GLOBALIZAÇÃO E GLOBALISMO: ENSINO CONSCIENTE DA

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GLOBALIZAÇÃO E GLOBALISMO:
ENSINO CONSCIENTE DA COMODIFICAÇÃO DO SOCIALISMO
Silvio Luis da Silva – UnP/UFRN
[email protected]
INTRODUÇÃO
Este trabalho aproxima a Análise Crítica do Discurso (ACD) das perspectivas
da pesquisa social crítica e debruça-se sobre a notícia como um meio de propagação de
ideologias e de manifestação discursiva dessas ideologias. Para tanto, toma duas
notícias, veiculadas na revista Exame durante o mês de maio de 2011, a respeito das
reformas políticas que estão sendo implementadas em Cuba. Nosso tema, então, se volta
para a discussão dos procedimentos de análise do gênero notícia, sob a égide da ACD e
sua aplicabilidade no contexto escolar. Nosso objetivo é poder demonstrar como a
análise do discurso da notícia pode contribuir para a compreensão das idiossincrasias do
comportamento social, tanto linguístico quanto prático, de ações no mundo.
Discute, também, conceitos que questionam a globalização como um efeito
natural da modernidade tardia e busca apresentar um questionamento quanto a
comodificação das relações sociais e culturais e defende o texto como um commodity
cultural, ou seja, como uma ferramenta de luta pelo e contra o poder. Os resultados que
apresentaremos apontam para uma possível utilização de textos de notícia na escola
como uma forma de conscientizar os alunos de seu poder de ação na renovação da
estrutura social. Para tanto, esclarece conceitos, contextualiza o corpus, reflete e aponta
para os usos linguísticos, mostra o papel da ACD no contexto escolar e oferece uma
breve discussão final sobre o tema.
Passemos, então, aos passos para uma discussão a respeito do ensino
consciente e da visão a respeito da globalização e do globalismo como um momento a
ser desvelado.
Esclarecimentos conceituais
As mudanças do comportamento social que surgiram com a disseminação da
tecnologia e a aproximação dos países de todo o mundo em razão da economia global,
que aproxima os mercados e impõe regras de comportamento econômico, abarcam os
mais diversos setores da sociedade em geral. Essas mudanças criaram um cenário em
que os fatos e acontecimentos cotidianos se alterassem em razão de uma pressão da
chamada globalização.
Na escola, o termo é vastamente utilizado e já faz parte do conhecimento de
mundo da maioria dos alunos e professores. Igualmente, aqueles que não estão nos
bancos escolares sentem-se, de certa forma, globalizados ou excluídos, haja vista que a
noção de globalização passa por uma necessidade intrínseca de se conhecer o mundo
sob a ótica da correlação, sob a ótica da associação de comportamentos, especialmente
no que diz respeito ao comportamento econômico. Aqui, entendemos que esse
„comportamento econômico‟ não diz respeito apenas às medidas econômicas dos
governantes, das empresas e do mercado de trabalho, mas ao comportamento dos
agentes sociais em suas vidas cotidianas, que são afetadas por suas capacidades
financeiras e pelo „desejo‟ de obter bens materiais e culturais disponíveis não apenas em
seus espaços geográficos, em suas cidades, mas em todo o mundo, o que cria uma nova
sociedade na contemporaneidade. Essa nova forma de enxergar o mundo e se comportar
no mundo, reflexo do que é chamado por Chouliaraki & Fairclough (1999) de
modernidade tardia, torna-se base para se entender tanto a sociedade como as relações
que esta estabelece com seus agentes sociais, os sujeitos. Como linguagem e sociedade
estão embrionariamente interligados, o discurso torna-se uma manifestação, uma
materialização de conceitos, preceitos, ideologias e reestruturação. Neste aspecto, é
importante que tenhamos em mente que
é uma característica importante das mudanças econômicas, sociais e
culturais da modernidade tardia que elas existam como discursos
assim como processos que estão acontecendo fora do discurso, e que
os processos que estão acontecendo fora do discurso são
substancialmente moldados por estes discursos. (CHOULIARAKI &
FAIRCLOUGH, 1999, p. 4 TN)
Nesse sentido, entendemos que os textos são eventos sociais que produzem
efeitos causais, produzem alterações, mudanças e novas perspectivas porque são a mola
propulsora das mudanças em nosso conhecimento, nossas crenças, atitudes, e valores,
posto que, por intermédio dos diversos gêneros textuais e das mensagens que veiculam,
podemos aprender novos conceitos, novas formas de realizar ações, novas maneiras de
ver o outro e, especialmente, novas formas de enxergarmos a nós próprios e nossas
capacidades de ação no âmbito social, o que acontece em curto e longo prazo.
Dentre os diversos gêneros textuais, a notícia, seja ela veiculada em jornais,
revistas, TV ou internet, tem papel preponderante na disseminação de informação e, por
conseguinte, de novas perspectivas a respeito do mundo real que, na forma de texto,
torna-se um simulacro da realidade e contribui para essa modernidade tardia, na qual
a realidade foi substituída pelo „simulacro‟ constituído por estes sinais
que circulam: „onde a representação tenta absorver a simulação
interpretando-a como uma falsa representação, a simulação envolve
todo o edifício da representação como um simulacro ele mesmo‟
(BAUDRILLARD 1983, apud CHOULIARAKI & FAIRCLOUGH,
1999, p. 3).
Embora saibamos que as diversas discussões que trouxeram à tona o
questionamento da sociedade a respeito da globalização sejam inúmeras e que há
igualmente inúmeras definições para o termo, neste trabalho, tomaremos globalização
como um processo mundial de cunho ideológico, em que temos o mundo inteiro
assistindo a uma integração econômica regida pelo neoliberalismo e caracterizada pelo
predomínio de interesses econômicos e financeiros, pela desregulamentação dos
mercados, pela privatização de empresas estatais e pelo abandono do estado de bem esta
social, cujas consequências são inúmeras, marcadamente a exclusão social, que
contribui para o aumento do número de pobres e desempregados.
