GLOBALIZAÇÃO E GLOBALISMO: ENSINO CONSCIENTE DA COMODIFICAÇÃO DO SOCIALISMO Silvio Luis da Silva – UnP/UFRN [email protected] INTRODUÇÃO Este trabalho aproxima a Análise Crítica do Discurso (ACD) das perspectivas da pesquisa social crítica e debruça-se sobre a notícia como um meio de propagação de ideologias e de manifestação discursiva dessas ideologias. Para tanto, toma duas notícias, veiculadas na revista Exame durante o mês de maio de 2011, a respeito das reformas políticas que estão sendo implementadas em Cuba. Nosso tema, então, se volta para a discussão dos procedimentos de análise do gênero notícia, sob a égide da ACD e sua aplicabilidade no contexto escolar. Nosso objetivo é poder demonstrar como a análise do discurso da notícia pode contribuir para a compreensão das idiossincrasias do comportamento social, tanto linguístico quanto prático, de ações no mundo. Discute, também, conceitos que questionam a globalização como um efeito natural da modernidade tardia e busca apresentar um questionamento quanto a comodificação das relações sociais e culturais e defende o texto como um commodity cultural, ou seja, como uma ferramenta de luta pelo e contra o poder. Os resultados que apresentaremos apontam para uma possível utilização de textos de notícia na escola como uma forma de conscientizar os alunos de seu poder de ação na renovação da estrutura social. Para tanto, esclarece conceitos, contextualiza o corpus, reflete e aponta para os usos linguísticos, mostra o papel da ACD no contexto escolar e oferece uma breve discussão final sobre o tema. Passemos, então, aos passos para uma discussão a respeito do ensino consciente e da visão a respeito da globalização e do globalismo como um momento a ser desvelado. Esclarecimentos conceituais As mudanças do comportamento social que surgiram com a disseminação da tecnologia e a aproximação dos países de todo o mundo em razão da economia global, que aproxima os mercados e impõe regras de comportamento econômico, abarcam os mais diversos setores da sociedade em geral. Essas mudanças criaram um cenário em que os fatos e acontecimentos cotidianos se alterassem em razão de uma pressão da chamada globalização. Na escola, o termo é vastamente utilizado e já faz parte do conhecimento de mundo da maioria dos alunos e professores. Igualmente, aqueles que não estão nos bancos escolares sentem-se, de certa forma, globalizados ou excluídos, haja vista que a noção de globalização passa por uma necessidade intrínseca de se conhecer o mundo sob a ótica da correlação, sob a ótica da associação de comportamentos, especialmente no que diz respeito ao comportamento econômico. Aqui, entendemos que esse „comportamento econômico‟ não diz respeito apenas às medidas econômicas dos governantes, das empresas e do mercado de trabalho, mas ao comportamento dos agentes sociais em suas vidas cotidianas, que são afetadas por suas capacidades financeiras e pelo „desejo‟ de obter bens materiais e culturais disponíveis não apenas em seus espaços geográficos, em suas cidades, mas em todo o mundo, o que cria uma nova sociedade na contemporaneidade. Essa nova forma de enxergar o mundo e se comportar no mundo, reflexo do que é chamado por Chouliaraki & Fairclough (1999) de modernidade tardia, torna-se base para se entender tanto a sociedade como as relações que esta estabelece com seus agentes sociais, os sujeitos. Como linguagem e sociedade estão embrionariamente interligados, o discurso torna-se uma manifestação, uma materialização de conceitos, preceitos, ideologias e reestruturação. Neste aspecto, é importante que tenhamos em mente que é uma característica importante das mudanças econômicas, sociais e culturais da modernidade tardia que elas existam como discursos assim como processos que estão acontecendo fora do discurso, e que os processos que estão acontecendo fora do discurso são substancialmente moldados por estes discursos. (CHOULIARAKI & FAIRCLOUGH, 1999, p. 4 TN) Nesse sentido, entendemos que os textos são eventos sociais que produzem efeitos causais, produzem alterações, mudanças e novas perspectivas porque são a mola propulsora das mudanças em nosso conhecimento, nossas crenças, atitudes, e valores, posto que, por intermédio dos diversos gêneros textuais e das mensagens que veiculam, podemos aprender novos conceitos, novas formas de realizar ações, novas maneiras de ver o outro e, especialmente, novas formas de enxergarmos a nós próprios e nossas capacidades de ação no âmbito social, o que acontece em curto e longo prazo. Dentre os diversos gêneros textuais, a notícia, seja ela veiculada em jornais, revistas, TV ou internet, tem papel preponderante na disseminação de informação e, por conseguinte, de novas perspectivas a respeito do mundo real que, na forma de texto, torna-se um simulacro da realidade e contribui para essa modernidade tardia, na qual a realidade foi substituída pelo „simulacro‟ constituído por estes sinais que circulam: „onde a representação tenta absorver a simulação interpretando-a como uma falsa representação, a simulação envolve todo o edifício da representação como um simulacro ele mesmo‟ (BAUDRILLARD 1983, apud CHOULIARAKI & FAIRCLOUGH, 1999, p. 3). Embora saibamos que as diversas discussões que trouxeram à tona o questionamento da sociedade a respeito da globalização sejam inúmeras e que há igualmente inúmeras definições para o termo, neste trabalho, tomaremos globalização como um processo mundial de cunho ideológico, em que temos o mundo inteiro assistindo a uma integração econômica regida pelo neoliberalismo e caracterizada pelo predomínio de interesses econômicos e financeiros, pela desregulamentação dos mercados, pela privatização de empresas estatais e pelo abandono do estado de bem esta social, cujas consequências são inúmeras, marcadamente a exclusão social, que contribui para o aumento do número de pobres e desempregados. Por essa razão, segundo Fairclough (2003) há quem entenda