trabalho docente e a realidade de uma sociedade em constante

Propaganda
TRABALHO DOCENTE E A REALIDADE DE UMA SOCIEDADE EM
CONSTANTE TRANSFORMAÇÃO
Suziane Freitas de Sousa1 - UCDB
Grupo de Trabalho - Cultura, Currículo e Saberes
Agência Financiadora: Capes
Resumo
Este artigo apresenta um retrato da sociedade tecnológica e os seus reflexos no trabalho
docente. Espera-se contribuir para a ampliação do conhecimento da realidade tecnológica
atual e identificar as exigências que recai sobre o trabalho docente, fruto desse dinamismo. O
levantamento dos dados deste estudo é resultado da revisão de literaturas sobre currículo e
tecnologia, implicadas na temática da dissertação de mestrado intitulada “O Bem-estar
docente, sua constituição e relações com a prática da atividade física: um estudo em uma
escola da rede municipal de ensino de Campo Grande-MS”. Observou-se com esse estudo que
converter avanço tecnológico em prol da educação é um desafio, uma vez que os mesmos são
utilizados, por vezes, para reproduzir as práticas sociais ou como instrumento ao qual o
professor tenha que se adaptar. Diante do dinamismo com que as transformações acontecem
na sociedade e diante dos desafios que são gerados para os docentes no trabalho diário há, em
parte, reflexos nas questões de ordem pessoal, ampliando os riscos de atingir a qualidade de
vida dos professores e podendo acarretar prejuízos enormes para o bem-estar docente,
principalmente, quando estes avanços se aliam a outros conflitos existentes no trabalho
docente que são gerados pela exaustiva jornada de trabalho, o rebaixamento salarial, a
desqualificação, o não reconhecimento social do seu trabalho e entre outros. Propõe-se, ainda,
oferecer subsídios às ações que visem formações continuadas e adequações da prática docente
quanto ao uso da tecnologia, de modo a suscitar-lhes melhor desempenho, melhoria da sua
qualidade de vida e possíveis mudanças nos currículos com objetivo de preparar cidadãos
para viverem nessa sociedade que está cercada pelo dinamismo tecnológico.
Palavras-chave: Trabalho Docente. Currículo. Exigências Tecnológicas. Qualidade de vida.
Introdução
O trabalho docente envolve os sujeitos nas suas complexas dimensões, tanto nas
experiências e identidades quanto no reconhecimento das condições em que as atividades são
realizadas no ambiente escolar (ASSUNÇÃO; OLIVEIRA, 2009). Para atender os professores
1
Mestranda em Educação: Práticas Pedagógicas e suas relações com a formação docente. Professora do Ensino
Básico Técnico e Tecnológico (CMCG). Email: [email protected].
ISSN 2176-1396
26099
no que se refere à melhoria de sua qualidade de vida, é importante que mudanças aconteçam
no local de trabalho, ou seja, no ambiente escolar, espaço no qual se concretiza o seu
trabalho.
Promover qualidade de vida aos professores, numa sociedade em que as
transformações acontecem de maneira rápida e que nos envolve, a ponto de não pensarmos
em nós, remete-nos a promover ações educativas multidisciplinares, com a criação de
oportunidades para facilitar mudanças de comportamento ( NAHAS, 2013).
Atenção e preocupação com a melhora do futuro da educação do país depende de um
profissional preparado para exercer a profissão. E isso depende da presença por inteiro deste
profissional em seu ambiente de trabalho, ou em qualquer lugar no qual esteja desenvolvendo
atividades destinadas a cumprir seu papel como educador, que pode ser conquistado pela
completa satisfação com sua vida pessoal de modo geral.
O estudo realizado é apresentado a seguir com os seguintes tópicos: a realidade
tecnológica na educação, algumas dificuldades do trabalho docente e situações que poderão
auxiliar na promoção da qualidade de vida do professor.
Um retrato da realidade tecnológica na Educação
Atuar como trabalhador docente, numa sociedade em constantes transformações, que
refletem diretamente no desempenho das atividades funcionais é um desafio. Requer, tempo,
dedicação, motivação e envolvimento por completo. Mas como se envolver por completo na
profissão? Esquecer a vida particular, saúde, família? Diante de tantos outros desafios para a
profissão docente, a atualização, perante as mudanças e avanços tecnológicos, é um aspecto
que pode vir a contribuir para o êxito de um profissional, promovendo satisfação e
autorrealização.