Por essa razão, segundo Fairclough (2003) há quem entenda que a globalização
é um mito para encobrir um novo imperialismo, que as mudanças sociais que ela marca
não são coisas que estão apenas acontecendo, ou seja, que se trata de um processo
natural e inevitável. Para esses, trata-se de decisões estratégicas tomadas por agentes
poderosos, cujas consequências, em grande parte do mundo, são uma regressão
econômica e não exatamente um „progresso‟. Essa perspectiva nos leva a entender que é
ilusório dizer que „coesão social‟ tem existido no estado do bem estar social. Assim,
uma sociedade que detenha o conhecimento, agentes sociais que estejam esclarecidos de
quem são os protagonistas do „processo‟ de globalização e quais são os seus reais
intentos poderão formar grupos opositores e desenvolver estratégias que permitam a
minimização e o redirecionamento dado pelos detentores do poder e buscar formas de
melhorar suas próprias vidas e de seus pares, sem reduzir toda a vida à submissão
irracional da economia.
No entanto, não é o que temos assistido, pois todos os setores da vida em
sociedade passaram a ser pautados por uma exacerbada aquiescência à ditadura
econômica. E isso não é globalização, é, sim, nos termos de Fairclough (2006),
“globalismo”, que reduz absolutamente todas as esferas sociais aos aspectos
econômicos.
Cria-se, com isso, uma cisão entre os termos globalismo e globalização, que
não podem, de maneira nenhuma, ser entendidos como um único processo ou com
finalidades e características idênticas, pois se, de um lado, a globalização é uma visão
de um mundo interligado, cada vez menor e mais unido, proporcionando uma unidade
mundial igualitária, por outro, o globalismo, igualmente regido por parâmetros
neoliberais, “é uma forma fenomênica do pensamento e da ação unidimensionais, um
tipo de cosmovisão monocausal do economicismo” (BECK, 2008, p. 221).
É nesse cenário que surge uma tendência que afeta os sujeitos, sua identidade,
sua percepção do mundo e a sua relação com a linguagem. Originalmente, o processo de
comodificação, segundo Fairclough (2001, 1999, 2006), dá-se pela transferência da
lógica capitalista de produção, distribuição e consumo de bens e mercadorias para as
instituições sociais, mesmo que suas metas não sejam a de „vender mercadorias‟, ou
seja, produzir commodities, como instituições não-governamentais e prestadoras de
serviço; porém esse processo é também analogicamente transferido para o discurso,
produzindo gêneros de discurso híbridos nos quais os vocábulos ligados ao capital
adentram ao discurso dessas instituições sociais e passam a fazer parte da sua
„identidade‟ social. Isso produz um processo no qual a economia causa uma espécie de
colonização das instituições, permeando-as e constituindo-as. Um exemplo disso é a
publicidade que, atualmente, vem “utilizando-se seu característico discurso para
colonizar os mais diversos tipos de texto, sobretudo mediante a inserção de imagens
(FAIRCLOUGH, 2001, p. 255)
Nas noticias, então, em que a economia se torna um dos assuntos mais tratados
e cujas consequências parecem ter se tornado a grande criadora de textos, essa
colonização da economia torna-se evidente, especialmente porque assistimos uma
vertiginosa aparição de vocábulos da economia inseridos nos mais diversos contextos, o
que nos leva a entender que todos os setores assistem a uma invasão da economia em
seu campo de atuação, tornado-os subservientes tanto linguística quanto
comportamentalmente ao mercado de capital.
Uma vez que a prática discursiva como discutida em Fairclough (2001), é
entendida como os processos de produção, distribuição e consumo de textos que se
relacionam intrinsecamente aos ambientes a que são produzidos, tais como o
econômico, o político e o de instituições particulares, a linguagem é vista como uma
prática social, esta entendida como um modo de ação situado historicamente e
constituído socialmente que produz identidades sociais, relações sociais e sistemas de
conhecimento e crença. Nos textos, então, materializam-se ideologias e a visão desses
textos deve ser perpassada por um entendimento de que a linguagem é “parte irredutível
da vida social, dialeticamente conectada a outros elementos da vida social”
(FAIRCLOUGH, 2003, p. 3).
Em um ambiente dito globalizado, então, é imprescindível que as relações
textuais com as práticas sociais sejam vistas globalmente e que se perceba a importância
do uso linguístico para a manutenção de relações de poder, que não são simplesmente
locais, mas globais e sofrem a influência de grupos dominantes que exercem seu poder
longe dos limites fronteiriços dos países.
1. Contexto histórico da notícia analisada
As notícias que nos servem de corpus são a respeito de Cuba, ilha descoberta
em 1492 por Cristovão Colombo, que a reivindicou para a Espanha, país de que foi
território até a Guerra Hispano-America, finda em 1898, quando ganhou sua
independência. Porém, os EUA passaram a ter enorme influência na governabilidade do
país, o que só se findou em 1902. O período subsequente, de 1939 a 1956, o país assiste
ao governo ditatorial de Fulgêncio Batista e passa a enfrentar grandes problemas,
especialmente quanto à empregabilidade, que se torna escassa e desagrada a classe
média. Descontentes com as enormes desigualdades no país, um grupo de guerrilheiros
liderados por Fidel Castro inicia uma batalha que culmina com a derrubada de Batista
em 1959, quando Fidel Castro assume o poder e instala um governo socialista ditatorial.
Por isso, se distancia dos EUA e alia-se à Antiga União Soviética que praticamente
mantém a economia do país com a compra da produção de açúcar e o fornecimento de
Petróleo. Porém, a partir de 1991, com a crise na União Soviética e o seguinte
desmembramento do país, os laços comerciais se enfraquecem e Cuba passa a enfrentar
inúmeros problemas.