que a globalização é um mito para encobrir um novo imperialismo, que as mudanças sociais que ela marca não são coisas que estão apenas acontecendo, ou seja, que se trata de um processo natural e inevitável. Para esses, trata-se de decisões estratégicas tomadas por agentes poderosos, cujas consequências, em grande parte do mundo, são uma regressão econômica e não exatamente um „progresso‟. Essa perspectiva nos leva a entender que é ilusório dizer que „coesão social‟ tem existido no estado do bem estar social. Assim, uma sociedade que detenha o conhecimento, agentes sociais que estejam esclarecidos de quem são os protagonistas do „processo‟ de globalização e quais são os seus reais intentos poderão formar grupos opositores e desenvolver estratégias que permitam a minimização e o redirecionamento dado pelos detentores do poder e buscar formas de melhorar suas próprias vidas e de seus pares, sem reduzir toda a vida à submissão irracional da economia. No entanto, não é o que temos assistido, pois todos os setores da vida em sociedade passaram a ser pautados por uma exacerbada aquiescência à ditadura econômica. E isso não é globalização, é, sim, nos termos de Fairclough (2006), “globalismo”, que reduz absolutamente todas as esferas sociais aos aspectos econômicos. Cria-se, com isso, uma cisão entre os termos globalismo e globalização, que não podem, de maneira nenhuma, ser entendidos como um único processo ou com finalidades e características idênticas, pois se, de um lado, a globalização é uma visão de um mundo interligado, cada vez menor e mais unido, proporcionando uma unidade mundial igualitária, por outro, o globalismo, igualmente regido por parâmetros neoliberais, “é uma forma fenomênica do pensamento e da ação unidimensionais, um tipo de cosmovisão monocausal do economicismo” (BECK, 2008, p. 221). É nesse cenário que surge uma tendência que afeta os sujeitos, sua identidade, sua percepção do mundo e a sua relação com a linguagem. Originalmente, o processo de comodificação, segundo Fairclough (2001, 1999, 2006), dá-se pela transferência da lógica capitalista de produção, distribuição e consumo de bens e mercadorias para as instituições sociais, mesmo que suas metas não sejam a de „vender mercadorias‟, ou seja, produzir commodities, como instituições não-governamentais e prestadoras de serviço; porém esse processo é também analogicamente transferido para o discurso, produzindo gêneros de discurso híbridos nos quais os vocábulos ligados ao capital adentram ao discurso dessas instituições sociais e passam a fazer parte da sua „identidade‟ social. Isso produz um processo no qual a economia causa uma espécie de colonização das instituições, permeando-as e constituindo-as. Um exemplo disso é a publicidade que, atualmente, vem “utilizando-se seu característico discurso para colonizar os mais diversos tipos de texto, sobretudo mediante a inserção de imagens (FAIRCLOUGH, 2001, p. 255) Nas noticias, então, em que a economia se torna um dos assuntos mais tratados e cujas consequências parecem ter se tornado a grande criadora de textos, essa colonização da economia torna-se evidente, especialmente porque assistimos uma vertiginosa aparição de vocábulos da economia inseridos nos mais diversos contextos, o que nos leva a entender que todos os setores assistem a uma invasão da economia em seu campo de atuação, tornado-os subservientes tanto linguística quanto comportamentalmente ao mercado de capital. Uma vez que a prática discursiva como discutida em Fairclough (2001), é entendida como os processos de produção, distribuição e consumo de textos que se relacionam intrinsecamente aos ambientes a que são produzidos, tais como o econômico, o político e o de instituições particulares, a linguagem é vista como uma prática social, esta entendida como um modo de ação situado historicamente e constituído socialmente que produz identidades sociais, relações sociais e sistemas de conhecimento e crença. Nos textos, então, materializam-se ideologias e a visão desses textos deve ser perpassada por um entendimento de que a linguagem é “parte irredutível da vida social, dialeticamente conectada a outros elementos da vida social” (FAIRCLOUGH, 2003, p. 3). Em um ambiente dito globalizado, então, é imprescindível que as relações textuais com as práticas sociais sejam vistas globalmente e que se perceba a importância do uso linguístico para a manutenção de relações de poder, que não são simplesmente locais, mas globais e sofrem a influência de grupos dominantes que exercem seu poder longe dos limites fronteiriços dos países. 1. Contexto histórico da notícia analisada As notícias que nos servem de corpus são a respeito de Cuba, ilha descoberta em 1492 por Cristovão Colombo, que a reivindicou para a Espanha, país de que foi território até a Guerra Hispano-America, finda em 1898, quando ganhou sua independência. Porém, os EUA passaram a ter enorme influência na governabilidade do país, o que só se findou em 1902. O período subsequente, de 1939 a 1956, o país assiste ao governo ditatorial de Fulgêncio Batista e passa a enfrentar grandes problemas, especialmente quanto à empregabilidade, que se torna escassa e desagrada a classe média. Descontentes com as enormes desigualdades no país, um grupo de guerrilheiros liderados por Fidel Castro inicia uma batalha que culmina com a derrubada de Batista em 1959, quando Fidel Castro assume o poder e instala um governo socialista ditatorial. Por isso, se distancia dos EUA e alia-se à Antiga União Soviética que praticamente mantém a economia do país com a compra da produção de açúcar e o fornecimento de Petróleo. Porém, a partir de 1991, com a crise na União Soviética e o seguinte desmembramento do país, os laços comerciais se enfraquecem e Cuba passa a enfrentar inúmeros problemas. É neste cenário que o governo Fidel Castro se vê obrigado a flexibilizar a economia e permitir a abertura para atividades capitalistas, mesmo dentro