O avanço tecnológico é a fonte das grandes transformações na sociedade; e a
velocidade com que acontece, por mais que venha a contribuir com a educação, não foi criado
para tal. Então, converter tanto avanço tecnológico em favor da educação se torna um desafio
cada vez maior. Barreto (2003) coloca como questão central “os modos de incorporação das
tecnologias da informação e da comunicação (TIC) aos processos pedagógicos”, ou seja, a
maneira como essas tecnologias estão sendo apropriadas e postas em prática pelos professores
passa a ser o fator central de tal conversão.
As tecnologias estão inseridas na educação, seja em espaços tradicionais ou em
espaços mais sofisticados de aprendizagem. É “presença obrigatória”. (BARRETO, 2003,
26100
p.274). Isso influência conforme o modo como a tecnologia é inserida, remetendo ao usuário
utilizá-la como um simples acessório para a reprodução da educação ou, como um
instrumento ao qual a educação deve se adaptar, tornando-se então uma educação focada na
tecnologia. Barreto (2003) específica dois modos de apropriação pedagógica das tecnologias
nos contextos educacionais: o primeiro, aponta para o não distanciamento das demais práticas
sociais de muitos sujeitos e a possibilidade de acesso a tantos outros e o segundo, implica na
“formulação de questões silenciadas quando se adere ao modismo e à perspectiva de
consumo”, (BARRETO, 2003, p. 274) tecnologias para quê? Tecnologias para quem?
Tecnologias em que termos? Cabe ao professor tomar ciência de que maneira as tecnologias
deverão se inserir em suas práticas pedagógicas. Mas isso não é tão simples.
Barreto (2003) expõe as implicações de novos desafios para o trabalho docente,
recaindo reflexões sobre a prática pedagógica. Há, portanto, a necessidade em se definir o
sentido da tecnologia na educação. Este é o ponto que requer do profissional maior empenho e
conhecimento para conseguir dar novas ressignificações ao uso dessas ferramentas no
processo ensino-aprendizagem. As ressignificações nos remetem a deslocamentos operados
que buscam desde identificar os incluídos nas e os excluídos das tecnologias, os modos e os
sentidos desse acesso, reconhecendo que tais deslocamentos podem refletir em surgimento de
um novo paradigma na formação de professores, onde as tecnologias são inseridas para
aperfeiçoar o processo de formação como um todo. Com isso a educação pode ser tratada por
meio de um discurso econômico, cujo pensamento vise apenas substituição do professor por
elas, por representar mão-de-obra cara e ineficiente. “[...] o professor é a 'tecnologia' a ser
substituída, expurgada, na medida em que é cara e pouco eficiente”. (BARRETO, 2003, p.
276)
Quão cruel nos parece ser esta afirmação desse autor, uma vez que o docente dedicase, por vezes, integramente, e deixa de estar por completo com sua família, em função do
trabalho, e ser ressignificado dessa maneira! Mas o fato é que as tecnologias estão aí, se não
tomarmos ciência no seu devido tempo e aprendermos a apropriarmos delas para nos auxiliar,
ela poderá nos transformar em agentes desnecessários para a educação.
Então, sobreviver profissionalmente diante da existência de um sistema tecnológico,
que nos mostra que o professor pode ser substituído por instrumentos mais baratos, acessíveis
e de manuseio simples, e o que possui as seguintes características:
26101
Trazer para a escola um enorme potencial didático-pedagógico; ampliar
oportunidades onde os recursos são escassos; familiarizar o cidadão com a
tecnologia que está em seu cotidiano; dar respostas flexíveis e personalizadas para
pessoas que exigem diversidade maior de tipos de educação, informação e
treinamento; oferecer meios de atualizar rapidamente o conhecimento; estender os
espaços educacionais; e, motivar os profissionais e alunos para aprender em
continuamente, em qualquer estágio de suas vidas. (BARRETO, 2003, p. 277)
Parece-nos que a situação da educação no país ficaria resolvida com a inserção de um
grande número de materiais didático-pedagógico produzidos por órgãos institucionalizados.
