Mito e Filosofia

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Mito e Filosofia
< www.malhatlantica.pt
<Eloi Corrêa dos Santos1, Osvaldo Cardoso2
< Guernica de Pablo Picasso no Museu Reina Sofia – Madrid.
erta vez li um livro do poeta Louis Aragon (1897-1982), e uma frase sua despertou-me a reflexão. A
frase era: “o espírito do homem não
suporta a desordem porque não pode
pensá-la” (ARAGON, 1996, p. 215 e 241). E várias perguntas povoaram meu pensamento: o que é
ordem? E a desordem? Ordem e desordem
existem na realidade ou são representações
de mundo criadas pelo pensamento, imaginação ou preconceito?
Colégio Estadual Sto. Antonio e
Colégio Estadual Mário Evaldo Morski - Pinhão - PR
2
Colégio Estadual Ângelo Gusso - Curitiba - PR
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Ensino Médio
< http://virtualbooks.terra.com.br
z Ordem e Desordem
< www.mundocultural.com.br
< Sófocles (496 a 406 a.C.). Nasceu na cidade de Colona, província da Ática.
< Aristófanes nasceu em Atenas em
457 a.C.
Ordem e desordem fazem parte da formação do senso comum e dos
processos da razão e, a partir desses conceitos, tratemos de efetuar uma
avaliação social e histórica. Vivemos inseridos em certas ordens ou organizações (sociais, políticas, religiosas, econômicas), as quais não dependem de nossa escolha. Pensemos, pode ser que não exista desordem, mas ordens diferentes daquela que costumamos pensar que seja a
ordem verdadeira, uma razão imutável, que reina imperativa. Por exemplo: a civilização ocidental é diferente da civilização oriental, o sul da
América e o norte da América possuem culturas diferenciadas, ou seja,
o mundo é culturalmente diverso e isto enriquece os contatos e as relações, é preciso aprender a conviver com essas diferenças para evitar
confrontos, conflitos, guerras e sofrimentos.
Assim também podemos pensar a origem do pensamento moderno
ocidental: uma ordem social que se construiu com elementos das mais
antigas civilizações ocidentais e orientais. Entre a herança que os antigos como Sófocles, Aristófanes, Hesíodo e Homero nos legaram estão os mitos, maravilhosas narrativas sobre a origem dos tempos, que
encantam, principalmente, porque fogem aos parâmetros do modo de
pensar racional que deu origem ao pensamento contemporâneo.
É certo que as tradições, os mitos, e a religiosidade respondiam a todos os questionamentos. Contudo, essas explicações não davam mais conta de problemas, como a permanência, a mudança, a continuidade dos seres entre outras questões. Suas respostas perderam convencimento e não
respondiam aos interesses da aristocracia que se estabelecia na pólis.
Dessa forma, determinadas condições históricas, do século V e IV
a.C., como o estabelecimento da vida urbana na pólis grega, as expansões marítimas, a invenção da política e da moeda, do espaço público
e da igualdade entre os cidadãos gestaram juntamente com alguma influência oriental uma nova modalidade de pensamento. Os gregos depuraram de tal forma o que apreenderam dos orientais, que até parece
que criaram a própria cultura de forma original.
Podemos afirmar que a filosofia nasceu de um processo de superação do mito, numa busca por explicações racionais rigorosas e metódicas, condizentes com a vida política e social dos gregos antigos, bem
como do melhoramento de alguns conhecimentos já existentes, adaptados e transformados em ciência.
ATIVIDADE
1. Escreva uma frase objetiva, em seguida, cada aluno deve ler para a turma simultaneamente, a frase
que pensou.
2. Pergunte se alguém entendeu alguma coisa que o outro leu.
3. Organize a classe em grupos para responder a questão: qual a importância da ordem na compreensão do mundo e no entendimento das relações humanas? Cada grupo irá formular uma resposta ilustrando com um exemplo a ser encenado pelo grupo.
4. A partir das apresentações, discuta as respostas.
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Introdução
Mito
e Filosofia
Filosofia
z O Mito de Édipo
Os mitos cumpriam uma função social moralizante de tal forma que
essas narrativas ocupavam o imaginário dos cidadãos da pólis grega direcionando suas condutas. Na Atenas do século V a.C. existia também
o espaço para as comédias que satirizavam os poderosos e personagens célebres, e as tragédias que narravam as aventuras e prodígios
dos heróis, bem como suas desventuras e fracassos. Haviam festivais
em que os poetas e escritores competiam elegendo as melhores peças
e textos, estes festivais eram muito importantes na vida da “pólis” grega, era por meio destes eventos sociais que as narrativas míticas se difundiam.