de uma estrutura governamental marcadamente socialista. Um dos grandes ajustes feitos foi a liberação do Turismo, que injetou capitais no país, mas trouxe muitos problemas como o aumento da prostituição e o surgimento de inúmeros casos de Aids. Mesmo assim, Fidel Castro é mantido no poder até 2008, quando é obrigado a se afastar para tratar de sua saúde visivelmente debilitada. Seu irmão, Raul Castro, assume o poder na ilha com promessas de reformas econômicas. Neste cenário, encontra-se nossa análise, que traz à tona justamente a articulação da notícia a respeito das novidades de Raul Castro em duas reportagens da revista Exame, publicadas no mês de maio de 2011. Uma vez esclarecidos esses aspectos, passemos a verificar como essa comodificação da notícia cria identidades para textos e, por conseguinte, para seus usuários que devem, além de saber sua significação, estabelecer relações de causa e consequência das “novidades” do mercado em suas próprias vidas, num processo cíclico de estabilização de novos conceitos e reformulações desses conceitos. Usos linguísticos como reflexo global da globalização e do globalismo A leitura na escola deve trazer à tona elementos que subsidiem os alunos para questionar o status quo e permitir que eles possam entender a disseminação da informação igualmente como a disseminação de ideologias, interesses e relações de poder. Por isso, nas notícias a que nos propomos analisar é importante que o contexto, como descrito acima, seja inicialmente dado. Com isto o questionamento dos alunos já vem suprido de elementos sócio-históricos que compõem a informação. É preciso, então, chamar a atenção para o uso linguístico do título, inicialmente. Assim os títulos, Cuba admite que existem obstáculos para as reformas de Raúl Castro e Líder cubano vai rever economia e implementar reformas, devem ser introduzidos com o questionamento do uso de “Cuba”, uma personificação que destitui da ação o agente real e o reconstrói linguisticamente sobre o alicerce do país que, na verdade, é o paciente, aquele que sofrerá as consequências da ação de reformar. No segundo título, a atenção deve ser voltada para o processo inverso: a manutenção do agente com o uso de “Lider Cubano”. Embora as notícias sejam do mesmo período, de maio de 2011, entendemos que no primeiro caso insta-se uma insegurança, pois os obstáculos podem emperrar as reformas, o que Cuba admite, mas, provavelmente, não aceita, pois o líder Raul Castro vai rever economia e implementar, de qualquer maneira, as reformas prometidas. Centradas na ideia de reforma econômica, ambas as notícias remetem o leitor à situação de cuba, país socialista, que parece estar aquiescendo à lei global de mercado, pois, quaisquer reformas econômicas implicam adequações da situação do país à economia global. Sabidamente socialista, o país já demonstrara sua fragilidade quanto à manutenção do regime com as atitudes do antigo líder Fidel Castro (como a abertura ao Turismo que mencionamos acima), fato que deve ser trazido à tona para a discussão das ideologias presentificadas nos textos que são, na verdade, um reflexo da globalização (ou do globalismo?) que toma o país e determina ações de seus governantes. A manutenção da capitalização do socialismo cubano se confirma no restante de ambos os textos em excertos como: a burocracia [estatal socialista] inércia e preconceito contra o trabalho privado afetam o andamento do processo [de reforma]; somar cada trabalhador e dirigente administrativo ao combate pela eficiência econômica; atualização do modelo socialista; implementação de reformas que vão permitir que pequenos empresários operem em países comunistas; e eliminar milhões de empregos no setor público e criar novos empregos ao permitir que pequenos empresários operem legalmente (grifos nossos). A atenção a ser dada aos textos deve permitir que o aluno compreenda esses usos como uma maneira de „economizar‟ o socialismo pelo uso linguístico, deixando de lado análises meramente estruturalistas e interpretivistas, porque os alunos precisam saber que uma leitura é uma auxiliar não apenas na transmissão de informação, mas uma ferramenta que fornece elementos constituintes de identidade tanto do texto (e seu autor) como do leitor e, por conseguinte, se constitui na para sociedade. A leitura é, nesse sentido, uma análise e precisa ser transcendida em favor do que Bourdieu alternativamente chama de „estruturalismo construtivista‟ ou „construtivismo estruturalista‟ (Bordieu e Wacquant 1992, 11) – uma maneira de ver e pesquisar a vida social simultaneamente presa por estruturas sociais e um processo de produção ativo que transforma as estruturas sociais. (CHOULIARAKI & FAIRCLOUGH, 1999, p. 1) Aqui, uma relação entre a eliminação de empregos públicos e o consequente aumento de emprego privado deve ser lembrado como um ato capitalista por excelência, além de ser um reflexo da tendência global de gestão dos países que busca uma economização do público e uma transferência para o setor privado das responsabilidades do Estado, que os países marcadamente capitalistas têm assistido. No texto, a chamada; atualização do modelo socialista é uma capitalização do socialismo, ou seja, o contexto mundial de economia capitalista adentra o socialismo e lhe transforma. Na mesma medida, os termos textuais recebem essa influência e a reforma (capitalista) do socialismo cubano se torna uma ode ao capitalismo econômico, pois recebe e se constitui texto oriundo da Economia, em um misto de notícia com „medidas econômicas‟, como se vê em usos nominais (dirigentes, empregos, eficiência, empresários, processo, atualização do modelo, implementação, inércia, trabalho privado etc.) e verbais (somar, operem, eliminar etc.). Temos, então, um hibridismo textual que cria uma „ordem do discurso‟, o aspecto discursivo e semiótico da ordem social, nos termos de Fairclough (2001, 2003), Chouliaraki & Fairclough (1999), para quem