Esta maneira de analisar a educação e a tecnologia permite termos uma visão de que esta é o
centro das questões educacionais. No Brasil, o MEC eleva esse material ao posto de fazer
pedagógico, que será produzido com a finalidade de apoio pedagógico e que auxiliará na
educação, citado por Barreto (2003), transferindo a nomenclatura de trabalho docente para
atividade e para tarefa docente, negando o professor com sujeito principal do processo. No
discurso o MEC, opera-se duas inversões: substitui a lógica da produção pela da circulação e
a lógica do trabalho pela da comunicação, na crença de que tudo irá bem se não alterar a
formação dos professores do ensino básico e os seus respectivos salários. Isso posiciona a
tecnologia no local do sujeito do processo e confirma a negação dos professores como sujeitos
principais. (BARRETO, 2003)
A educação, contudo, necessita estar além desse paradigma de transformar a
tecnologia como foco do processo de aprendizagem e o professor como mero executor dos
programas didáticos elaborados através de programas tecnológicos. E, para tomar frente a esta
visão, o educador necessita refletir e se posicionar diante de uma realidade que é cada vez
mais presente no trabalho docente. Kenski (1998) orienta os educadores a atuarem da seguinte
forma perante os avanços tecnológicos:
Favoráveis ou não, é chegado o momento em que nós profissionais da educação, que
temos o conhecimento e a informação como nossas matérias-primas, enfrentamos os
desafios oriundos das novas tecnologias. Esses enfrentamentos não significam a
adesão incondicional ou a oposição radical ao ambiente eletrônico, mas, ao
contrário, significam criticamente conhecê-los para saber de suas vantagens e
desvantagens, de seus riscos e possibilidades, para transformá-los em ferramentas e
parceiros em alguns momentos e dispensá-los em outros instantes. (KENSKI, 1998,
p. 61)
Ainda sobre a influência da tecnologia na educação da sociedade atual, a autora afirma
que
26102
As velozes transformações tecnológicas da atualidade impõem novos ritmos e
dimensões à tarefa de ensinar e aprender. É preciso que se esteja em permanente
estado de aprendizagem e de adaptação ao novo. Não existe mais a possibilidade de
considerar-se alguém totalmente formado, independentemente do grau de
escolarização alcançado. Além disso, múltiplas são as agências que apresentam
informações e conhecimentos a que se pode ter acesso, sem a obrigatoriedade de
deslocamentos físicos até as instituições tradicionais de ensino para aprender.
(KENSKI, 1998, p. 60)
Essa velocidade com que as transformações vêm acontecendo gera ao trabalho docente
grandes desafios. Velocidade é o “termo síntese do status espaço-temporal do conhecimento
na atualidade”, segundo Kenski (1998), pois, ao mesmo tempo em que há uma velocidade
para se aprender, há, também, uma velocidade para se esquecer. Ou seja, é muito pouco
tempo, do qual a sociedade detém, para aprender o novo, promovido pela tecnologia, e é
muito pouco o tempo que se tem para interagir com ela e superá-la. (KENSKI, 1998)
Fantin e Rivoltella (2010) alerta sobre a importância da educação ficar atenta com as
transformações promovidas pelas mídias e tecnologias, devido ao significado cultural e o
comportamento social que promovem na sociedade. Dentre os significados, a autora destaca a
perda da centralidade da televisão e mudança gradual do perfil do usuário de ‘status’ de
espectador para o de produtor.
Afinal, a presença e o uso das tecnologias nas práticas culturais de crianças e jovens
precisa estar articulada a uma reconfiguração das práticas educativas na escola, e
isso remete à complexidade da formação de professores nos cenários atuais, às
competências necessárias para viabilizar mediações significativas a partir de sua
relação com a cultura, mídia e tecnologia, e à discussão de um novo perfil
profissional. (FANTIN; RIVOLTELLA, 2010, p. 4)
Portanto, verificamos a intensidade com que as transformações tecnológicas vêm
acontecendo em nosso meio e que afeta a profissão docente, incorrendo na necessidade de
atermo-nos às formações de professores, com o objetivo de despertar o modo adequado e
necessário para que a apropriação e o uso das mídias se tornem um auxílio à atividade
docente, sem comprometer a qualidade do ensino e a vida pessoal do professor, com o
excesso de trabalho diante das demandas às quais tem que atender, em tempo cada vez menor.