É neste cenário que o governo Fidel Castro se vê obrigado a flexibilizar a
economia e permitir a abertura para atividades capitalistas, mesmo dentro de uma
estrutura governamental marcadamente socialista. Um dos grandes ajustes feitos foi a
liberação do Turismo, que injetou capitais no país, mas trouxe muitos problemas como
o aumento da prostituição e o surgimento de inúmeros casos de Aids. Mesmo assim,
Fidel Castro é mantido no poder até 2008, quando é obrigado a se afastar para tratar de
sua saúde visivelmente debilitada. Seu irmão, Raul Castro, assume o poder na ilha com
promessas de reformas econômicas. Neste cenário, encontra-se nossa análise, que traz à
tona justamente a articulação da notícia a respeito das novidades de Raul Castro em
duas reportagens da revista Exame, publicadas no mês de maio de 2011.
Uma vez esclarecidos esses aspectos, passemos a verificar como essa
comodificação da notícia cria identidades para textos e, por conseguinte, para seus
usuários que devem, além de saber sua significação, estabelecer relações de causa e
consequência das “novidades” do mercado em suas próprias vidas, num processo cíclico
de estabilização de novos conceitos e reformulações desses conceitos.
Usos linguísticos como reflexo global da globalização e do globalismo
A leitura na escola deve trazer à tona elementos que subsidiem os alunos para
questionar o status quo e permitir que eles possam entender a disseminação da
informação igualmente como a disseminação de ideologias, interesses e relações de
poder. Por isso, nas notícias a que nos propomos analisar é importante que o contexto,
como descrito acima, seja inicialmente dado. Com isto o questionamento dos alunos já
vem suprido de elementos sócio-históricos que compõem a informação. É preciso,
então, chamar a atenção para o uso linguístico do título, inicialmente. Assim os títulos,
Cuba admite que existem obstáculos para as reformas de Raúl Castro e Líder cubano
vai rever economia e implementar reformas, devem ser introduzidos com o
questionamento do uso de “Cuba”, uma personificação que destitui da ação o agente
real e o reconstrói linguisticamente sobre o alicerce do país que, na verdade, é o
paciente, aquele que sofrerá as consequências da ação de reformar. No segundo título, a
atenção deve ser voltada para o processo inverso: a manutenção do agente com o uso de
“Lider Cubano”. Embora as notícias sejam do mesmo período, de maio de 2011,
entendemos que no primeiro caso insta-se uma insegurança, pois os obstáculos podem
emperrar as reformas, o que Cuba admite, mas, provavelmente, não aceita, pois o líder
Raul Castro vai rever economia e implementar, de qualquer maneira, as reformas
prometidas. Centradas na ideia de reforma econômica, ambas as notícias remetem o
leitor à situação de cuba, país socialista, que parece estar aquiescendo à lei global de
mercado, pois, quaisquer reformas econômicas implicam adequações da situação do
país à economia global.
Sabidamente socialista, o país já demonstrara sua fragilidade quanto à
manutenção do regime com as atitudes do antigo líder Fidel Castro (como a abertura ao
Turismo que mencionamos acima), fato que deve ser trazido à tona para a discussão das
ideologias presentificadas nos textos que são, na verdade, um reflexo da globalização
(ou do globalismo?) que toma o país e determina ações de seus governantes.
A manutenção da capitalização do socialismo cubano se confirma no restante
de ambos os textos em excertos como: a burocracia [estatal socialista] inércia e
preconceito contra o trabalho privado afetam o andamento do processo [de reforma];
somar cada trabalhador e dirigente administrativo ao combate pela eficiência
econômica; atualização do modelo socialista; implementação de reformas que vão
permitir que pequenos empresários operem em países comunistas; e eliminar milhões
de empregos no setor público e criar novos empregos ao permitir que pequenos
empresários operem legalmente (grifos nossos).
A atenção a ser dada aos textos deve permitir que o aluno compreenda esses
usos como uma maneira de „economizar‟ o socialismo pelo uso linguístico, deixando de
lado análises meramente estruturalistas e interpretivistas, porque os alunos precisam
saber que uma leitura é uma auxiliar não apenas na transmissão de informação, mas
uma ferramenta que fornece elementos constituintes de identidade tanto do texto (e seu
autor) como do leitor e, por conseguinte, se constitui na para sociedade. A leitura é,
nesse sentido, uma análise e
precisa ser transcendida em favor do que Bourdieu alternativamente
chama de „estruturalismo construtivista‟ ou „construtivismo
estruturalista‟ (Bordieu e Wacquant 1992, 11) – uma maneira de ver e
pesquisar a vida social simultaneamente presa por estruturas sociais e
um processo de produção ativo que transforma as estruturas sociais.
(CHOULIARAKI & FAIRCLOUGH, 1999, p. 1)
Aqui, uma relação entre a eliminação de empregos públicos e o consequente
aumento de emprego privado deve ser lembrado como um ato capitalista por excelência,
além de ser um reflexo da tendência global de gestão dos países que busca uma
economização do público e uma transferência para o setor privado das
responsabilidades do Estado, que os países marcadamente capitalistas têm assistido. No
texto, a chamada; atualização do modelo socialista é uma capitalização do socialismo,
ou seja, o contexto mundial de economia capitalista adentra o socialismo e lhe
transforma.
Na mesma medida, os termos textuais recebem essa influência e a reforma
(capitalista) do socialismo cubano se torna uma ode ao capitalismo econômico, pois
recebe e se constitui texto oriundo da Economia, em um misto de notícia com „medidas
econômicas‟, como se vê em usos nominais (dirigentes, empregos, eficiência,
empresários, processo, atualização do modelo, implementação, inércia, trabalho privado
etc.) e verbais (somar, operem, eliminar etc.). Temos, então, um hibridismo textual que
cria uma „ordem do discurso‟, o aspecto discursivo e semiótico da ordem social, nos
termos de Fairclough (2001, 2003), Chouliaraki & Fairclough (1999), para quem essas
ordens do discurso são entendidas como a estruturação social da variação linguística e
da diferença, pois embora existam diversas possibilidades de escolha distinta na língua,
a escolha é estruturada socialmente. E, nesse nosso corpus, a estrutura socialmente
escolhida é aquela regida pela economia global e dita regras e insta novos
comportamentos.