essas ordens do discurso são entendidas como a estruturação social da variação linguística e da diferença, pois embora existam diversas possibilidades de escolha distinta na língua, a escolha é estruturada socialmente. E, nesse nosso corpus, a estrutura socialmente escolhida é aquela regida pela economia global e dita regras e insta novos comportamentos. O próximo passo para se compreender como a ACD pode contribuir para a compreensão das tentativas de manipulação e reestruturação social efetivas no cotidiano dos sujeitos sociais é perceber que as alterações textuais aqui descritas são reflexos de intenções igualmente manipulatórias dos governantes. As novas reformas implementadas deixaram o texto para ganhar a sociedade numa alteração da vida cotidiana dos cubanos, pois, com elas, a própria estrutura da governabilidade cubana se altera e, por conseguinte, as fontes de recursos e a maneira de transitar na sociedade serão afetadas: os sujeitos socialistas estarão submetidos aos ditames capitalistas implementados, mesmo que isso não seja o seu desejo. Nesse sentido, torna-se indispensável concebermos o fato de que Há um momento discursivo crucial na dialética entre o particularismo e o universalismo: quando eventos locais e particulares e as lutas são interpretados em termos de discursos recontextualizados que são dominantes ou pelo menos mais proeminentes em uma escala maior, constitui-se um passo em direção à universalização de tais eventos e lutas (FAIRCLOUGH, 2006, p. 113 TN) Nesse caso, é preciso esclarecer que a luta particular que se instaura é a luta de Cuba, de todos os sujeitos cubanos, este é o momento particular do discurso, que se consubstancia em „momentos do texto‟, como em festa da revolução encabeçada pelo presidente, 300 reformas aprovadas pelo VI Congresso do Partido Comunista (PCC) em abril, 600 deputados devem comparecer à segunda sessão anual com o presidente de 80 anos que assumiu o lugar de seu irmão Fidel Castro, Membros do Parlamento têm se encontrado, Cuba não existem mercados atacadistas. Nesses momentos, o texto traz à tona a identidade cubana de um país socialista supostamente independente, já que o temos aqui um evento social que traz como momento social o próprio texto, mas esse evento inclui os demais avanços da própria constituição social, a própria vida social e “todas as ações e acontecimentos que constituem um „processo social” (HARVEY apud FAIRCLOUGH, 2006, p. 25). Vemos uma gestão „familiar‟, pois Raul assumiu o lugar de seu irmão Fidel Castro e entendemos uma contribuição da população representada pelos Membros do Parlamento em um país de mais de 600 deputados, no qual não existem mercados atacadistas. Ainda assim, em um país de mais de 11 milhões de habitantes, de administração socialista, há a falta de abastecimento de alimentos e se vê obrigado a importar 80% dos alimentos consumidos pela população este ano. Em certa medida, estes momentos do texto constituem-se uma ponte para permitir que as pessoas aceitem as novas regras e percebam a valoração e a necessidade iminente de se mudar o cenário, de tornar o país mais competitivo e poder dar à população o acesso ao mundo globalizado que a fronteira socialista impede. O que temos aqui é um discurso reverso, que usa as características identitárias do país em favor da globalização. O texto, nesse sentido, torna-se a ferramenta de mudança dos aspectos locais em busca de nuances globais, o que se dá porque certos discursos ... que podem ser apresentados como inadequados para os processos reais [de globalização], em que falta „adequação prática‟, podem também ser usados para criar e sustentar posições injustas e antidemocráticas e relações de poder, e podem nesse sentido serem considerados como ideologias (FAIRCLOUGH, 2006, p. 4). Questionamos se essa propositura não está mais relacionada com uma unificação de interesses dos detentores do poder internacional e, portanto, um ato globalista, ou se isso seria uma maneira inevitável de continuar a ser socialista, posto que, assim sendo, a manutenção do poder dos Castro seria mantido. De qualquer prisma que se olhe para a situação, temos uma governança ditatorial, unívoca, e, portanto globalista, que cala todas as vozes de baixo (Fairclough, 2006). Se nos voltamos para o que preceitua Fairclough (2006, p. 121 TN) ao conceituar a globalização de baixo, entendemos que ela “vem da ação situada em lugares particulares, mas mediante a dialética de lugar e espaço estes lugares são „globalizados‟, para que os recursos para a ação situada sejam cada vez menos estritamente locais e se tornem cada vez mais globais”. Temos, aqui, um local particular, Cuba, que sofre as consequências de sua individualização, de seu afastamento do mundo capitalista por muitos anos, e, agora, se vê globalizando a sua estrutura, ou seja, vê-se capitalizando o socialismo que pregou. Como a prática social ou a ordem do discurso, que comportam os gêneros e estilos, correspondem aos momentos semióticos dessas práticas, vemos a consubstanciação de rituais associados a instituições e organizações específicas funcionando como intermediação entre as estruturas e os eventos sociais, nos termos de Fairclough (2006), que aqui são representadas pela instituição Estado e pela organização empresarial. Veja que toda a construção da identidade cubana é reestruturada para um modelo socialista que deve ser atualizado para abarcar o sistema capitalista de mercado, pois na atualização do modelo do socialismo devem ser deixados para trás os preconceitos que persistem contra o setor privado. O uso de atualização ameniza a radical alteração que as reformas propõem. Dados já mostram que estamos tratando de uma privatização do estado e uma transferência de suas responsabilidades para as empresas, ou seja, uma mudança de modo de governar que caminha do socialismo para o capitalismo, pois o número de trabalhadores no setor privado passou de 148 mil para 326 