Dificuldades do Trabalho Docente
Pode-se dizer que as dificuldades no trabalho docente inicia-se pelo tipo de
conhecimento que é exigido hoje, e transmitido pelos professores na escola. Este possui
características de rizoma e não de árvore. A árvore representa a delimitação clara do
26103
conhecimento dentro de uma área de formação, que possui uma raiz, um tronco, galhos e
folhas, bem definidas, assim como o conhecimento. De acordo com Kenski (1998)
A metáfora da árvore, portanto, nos remete ao conhecimento temporal e
espacialmente articulado, estruturado em uma continuidade determinada e que, para
ser compreendido, precisa respeitar os desdobramentos hierarquicamente
estabelecidos nos campos específicos de cada ciência (KENSKI, 1998, p. 65).
Hoje o conhecimento é um emaranhado de caminhos e ligações nos quais diversas
áreas de conhecimento podem dar suporte a um conhecimento específico, isso sem mencionar
que um saber só é verdadeiro até o momento em que outro saber surja para se sobrepor ao
anterior. Seria o conhecimento rizomático que, conforme Kenski (1998), tem como
característica os princípios de conexão e de heterogeneidade e que, com o auxílio da
tecnologia e da comunicação, prolifera-se sobretudo nas redes.
Com relação ao conhecimento, podemos perceber o quão importante e harmoniosa
deve ser relação do professor com a tecnologia, pois o ato cognitivo é tão volátil que negar a
tecnologia ou utilizá-la de modo não adequado, poderá transformar o professor em um
profissional tradicional com características de reproduzir informações em instrumentos
tecnológicos.
Kenski (1998) detalha os princípios do conhecimento rizomático: não existe ponto
central, escalas de importância ou tipologia ideal; apresenta uma multiplicidade, caracterizada
pela inexistência de qualquer relação com o uno, individual, específico; não existem pontos
ou posições definidas, mas somente linhas, interconectadas, planas, em que se interrelacionam as mais variadas possibilidades; ruptura a-significante do conhecimento - que
representa uma ideia, um conceito ou saber, zelosamente retido no tronco de uma ciência
específica, que pode ser retomado em outra área, ressignificado e conectado a outras opções
que satisfaçam as necessidades momentâneas de conceitualização; nesse sentido há ainda o
ponto que trata da decalcomania, que é caracterizado pelo conhecimento que gira em torno da
não-exclusão e da não-vinculação a um modelo e; por fim, a cartografia, garante ao rizoma
um novo modo de compreender: é uma abordagem que não vigore a reprodução e o decalque,
mas sim a possibilidade de indicar os pontos importantes de uma experimentação totalmente
ancorada no real.
A exposição de Kenski (1998) sobre os princípios do conhecimento rizomático
permite destacar que o trabalho docente se torna um pouco mais complexo, pois a metáfora da
árvore, que representa a compreensão do conhecimento e as formas de sua apreensão e é a
26104
referência clássica das estruturas dos saberes e das ciências, é vista como um pensamento que
não compreende a multiplicidade e trata de identificar e definir as especificidades dos saberes,
em delimitar os campos de cada ciência, isolando e valorizando a árvore de determinado
conhecimento. (KENSKI, 1998). Diante de tantas transformações que podem auxiliar ou
dificultar a vida do professor o conhecimento rizomático exige que o profissional docente,
veja o mundo sob uma nova lógica, uma nova cultura, uma nova sensibilidade, uma nova
percepção. Atuar neste emaranhado de conhecimentos requer uma exigência pessoal e
profissional muito além do que simplesmente entrar em uma sala de aula e ministrar um
conteúdo.
A rotina que o professor tem dentro da escola, é um ponto que merece destaque no
trabalho docente, pois se modifica constantemente, no sentido de o tempo ser tomado
totalmente com atividades laborais. Encontrar tempo para que o professor se dedique em
atualização e aprendizagem dos instrumentos tecnológicos requer um ponto que gera outra
dificuldade: a necessidade de reorientar a carga horária para que possam se dedicar a
interação com essas novas ferramentas.
Quando se percebe a tentativa em se conhecer melhor estes caminhos tecnológicos em
prol da educação, os professores enfrentam dificuldades como a baixa qualidade didática de
muitos programas e a formação de que dispõe, que não supre as necessidades de
conhecimentos necessários quanto ao uso das tecnologias, pois cursos deveriam ser propostos
para o desenvolvimento de competências que lhe permitissem tornar-se agente produtor,
operador e crítico das tecnologias educativas.