O próximo passo para se compreender como a ACD pode contribuir para a
compreensão das tentativas de manipulação e reestruturação social efetivas no cotidiano
dos sujeitos sociais é perceber que as alterações textuais aqui descritas são reflexos de
intenções igualmente manipulatórias dos governantes. As novas reformas
implementadas deixaram o texto para ganhar a sociedade numa alteração da vida
cotidiana dos cubanos, pois, com elas, a própria estrutura da governabilidade cubana se
altera e, por conseguinte, as fontes de recursos e a maneira de transitar na sociedade
serão afetadas: os sujeitos socialistas estarão submetidos aos ditames capitalistas
implementados, mesmo que isso não seja o seu desejo. Nesse sentido, torna-se
indispensável concebermos o fato de que
Há um momento discursivo crucial na dialética entre o particularismo
e o universalismo: quando eventos locais e particulares e as lutas são
interpretados em termos de discursos recontextualizados que são
dominantes ou pelo menos mais proeminentes em uma escala maior,
constitui-se um passo em direção à universalização de tais eventos e
lutas (FAIRCLOUGH, 2006, p. 113 TN)
Nesse caso, é preciso esclarecer que a luta particular que se instaura é a luta de
Cuba, de todos os sujeitos cubanos, este é o momento particular do discurso, que se
consubstancia em „momentos do texto‟, como em festa da revolução encabeçada pelo
presidente, 300 reformas aprovadas pelo VI Congresso do Partido Comunista (PCC)
em abril, 600 deputados devem comparecer à segunda sessão anual com o presidente
de 80 anos que assumiu o lugar de seu irmão Fidel Castro, Membros do Parlamento
têm se encontrado, Cuba não existem mercados atacadistas. Nesses momentos, o texto
traz à tona a identidade cubana de um país socialista supostamente independente, já que
o temos aqui um evento social que traz como momento social o próprio texto, mas esse
evento inclui os demais avanços da própria constituição social, a própria vida social e
“todas as ações e acontecimentos que constituem um „processo social” (HARVEY apud
FAIRCLOUGH, 2006, p. 25).
Vemos uma gestão „familiar‟, pois Raul assumiu o lugar de seu irmão Fidel
Castro e entendemos uma contribuição da população representada pelos Membros do
Parlamento em um país de mais de 600 deputados, no qual não existem mercados
atacadistas. Ainda assim, em um país de mais de 11 milhões de habitantes, de
administração socialista, há a falta de abastecimento de alimentos e se vê obrigado a
importar 80% dos alimentos consumidos pela população este ano. Em certa medida,
estes momentos do texto constituem-se uma ponte para permitir que as pessoas aceitem
as novas regras e percebam a valoração e a necessidade iminente de se mudar o cenário,
de tornar o país mais competitivo e poder dar à população o acesso ao mundo
globalizado que a fronteira socialista impede. O que temos aqui é um discurso reverso,
que usa as características identitárias do país em favor da globalização. O texto, nesse
sentido, torna-se a ferramenta de mudança dos aspectos locais em busca de nuances
globais, o que se dá porque
certos discursos ... que podem ser apresentados como inadequados para
os processos reais [de globalização], em que falta „adequação prática‟,
podem também ser usados para criar e sustentar posições injustas e antidemocráticas e relações de poder, e podem nesse sentido serem
considerados como ideologias (FAIRCLOUGH, 2006, p. 4).
Questionamos se essa propositura não está mais relacionada com uma
unificação de interesses dos detentores do poder internacional e, portanto, um ato
globalista, ou se isso seria uma maneira inevitável de continuar a ser socialista, posto
que, assim sendo, a manutenção do poder dos Castro seria mantido. De qualquer prisma
que se olhe para a situação, temos uma governança ditatorial, unívoca, e, portanto
globalista, que cala todas as vozes de baixo (Fairclough, 2006). Se nos voltamos para o
que preceitua Fairclough (2006, p. 121 TN) ao conceituar a globalização de baixo,
entendemos que ela “vem da ação situada em lugares particulares, mas mediante a
dialética de lugar e espaço estes lugares são „globalizados‟, para que os recursos para a
ação situada sejam cada vez menos estritamente locais e se tornem cada vez mais
globais”. Temos, aqui, um local particular, Cuba, que sofre as consequências de sua
individualização, de seu afastamento do mundo capitalista por muitos anos, e, agora, se
vê globalizando a sua estrutura, ou seja, vê-se capitalizando o socialismo que pregou.
Como a prática social ou a ordem do discurso, que comportam os gêneros e
estilos, correspondem aos momentos semióticos dessas práticas, vemos a
consubstanciação de rituais associados a instituições e organizações específicas
funcionando como intermediação entre as estruturas e os eventos sociais, nos termos de
Fairclough (2006), que aqui são representadas pela instituição Estado e pela organização
empresarial.
Veja que toda a construção da identidade cubana é reestruturada para um
modelo socialista que deve ser atualizado para abarcar o sistema capitalista de mercado,
pois na atualização do modelo do socialismo devem ser deixados para trás os
preconceitos que persistem contra o setor privado. O uso de atualização ameniza a
radical alteração que as reformas propõem. Dados já mostram que estamos tratando de
uma privatização do estado e uma transferência de suas responsabilidades para as
empresas, ou seja, uma mudança de modo de governar que caminha do socialismo para
o capitalismo, pois o número de trabalhadores no setor privado passou de 148 mil para
326 mil, enquanto outras 146 mil pessoas receberam permissão para plantar em terras
do Estado com o objetivo de eliminar a falta de abastecimento de alimentos.