mil, enquanto outras 146 mil pessoas receberam permissão para plantar em terras do Estado com o objetivo de eliminar a falta de abastecimento de alimentos. Talvez o processo de mudança seja inevitável, porque o próprio país não consegue sequer suprir as necessidades alimentares de sua população e se vê obrigado a importar 80% dos alimentos consumidos pela população este ano, a um custo de US$ 1,5 bilhão, além de ter de suspender a proibição de venda ao consumidor de produtos em vigor desde 2003, para satisfazer a demanda dos empresários por itens como forno, aparelhos de ar condicionado, tostadeiras, cafeteiras e outros equipamentos. O que se depreende dessa propositura é que as alterações na governança cubana passam por uma necessidade interna – e, portanto, local – que se entrega a uma imposição externa – e, portanto, global – para criar um momento de instabilidade governamental entendida como glocal, que abarca características de um e de outro „mundo‟: o globalizado capitalismo, e o localizado socialismo. Nesse sentido entendemos que A esfera das relações de poder está profundamente tocada pelas mudanças que tem ocorrido em todos os campos ... todas as dimensões do poder estão afetadas, tanto em projetos quanto nas ideologias dos agentes políticos, como em sua maneira de governar, legislar, julgar e de reprimir (BAJOIT, 2003 [2008], p. 67 TN) O cenário que se apresenta não permite que as regras socialistas sejam tomadas a ferro e fogo para produzir uma governabilidade. Raul Castro, então, se vê diante dos resultados, das consequências das 300 reformas que propôs para atender a uma ordem mundial, e a aprovação pelo VI Congresso do Partido Comunista Cubano (PCC) é uma prova da inevitabilidade das mudanças, posto que a sociedade comunista cubana entende sua fragilidade e permite que a atualização do socialismo. Como todo o processo tem início, ou pelo menos se materializa inicialmente nos textos, nos discursos, o poder do texto como discurso potencializa-se e invade as relações sociais, porque o poder não apenas aparece „nos‟ ou „por meio dos‟ discursos, mas também que é relevante como força societal „por trás‟ dos discursos” (VAN DIJK, 2008, p.44) proferidos por agentes reais do cenário sociocultural, mas se reflete, posteriormente, na ação, no cotidiano e na vida dos agentes sociais. Se na noção de globalização encontramos a busca por uma igualdade global, e essa igualdade fosse passível de ser encontrada, teríamos uma igualdade na hibridização dos textos que se tornariam espelho da igualdade social e refletiriam os benefícios que poderiam ser depreendidos das mudanças (re)inventadas pela nova economia global. Porém, assistimos a uma exacerbada imposição econômica na postura local em Cuba. As alterações da governança cubana são encaminhadas unicamente por fatores econômicos, pela vontade (e necessidade) de se adequar ao mundo globalizante e subsistir na selva econômica de commodities, de bens de consumo e da imposição de necessidades desnecessárias, mas favoricistas ao progresso da Economia. Por isso, na pauta da modernização do socialismo que busca eficiência econômica, encontramos medidas que incluem uma abertura para os pequenos negócios privados e o investimento estrangeiro, autonomia empresarial e a eliminação de subsídios para tornar mais eficiente o esgotado modelo centralizado, de corte soviético. Note-se que o modelo socialista é dado como esgotado, ou seja, ultrapassado, que exige, por isso, modernização ou atualização, o que será conseguido apenas se o país lutar contra a indisciplina trabalhista, a falta de controle dos recursos, as atitudes burocráticas, a indolência e o esquematismo que nada têm a ver com o socialismo, ou seja, se o socialismo se capitalizar, o que simplesmente exime os próprios preceitos socialistas, que preceituam a extinção da propriedade privada dos meios de produção e defendem a tomada do poder por parte do proletariado e o controle do Estado para uma divisão igualitária da renda. O vice-presidente cubano, José Ramón Machado, que tem uma biografia voltada para a luta em favor da igualdade de direitos, lutou ao lado de Che Guevara e de Fidel Castro, defende, agora, que na atualização do modelo do socialismo devem ser deixados para trás os preconceitos que persistem contra o setor privado, mas isso é um contrassenso, pois exclui a empresa privada e o Estado é o grande provedor e gesto em um regime socialista, regime este que defendeu desde há muito tempo. As próprias palavras do discurso de Ramón Machado provam a influência da globalização primeiramente no seu discurso e, em seguida, na própria constituição de sua ideologia que, assim sendo verdadeira, demonstra um deslocamento de conceitos e de percepções do mundo que o levam a acreditar em medidas „intermediárias‟ entre um socialismo totalitário e um capitalismo totalitário. Na realidade, deixando de lado as possíveis vozes que diriam tratar-se apenas de uma manobra política (que em nosso trabalho não são relevantes porque se associam a impressões sem grandes explicações teóricas). Percebemos um movimento que parte de uma globalização econômica, que se dá discursivamente, para uma alteração da visão de mundo a respeito da governabilidade. Nas palavras de Amon Machado, vemos a sua aquiescência (inclusive ideológica) a uma lógica de mercado capitalista, ou seja, uma reestruturação de sua própria identidade. Por isso, deixar de lado os preconceitos que persistem contra o setor privado é uma textualização do que podemos chamar de uma concreta reestruturação tanto a estrutura social quanto a estrutura individual deste agente social. Na estrutura social, as mudanças se concretizarão com a abertura para os pequenos negócios privados e o investimento estrangeiro, autonomia empresarial uma abertura para os pequenos negócios privados e o investimento estrangeiro, que, certamente, mudarão a gestão estatal de uma economia 90% controlada pelo Estado para