Moraes (2002) relata a realidade das novas tecnologias quando inseridas na educação,
Analisando a evolução tecnológica cada vez mais acelerada, percebemos que, como
educadores, estamos defasados em relação às mutações do mundo moderno e suas
respectivas demandas educacionais. Temos falhado não apenas pela dificuldade que
temos em encontrar ou propor soluções que permitam um maior acesso à esses
novos recursos por parte da maioria da população economicamente desfavorecida e
marginalizada, mas sobretudo, pela ausência de um modelo adequado de formação
do professor para o uso competente dessas novas tecnologias nos ambientes
escolares. (MORAES, 2002. p. 3)
Neste trecho de Moraes (2002) podemos perceber o quanto os professores estão
despreparados em conhecimento para atuarem de maneira competente com as novas
tecnologias. Isso é um reflexo da falta de formação adequada para que este profissional tenha
capacidade de usufruir desses novos meios de ensino-aprendizagem, de forma que, não
recaiam em modelo metodológicos que atendam paradigmas tradicionais com a utilização de
26105
instrumentos novos. Há uma grande tendência em se perder as conquistas promovidas com o
objetivo de desenvolver um cidadão crítico e reflexivo, se os professores utilizarem-se das
tecnologias apenas para reproduzir tecnicamente o conhecimento. Moraes (2002) continua
relatando as falhas que vêm acontecendo na educação e que dificultam o trabalho docente:
Estamos falhando por falta de metodologias mais adequadas e epistemologicamente
mais atualizadas, inspiradas em paradigmas que facilitem a operacionalização dos
trabalhos na direção construtiva e criativa que almejamos. Estamos falhando porque
não estamos formando, adequada e oportunamente, as novas gerações para
enfrentarem os desafios atuais, já que estamos educando com metodologias
cientificamente defasadas, usando tecnologias que camuflam velhas teorias a partir
de propostas que continuam vendo o aluno como um mero espectador, um simples
receptor de estímulos, um eterno copiador e reprodutor de informações. (MORAES,
2002. p. 3)
Com isso é possível observar como a formação de professores é peça chave quando
nos propomos a relatar as dificuldades do trabalho docente. Esta dificuldade não se dá apenas
quanto aos conhecimentos oriundos das tecnologias, existem fatores em diversas áreas que
também dificultam o trabalho docente.
Fantin e Rivoltella (2010) retrata as dificuldades dos professores diante das mídias e
das tecnologias em um estudo realizado em dois contextos diferentes, que apresentaram certas
semelhanças referentes aos resultados. É bom enfatizar que o estudo de Fantin e Rivoltella
(2010) retrata dois contextos específicos que não representam a totalidade da população, mas
que vale destacar, pois é um estudo representativo sobre as dificuldades apresentadas pelos
professores.
Em relação ao contexto F, a dificuldade que mais aparece é a falta de conhecimentos
específicos para trabalhar com os meios e ferramentas, 82%; e em segundo lugar é a
falta de infra-estrutura e condições de acesso, 74%; depois vem a falta formação
inicial e continuada 66%, e por fim a falta de tempo para aprender a usar, 48%. No
contexto M, parece que a inadequação técnica dos professores, em essência, é um
dado decisivamente minoritário: 72,7% indicam na infra-estrutura o primeiro
obstáculo para o uso das mídias na escola com escolha habitual, 54,4% indica a
necessidade de formação de professores, 42,4% fala da falta de tempo e de recursos,
e 36% a falta de conhecimento técnicos que tornam inadequado o trabalho com e
sobre as mídias. (FANTIN; RIVOLTELLA, 2010, p. 11- 12)
Percebe-se que, apesar da similaridade entre os contextos, o que representa a realidade
brasileira é o contexto “F”, pois o contexto “M” representa uma realidade exterior. Esta
dificuldade em particular dos professores é reflexo de algo maior que representa a educação,
segundo Belloni (1998),
26106
A escola ainda não conseguiu integrar esses bens culturais produzidos pelas mídias,
e que são consumidos pela maioria das crianças, consumo este desigualmente
distribuído entre grupos sociais. A escola de qualidade terá que integrar as novas
tecnologias de comunicação de modo eficiente e crítico, sem perder de vista os
ideais humanistas da modernidade (isto é, evitando aquele velho mecanismo que
consiste em jogar fora a criança com a água do banho), mostrando-se capaz de
colocar as tecnologias a serviço do sujeito da educação - o cidadão livre -, e não a
educação a serviço das exigências técnicas do mercado de trabalho. (Belloni, 1998,
p.151)
A partir da leitura sobre a realidade contemporânea realizada por Belloni (1998),
percebe-se que a escola necessita rever sua função e que, para iniciar esta tarefa, pensar a
formação de professores e os aspectos de infraestrutura são pontos que devem ser
considerados, para que a educação seja encaminhada rumo a uma qualidade de ensino
aceitável.
