Debates contemporâneos sobre a questão ontológica nas ciências sociais Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Universidade Federal de São Paulo 2o semestre de 2014 Prof. Renzo Taddei – [email protected] Ementa O curso tem como objetivo apresentar conceitos e autores centrais do debate contemporâneo sobre as ontologias, ou sobre o que está sendo chamado de “virada ontológica” nos campos da antropologia, sociologia e filosofia. A expressão “virada ontológica” refere-se a uma transformação em parte importante da produção acadêmica contemporânea, onde preocupações mais propriamente epistemológicas cedem espaço à reflexão sobre a dimensão ontológica da existência; em outras palavras, onde o estatuto de verdade dos enunciados, e mesmo a reflexão a respeito das dimensões discursivas de enunciação, dão lugar à preocupação com o estatuto dos existentes enquanto tais. Ou seja, ao invés de investigar como sujeitos vêem o mundo, busca-se entender que mundo(s) os sujeitos vêem, e quais as decorrências (sociais, culturais, políticas) da aceitação de que “um outro mundo é possível” (não como princípio [apenas] revolucionário, mas como postura [meta]ontológica). Esse desenvolvimento teórico tem sido apresentado como reação à chamada “virada lingüística” que gerou, entre as décadas de 1950 e 1970, entre outras coisas, o pós-estruturalismo e o pósmodernismo. Os críticos da idéia de virada ontológica, por sua vez, apontam para o fato de que a dimensão ontológica nunca deixou de estar presente em abordagens teóricas materialistas, como no caso do marxismo, e que a idéia de “virada” sugere uma visão dicotômica pouco produtiva. Outros sugerem que o 1 conceito de ontologia nada mais é do que uma reencarnação do conceito de cultura; ou seja, não há nada de novo no horizonte. Os detalhes do debate, e suas implicações conceituais, serão analisadas no decorrer do curso. Alem do embate teórico, o curso trabalhará com três temas de análise proeminentes na produção acadêmica dos autores identificados com a abordagem ontológica: a questão climática e a transição à era geológica batizada de Antropoceno; a natureza ontológica dos agentes sociais, especialmente os que não se apresentam na forma das unidades sociopolíticas clássicas – indivíduos, instituições, estados -, como no caso do fenômeno das multidões; e a questão de novas formas de consideração entre as dimensões social, física e biológica. Calendário e bibliografia (sujeito a alterações previamente combinadas com os estudantes): Semana 1: Apresentação & antecedentes teóricos: abordagens fenomenológicas MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999. SCHUTZ, A. Fenomenologia e relações sociais: textos escolhidos. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. VON ZUBEN, Newton Aquiles. A fenomenologia como retorno à ontologia em Martin Heidegger. Trans/Form/Ação, Marília, v. 34, n. 2, pp. 85-102, 2011. Semanas 2: Caminho 1: estudos sociais da ciência e da tecnologia ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007 [pp. 9-14; 248-307] LATOUR, B. Jamais Fomos Modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994 [caps. 1 e 2]. Semanas 3: Caminho 1: estudos sociais da ciência e da tecnologia [cont.] LATOUR, B. Jamais Fomos Modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994 [caps. 3 a 5]. Semanas 4: Caminho 2: etnografia melanésia WAGNER, R. A Invenção da Cultura. São Paulo: Cosac Naify, 2010 [caps. 1 a 3] 2 Semanas 5: Caminho 2: etnografia melanésia [cont.] STRATHERN, M. O efeito etnográfico. São Paulo: Cosac Naify, 2014 [caps. selecionados] WAGNER, R. A Invenção da Cultura. São Paulo: Cosac Naify, 2010 [caps. 4 a 6] Semana 6: Caminho 3: etnografia amazônica VIVEIROS DE CASTRO, E. Perspectivismo e multinaturalismo na América indígena. In: A Inconstância da Alma Selvagem – e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2002, pp. 347-399. VIVEIROS DE CASTRO, E. Encontros (organização Renato Sztutman). Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2008 [pp. 88-113; 200-225]. Semanas 7: Caminho 4: o pós-humano e abordagens pós-identitárias (gêneros, animais e coisas) HARAWAY, D.; KUNZRU, H.; TADEU, T. Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. HARAWAY, Donna. A partilha do sofrimento: relações instrumentais entre animais de laboratório e sua gente. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 17, n. 35, p. 27-64, jan./jun. 2011. Semanas 8: Caminho 4: o pós-humano e abordagens pós-identitárias (gêneros, animais e coisas) [cont.] INGOLD, T. Humanidade e Animalidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 28, junho de 1995, pp. 39-53. INGOLD, T. Los Materiales contra la materialidad. Papeles de Trabajo, Año 7, N° 11, mayo de 2013, pp. 19-39. INGOLD, T. Caminhando com dragões: em direção ao lado selvagem. In: STEIL, C.; CARVALHO, I. C. M. (Org.) Cultura, percepção e ambiente: diálogos com Tim Ingold. São Paulo: Terceiro Nome, 2012, PP. 15-29. Semana 9: Críticas e respostas BESSIRE, L. e BOND, D. Ontological anthropology and the deferral of critique. American Ethnologist, Vol. 41, No. 3, 2014, pp. 440–456. 3 FISCHER, M. The lightness of existence and the origami of “French” anthropology Latour, Descola, Viveiros de Castro, Meillassoux, and their so-called ontological turn. Hau: Journal of Ethnographic Theory, 2014, 4 (1): 331–355. FORTUN, K. From Latour to late industrialism. Hau: Journal of Ethnographic Theory, 4 (1): 309–329. SAEZ, O.C. Do perspectivismo ameríndio ao índio real. Campos, 2014, 13(2):7-23, 2012. Semana 10: Ponto de inflexão 1: os mundos atmosféricos e o Antropoceno TADDEI, R. As Ciências Climáticas como Antropografias do Futuro: notas sobre a performatividade das previsões do clima. [publicado em inglês em: Helen Kopnina and Eleanor Shoreman-Ouimet, eds., Environmental Anthropology: Future Directions. Routledge, 2013. Tradução ao português disponível]. DANOWSKI, D.; VIVEIROS DE CASTRO, E. Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Florianópolis: Cultura e Barbárie/Instituto Socioambiental, 2014. Semana 11: Ponto de inflexão 2: políticas do método e métodos da política (a ontologia política das multidões e das matemáticas) ALMEIDA, M.W.B. Guerras culturais e relativismo cultural. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol. 14 No 41, 1999, p. 5-14. GRAEBER, D. Fragmentos de uma Antropologia Anarquista. Porto Alegre: Deriva, 2011. TADDEI, R. Devir torcedor. In: FERREIRA, A.A.L.; MARTINS, A. e SEGAL, R. (orgs), Uma bola no pé e uma ideia na cabeça: o que o futebol nos faz pensar. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2014, p. 27-52. Semana 12: Ponto de inflexão 3: Biosocialidades pós-orgânicas (e o fenômeno da emergência) INGOLD, T.; PALSSON, G. (eds). Biosocial Becomings: Integrating Social and Biological Anthropology. Cambridge: Cambridge University Press, 2013 [p. 1-58; 191-248]. TADDEI, R. Ser-estar no sertão: capítulos da vida como filosofia visceral. Interface (Botucatu. Impresso), v. 18, p. 545-555, 2014. 4