índices drasticamente inferiores de autonomia estatal. Isso, por si só, transformará o socialismo cubano em algo ainda indefinido, em uma gestão que se diz socialista, mas que pratica o capitalismo para subsistir. O reflexo dessa postura certamente mudará o cenário social cubano e trará a esses novos agentes socialistas-capitalistas uma maneira diferente de agir. Como o processo vai aprofundando-se com a implementação de novas estruturas e reestruturação de velhas atitudes, o indivíduo, o sujeito, tornar-se-á diferente, alterado pelo discurso que o permeará e, por conseguinte, ciclicamente, novos processos se instalam para a manutenção da ordem social que, neste caso, reconfigura-se pelos mandos da globalização, e reconfigura o indivíduo pelo apelo de se buscar uma integração social, pelo viés do dever de todos em prol do bem comum. Mesmo sabendo que a sociedade disciplinária fundamentada no Dever está igualmente desaparecendo pouco a pouco (BAJOIT, 2003 [2008], p. 111) parece ser dever dos governantes manter uma ordem social socialista, mas estes se veem incapazes de realizar tal feito sem aceitar as novas regras capitalistas, para alcançar uma integração social. Percebemos como a comodificação se mascarada de uma busca de integração social. Se, como já o dissemos anteriormente, a comodificação se dá pela inserção da lógica capitalista de produção, distribuição e consumo de bens e mercadorias para instituições sociais (Fairclough 2003, 2006), aqui, vemos a comidificação torna-se uma ferramenta de discussão política e gestão em Cuba. O governo, dito socialista – e afeito ao comunismo – se vê comodificado, pois já busca a capitalização do socialismo, impingindo às instâncias governamentais aspectos de produção, distribuição de consumo de bens, como se vê na sua atitude de permitir uma autonomia empresarial e defender a eliminação de subsídios do Estado. Nosso exemplo tem por base a integração social do capitalismo em Cuba, que o corpus analisado refere-se ao país, mas essa integração é assistida por todos os habitantes do mundo, posto que a exclusão do acesso ao capital em qualquer parte do mundo é uma exclusão da capacidade de se viver humanamente. Exemplos pululam pelo mundo afora em que as consequências da não-globalização ou das dificuldades naturais de acesso ao capital tornam nações inteiras excluídas do que se conceitua como viver bem socialmente. Se Cuba assiste à falência de seu modelo socialista, a África, por exemplo, demonstra a dificuldade „natural‟ – por suas condições geográficas e históricas – de obter voz nesse universo criado com os avanços tecnológicos e com o estreitamento da barreira geográfica na gestão nacional. O papel, então, da ACD e sua aplicabilidade ao ensino perpassa a análise crítica do texto socialmente constituído e, para que possamos entender como os sujeitos estudantes (e professores) podem se valer da associação de uma análise efetivamente crítica do discurso e sua repercussão na sociedade, algumas ponderações de vem ser feitas. É o que faremos na próxima sessão. ACD e o ensino escolar Antes de estabelecermos uma maneira de proceder a uma análise crítica do discurso, precisamos situar a escola como uma instituição socialmente produzida para apreender a constituição social e os usos que as sociedades (re)estabelecem para existirem (ou subsistirem) no mundo. É também preciso que se tenha em mente que a instituição escola é uma instância em que se manifestam interesses sociais (das classes dominantes) e que a sua função é exatamente instar-se como instituição social e, portanto, detentora de poder, cuja função é criar pequenas revoluções no pensamento dos sujeitos sociais, dando-lhes ferramentas para criticar, reestruturar, renovar e até mesmo, perpetuar o status quo, desde que conscientes da hegemonia. Seu papel, então, como formadora de leitores críticos, de cidadãos ativos é o de fornecer o aparato linguístico crítico para que as mudanças sociais possam ocorrer oriundas das vozes de baixo, das vozes dos sujeitos sociais conscientizados de seus interesses, desejos deveres e intenções. Comecemos por esclarecer “de onde” saem as vozes de poder manifestadas discursivamente e legitimam as formas de controle social que, podem ser assim divididas: os que têm um controle total imposto ou mantido pela força, como em uma ditadura e, em alguns domínios, num sistema democrático de governo; e os que exercem um controle parcial, sancionado ou por uma elite, uma maioria, ou por um consenso mais ou menos geral (VAN DIJK, 2008, p. 55) A escola encontra-se, evidentemente, no segundo grupo e este é o primeiro dado a ser ensinado aos alunos. Em seguida, é preciso que haja a conscientização de que esse espaço de poder do qual eles passam a fazer parte é um espaço de resistência (ou aquiescência) consciente e que esta consciência só é alcançada com a aceitação de que vivemos numa sociedade baseada no conhecimento, fruto de uma Economia Baseada no Conhecimento (EBC), oriunda das consequências da modernidade tardia (Fairclough 2003, 2006; Chouliaraki & Fairclough 1999). Essa é a chave para se compreender (e refurar ou aceitar) as diferenças existentes na sociedade e perceber que “diferenças (graduais) refletem as possibilidades de sanção dos poderosos, bem como a aceitação ou a resistência dos que se sujeitam ao exercício do poder” (ibidem, p. 55). Nesse sentido, a escola deixa de analisar a realidade para ser ela mesma um reflexo dessa própria realidade e lida, especialmente, com a textualização, com a materialização do discurso social que se torna a sua arma para se defender das mudanças indesejadas e para implementar mudanças desejadas com o apoio de seus alunos aprendizes. A escola, então se constitui ela própria realidade e simulacro da realidade e deve tanto ela própria ter consciência quanto oferecer aos seus membros a capacidade de terem consciência de que, na modernidade tardia, a realidade foi substituída pelo „simulacro‟ constituído por estes sinais que circulam: „onde a representação tenta absorver a simulação interpretando-a como uma falsa representação, a simulação envolve todo o edifício da representação como um simulacro ele mesmo‟ (BAUDRILLARD 1983, apud CHOULIARAKI & FAIRCLOUGH, 1999, p. 3). Se o substrato da escola, a ferramenta da escola é, basicamente, o discurso, sua análise e ensino devem ser perpassados pela análise social do discurso, ou seja, pautada pelos preceitos da Análise Crítica do Discurso, que o concebe como produto sóciohistórico-cultural que representam “as formas sociais que são produzidas por pessoas e podem ser modificadas por pessoas [mas que] estão sendo vistas como se fossem parte da natureza” (CHOULIARAKI & FAIRCLOUGH, 1999, p. 4 TN) atualmente e devem ser desveladas, a fim de esclarecer o novo mundo que está surgindo ...