O soberano consulta o Oráculo, o que era comum na cultura grega antiga. O Oráculo afirma que seu primogênito irá desposar a própria mãe e
assassinar seu pai, o Rei Laio. Então, Laio manda que eliminem o menino,
mas a pessoa encarregada não cumpre a ordem e envia o menino para um
reino distante onde ele se torna um grande guerreiro e herói, numa de suas
andanças ele encontra um homem arrogante e o mata; chegando ao Reino
de Jocasta, Édipo se apaixona e a desposa. Anos mais tarde, Édipo descobre que ele próprio é o personagem da profecia, e num gesto de desespero, arranca os próprios olhos e sai a vagar pelo mundo a fora. A profecia
se cumpriu, porque o rei se recusou a matar a criança.
Esta narrativa possui um fundo moral, o alerta para os desígnios
dos deuses, que não devem ser contrariados, e o percurso de Édipo,
de toda sua saga, de ter vencido a Esfinge e decifrado seu enigma, seu
destino não o poupou. Contudo, um novo pensamento se formava e
a vida na pólis cada vez mais é direcionada pela política, e aos poucos a moral estabelecida pelas narrativas míticas foram sendo substituídas pela ética e pelos valores da cidadania grega. O cidadão grego
cada vez mais participativo não considerava a idéia de não controlar
a própria vida. Na vida da pólis, os homens livres manifestavam suas
posições escolhendo entre iguais o direcionamento das decisões e das
ações da cidade-estado.
DEbATE
Forme pequenos grupos e responda as questões abaixo.
1. O que é o mito? Dê exemplo de um mito e faça o seu relato.
2. O mito obedece a um processo de elaboração. Pesquise um mito grego e faça uma análise dos elementos que o compõe.
Apresente as respostas à turma para debate.
As regras para o debate encontram-se na introdução deste livro.
Mito e Filosofia
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Ensino Médio
< www.estacio.br
z O Nascimento da Filosofia
< Narrativa trágica de Sófocles,
“Édipo Rei”.
O nascimento da filosofia pode ser entendido como o surgimento
de uma nova ordem do pensamento, complementar ao mito, que era a
forma de pensar dos gregos. Uma visão de mundo que se formou de
um conjunto de narrativas contadas de geração a geração por séculos
e que transmitiam aos jovens a experiência dos anciãos. Como narrativas, os mitos falavam de deuses e heróis de outros tempos e, dessa
forma, misturavam a sabedoria e os procedimentos práticos do trabalho e da vida com a religião e as crenças mais antigas.
Nesse contexto, os mitos eram um modo de pensamento essencial
à vida da comunidade, ao universo pleno de riquezas e complexidades
que constituía a sua experiência. Enquanto narrativa oral, o mito era um
modo de entender o mundo que foi sendo construído a cada nova narração. As crenças que eles transmitiam ajudavam a comunidade a criar
uma base de compreensão da realidade e um solo firme de certezas. Os
mitos apresentavam uma religião politeísta, sem doutrina revelada, sem
teoria escrita, isto é, um sistema religioso, sem corpo sacerdotal e sem livro sagrado, apenas concentrada na tradição oral, é isso que se entende
por teogonia. Vale salientar que essas narrativas foram sistematizadas no
século IX por Homero e por Hesíodo no século VII a.C.
Ao aliar crenças, religião, trabalho, poesia, os mitos traduziam o
modo que o grego encontrava para expressar sua integração ao cosmos e à vida coletiva. Os gregos a partir do século V a.C. viveram uma
experiência social que modificou a cotidianidade grega: a vivência do
espaço público e da cidadania. A cidade constituía-se da união de seus
membros para os quais tudo era comum. O sentimento que ligava os
cidadãos entre si era a amizade, a filia, resultado de uma vida compartilhada.
< www.alovelyworld.com
< Acrópole – Atenas – Grécia.