Talvez o processo de mudança seja inevitável, porque o próprio país não
consegue sequer suprir as necessidades alimentares de sua população e se vê obrigado a
importar 80% dos alimentos consumidos pela população este ano, a um custo de US$
1,5 bilhão, além de ter de suspender a proibição de venda ao consumidor de produtos
em vigor desde 2003, para satisfazer a demanda dos empresários por itens como forno,
aparelhos de ar condicionado, tostadeiras, cafeteiras e outros equipamentos. O que se
depreende dessa propositura é que as alterações na governança cubana passam por uma
necessidade interna – e, portanto, local – que se entrega a uma imposição externa – e,
portanto, global – para criar um momento de instabilidade governamental entendida
como glocal, que abarca características de um e de outro „mundo‟: o globalizado
capitalismo, e o localizado socialismo. Nesse sentido entendemos que
A esfera das relações de poder está profundamente tocada pelas
mudanças que tem ocorrido em todos os campos ... todas as dimensões
do poder estão afetadas, tanto em projetos quanto nas ideologias dos
agentes políticos, como em sua maneira de governar, legislar, julgar e
de reprimir (BAJOIT, 2003 [2008], p. 67 TN)
O cenário que se apresenta não permite que as regras socialistas sejam tomadas
a ferro e fogo para produzir uma governabilidade. Raul Castro, então, se vê diante dos
resultados, das consequências das 300 reformas que propôs para atender a uma ordem
mundial, e a aprovação pelo VI Congresso do Partido Comunista Cubano (PCC) é uma
prova da inevitabilidade das mudanças, posto que a sociedade comunista cubana
entende sua fragilidade e permite que a atualização do socialismo. Como todo o
processo tem início, ou pelo menos se materializa inicialmente nos textos, nos
discursos, o poder do texto como discurso potencializa-se e invade as relações sociais,
porque o poder não apenas aparece „nos‟ ou „por meio dos‟ discursos, mas também que
é relevante como força societal „por trás‟ dos discursos” (VAN DIJK, 2008, p.44)
proferidos por agentes reais do cenário sociocultural, mas se reflete, posteriormente, na
ação, no cotidiano e na vida dos agentes sociais.
Se na noção de globalização encontramos a busca por uma igualdade global, e
essa igualdade fosse passível de ser encontrada, teríamos uma igualdade na hibridização
dos textos que se tornariam espelho da igualdade social e refletiriam os benefícios que
poderiam ser depreendidos das mudanças (re)inventadas pela nova economia global.
Porém, assistimos a uma exacerbada imposição econômica na postura local em Cuba.
As alterações da governança cubana são encaminhadas unicamente por fatores
econômicos, pela vontade (e necessidade) de se adequar ao mundo globalizante e
subsistir na selva econômica de commodities, de bens de consumo e da imposição de
necessidades desnecessárias, mas favoricistas ao progresso da Economia. Por isso, na
pauta da modernização do socialismo que busca eficiência econômica, encontramos
medidas que incluem uma abertura para os pequenos negócios privados e o
investimento estrangeiro, autonomia empresarial e a eliminação de subsídios para
tornar mais eficiente o esgotado modelo centralizado, de corte soviético.
Note-se que o modelo socialista é dado como esgotado, ou seja, ultrapassado,
que exige, por isso, modernização ou atualização, o que será conseguido apenas se o
país lutar contra a indisciplina trabalhista, a falta de controle dos recursos, as atitudes
burocráticas, a indolência e o esquematismo que nada têm a ver com o socialismo, ou
seja, se o socialismo se capitalizar, o que simplesmente exime os próprios preceitos
socialistas, que preceituam a extinção da propriedade privada dos meios de produção e
defendem a tomada do poder por parte do proletariado e o controle do Estado para uma
divisão igualitária da renda.
O vice-presidente cubano, José Ramón Machado, que tem uma biografia
voltada para a luta em favor da igualdade de direitos, lutou ao lado de Che Guevara e de
Fidel Castro, defende, agora, que na atualização do modelo do socialismo devem ser
deixados para trás os preconceitos que persistem contra o setor privado, mas isso é um
contrassenso, pois exclui a empresa privada e o Estado é o grande provedor e gesto em
um regime socialista, regime este que defendeu desde há muito tempo.
As próprias palavras do discurso de Ramón Machado provam a influência da
globalização primeiramente no seu discurso e, em seguida, na própria constituição de
sua ideologia que, assim sendo verdadeira, demonstra um deslocamento de conceitos e
de percepções do mundo que o levam a acreditar em medidas „intermediárias‟ entre um
socialismo totalitário e um capitalismo totalitário. Na realidade, deixando de lado as
possíveis vozes que diriam tratar-se apenas de uma manobra política (que em nosso
trabalho não são relevantes porque se associam a impressões sem grandes explicações
teóricas). Percebemos um movimento que parte de uma globalização econômica, que se
dá discursivamente, para uma alteração da visão de mundo a respeito da
governabilidade. Nas palavras de Amon Machado, vemos a sua aquiescência (inclusive
ideológica) a uma lógica de mercado capitalista, ou seja, uma reestruturação de sua
própria identidade. Por isso, deixar de lado os preconceitos que persistem contra o setor
privado é uma textualização do que podemos chamar de uma concreta reestruturação
tanto a estrutura social quanto a estrutura individual deste agente social.
Na estrutura social, as mudanças se concretizarão com a abertura para os
pequenos negócios privados e o investimento estrangeiro, autonomia empresarial uma
abertura para os pequenos negócios privados e o investimento estrangeiro, que,
certamente, mudarão a gestão estatal de uma economia 90% controlada pelo Estado
para índices drasticamente inferiores de autonomia estatal. Isso, por si só, transformará
o socialismo cubano em algo ainda indefinido, em uma gestão que se diz socialista, mas
que pratica o capitalismo para subsistir.