[e] mostrar que direções alternativas não pensadas existem – como aspectos deste novo mundo que melhoram a vida humana podem ser acentuados, como aspectos que são prejudiciais a ela podem ser mudados ou mitigados. (Ibidem, p. 4 TN) Esses são os parâmetros que devem guiar o trabalho escolar com o texto associado a sua repercussão social. Desta maneira, alguns passos devem ser seguidos para se implementar um ensino baseado na ACD, que proporcione ao aluno as ferramentas para que ele possa efetivamente se estabelecer como sujeito social agente da/na luta pelo (e contra) o poder. Tomando por base o corpus aqui apresentado, entendemos que os passos a serem seguidos são: a) Quanto aos aspectos do evento social ou o texto propriamente dito A abordagem do texto deve tomar a sua estrutura como o mote para se buscar as representações simbólicas que ele abarca. Assim, é preciso que a notícia seja tratada como um evento que forma e transforma o mundo real, ou seja, que ela além de dar uma informação, influencia na tomada de decisões. No nosso exemplo, é importante que o aluno seja conscientizado da importância das escolhas lexicais, dos campos semânticos e da sua repercussão na/para a significação. Aqui, devem ser apontados os aspectos da formação de uma identidade local, como acima descrito, proporcionando ao aluno uma visão do que está sendo construído como a faceta social de Cuba e do Socialismo. Com isso, estabelece-se uma historicidade a respeito do país e a sua força como representante do modelo socialista de sociedade e, portanto, cria-se a oposição ao capitalismo. Nesse âmbito, as marcas textuais como a caracterização do país (11 milhões de habitantes, uma economia 90% controlada pelo Estado etc.) permeiam as práticas discursivas do socialismo, aqui dadas especialmente pela ideia de controle da economia pelo Estado. Deve-se, então, estabelecer a percepção do hibridismo textual e se inserir as características dos textos oriundos da economia, especialmente com o aparato léxico que subsidia as ideias do texto (como setor privado, abertura para pequenos negócios, investimentos etc.), e semânticos (como preconceito contra o setor privado, criar novos empregos, satisfazer a demanda dos empresários etc.), com isso mostra-se a heterogeneidade em forma e significado textual, o que pode ser analisado como facetas de processos mais amplos de mudança social e cultural (FAIRCLOUGH, 1996, p. 55). b) Quanto aos aspectos a prática social ou a ordem do discurso Como as ordens do discurso (discurso, gêneros e estilos) correspondem ás práticas sociais que são rituais associados a instituições e organizações específicas e funcionam como intermediários entre as estruturas e os eventos sociais, é preciso que se esclareça que os agentes sociais escolhem as ordens do discurso com o objetivo de criar novos sentidos. Em nosso caso, o novo sentido que está fortemente marcado no texto é o de uma releitura do capitalismo, travestido de socialismo. Por isso, é preciso esclarecer aos alunos a maneira como, discursivamente, tanto o texto em si (sem se ater ao seu produtor especificamente) quanto as citações que ele „oferece‟ representam instituições consolidadas socialmente. É importante, para se alcançar esse objetivo, que a percepção das diferenças crassas entre socialismo (que tem no Estado o gestor de uma sociedade igualitária) e o capitalismo (que tem o mercado como regulador das ações estatais e empresarias). Feito isso, torna-se mais fácil esclarecer as razões de escolhas que tendem a criar novos significados para os usos, ou seja, tona-se mais fácil permitir que o aluno chegue a conclusões mais sólidas a respeito do que está sendo „informado‟. Pontos do corpus apresentado que merecem destaque incluem o esclarecimento da forma com que Ramón Machado trata o socialismo, especialmente com base na dicotomia criada com sua afirmação de que na atualização do modelo do socialismo devem ser deixados para trás os preconceitos que persistem contra o setor privado. Aqui o socialismo tomado como uma ideologia deve ser revisto, posto que neste „novo socialismo‟ o setor privado não deve sofrer preconceitos do Estado. Há, nessa nossa proposta, a necessidade de debates e de esclarecimentos de muitos detalhes históricos e culturais para que o aluno possa efetivamente se tornar crítico quanto ao novo modelo proposto. Implica a informação vinda de processos de intertextualidade marcada e não marcada presentes no texto e de evidências históricas de que estamos diante de uma nova proposta de governança. Ao final dessas discussões, os alunos devem estar conscientes das diferenças e das implicações das junções de conceitos e práticas distintas em um único local – Cuba – e que essa junção é um reflexo de uma construção da globalização ou do globalismo (o que vai ser decidido segundo as conclusões do grupo). A discussão seguinte ainda afeita aos efeitos da ordem do discurso devem se centrar na figura de Ramón Machado, dando-se subsídios aos alunos a respeito de sua trajetória política no país, das uniões em lutas contra a dominação de