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Introdução
Mito
e Filosofia
Filosofia
Uma certa extensão territorial, nunca muito grande, continha uma cidade, onde havia o lar com o fogo sagrado, os templos, as repartições dos
magistrados principais, a Ágora, onde se efetuavam as transações; e, habitualmente, a cidadela na acrópole. A cidade vivia do seu território e a
sua economia era essencialmente agrária. Competiam-lhe três espécies de
atividade: legislativa, judiciária e administrativa. Não menores eram os deveres para com os deuses, pois a “pólis” assentava em bases religiosas
e as cerimônias do culto eram ao mesmo tempo obrigações cívicas desempenhadas pelos magistrados. A sua constituição dependia da assembléia popular, do conselho, e dos tribunais formados pelos cidadãos. (PEREIRA,
< Homero autor dos antigos poemas
épicos gregos Ilíada e Odisséia.
Século IX a.C.
< Teatro em Atenas - Grécia.
< http://patricianavarrete.cyberquebec.ca
Quando dizemos que a filosofia nasceu na Grécia, pontuamos que
a Grécia do século V a.C. não possuía um Estado unificado, mas era
formada por Cidades-Estados independentes, as chamadas pólis, que
foram o berço da política, da democracia e das ciências no ocidente.
Transformaram a matemática herdada dos orientais em aritmética, geometria, harmonia e lapidaram o conceito de razão como um pensar
metódico, sistemático, regido por regras e leis universais.
Os gregos eram um povo comerciante, propensos a navegação e
ao contato com outras civilizações. A filosofia nascera das adaptações
que os pensadores gregos regimentaram aos conhecimentos adquiridos por meio dessas influências, e da superação do pensamento mitológico buscando racionalmente aliar essa nova ordem de pensamento
propriamente grega, a vida na pólis. Mas afinal, o que é a pólis? Como
se constituía?
< www1.dragonet.es
z A Vida Cotidiana na Sociedade Grega
In: GOMES & FIGUEIREDO, 1983 p. 94 - 95)
z O Mito e a Origem de Todas as Coisas
A multiplicidade de idéias e vertentes que formam o mito pode
aparecer, muitas vezes, como desordem. A filosofia pode ser entendida como a tentativa de subordinar a multiplicidade de expressões à
ordem racional, de enfrentar a dificuldade de entender os contrários
misturados que povoam a vida. Entre mito e filosofia têm-se duas ordens ou duas concepções de mundo e a passagem da primeira à segunda expressa uma mudança estrutural da sociedade. Identificar ou
pensar as várias ordens seria como identificar as constelações na imensidão do céu.
Mito e Filosofia
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< http://br.geocities.com
Ensino Médio
< Lenda de Dédalo.
As narrativas míticas tentavam responder as questões fundamentais, como: a origem de todas as coisas, a condição do homem e suas relações com a natureza, com o outro e com o mundo, enfim, a vida e a morte, questões que a filosofia desenvolveu no decorrer de sua
história. Mas aqui podemos formular outra questão: a filosofia nasceu
da superação dos mitos, mas foi uma superação gradual ou um rompimento súbito? Para tanto, temos que primeiramente identificar algumas diferenças básicas entre os mitos e a filosofia.
O Mito (Mythos) é narrado pelo poeta-rapsodo, que escolhido pelos deuses transmitia o testemunho incontestável sobre a origem de
todas as coisas, oriundas da relação sexual entre os deuses, gerando
assim, tudo que existe e que existiu. Os mitos também narram o duelo entre as forças divinas que interferiam diretamente na vida dos homens, em suas guerras e no seu dia-a-dia, bem como explicava a origem dos castigos e dos males do mundo. Ou seja, a narrativa mítica é
uma genealogia da origem das coisas a partir de lutas e alianças entre
as forças que regem o universo.
A filosofia, por outro lado, trata de problematizar o porquê das coisas de maneira universal, isto é, na sua totalidade. Buscando estruturar
explicações para a origem de tudo nos elementos naturais e primordiais (água, fogo, terra e ar) por meio de combinações e movimentos.
Enquanto o mito está no campo do fantástico e do maravilhoso, a filosofia não admite contradição, exige lógica e coerência racional e a autoridade destes conceitos não advém do narrador como no mito, mas
da razão humana, natural em todos os homens.
PESQUISA
1. Faça uma entrevista com diversas pessoas e pergunte:
a) O que elas entendem por mito?
b) Quais são os mitos que elas conhecem?
c) Relate, por escrito, o mito que mais chamou a atenção do grupo.
d) Organize, em sua sala um painel com as respostas apresentando-as à turma.