Todavia, a realidade e as dificuldades do trabalho docente, diante as transformações
tecnológicas, estão postas. Compreender se é possível ter uma qualidade de vida para o
professor, com formação inicial e continuada ineficientes e com espaço precário para
atendimento das demandas educacionais, é uma questão crucial.
Qualidade de Vida na Sociedade Tecnológica
A qualidade de vida em uma sociedade em constante transformação é sonho almejado
por muitas pessoas, mas, muitas vezes não alcançado, e só pode ser relatado de forma
subjetiva. Nahas (2013) define qualidade de vida como “a percepção de bem-estar resultante
de um conjunto de parâmetros individuais e socioambientais, modificáveis ou não, que
caracterizam as condições em que vive o ser humano”. (NAHAS, 2013, p. 15)
O trabalho docente é composto por grandes desafios, como mostrado acima, que se
expressam através das dificuldades cotidianas, aos quais os profissionais buscam superar para
que suas necessidades básicas sejam supridas, além de alcançar, em alguns momentos,
satisfação no percurso profissional.
Rebolo (2012) define bem-estar docente como
[...] uma possibilidade existente na relação do professor com o seu trabalho, que
pode ou não se concretizar, dependendo das características do trabalho; do modo
como essas características são interpretadas e avaliadas pelo professor e dos modos
como o professor enfrenta e resolve os conflitos gerados pelas discrepâncias entre o
que espera e o que tem, entre a sua organização interna e a organização do trabalho.
(REBOLO, 2012, p. 24)
26107
O bem-estar compreende a satisfação dos profissionais em tudo que se pode alcançar
com seu trabalho. O bem-estar divide-se em duas dimensões: a subjetiva e a objetiva. Dessa
forma, conseguimos compreender as situações que influenciam, direta e indiretamente, na
pessoa. O bem-estar docente compreende a avaliação que a própria pessoa faz de sua vida,
sendo tratada como elemento essencial da qualidade de vida, que por sua vez, corresponde
uma avaliação mais ampla, pois envolve as condições de vida e a experiência de vida,
incluindo, aí, o trabalho. (JESUS, 2006).
Se atentarmos para a qualidade de vida, nesta sociedade tecnológica, é algo que exige
um grande desafio para ser conseguido. E esse desafio se torna ainda maior quando buscamos
pensar na qualidade de vida dos professores, que estão imersos, de maneira direta, na
realidade de transformações e conhecimentos voláteis. São tantas as exigências cognitivas
para que os mesmos desenvolvam um bom trabalho nesse contexto dinâmico.
Kenski (1998) destaca a importância da formação e de tempo para que o professor
possa se familiarizar com as novas tecnologias educativas. Necessita conhecimento suficiente
para fazer escolhas conscientes sobre as formas mais adequadas para os diversos tipos de
conhecimentos, e compreensão lógica que permeia a movimentação entre os saberes na
sociedade tecnológica.
Outra situação que serve de apoio para o alcance de bem-estar para os professores é a
estrutura organizacional onde se concretiza o trabalho docente,
A escola do presente e do futuro, aquela que todos queremos, tem de resgatar os
ideais da modernidade clássica transformando-os para adaptá-los à modernidade
radical, às infinitas possibilidades ofertadas pelas tecnologias de comunicação e de
informação. Somente com a modernização radical do campo educacional - que vai
da pesquisa acadêmica às estratégias políticas - poderá a escola cumprir sua função
social: a de formar o cidadão autônomo, competente técnica e politicamente.
(BELLONI, 1998, p 152)
Para cumprir o papel na escola e atender as demandas da sociedade pós-moderna, a
formação de professores deveria proporcionar, ao profissional, condições de chegar a escola
com a capacidade de produzir conhecimento, propiciar a formação em ambientes que tenham
laboratórios de ensino e de pesquisa e como campo de estágio para estudantes de graduação e
pós-graduação da área da educação, inventar metodologias de ensino, investir na produção de
materiais (BELLONI, 1998), tudo isso para auxiliar a formação de professores. Isto
contribuiria, certamente, para que os mesmos tenham condições de atuar na escola,
promovendo a qualidade de ensino, sem que haja desgaste para adquirir conhecimentos e
habilidades necessários para o desempenho da profissão.
