVEIRA, 2009, p. 349) Portanto, é imprescindível a articulação dos fatores relacionados à formação dos professores e à organização curricular dessa formação, bem como a organização da escola e do currículo que o professor deverá trabalhar, além de outros componentes que não foram citados neste estudo, para que a atuação do profissional culmine com um bom trabalho e com isso possa usufruir de satisfação e bem-estar na profissão docente, nesta sociedade tecnológica. Considerações Finais O avanço tecnológico é uma realidade presente na educação e o modo como essas novas exigências apresentam-se e são ressignificadas refletem diretamente no trabalho docente. A velocidade com que se movem as tecnologias, por mais que venha a contribuir com a educação, não foi criada para tal. Torna-se um desafio cada vez maior converter tantos recursos tecnológicos em favor da educação. 26109 O reflexo desse avanço foi observado nos conhecimentos necessários ao desempenho do professor. Tornou-se mais complexo e envolto em um emaranhado de possíveis posições para análise. A ideia de conhecimento fixo com centralidade, semelhante a uma árvore, com caule que a sustente e raízes que a fixem no solo, abriu espaço para o conhecimento inconstante, na medida em que aquilo que é verdadeiro realmente o é, até que um novo conhecimento seja formado a partir de um outro anterior, e divulgado pelas redes tecnológicas. As dificuldades com relação às tecnologias apontadas foram: a falta de tempo para aprender a usar as ferramentas tecnológicas e a falta de condições apropriadas que viabilizem o acesso, de maneira que a apropriação das tecnologias não seja apenas uma mera reprodução de conhecimentos antigos em novas tecnologias. Essas dificuldades são geradas, em primeiro lugar, pelos conhecimentos específicos inconstantes; em segundo lugar, a infraestrutura e condições de acesso às tecnologias, que por vezes, se encontram em condições precárias ou inexistentes, e em terceiro, a falta de formação inicial e continuada para que os professores se apropriem das tecnologias de maneira que lhes auxiliem no trabalho docente. Embora, citado em terceiro lugar, neste estudo, a formação é um dos pontos de grande relevância, pois o estudo visou refletir sobre aquisição de conhecimentos dos professores, para atuarem com as novas exigências tecnológicas e diminuir o desgaste profissional de ter que se dedicar para adquirir conhecimento, num espaço de tempo, que, também, é precioso para realizações de outras atividades, dentre elas, as que promovam qualidade de vida e bemestar, e, que em algumas ocasiões, são ocupadas com atividades inerentes ao trabalho docente. Com isso, proporcionar formação e oportunizar condições de infraestrutura adequadas ao desempenho do trabalho docente são fatores importantes para se alcançar qualidade de vida e bem-estar. Além do mais, atuar nesta sociedade tecnológica, dentro da escola, com um currículo que exige desdobramentos diversos, requer formação e atualizações constantes. Para que o conhecimento e o professor não sejam tratados, conforme os dois componentes da pedagogia que se referem à produção de conhecimento na atualidade, expostos por Belloni (1998), quais sejam, [...] a utilização cada vez maior das tecnologias de produção, estocagem e transmissão de informações, por um lado, e, por outro, o redimensionamento do papel do professor. Papel este que, ao que tudo indica, tende a ser cada vez mais mediatizado. O professor duplamente mediatizado: como produtor de mensagens inscritas em meios tecnológicos, destinadas a estudantes a distância, e como usuário ativo e crítico e mediador entre esses meios e os alunos. (BELLONI, 1998, p. 155156) 26110 Portanto, o currículo que está sendo construído na atualidade demanda um sistema escolar capaz de educar cidadãos para aprenderem a se moverem na complexidade, para ensinar-lhes a conviver na incerteza. Com postura sempre otimista da realidade, de que é possível caminhar e encontrar saídas e, deste modo, trabalhar numa perspectiva de que somos todos seres interdependentes e necessitamos de formação e qualidade de vida para promover cidadania na sociedade tecnológica. REFERÊNCIAS ASSUNÇÃO, Ada Ávila; OLIVEIRA, Dalila Andrade. Intensificação do trabalho e saúde dos professores. Educação e Sociedade, Campinas, v. 30, n. 107, p. 349-372, maio/ago. 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v30n107/03.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2015. BARRETO, Raquel Goulart. Tecnologias na formação de professores: o discurso do MEC. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.2, p.271-286, jul./dez., 2003. BELLONI, Maria Luiza. Tecnologia e formação de professores: Rumo a uma pedagogia pósmoderna? Educação e Sociedade, Campinas, v. 19, n. 65, p.143-162. Dez. 1998. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010173301998000400005&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 18 Mar. 2015. 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