As gírias da cidade: o falar malandro Olho no olho para fritar as criaturas. Regá-las, levá-las em fogo brando, em banho-maria. Depois, só depois, fritá-las. Assim se trabalha, olhando no meio dos dois olhos das pessoas, ali naquela marca da metade, entre as pestanas, onde é o começo do nariz; é preciso firmar os olhos lá, arrancando confiança. Falar olhando nos olhos. Como os camelôs, como os jogadores, como os pungas. Como as piranhas de classe que adoçam os fregueses, mornamente, e os depenam sem vacilo e sem dó, até o osso e, na continuação, os estrepam de verde-amarelo-azul-e-branco. Cavar. Falar como se se falasse franco, politicando manhoso, torneado, serpenteando devagar, na baba, trazendo as coisas mais escondidas de com quem se fala. Jogando o verde, trazendo de volta o maduro e sem ser notado. As pessoas só falam daquilo que gostam. (JOÃO ANTÔNIO, Dedo-duro,São Paulo, Cosac Naify, 2003, pp.137-138) Quem me vê aqui montando guarda do lado de fora da casa, levando frio nas pernas e no lombo e curtindo madrugada com este quepe na cabeça, parrudo mas jeitoso, pode me julgar um pé-de-chinelo sem eira nem beira. Plantado como um dois-de-paus. Um porteirinho mixuruco e só. Falando claro, até gosto que se pense assim: minha dissimulação é dos sete capetas. Enquanto pareço uma maria-judia e um merduncho, vou mexendo minhas arrumações e tenderepás, que só o meu povo, os cabras sarados da noite, os boiquiras das malandrices, os mamoeiros muito acordados é que sabem. A minha gente. (JOÃO ANTÔNIO, Leão-de-chácara, São Paulo, Cosac Naify, 2002, p.32)