2. Construa duas colunas formulando uma explicação mítica à esquerda e outra racional à direita sobre
um determinado fenômeno natural elencando, comparativamente, suas características e apresenteas à turma.
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Introdução
Mito
e Filosofia
Filosofia
z Numa Perspectiva Filosófica
Na origem da filosofia encontramos o mito e a poesia. Entre estas,
as que chegaram até nós são as poesias de Homero e Hesíodo, que
contam detalhes da vida das sociedades gregas antigas. Os mitos dos
quais temos notícia são formas de narrativa oral sobre os tempos primordiais, isto é, sobre a origem ou a criação, é o modo como as sociedades arcaicas representavam coletivamente a geração de todas as coisas, isto é, a sua maneira de exprimir suas experiências.
É preciso esclarecer que os chamados primeiros filósofos oriundos
da Jônia, mais ou menos no século IV a.C, foram também astrônomos,
geômetras, matemáticos, médicos e físicos, isto é, as divisões do saber, as quais estamos acostumados, são modernas e não faziam parte
do universo dos antigos. A distinção entre o que é a filosofia e o que
é poesia, física, etc., é herança platônica.
Existem duas versões principais sobre a origem da filosofia: a versão mais conhecida é aquela que acentua o surgimento de uma metodologia nova de abordagem dos problemas no esforço de certos
pensadores em explicar os fenômenos naturais com métodos que possibilitavam medir, verificar e prever os fenômenos. Nessa versão a filosofia ao nascer, opõe-se ao mito e o substitui, a partir de uma nova
racionalidade.
A segunda versão diz que não houve um rompimento com o mito
e a religiosidade dos antigos continuou a aparecer nas formas de conhecimento filosófico.
< Deuses gregos. www.turemanso.com.ar
Não sabemos se os contemporâneos dos primeiros filósofos gregos
acreditavam verdadeiramente que a Via Láctea era o leite espalhado pelo seio de Hera, mas quando Demócrito afirma que não se trata senão de
uma concentração de estrelas, a maioria considera isso como uma blasfêmia. Quanto a Anaxágoras, que deu como certo ser o Sol um aglomerado
de pedras, chegou mesmo a ter conflitos com os poderes públicos. É verdade que as doutrinas dos primeiros filósofos estavam ainda marcadas pela
mitologia, mas isso não deve esconder-nos a sua orientação fundamentalmente antimitológica. (OIZERMAN, in: GOMES & FIGUEIREDO, 1983 p. 80 -81)
As duas respostas podem ser consideradas extremadas. A filosofia
surgiu gradualmente a partir da superação dos mitos, rompendo em
parte com a teodicéia. Outras civilizações apresentaram alguma forma
de pensamento filosófico, contudo, sempre ligado à tradição religiosa.
A filosofia, por sua vez, abandona e supera a crença mítica e abraça a
razão e a lógica como pressupostos básicos para o pensar. Então podemos dizer que a filosofia surgiu por meio da racionalização dos mi-
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Ensino Médio
tos, mas sob a influência dos conhecimentos adquiridos de outros povos gerando algo novo, ou seja, houve uma superação e transformação
do antigo, gestando o novo de maneira diferente.
DEbATE
Discuta em sala:
1. Existe relação entre mito e realidade?
2. Qual a finalidade dos mitos para a humanidade?
Apresente as respostas à turma para debate.
As regras para o debate encontram-se na introdução deste livro.
< www.musee-rodin.fr
z Mito e Lógos
Como as pesquisas atuais entendem o mito? Conforme Vernant
(2001) parece que os estudiosos do mito não conseguem definir seu
objeto de estudo e o vêem desvanecer-se:
< Orfeu e Euridice, George Frederick
Watts, 1869.
(...) o tempo de reflexão – esse olhar lançado para trás sobre o caminho
percorrido – não marcaria, para o mitólogo, o momento em que, acreditando como Orfeu ter tirado sua Eurídice das trevas, impaciente de contemplála na claridade da luz, ele se volta para vê-la desvanecer e desaparecer para sempre a seus olhos? (VERNANT, 2001, p. 289)
Os mitólogos questionam a própria existência dos mitos, percebendo que, no mundo grego, “(...)eles existiram não pelo que eram em si,
e sim como relação àquilo que, por uma razão ou outra, os excluíam e
os negavam(...)”. (VERNANT, 2001, p. 289) Em outras palavras, o mito existe do
ponto de vista de uma razão que pretende separar-se da narrativa oral
e da religião. À medida que a razão filosófica constitui-se como método lógico de argumentação e discurso verdadeiro sobre o real, rejeita
“(...) o ilusório, o absurdo e o falacioso. Ele (o mito) é a sombra que
toda forma de discurso verdadeiro projeta, por contraste, na hora em
que a verdade não aparece mais como mensurável (...)” (VERNANT, 2001, p.