26108
Caso contrário, as tecnologias poderão contribuir como mais uma condição de
intensificação do trabalho do professor. Neves e Silva (2006) relatam o sofrimento das
professoras quanto às relações hierárquicas, à longa e exaustiva jornada de trabalho, à
dificuldade de operar o controle-de-turma, ao crescente rebaixamento salarial, à progressiva
desqualificação e ao não reconhecimento social de seu trabalho. Nessas condições, mesmo
que o prazer tenha sido destacado com a relação afetiva que estabelecem com os alunos e no
fato de perceberem os resultados do seu trabalho, ou seja, dar uma boa aula, incentivar a
vontade de aprender a ler e escrever, que são resultados que as gratificam e lhes deixam
maravilhadas, isso nos remete a salientar a importância de se estar bem preparado para
enfrentar as diversas dificuldades inerentes à profissão docente, além das que poderão surgir
com as novas exigências produzidas pelas transformações tecnológicas.
Conforme Assunção e Oliveira (2009), sendo o professor o ator central nos processos
de reformas educacionais, recai sobre ele a responsabilidade frente às novas exigências
profissionais que, se não forem oferecidos suporte necessário, ao invés de qualidade de vida e
bem-estar, as transformações tecnológicas poderão vir a comprometer a saúde dos
professores.
Assunção e Oliveira (2009) aponta que a intensificação do trabalho acontece mediante
fatores qualitativos, “que correspondem às transformações da atividade sem o necessário
suporte social para acomodar as exigências do trabalho”, e os fatores quantitativos, “que
envolvem o aumento do volume de tarefas”. (ASSUNÇÃO; OLIVEIRA, 2009, p. 349)
Portanto, é imprescindível a articulação dos fatores relacionados à formação dos
professores e à organização curricular dessa formação, bem como a organização da escola e
do currículo que o professor deverá trabalhar, além de outros componentes que não foram
citados neste estudo, para que a atuação do profissional culmine com um bom trabalho e com
isso possa usufruir de satisfação e bem-estar na profissão docente, nesta sociedade
tecnológica.
Considerações Finais
O avanço tecnológico é uma realidade presente na educação e o modo como essas
novas exigências apresentam-se e são ressignificadas refletem diretamente no trabalho
docente. A velocidade com que se movem as tecnologias, por mais que venha a contribuir
com a educação, não foi criada para tal. Torna-se um desafio cada vez maior converter tantos
recursos tecnológicos em favor da educação.
26109
O reflexo desse avanço foi observado nos conhecimentos necessários ao desempenho
do professor. Tornou-se mais complexo e envolto em um emaranhado de possíveis posições
para análise. A ideia de conhecimento fixo com centralidade, semelhante a uma árvore, com
caule que a sustente e raízes que a fixem no solo, abriu espaço para o conhecimento
inconstante, na medida em que aquilo que é verdadeiro realmente o é, até que um novo
conhecimento seja formado a partir de um outro anterior, e divulgado pelas redes
tecnológicas.
As dificuldades com relação às tecnologias apontadas foram: a falta de tempo para
aprender a usar as ferramentas tecnológicas e a falta de condições apropriadas que viabilizem
o acesso, de maneira que a apropriação das tecnologias não seja apenas uma mera reprodução
de conhecimentos antigos em novas tecnologias. Essas dificuldades são geradas, em primeiro
lugar, pelos conhecimentos específicos inconstantes; em segundo lugar, a infraestrutura e
condições de acesso às tecnologias, que por vezes, se encontram em condições precárias ou
inexistentes, e em terceiro, a falta de formação inicial e continuada para que os professores se
apropriem das tecnologias de maneira que lhes auxiliem no trabalho docente.
Embora, citado em terceiro lugar, neste estudo, a formação é um dos pontos de grande
relevância, pois o estudo visou refletir sobre aquisição de conhecimentos dos professores,
para atuarem com as novas exigências tecnológicas e diminuir o desgaste profissional de ter
que se dedicar para adquirir conhecimento, num espaço de tempo, que, também, é precioso
para realizações de outras atividades, dentre elas, as que promovam qualidade de vida e bemestar, e, que em algumas ocasiões, são ocupadas com atividades inerentes ao trabalho docente.