O reflexo dessa postura certamente mudará o cenário social cubano e trará a
esses novos agentes socialistas-capitalistas uma maneira diferente de agir. Como o
processo vai aprofundando-se com a implementação de novas estruturas e
reestruturação de velhas atitudes, o indivíduo, o sujeito, tornar-se-á diferente, alterado
pelo discurso que o permeará e, por conseguinte, ciclicamente, novos processos se
instalam para a manutenção da ordem social que, neste caso, reconfigura-se pelos
mandos da globalização, e reconfigura o indivíduo pelo apelo de se buscar uma
integração social, pelo viés do dever de todos em prol do bem comum. Mesmo sabendo
que a sociedade disciplinária fundamentada no Dever está igualmente desaparecendo
pouco a pouco (BAJOIT, 2003 [2008], p. 111) parece ser dever dos governantes manter
uma ordem social socialista, mas estes se veem incapazes de realizar tal feito sem
aceitar as novas regras capitalistas, para alcançar uma integração social.
Percebemos como a comodificação se mascarada de uma busca de integração
social. Se, como já o dissemos anteriormente, a comodificação se dá pela inserção da
lógica capitalista de produção, distribuição e consumo de bens e mercadorias para
instituições sociais (Fairclough 2003, 2006), aqui, vemos a comidificação torna-se uma
ferramenta de discussão política e gestão em Cuba. O governo, dito socialista – e afeito
ao comunismo – se vê comodificado, pois já busca a capitalização do socialismo,
impingindo às instâncias governamentais aspectos de produção, distribuição de
consumo de bens, como se vê na sua atitude de permitir uma autonomia empresarial e
defender a eliminação de subsídios do Estado.
Nosso exemplo tem por base a integração social do capitalismo em Cuba, que o
corpus analisado refere-se ao país, mas essa integração é assistida por todos os
habitantes do mundo, posto que a exclusão do acesso ao capital em qualquer parte do
mundo é uma exclusão da capacidade de se viver humanamente. Exemplos pululam
pelo mundo afora em que as consequências da não-globalização ou das dificuldades
naturais de acesso ao capital tornam nações inteiras excluídas do que se conceitua como
viver bem socialmente. Se Cuba assiste à falência de seu modelo socialista, a África,
por exemplo, demonstra a dificuldade „natural‟ – por suas condições geográficas e
históricas – de obter voz nesse universo criado com os avanços tecnológicos e com o
estreitamento da barreira geográfica na gestão nacional.
O papel, então, da ACD e sua aplicabilidade ao ensino perpassa a análise
crítica do texto socialmente constituído e, para que possamos entender como os sujeitos
estudantes (e professores) podem se valer da associação de uma análise efetivamente
crítica do discurso e sua repercussão na sociedade, algumas ponderações de vem ser
feitas. É o que faremos na próxima sessão.
ACD e o ensino escolar
Antes de estabelecermos uma maneira de proceder a uma análise crítica do
discurso, precisamos situar a escola como uma instituição socialmente produzida para
apreender a constituição social e os usos que as sociedades (re)estabelecem para
existirem (ou subsistirem) no mundo. É também preciso que se tenha em mente que a
instituição escola é uma instância em que se manifestam interesses sociais (das classes
dominantes) e que a sua função é exatamente instar-se como instituição social e,
portanto, detentora de poder, cuja função é criar pequenas revoluções no pensamento
dos sujeitos sociais, dando-lhes ferramentas para criticar, reestruturar, renovar e até
mesmo, perpetuar o status quo, desde que conscientes da hegemonia.
Seu papel, então, como formadora de leitores críticos, de cidadãos ativos é o de
fornecer o aparato linguístico crítico para que as mudanças sociais possam ocorrer
oriundas das vozes de baixo, das vozes dos sujeitos sociais conscientizados de seus
interesses, desejos deveres e intenções.
Comecemos por esclarecer “de onde” saem as vozes de poder manifestadas
discursivamente e legitimam as formas de controle social que, podem ser assim
divididas:
os que têm um controle total imposto ou mantido pela força, como em
uma ditadura e, em alguns domínios, num sistema democrático de
governo; e os que exercem um controle parcial, sancionado ou por
uma elite, uma maioria, ou por um consenso mais ou menos geral
(VAN DIJK, 2008, p. 55)
A escola encontra-se, evidentemente, no segundo grupo e este é o primeiro
dado a ser ensinado aos alunos. Em seguida, é preciso que haja a conscientização de que
esse espaço de poder do qual eles passam a fazer parte é um espaço de resistência (ou
aquiescência) consciente e que esta consciência só é alcançada com a aceitação de que
vivemos numa sociedade baseada no conhecimento, fruto de uma Economia Baseada no
Conhecimento (EBC), oriunda das consequências da modernidade tardia (Fairclough
2003, 2006; Chouliaraki & Fairclough 1999). Essa é a chave para se compreender (e
refurar ou aceitar) as diferenças existentes na sociedade e perceber que “diferenças
(graduais) refletem as possibilidades de sanção dos poderosos, bem como a aceitação ou
a resistência dos que se sujeitam ao exercício do poder” (ibidem, p. 55).
Nesse sentido, a escola deixa de analisar a realidade para ser ela mesma um
reflexo dessa própria realidade e lida, especialmente, com a textualização, com a
materialização do discurso social que se torna a sua arma para se defender das
mudanças indesejadas e para implementar mudanças desejadas com o apoio de seus
alunos aprendizes. A escola, então se constitui ela própria realidade e simulacro da
realidade e deve tanto ela própria ter consciência quanto oferecer aos seus membros a
capacidade de terem consciência de que, na modernidade tardia,
a realidade foi substituída pelo „simulacro‟ constituído por estes sinais
que circulam: „onde a representação tenta absorver a simulação
interpretando-a como uma falsa representação, a simulação envolve
todo o edifício da representação como um simulacro ele mesmo‟
(BAUDRILLARD 1983, apud CHOULIARAKI & FAIRCLOUGH,
1999, p. 3).