291) e perde-se nas brumas da narrativa. É, portanto, ao discurso metódico que o mito deve a sua existência.
z O Mito Hoje
Na modernidade, podemos pensar filosoficamente outros conceitos
para o mito. Um dos modos de entender o mito é pensá-lo como fan22
Introdução
Mito
e Filosofia
Desde sempre o iluminismo, no sentido mais abrangente de um pensar
que faz progressos, perseguiu o objetivo de livrar os homens do medo e de
fazer deles senhores. Mas completamente iluminada, a terra resplandece
sob o signo do infortúnio triunfal. O programa do iluminismo era o de livrar o
mundo do feitiço. Sua pretensão, a de dissolver os mitos e anular a imaginação, por meio do saber. Bacon, “o pai da filosofia experimental” (cofr. Voltaire), já havia coligido as suas idéias diretrizes. (...) Apesar de alheio à matemática, Bacon, captou muito bem o espírito da ciência que se seguiu a ele.
O casamento feliz entre o entendimento humano e a natureza das coisas,
que ele tem em vista, é patriarcal: o entendimento, que venceu a superstição, deve ter voz de comando sobre a natureza desenfeitiçada. Na escravização da criatura ou na capacidade de oposição voluntária aos senhores
do mundo, o saber que é poder não conhece limites. Esse saber serve aos
empreendimentos de qualquer um, sem distinção de origem, assim como,
na fábrica e no campo de batalha, está a serviço de todos os fins da economia burguesa. Os reis não dispõem sobre a técnica de maneira mais direta do que os comerciantes: o saber é tão democrático quanto o sistema
econômico juntamente com o qual se desenvolve. A técnica é a essência
desse saber. Seu objetivo não são os conceitos ou imagens nem a felicidade da contemplação, mas o método, a exploração do trabalho dos outros,
o capital. (ADORNO e HORKHEIMER, 1975, p. 97-98)
< Trem a Vapor de Jorge
Stephenson, mito do progresso.
< www.culturabrasil.pro.br
tasmagoria, isto é, aquilo que a sociedade imagina de si mesma a partir de uma aparência que acredita ser a realidade. Por exemplo: é mítica a idéia de progresso, porque é uma idéia que nos move e alimenta
nossa ação, mas, na realidade não se concretiza. A sociedade moderna
não progride no sentido que tudo o que é novo é absorvido para a manutenção e ampliação das estruturas do sistema capitalista. O progresso apresenta-se como um mito porque alimenta o nosso imaginário.
Boaventura, (2003), defende que todo conhecimento científico é
socialmente construído, que o rigor da ciência tem limites inultrapassáveis e que sua pretensa objetividade não implica em neutralidade, daí
resulta que acreditar que a ciência leva ao progresso e que o progresso e a história são de alguma forma linear, pode ser considerado como o mito moderno da cientificidade. Quando, ao procurarmos analisar a situação presente nas ciências no seu conjunto, olhamos para o
passado, a primeira imagem é talvez a de que os progressos científicos dos últimos 30 anos são de uma ordem espetacular que os séculos que nos precederam não se aproximam em complexidade. Então
juntamente com Rousseau (1712 - 1778) perguntamos: o progresso das
ciências e das artes contribuirão para purificar ou para corromper os
nossos costumes? Há uma relação entre ciência e virtude? Há uma razão de peso para substituirmos o conhecimento vulgar pelo conhecimento científico?
< www.xtec.es
Filosofia
< Jean-Jacques Rousseau (1712
– 1778).
Mito e Filosofia
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< www.bad-bad.com
Ensino Médio
< Friedrich Nietzsche 1844-1900.
O iluminismo partiu do pensamento de que a razão seria um instrumento capaz de iluminar a realidade, libertando os homens das trevas
da ignorância, da ingenuidade da imaginação e do mito. O animismo,
a magia e o fetichismo teriam sido finalmente superados e o mundo
estaria livre desses flagelos. O entendimento e a razão assumiriam o
comando sobre a natureza e transformar-se-iam em senhores absolutos e imperativos.