Com isso, proporcionar formação e oportunizar condições de infraestrutura adequadas
ao desempenho do trabalho docente são fatores importantes para se alcançar qualidade de vida
e bem-estar. Além do mais, atuar nesta sociedade tecnológica, dentro da escola, com um
currículo que exige desdobramentos diversos, requer formação e atualizações constantes. Para
que o conhecimento e o professor não sejam tratados, conforme os dois componentes da
pedagogia que se referem à produção de conhecimento na atualidade, expostos por Belloni
(1998), quais sejam,
[...] a utilização cada vez maior das tecnologias de produção, estocagem e
transmissão de informações, por um lado, e, por outro, o redimensionamento do
papel do professor. Papel este que, ao que tudo indica, tende a ser cada vez mais
mediatizado. O professor duplamente mediatizado: como produtor de mensagens
inscritas em meios tecnológicos, destinadas a estudantes a distância, e como usuário
ativo e crítico e mediador entre esses meios e os alunos. (BELLONI, 1998, p. 155156)
26110
Portanto, o currículo que está sendo construído na atualidade demanda um sistema
escolar capaz de educar cidadãos para aprenderem a se moverem na complexidade, para
ensinar-lhes a conviver na incerteza. Com postura sempre otimista da realidade, de que é
possível caminhar e encontrar saídas e, deste modo, trabalhar numa perspectiva de que somos
todos seres interdependentes e necessitamos de formação e qualidade de vida para promover
cidadania na sociedade tecnológica.
REFERÊNCIAS
ASSUNÇÃO, Ada Ávila; OLIVEIRA, Dalila Andrade. Intensificação do trabalho e saúde dos
professores. Educação e Sociedade, Campinas, v. 30, n. 107, p. 349-372, maio/ago. 2009.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v30n107/03.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2015.
BARRETO, Raquel Goulart. Tecnologias na formação de professores: o discurso do MEC.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.2, p.271-286, jul./dez., 2003.
BELLONI, Maria Luiza. Tecnologia e formação de professores: Rumo a uma pedagogia pósmoderna? Educação e Sociedade, Campinas, v. 19, n. 65, p.143-162. Dez. 1998. Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010173301998000400005&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 18 Mar. 2015.
FANTIN, Monica; RIVOLTELLA, Pier Cesare. Interfaces da docência (des)conectada: usos
das mídias e consumos culturais de professores. In: REUNIÃO DA ANPED, 33. Caxambu,
2010. Trabalhos... Caxambu: [s.n.], 2010. Disponível em:
<http://33reuniao.anped.org.br/33encontro/app/webroot/files/file/Trabalhos%20em%20PDF/
GT16-6512--Int.pdf> Acesso em: 14 mar. 2015.
JESUS, Saul Neves de. Psicologia da saúde e bem-estar. Mudanças- Psicologia da Saúde.
Universidade de Algarve, Portugal, v. 14, n. 2, 126-135, jul./dez., 2006.
KENSKI, Vani Moreira. Novas tecnologias: o redimensionamento do espaço e do tempo e os
impactos no trabalho docente. Revista Brasileira de Educação, Faculdade de Educação,
Universidade de São Paulo, n.8, p. 58-71, mai./ago., 1998.
MORAES, Maria Candida. Tecendo a rede, mas com que paradigma? In: MORAES, Maria
Candida (org). Educação à distância: fundamentos e práticas. Campinas, SP:
Unicamp/NIED, 2002. Cap. 1, p. 1-12.
NAHAS, Markus Vinicius. Atividade física, saúde e qualidade de vida: conceitos e
sugestões para um estilo de vida ativo. 6. ed. Londrina: Midiograf, 2013.
NEVES, Mary Yale Rodrigues; SILVA, Edith Seligmann. A dor e a delícia de ser (estar)
professora: trabalho docente e saúde mental. Estudos e Pesquisas em Psicologia,
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, ano 6, n. 1, 2006.
26111
REBOLO, Flavinês. Fontes e dinâmicas do bem-estar docente: os quatro componentes de um
trabalho felicitário. In: REBOLO, Flavinês; TEIXEIRA, Leny Rodrigues Martins;
PERRELLI, Maria Aparecida de Souza (orgs.). Docência em questão: discutindo trabalho e
formação. Campinas: Mercado de Letras, 2012. Cap. 1, 23-60.
Download