Se o substrato da escola, a ferramenta da escola é, basicamente, o discurso, sua
análise e ensino devem ser perpassados pela análise social do discurso, ou seja, pautada
pelos preceitos da Análise Crítica do Discurso, que o concebe como produto sóciohistórico-cultural que representam “as formas sociais que são produzidas por pessoas e
podem ser modificadas por pessoas [mas que] estão sendo vistas como se fossem parte
da natureza” (CHOULIARAKI & FAIRCLOUGH, 1999, p. 4 TN) atualmente e devem
ser desveladas, a fim de
esclarecer o novo mundo que está surgindo ...[e] mostrar que direções
alternativas não pensadas existem – como aspectos deste novo mundo
que melhoram a vida humana podem ser acentuados, como aspectos
que são prejudiciais a ela podem ser mudados ou mitigados. (Ibidem,
p. 4 TN)
Esses são os parâmetros que devem guiar o trabalho escolar com o texto
associado a sua repercussão social. Desta maneira, alguns passos devem ser seguidos
para se implementar um ensino baseado na ACD, que proporcione ao aluno as
ferramentas para que ele possa efetivamente se estabelecer como sujeito social agente
da/na luta pelo (e contra) o poder. Tomando por base o corpus aqui apresentado,
entendemos que os passos a serem seguidos são:
a) Quanto aos aspectos do evento social ou o texto propriamente dito
A abordagem do texto deve tomar a sua estrutura como o mote para se buscar
as representações simbólicas que ele abarca. Assim, é preciso que a notícia seja tratada
como um evento que forma e transforma o mundo real, ou seja, que ela além de dar uma
informação, influencia na tomada de decisões. No nosso exemplo, é importante que o
aluno seja conscientizado da importância das escolhas lexicais, dos campos semânticos
e da sua repercussão na/para a significação.
Aqui, devem ser apontados os aspectos da formação de uma identidade local,
como acima descrito, proporcionando ao aluno uma visão do que está sendo construído
como a faceta social de Cuba e do Socialismo. Com isso, estabelece-se uma
historicidade a respeito do país e a sua força como representante do modelo socialista de
sociedade e, portanto, cria-se a oposição ao capitalismo. Nesse âmbito, as marcas
textuais como a caracterização do país (11 milhões de habitantes, uma economia 90%
controlada pelo Estado etc.) permeiam as práticas discursivas do socialismo, aqui dadas
especialmente pela ideia de controle da economia pelo Estado.
Deve-se, então, estabelecer a percepção do hibridismo textual e se inserir as
características dos textos oriundos da economia, especialmente com o aparato léxico
que subsidia as ideias do texto (como setor privado, abertura para pequenos negócios,
investimentos etc.), e semânticos (como preconceito contra o setor privado, criar novos
empregos, satisfazer a demanda dos empresários etc.), com isso mostra-se a
heterogeneidade em forma e significado textual, o que pode ser analisado como facetas
de processos mais amplos de mudança social e cultural (FAIRCLOUGH, 1996, p. 55).
b) Quanto aos aspectos a prática social ou a ordem do discurso
Como as ordens do discurso (discurso, gêneros e estilos) correspondem ás
práticas sociais que são rituais associados a instituições e organizações específicas e
funcionam como intermediários entre as estruturas e os eventos sociais, é preciso que se
esclareça que os agentes sociais escolhem as ordens do discurso com o objetivo de criar
novos sentidos. Em nosso caso, o novo sentido que está fortemente marcado no texto é
o de uma releitura do capitalismo, travestido de socialismo.
Por isso, é preciso esclarecer aos alunos a maneira como, discursivamente,
tanto o texto em si (sem se ater ao seu produtor especificamente) quanto as citações que
ele „oferece‟ representam instituições consolidadas socialmente. É importante, para se
alcançar esse objetivo, que a percepção das diferenças crassas entre socialismo (que tem
no Estado o gestor de uma sociedade igualitária) e o capitalismo (que tem o mercado
como regulador das ações estatais e empresarias). Feito isso, torna-se mais fácil
esclarecer as razões de escolhas que tendem a criar novos significados para os usos, ou
seja, tona-se mais fácil permitir que o aluno chegue a conclusões mais sólidas a respeito
do que está sendo „informado‟.
Pontos do corpus apresentado que merecem destaque incluem o esclarecimento
da forma com que Ramón Machado trata o socialismo, especialmente com base na
dicotomia criada com sua afirmação de que na atualização do modelo do socialismo
devem ser deixados para trás os preconceitos que persistem contra o setor privado.
Aqui o socialismo tomado como uma ideologia deve ser revisto, posto que neste „novo
socialismo‟ o setor privado não deve sofrer preconceitos do Estado.
Há, nessa nossa proposta, a necessidade de debates e de esclarecimentos de
muitos detalhes históricos e culturais para que o aluno possa efetivamente se tornar
crítico quanto ao novo modelo proposto. Implica a informação vinda de processos de
intertextualidade marcada e não marcada presentes no texto e de evidências históricas
de que estamos diante de uma nova proposta de governança.
Ao final dessas discussões, os alunos devem estar conscientes das diferenças e
das implicações das junções de conceitos e práticas distintas em um único local – Cuba
– e que essa junção é um reflexo de uma construção da globalização ou do globalismo
(o que vai ser decidido segundo as conclusões do grupo).