No entanto, o iluminismo não deu conta da tarefa que se propôs.
Suas luzes não iluminaram tanto quanto se pretendia e a libertação do
mito, do dogma e da magia medieval não teve o êxito afirmado por
alguns autores. O iluminismo pretendeu retirar o mito e a fantasia de
seu altar, mas colocou a razão e a técnica em seu lugar, logo, não derrubou o mito, apenas inverteu, dando à ciência e à técnica o brilho da
“verdade”, gestando, assim, o mito moderno da racionalidade.
Para Nietzsche (1844 – 1900) o iluminismo não cumpriu o que se
propôs a fazer. Não libertou os homens de seus prejuízos, os mitos não
foram abandonados, mas substituídos por novos e mais elaborados heróis. O que pode ser tão escravizador quanto o dogma, isso porque a
técnica e o saber científico podem estar a serviço do capital. Além disso, este saber técnico pode coisificar o homem e neste sentido os mitos modernos apresentam-se camuflados. Por isso, a crença na razão
de forma absoluta gera um mito, o que caracterizaria um retrocesso no
percurso do mito ao logos que, de certo modo, não era a intenção.
DEbATE
Responda às questões:
1. Qual a diferença entre mito, filosofia e ciência?
2. Por que podemos dizer que a ciência constituiu-se como mito na modernidade?
Apresente as respostas à turma para debate.
As regras para o debate encontram-se na introdução deste livro.
< www.finsa.it
z Mas enfim o que é o mito?
< Interpretação da alegoria da Caverna.
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Introdução
Mito
e Filosofia
O pensamento mítico é por natureza uma explicação da realidade que não necessita de metodologia
e rigor, enquanto que o logos caracteriza-se pela tentativa de dar resposta a esta mesma realidade, a partir de conceitos racionais. Mas existe razão nos mitos?
Não seria também a racionalidade, um mito moderno disfarçado? Assim como na antigüidade, o mito estava a serviço dos interesses da aristocracia rural e,
portanto não interessava à aristocracia ateniense, surgindo assim o pensamento racional ligado à “pólis”,
Filosofia
no mundo contemporâneo, não estariam o pensamento tecnicista e a
ciência, a serviço do capital e das elites que financiam a produção do
conhecimento científico?
O homem moderno continua ainda a mover-se em direção a um
valor que o apaixona e só posteriormente é que busca explicitá-lo pela razão. Entende-se, pois, que o mito manifesta-se por meio de elementos figurativos, enquanto que o logos utiliza-se de elementos racionais, portanto é preciso deixar bem claro que não se pretende aqui
colocar o pensamento racional no mesmo plano do pensamento mítico, mas sim, que a partir de uma releitura percebemos que o Iluminismo não deu conta nem mesmo de realizar a tarefa de que se propôs:
iluminar as trevas da ignorância; quanto mais dissolver os mitos e anular a imaginação.
PESQUISA
1. Por que o homem contemporâneo ainda utiliza mitos no seu cotidiano?
2. Faça uma pesquisa sobre alguns mitos dos super-heróis que são divulgados pelos meios de comunicação.
3. Qual a relação destes mitos pesquisados com as ideologias presentes na sociedade capitalista?
z Referências:
ARAGON, L. O camponês de Paris. Rio de Janeiro: Editora Imago,
1996.
BLACKBURN, S. DicionárioOxforddeFilosofia. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1994.
GOMES, L. C.; FIGUEIREDO, Ilda. Antologia filosófica: areflexãofilosófica,domitoàrazão;dialéticadaacçãoedoconhecimento;valores
ético-políticos. Lisboa: Livros Horizonte, 1983.
HORKHEIMER, M. e ADORNO, T. W. ConceitodeIluminismo., São Paulo: Pensadores, 1975.
SANTOS, B. de S. Umdiscursosobreasciências. São Paulo, Cortez,
2003.
VERNANT, J. P. EntreMitoePolítica. São Paulo: Editora da USP, 2001.
_________. MitoePensamentoentreosgregos. São Paulo: Editora da
USP, 1973.
Imagemdeabertura: Teseu – o herói de Atenas. 440-430 BC – Feito em
Atenas e encontrado na Itália – Lazio. www.thebritishmuseum.ac.uk
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