que ele participou (com Che Guevara, Fiel e na sua atuação à frente do Ministério da Saúde e como membro do Conselho de Estado Cubano e, mais recentemente, à frente do Partido Comunista Cubano). Isso deve ser feito para se questionar a sua posição tanto como dominante quanto dominado, além de se encaminhar novas conclusões a respeito de sua „ideologia‟ volátil. c) Quanto aos aspectos da estrutura social ou linguagem Por se tratar do nível de análise mais abstrato e geral, agora é o momento de se esclarecer que é por intermédio da linguagem e sustentados por instituições específicas que as normas e códigos são estabelecidos com o findo propósito de orientar os agentes sociais em suas ações e em suas escolhas discursivas que (re)produzirão novas ações, que contribuirão para as mudanças sociais, segundo preceitos os mais diversos. Trata-se de um momento de grande dificuldade de trabalho na escola, pois aqui imbricam-se as estruturas sociais, os agentes sociais, suas ideologias e as representações de todos esses elementos no discurso, que tem o poder de reforçar conceitos, cristalizando-os, alterando-os, modificando-os e, ainda, reformulando-os com a inserção de outros conceitos (igualmente discursivos) na propositura de novas formas de ação no mundo. É o caso, então, de retomar os conceitos do socialismo e do capitalismo (e alguns aspectos do comunismo) para poder fornecer aos alunos, agentes sociais, a capacidade de discernir entre o velho e o novo, ou seja, de compreender como as novas práticas implicam a reestruturação do texto, das práticas sociais, da estrutura social e da revisão da própria linguagem, em um processo cíclico infindável. Aqui, o foco não é pontual no texto, mas uma junção de todos os aspectos sociais, históricos, contextuais e culturais que lhe compõem. Assim procedendo, acreditamos que a escola se inseriria numa luta contra as estruturas sociais das quais ela própria e seus membros não concordam ou a favor daquelas em que acredita. Enfim, um começo Nosso trabalho trouxe, inicialmente, alguns conceitos da Análise Crítica do Discurso e situou-a nas relações sociais, postulando a sua importância para a compreensão do discurso como ferramenta de luta e de esclarecimento das relações de poder. Em seguida, contextualizou o corpus para, depois, oferecer uma análise social das manifestações discursivas encontradas. Por fim, apresentou algumas sugestões da aplicabilidade dessas análises no contexto escolar, que foi amplamente tomado como ele próprio, uma instância de poder que se materializa na instituição escola. Nosso trabalho permitiu que víssemos o uso do discurso como uma maneira de desvelar aspectos manipulatórios do uso linguístico que, por sua vez, permite que as práticas sociais sejam entendidas, defendidas ou refutadas. Como estávamos em busca de esclarecimentos quanto aos processos de globalização que se dão discursivamente, pudemos encontrar dados que nos subsidiam para dizer que os efeitos o discurso econômico, os efeitos dos reflexos que esses processos econômicos trouxeram para essa nova modernidade, a modernidade tardia, estão presentificados nos textos tanto lexicalmente, com o uso marcadamente enfático de termos e conceitos da Economia como negócios privados, investimento estrangeiro, autonomia empresarial, como práticas econômicas do capitalismo como se vê na proposta de que empresários operem legalmente [a economia]. Essas marcas no discurso da notícia são, entendemos, uma forma de propagar e impor aos agentes sociais atitudes globalistas, posto que, ao contrário do que se pode imaginar, não há uma globalização com a contribuição e o respeito aos desejos das vozes de baixo, mas uma imposição que vem de cima, de agentes sociais que estão agindo sem que se manifestem seus reais interesses, mas apenas a representado, consubstanciando o desejo de um grupo de dominantes cujos nomes sequer são sabidos, posto que o processo em que nos encontramos, na modernidade tardia, chamado de globalização é uma abstração. O que assistimos, então, é uma comodificação da palavra, uma mercantilização do discurso e uma propagação de atitudes que são afeitas apenas às leis de mercado. A contribuição que esta nossa proposta traz para o ensino é exatamente mostrar que a escola torna-se um instrumento de luta pelo poder, que pode oferecer aos seus alunos as ferramentas para que eles escolham aquiescer ou instar-se contra o status quo, o que deve ser feito com o uso de conceitos da ACD aplicados ao ensino com o uso de textos devidamente contextualizados e esclarecidos de suas idiossincrasias tanto materiais, discursivas, quanto subjetivas, ideológicas. Por fim, deixamos, aqui, nosso questionamento quanto às ações atuais das escolas, aqui não discutidas por serem consensuais, e o papel que ela está exercendo atualmente, que é, no nosso entendimento, menor do que poderia ser. Nossa intenção, evidentemente, não é mascarar as dificuldades de se produzir conhecimento na escola, mas poder repensar a proposta atual de uso textual, de uso discursivo, e voltar a ação da escola para a produção crítica de discussões igualmente críticas a respeito da estrutura social vigente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAJOIT, Guy. El cambio social: analisis sociológico del cambio social y cultural em las sociedades contemporâneas. Madri: Siglo XXI, 2003 [2008] CHOULIARAKI L., & FAIRCLOUGH, N. Discourse in Late Modernity. Edinburgh University Press, Edinburgh, 1999. FAIRCLOUGH, N. A reply to Henry Widdowson's 'Discourse analysis: a critical view'. In Language and Literature, 1996, p. 49-56. ______. Analyzing Discourse: Textual Analysis for Social Research. London: Routledge, 2003. ______. Discourse and Social Change. Cambridge: Polity Press, 1992. ______. Discurso e mudança social. Tradução de Izabel Magalhães. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001 [1992]. VAN DIJK, Teun. Discurso e poder. São Paulo: contexto, 2008.