A discussão seguinte ainda afeita aos efeitos da ordem do discurso devem se
centrar na figura de Ramón Machado, dando-se subsídios aos alunos a respeito de sua
trajetória política no país, das uniões em lutas contra a dominação de que ele participou
(com Che Guevara, Fiel e na sua atuação à frente do Ministério da Saúde e como
membro do Conselho de Estado Cubano e, mais recentemente, à frente do Partido
Comunista Cubano). Isso deve ser feito para se questionar a sua posição tanto como
dominante quanto dominado, além de se encaminhar novas conclusões a respeito de sua
„ideologia‟ volátil.
c) Quanto aos aspectos da estrutura social ou linguagem
Por se tratar do nível de análise mais abstrato e geral, agora é o momento de se
esclarecer que é por intermédio da linguagem e sustentados por instituições específicas
que as normas e códigos são estabelecidos com o findo propósito de orientar os agentes
sociais em suas ações e em suas escolhas discursivas que (re)produzirão novas ações,
que contribuirão para as mudanças sociais, segundo preceitos os mais diversos.
Trata-se de um momento de grande dificuldade de trabalho na escola, pois aqui
imbricam-se as estruturas sociais, os agentes sociais, suas ideologias e as representações
de todos esses elementos no discurso, que tem o poder de reforçar conceitos,
cristalizando-os, alterando-os, modificando-os e, ainda, reformulando-os com a inserção
de outros conceitos (igualmente discursivos) na propositura de novas formas de ação no
mundo. É o caso, então, de retomar os conceitos do socialismo e do capitalismo (e
alguns aspectos do comunismo) para poder fornecer aos alunos, agentes sociais, a
capacidade de discernir entre o velho e o novo, ou seja, de compreender como as novas
práticas implicam a reestruturação do texto, das práticas sociais, da estrutura social e da
revisão da própria linguagem, em um processo cíclico infindável.
Aqui, o foco não é pontual no texto, mas uma junção de todos os aspectos
sociais, históricos, contextuais e culturais que lhe compõem.
Assim procedendo, acreditamos que a escola se inseriria numa luta contra as
estruturas sociais das quais ela própria e seus membros não concordam ou a favor
daquelas em que acredita.
Enfim, um começo
Nosso trabalho trouxe, inicialmente, alguns conceitos da Análise Crítica do
Discurso e situou-a nas relações sociais, postulando a sua importância para a
compreensão do discurso como ferramenta de luta e de esclarecimento das relações de
poder. Em seguida, contextualizou o corpus para, depois, oferecer uma análise social
das manifestações discursivas encontradas. Por fim, apresentou algumas sugestões da
aplicabilidade dessas análises no contexto escolar, que foi amplamente tomado como ele
próprio, uma instância de poder que se materializa na instituição escola.
Nosso trabalho permitiu que víssemos o uso do discurso como uma maneira de
desvelar aspectos manipulatórios do uso linguístico que, por sua vez, permite que as
práticas sociais sejam entendidas, defendidas ou refutadas. Como estávamos em busca
de esclarecimentos quanto aos processos de globalização que se dão discursivamente,
pudemos encontrar dados que nos subsidiam para dizer que os efeitos o discurso
econômico, os efeitos dos reflexos que esses processos econômicos trouxeram para essa
nova modernidade, a modernidade tardia, estão presentificados nos textos tanto
lexicalmente, com o uso marcadamente enfático de termos e conceitos da Economia
como negócios privados, investimento estrangeiro, autonomia empresarial, como
práticas econômicas do capitalismo como se vê na proposta de que empresários operem
legalmente [a economia].
Essas marcas no discurso da notícia são, entendemos, uma forma de propagar e
impor aos agentes sociais atitudes globalistas, posto que, ao contrário do que se pode
imaginar, não há uma globalização com a contribuição e o respeito aos desejos das
vozes de baixo, mas uma imposição que vem de cima, de agentes sociais que estão
agindo sem que se manifestem seus reais interesses, mas apenas a representado,
consubstanciando o desejo de um grupo de dominantes cujos nomes sequer são sabidos,
posto que o processo em que nos encontramos, na modernidade tardia, chamado de
globalização é uma abstração. O que assistimos, então, é uma comodificação da palavra,
uma mercantilização do discurso e uma propagação de atitudes que são afeitas apenas às
leis de mercado.
A contribuição que esta nossa proposta traz para o ensino é exatamente mostrar
que a escola torna-se um instrumento de luta pelo poder, que pode oferecer aos seus
alunos as ferramentas para que eles escolham aquiescer ou instar-se contra o status quo,
o que deve ser feito com o uso de conceitos da ACD aplicados ao ensino com o uso de
textos devidamente contextualizados e esclarecidos de suas idiossincrasias tanto
materiais, discursivas, quanto subjetivas, ideológicas.
Por fim, deixamos, aqui, nosso questionamento quanto às ações atuais das
escolas, aqui não discutidas por serem consensuais, e o papel que ela está exercendo
atualmente, que é, no nosso entendimento, menor do que poderia ser. Nossa intenção,
evidentemente, não é mascarar as dificuldades de se produzir conhecimento na escola,
mas poder repensar a proposta atual de uso textual, de uso discursivo, e voltar a ação da
escola para a produção crítica de discussões igualmente críticas a respeito da estrutura
social vigente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAJOIT, Guy. El cambio social: analisis sociológico del cambio social y cultural em
las sociedades contemporâneas. Madri: Siglo XXI, 2003 [2008]
CHOULIARAKI L., & FAIRCLOUGH, N. Discourse in Late Modernity. Edinburgh
University Press, Edinburgh, 1999.
FAIRCLOUGH, N. A reply to Henry Widdowson's 'Discourse analysis: a critical
view'. In Language and Literature, 1996, p. 49-56.
______. Analyzing Discourse: Textual Analysis for Social Research. London:
Routledge, 2003.
______. Discourse and Social Change. Cambridge: Polity Press, 1992.
______. Discurso e mudança social. Tradução de Izabel Magalhães. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2001 [1992].
VAN DIJK, Teun. Discurso e poder. São Paulo: contexto, 2008.
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